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Proc. nº 139/94
2ª Secção
Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. T... impugnou, no Tribunal Judicial de
Setúbal, o despacho do Director-Geral da Qualidade do Ambiente que lhe aplicou
uma coima de 500.000$00 pela prática da contra-ordenação prevista e punível
pelas disposições conjugadas dos artigos 17º e 20º, nº 1, alínea b), do
Decreto-Lei nº 280-A/87, de 17 de Julho, pois teria posto à venda no seu
estabelecimento de drogaria, em Pinhal Novo, embalagens de substâncias
perigosas, sem que da respectiva rotulagem constasse advertência quanto a essa
perigosidade.
2. Aquele Tribunal julgou provados os
factos imputados; todavia, na fixação concreta da medida da coima, não teve em
conta os limites fixados no artigo 20º, nº 1, alínea b), do citado Decreto-Lei
nº 280-A/87, por inconstitucionalidade orgânica; antes considerou aplicáveis os
limites mínimo de 500$00 e máximo de 500.000$00, constantes do artigo 17º, nº 1,
do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro; pelo que reduziu a 70.000$00 a coima
a pagar pelo arguido pela prática da referida infracção.
3. Da sentença, interpôs o
Ministério Público recurso obrigatório, circunscrito à apreciação da apontada
inconstitucionalidade.
Já no Tribunal Constitucional, o
recorrente apresentou alegações no sentido de que deverá julgar-se
inconstitucional a norma em causa, na parte em que os montantes da coima aí
fixada não respeitam os limites estabelecidos no regime geral do ilícito de mera
ordenação, constante da versão originária do Decreto-Lei nº 433/82,
concedendo-se, assim, provimento parcial ao recurso.
O recorrido não se pronunciou.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
4. O presente recurso tem por objecto a
apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 20º, nº 1, alínea b), do
Decreto-Lei nº 280-A/87, que tem a seguinte redacção:
Artigo 20º - Contra-ordenações e coimas
1 - A violação do disposto nos artigos 6º a 8º e 16º a 19º do presente diploma
constitui contra- -ordenação punível com as seguintes coimas:
[...]
b) De 500.000$ a 3.000.000$ por violação das normas sobre embalagem
e rotulagem.
[...]
5. O Decreto-Lei nº 280-A/87 estabelece
as regras a que devem obedecer, por um lado, a notificação de substâncias
químicas a colocar no mercado, quando não incluídas na listagem elaborada pela
Comissão das Comunidades Europeias [artigos 2º, nº 1, alínea a), e 3º, alínea
d)], e, por outro lado, a classificação, embalagem e rotulagem de substâncias
químicas perigosas para o homem e o ambiente, quando colocadas no mercado
[artigo 2º, nº 1, alínea b)]. Procurou-se, assim, harmonizar a legislação
portuguesa com a comunitária no que se refere às regras sobre a notificação
daquelas substâncias químicas, e adoptar medidas de precaução, de correcta
embalagem e rotulagem que minimizassem o risco que tais substâncias representam
para o homem e o ambiente.
Tal diploma foi aprovado pelo Governo nos
termos do artigo 201º, nº 1, alínea a), da Constituição, conforme consta do
respectivo preâmbulo, isto é, no exercício da competência legislativa do Governo
em matérias não reservadas à Assembleia da República.
6. A questão que aqui se discute
consiste, no fundo, em saber se o Governo, sem autorização legislativa, pode, de
acordo com a Constituição, alterar os limites mínimos e máximos impostos pelo
Decreto-Lei nº 433/82, de 17 de Outubro, como regime-regra das
contra-ordenações. Tal questão já foi apreciada numerosas vezes, a propósito de
vários diplomas que fixaram limites superiores aos constantes do Decreto-Lei nº
433/82. No entanto, ainda não havia estado sob exame o caso específico do
Decreto-Lei nº 280-A/87 (quanto a outros casos paralelos, poderão, porém, ver-se
o Acórdão nº 447/91, Diário da República, I Série, de 11 de Janeiro de 1992, o
Acórdão nº 441/93, Diário da República, II Série, de 23 de Abril de 1994, e os
Acórdãos nº 787/93, nº 837/93, nº 149/94 e nº 585/94, ainda inéditos, bem como
os demais arestos aí citados).
E em todos esses casos, o Tribunal
estabeleceu uma orientação jurisprudencial constante, que aqui será retomada.
Indiquemo-la, pois, ainda que sumariamente.
7. Conforme já exposto no Acórdão nº
56/84 (Diário da República, I Série de 9 de Agosto de 1984), o Tribunal entende
que o Governo tem competência (concorrente com a Assembleia da República) para
definir, alterar e eliminar contra-ordenações, e bem assim para modificar a sua
punição; porém, é matéria da competência reservada da Assembleia da República,
salvo autorização ao Governo, legislar sobre o regime geral do ilícito de mera
ordenação social (artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição, na actual
redacção), isto é, sobre a definição da natureza do ilícito contra-ordenacional,
a definição do tipo de sanções aplicáveis às contra-ordenações, e a fixação dos
respectivos limites e das linhas gerais da tramitação processual a seguir para a
aplicação concreta de tais sanções (coimas).
Nesse regime geral está incluída, sem
dúvida, a fixação dos limites mínimo e máximo das coimas a estabelecer.
8. Ora, como tais limites se acham
fixados no artigo 17º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, o Governo só mediante
autorização legislativa parlamentar pode estabelecer coimas com valores mínimos
inferiores aos limites mínimos aí previstos, ou com valores máximos superiores
aos limites máximos aí previstos. Pode, porém, estabelecer valores mínimos
superiores àqueles limites mínimos, desde que, evidentemente, sejam inferiores
aos correspondentes limites máximos.
No presente caso, o Decreto-Lei nº
280-A/87 fixou, no artigo 20º, nº 1, alínea b), o valor mínimo da coima em
500.000$00 e o valor máximo em 3.000.000$00, reduzidos a metade no caso de mera
negligência (artigo 23º). Mas, os limites mínimo e máximo das coimas, permitidos
em relação a pessoas singulares, eram respectivamente de 200$00 e 200.000$00
(100.000$00, no caso de negligência), segundo o artigo 17º, nºs 1 e 2, do
Decreto-Lei nº 433/82, na redacção inicial, vigente à data da entrada em vigor
do Decreto-Lei nº 280-A/87, e de 500$00 e 500.000$00 (250.000$00, no caso de
negligência), na redacção dada pelo
Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro, emitido ao abrigo de autorização
legislativa parlamentar (Lei nº 4/89, de 3 de Março), vigente à data da prática
da infracção.
Assim, o Governo foi além da sua
competência legislativa na parte em que excedeu o montante máximo, mas também na
parte em que excedeu o montante mínimo, pois o valor que fixou como mínimo, no
caso de negligência, como acontece na hipótese dos autos, de acordo com a
sentença recorrida - isto é, metade 500.000$00, ou seja, 250.000$00 - iguala o
próprio máximo, fixado em lei parlamentarmente autorizada.
Dir-se-á, quanto ao limite mínimo, que se
poderia aplicar o constante do Decreto-Lei nº 280-A/87, já que, não sendo
superior, mas igual, ao limite máximo aplicável, daí apenas decorreria como
consequência a aplicação de uma coima de montante não variável, sendo certo que
a jurisprudência deste Tribunal, plasmada nos Acórdãos nº 83/91 (Diário da
República, II Série, de 30 De Agosto de 1991) e nº 441/93, tem sido a seguinte:
[...] dos princípios constitucionais da justiça, igualdade e proporcionalidade
«não decorre necessariamente, de forma directa ou indirecta, a ilegitimidade
constitucional de todas as chamadas penas fixas», não existindo assim um
obstáculo constitucional a uma sanção contra-ordenacional dessa natureza.
Só que a possibilidade de aplicação de
uma sanção não variável implicaria, in casu, uma frontal contradição com a
vontade expressa pelo legislador no nº 2 do artigo 20º do Decreto-Lei nº
280-A/87, onde se estabelecem os critérios para a determinação, em concreto, dos
montantes das coimas. Assim sendo, não se justifica a mera
inconstitucionalização parcial da norma, no que se refere ao seu limite máximo.
9. O artigo 20º, nº 1, alínea b), do
Decreto-Lei nº 280-A/87 é, pois, inconstitucional, por violação do disposto no
artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição, mas apenas na medida em que aí se
excedem os limites máximo e mínimo impostos pelo artigo 17º, nºs 1 e 2, do
Decreto-Lei nº 433/82 (neste ponto, justificando-se inteiramente a mera
inconstitucionalização parcial da norma).
III - DECISÃO
10. Assim, e face ao exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional a norma do
artigo 20º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 280-A/87, de 17 de Julho, na
parte em que os valores mínimo e máximo da coima aí prevista não respeitam os
limites estabelecidos no artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro,
por violação do disposto no artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição;
b) E, consequentemente, negar provimento
ao recurso.
Lisboa, 21 de Fevereiro de 1995
Luis Nunes de Almeida
Guilherme da Fonseca
Messias Bento
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
José Manuel Cardoso da Costa