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Procº nº 307/94
1ª Secção
Relator: Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1.- Nos presentes autos em que é recorrente A., com sede
em Lisboa, e recorridos B. e outros, o relator elaborou exposição preliminar ao
abrigo do artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por
considerar, por um lado, não ser caso de admitir recurso ao abrigo da alínea a)
do nº 1 do artigo 70º desse texto da lei, dado não ter ocorrido desaplicação,
explícita ou implícita, da norma do artigo 672º do Código de Processo Civil por
violação do invocado princípio constitucional da intangibilidade do caso
julgado, e, por outro lado, considerando a via de recurso nos termos da alínea
b) do nº 1 do mesmo preceito, não ser o mesmo de receber por falta de
suscitação atempada da questão de constitucionalidade.
2.- Ouvidas as partes, enquanto os recorridos
manifestaram a sua integral concordância com o parecer lavrado, a ora
recorrente pronunciou-se desfavoravelmente, o que fez, no entanto, em termos de
pretender rediscutir o decidido anteriormente, em sede insindicável neste
Tribunal, sem tão pouco pôr em causa a intempestiva suscitação da questão de
constitucionalidade.
3.- Termos em que, pelas razões constantes da exposição
preliminar, não contrariadas na resposta da recorrente, se decide não tomar
conhecimento do recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se
fixa em 6 (seis) unidades de conta.
Lisboa, 31 de Janeiro de 1995
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Diniz
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
José Manuel Cardoso da Costa
Procº nº 307/94
1ª Secção
Relator: Cons. Tavares da Costa
Exposição a que se refere o artigo 78º-A, nº 1 da Lei nº 28/82,
de 15 de Novembro.
1.- A., com sede em Lisboa, interpôs
recurso de revisão do saneador-sentença proferido em acção sumária no 14º Juízo
Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa, sendo autores B., e outros, ora
recorridos, e ré a recorrente.
O recurso foi indeferido liminarmente por despacho
de 14 de Janeiro de 1988, dado se entender não se verificar o fundamento
invocado, previsto no artigo 771º, alínea c) do Código de Processo Civil.
Na sequência do agravo interposto, o Tribunal da
Relação de Lisboa, por acórdão de 11 de Janeiro de 1990, determinou a
substituição do despacho recorrido por outro que admitisse o recurso de
revisão.
Por despacho de 15 de Fevereiro de 1992 considerou-se
improcedente o recurso por falta de fundamento e condenou-se a recorrente como
litigante de má fé.
Reagiu esta novamente e a Relação, por acórdão de 12 de
Novembro seguinte, negou provimento ao recurso, mantendo o anteriormente
decidido.
Agravou então a interessada para o Supremo Tribunal de Justiça,
alegando ofensa de caso julgado, referido ao arresto de 11 de Janeiro de 1990,
tendo presente o disposto no artigo 678º, nº 2 do Código de Processo Civil.
Arguida a questão prévia de não conhecimento do recurso, por
banda dos agravados, que aquele Supremo indeferiu, por acórdão de 6 de Julho de
1993, em conferência, por novo aresto de 16 de Novembro seguinte, o mesmo
Tribunal negou o agravo, ao concluir não se ter ofendido o caso julgado formal.
A agravante requereu, então, ao abrigo do disposto no artigo
669º, alínea a) daquele Código, a aclaração de cinco questões, que o acórdão de
8 de Março de 1994 indeferiu.
Reagiu a mesma de acordo com o artigo 668º, nº 3, sempre do
mesmo texto de lei, arguindo a nulidade prevista na alínea d) do nº 1 desse
preceito.
De novo o Supremo Tribunal de Justiça, em conferência, por
acórdão de 5 de Maio seguinte, se pronunciou, indeferindo a arguição de
nulidades.
É deste acórdão que A. recorre para o Tribunal Constitucional.
2.- O presente recurso vem interposto ao abrigo das
alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e tem
por objecto, nas palavras da corrente, 'a violação do princípio constitucional
da intangibilidade do caso julgado'.
Em sua tese, o Supremo, na interpretação que, em abstracto,
fez das regras jurídicas relativas ao recurso de revisão, 'desaplicou' a regra
do artigo 672º do Código de Processo Civil - o que legitima a convocação da
alínea a) do nº 1 do citado artigo 70º, uma vez que o recurso teria como único
objecto a ofensa de caso julgado formal.
Mas - acrescenta - caso se entenda que a interpretação das
normas jurídicas em ofensa a preceitos constitucionais - no caso, as normas
jurídicas que presidem à tramitação do recurso de revisão - 'resulta(m)' numa
norma jurídica inconstitucional, o recurso é interposto ainda ao abrigo da
alínea b) daquele nº 1 do artigo 70º, 'uma vez que, conforme é pacífico, a
intangibilidade do caso julgado é princípio constitucional em vigor'
(sublinhado original).
O recurso foi recebido pelo Senhor Conselheiro Relator o que,
no entanto, não vincula o Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, artigo 76º, nº
3).
3.- Entende-se que não pode conhecer-se do objecto do
recurso e dir-se-á sucintamente porquê.
3.1.- No domínio do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea a), da
Constituição da República e 70º, nº 1, alínea a), da Lei nº 28/82 - recusa,
por parte do tribunal, em aplicar norma com fundamento em inconstitucionalidade
- importa que a respectiva decisão se traduza na efectiva desaplicação de
norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, isto é, como se observou no
acórdão nº 76/92 deste Tribunal, 'a rejeição de aplicação normativa há-de
traduzir-se por forma explícita ou ao menos por forma implícita mas sempre em
termos de indubitável segurança no plano do respectivo juízo sobre a
ilegitimidade constitucional da norma recusada'.
Assim, não basta afirmar que determinada norma é
inconstitucional, pois que o tribunal recorrido a deve ter efectivamente
desaplicado por motivos de inconstitucionalidade.
Ora, no concreto caso, não se observa que o acórdão do Supremo
tenha desaplicado - explícita ou, sequer, implicitamente - disposição legal
com base em norma ou princípio constitucional, mormente o aludido 'princípio
constitucional da intangibilidade do caso julgado'.
Na verdade - e sem nos determos, sequer, na alegada projecção
constitucional dessa intangibilidade (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 800)
- não parece poder concluir-se diferentemente.
Com efeito, o Supremo limitou-se, no acórdão recorrido e em
termos naturalmente insindicáveis, a decidir não se verificar ofensa de caso
julgado, uma vez que as situações não são as mesmas e as decisões proferidas
terem 'âmbitos totalmente diversos' e basearem-se em 'elementos probatórios
diferentes' - o que nada tem a ver com a pretendida desaplicação da norma
contida no artigo 672º do código de Processo Civil, nomeadamente, a sua não
aplicação em concreto, única perspectiva relevante neste tipo de fiscalização
de constitucionalidade. O Supremo, na verdade, observou o disposto nessa norma
e limitou-se a considerar, em sede não controlável por este Tribunal, não se
congregarem os pressupostos necessários justificativos do recurso de revisão.
Não se verifica, assim, o primeiro dos fundamentos invocados
na petição de recurso.
3.2.- Idêntico parecer se emite quanto ao segundo dos
fundamentos trazidos à colação.
O recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo dos
artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição da República e 70º, nº 1, alínea
b), da Lei nº 28/82, exige, para ser recebido, a congregação de requisitos
específicos: a) suscitação durante o processo da questão de
inconstitucionalidade de uma norma e do princípio constitucional que se tenha
por violado; b) aplicação ulterior, pelo tribunal recorrido, de tal norma; c)
inadmissibilidade de recurso ordinário da decisão de aplicação, por a lei o não
prever ou por já se haverem esgotado todos os que no caso cabiam.
Para que estes requisitos se tenham por verificados -
designadamente o primeiro - importa, por um lado, que o recorrente haja
suscitado a questão de constitucionalidade de modo directo e perceptível,
indicando a disposição legal posta em crise ou, se questionar uma interpretação
dela feita, enunciando o sentido ou a dimensão normativa que se tem por
constitucionalmente ofensiva, e, por outro lado, que fique demonstrado ter sido
aplicada a norma, ou uma sua determinada interpretação, na decisão impugnada
como seu suporte normativo.
Nesta perspectiva - que a jurisprudência deste Tribunal
abona pacífica e reiteradamente - mais se entende que o requisito da
suscitação deve ser considerado não em sentido meramente formal, de modo que a
inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância, mas
num sentido funcional, tal que essa invocação haverá de ser feita em momento em
que o tribunal a quo ainda possa conhecer da questão, ou seja, antes de
esgotado o poder jurisdicional do juiz o que, em princípio, ocorre com a
prolação da decisão.
Citam-se a propósito, entre tantos outros, os Acórdãos 62/85,
123/89, 41/92 e 76/92, os três primeiros publicados no Diário da República, II
Série, de 31 de Maio de 1985, 29 de Abril de 1989 e 20 de Maio de 1992,
respectivamente.
Assim considerando, registe-se que, no caso vertente, a
recorrente só equaciona o problema de constitucionalidade da interpretação do
Supremo, dada pelo acórdão de 16 de Novembro de 1993, após ver desatendidos os
pedidos de aclaração e de arguição de nulidades, ou seja, depois de proferida a
decisão recorrida, quando devia - e podia - tê-lo feito antes, abrindo,
então, a via do recurso.
Com efeito, o poder jurisdicional esgota-se, em princípio, com
a prolação da sentença e o Tribunal Constitucional considera que a eventual
aplicação de uma norma inconstitucional 'não constitui erro material, não é
causa de nulidade da decisão judicial, nem torna esta obscura ou ambígua' pelo
que quer o pedido de aclaração de uma decisão judicial quer a reclamação de
nulidade não são já - em princípio, como é o caso - meios idóneos e
atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade.
Sobre este específico ponto citam-se não só o já aludido
Acórdão nº 62/85 como os nºs. 94/88, publicado no Diário da República, II Série,
de 22 de Agosto de 1988 e 118/92, entre outros.
4.- Considerando o exposto, ouçam-se as partes por 5
dias, nos termos e para os efeitos do disposto na parte final do nº 1 do artigo
78º-A da Lei nº 28/82.
Lisboa, 15 de Julho de 1994
Alberto Tavares da Costa