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Proc. nº 287/94
1ª Secção
Rel. Cons.: Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - Em processo de contra-ordenação, que a Direcção-Geral de
Concorrência e Preços instaurou contra a A., foi proferido o despacho de 9 de
Julho de 1992, por que o instrutor do mesmo processo decidiu não proceder a
diligências de prova requeridas por aquela Sociedade, com fundamento em que não
eram 'necessárias ao apuramento dos factos em causa', e, por que, ainda, julgou
irrelevante matéria de facto considerada na contestação.
A A. arguiu a nulidade daquele despacho, que foi considerado
improcedente num segundo despacho, de 21 de Janeiro de 1994. E deste, foi,
então, interposto recurso para o Tribunal de Pequena Instância Criminal de
Lisboa.
A A. não suscitou, aí, qualquer questão de constitucionalidade
referida a norma: afirmou tão só que 'o despacho recorrido consubstancia
flagrante violação das garantias de defesa da recorrente', consagradas no
artigo 32º, nº 1, da Constituição. E, depois, na conclusão 20 das alegações: 'no
despacho recorrido violaram-se as garantias de defesa da recorrente, o que
constitui prática de inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo
32º, nº 1, da Constituição da República'.
O Tribunal de Pequena Instância Criminal negou provimento ao
recurso, em sentença de 12 de Abril de 1994, e da mesma pretendeu recorrer a A.
para o Tribunal Constitucional, com invocação do artigo 70º, nº 1, alinea b) da
Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. O objecto do recurso delimitava‑o 'na parte em
que nela se julgou constitucional a interpretação preconizada no despacho de
fls. 3490 e 3490 verso dos autos [é o despacho que indefere a arguição de
nulidade] para os normativos ínsitos nos artigos 18º, nº 1, alínea c), e 20º,
alínea a), do Decreto-Lei nº 422/83, de 3 de Dezembro, por não violar o disposto
no artigo 32º, nº 2, da Constituição da República (...)'.
Mas o sr. juiz não admitiu o recurso, em despacho de 10 de Maio de
1994. Assim:
'Indefere-se o requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional de fls. 3547 e 3548 sob ponderação de que não é indicada
a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o tribunal
aprecie, além de que objecto de fiscalização da constitucionalidade pelo
Tribunal Constitucional só podem ser normas e não outros actos jurídicos,
designadamente as decisões judiciais em si mesmas consideradas, como é
jurisprudência pacífica e constante daquele tribunal (cf., por todos, o Ac. do
Tribunal Constitucional de 18.06.91, in BMJ, nº 408, pág. 619). vd. arts. 76º,
nº 2 e 75-A, da Lei nº 28/82, de 15.11, com as alterações introduzidas pela Lei
nº 85/89, de 7.9.'
A A. vem agora deduzir reclamação para o Tribunal Constitucional,
nos termos do artigo 76º, nº 4, da Lei nº 28/82. No essencial, afirma que, no
requerimento de interposição de recurso, deixara claro que as normas impugnadas
eram as do artigo 18º, alínea c), e do artigo 20º, alínea a) do Decreto-Lei nº
422/83, de 3 de Dezembro e que a inconstitucionalidade referida a esses
preceitos da lei fora suscitada não apenas naquele requerimento, mas 'nas
próprias alegações do recurso que foi indeferido (.-) vide, designadamente,
conclusão 20'.
O sr. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal pronunciou-se no
sentido do indeferimento da reclamação.
II - 1 - É, pois, com invocação do artigo 70º, nº 1, alínea b), da
Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, que a A. pretende recorrer para o Tribunal
Constitucional. O recurso ali previsto, 'das decisões dos tribunais que apliquem
norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo',
pressupõe a exaustão prévia dos recursos ordinários e ainda que a parte haja
suscitado a questão de constitucionalidade antes da decisão recorrida e que
nesta se aplique a norma (ou normas) sobre que incide a mesma questão.
Na norma do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro [e na que lhe corresponde, do artigo 280º, nº 1, alínea b), da
Constituição], a locução 'durante o processo' exprime precisamente o desiderato
da suscitação na pendência da causa da questão de constitucionalidade, em termos
de essa mesma questão ser tida em conta pelo tribunal que decide.
Esta ideia é, afinal, corolário da natureza e do sentido da
fiscalização concreta de constitucionalidade das normas e, em especial, do
recurso de parte que dela participa. Aí a questão de constitucionalidade é uma
questão incidental, em estreita relação com o 'feito submetido a julgamento'
(CRP, artº 207º), só podendo incidir sobre normas relevantes para o caso. O
'interesse pessoal na invalidação da norma' (G. Canotilho e Vital Moreira) só
faz sentido e se concretiza na medida em que a parte confronte, em tempo, o
tribunal que decide a causa com a controversa validade constitucional das
normas que aí são convocáveis.
Por isso, o momento de interposição do recurso para o Tribunal
Constitucional já não é adequado à suscitação de questão de constitucionalidade
de uma norma (cf., por todos, os Acórdãos nº 166/92, D.R., II Série, de
18-9-92, nº 253/93, inédito, nº 160/94, D.R., II Série, de 28-5-94).
E, como é evidente, o Tribunal Constitucional tem a própria
competência confinada ao controlo de normas, que não de decisões. No enunciado
do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, está expressa a delimitação
dos seus poderes de controlo: são as normas e não as decisões que estão aptas à
fiscalização de constitucionalidade. O Tribunal Constitucional assim o tem
afirmado em jurisprudência reiterada e pacífica: 'objecto do controlo da
constitucionalidade são apenas normas jurídicas e não quaisquer outros actos do
poder público, designadamente as decisões judiciais elas mesmas' (Acórdão nº
442/91, D.R., II Série, de 2-4-1992); ao suscitar a questão de
constitucionalidade há-de deixar-se claro 'qual o preceito legal cuja
legitimidade constitucional se questiona ou, no caso de se questionar certa
interpretação de uma dada norma, qual o sentido ou a dimensão normativa do
preceito que se tem por violador da lei fundamental' (Acórdão nº 199/88, D.R.,
II Série, de 28-3-1989).
2 - Ora, considerando o caso, haverá de reconhecer-se que a
Sociedade reclamante deixou claramente identificadas no requerimento de
interposição de recurso as normas que pretende submeter ao controlo do Tribunal
Constitucional. São as normas dos artigos 18º, alínea c), e 20º, alínea a),
do Decreto-Lei nº 442/83, de 3 de Dezembro.
Porém, essas normas não foram arguidas de inconstitucionais durante
o processo, como o requer o artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15
de Novembro. No recurso para o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa,
o apelo à Constituição é feito sempre em referência ao despacho recorrido e
nunca a quaisquer normas jurídicas. Isso resulta do confronto das alegações de
recurso para aquele Tribunal e designadamente da conclusão 20, expressamente
invocada pela reclamante.
Aliás, até ao momento do recurso de constitucionalidade, as normas
dos artigos 18º, alínea c), e 20º, alínea a), do Decreto-Lei nº 422/83, de 3 de
Dezembro, nunca foram referidas nas peças processuais em que interveio a
Sociedade reclamante.
Esse momento, de interposição do recurso para o Tribunal
Constitucional, já vimos, não é adequado à suscitação primeira da questão de
constitucionalidade. Essa questão não surgiu, pois, durante o processo, pelo que
não se satisfaz aos pressupostos do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro.
III - Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 5 unidades de conta.
Lisboa, 31 de Janeiro de 1995
Maria da Assunção Esteves
Vítor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Diniz
Maria Fernanda Palma
José Manuel Cardoso da Costa