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Proc. nº 83/92
1ª Secção
Rel. Cons.: Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - O Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Vila do Conde, em
acórdão de 28 de Novembro de 1990, condenou A. pela prática de um crime de
ofensas corporais com dolo de perigo, previsto e punível pelo artigo 144º, nºs.
1 e 2, do Código Penal, e de um crime de porte de arma proibida, previsto e
punível pelos artigos 3º, nº 1, alínea f), do Decreto-Lei nº 207-A/75, de 17 de
Abril, e 260º do Código Penal, em cúmulo jurídico, na pena única de 16 meses de
prisão, e ainda no pagamento ao assistente de uma indemnização de Esc:
337.250$00 por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Desta decisão - e tão-só quanto à condenação penal - recorreram para
o Supremo Tribunal de Justiça o assistente e o arguido A.. O primeiro sustentou
que a condenação deveria antes ser referida ao crime previsto no artigo 143º,
alínea c), do Código Penal, e que o cúmulo jurídico das penas não deveria ser
inferior a três anos. O arguido defendeu a absolvição ou, em alternativa, a
redução especial da pena e que, neste caso, deveria esta ser suspensa na sua
execução.
O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 2 de Outubro de 1991,
concedeu provimento parcial ao recurso do assistente e julgou inteiramente
improcedente o recurso interposto pelo arguido. Foi então que este requereu a
nulidade desse acórdão, suscitando a questão de constitucionalidade das normas
dos artigos 410º, nº 2, e 433º do Código de Processo Penal, considerando que
essas normas, ao circunscreverem o recurso à matéria de direito, violavam os
artigos 16º, nº 2, e 32º, nº 1, da Constituição da República. Mas, por acórdão
de 11 de Dezembro de 1991, aquele Supremo Tribunal desatendeu a reclamação
apresentada, que considerou improcedente em todos os pontos, incluindo o da
questão de constitucionalidade.
O arguido recorreu, então, para o Tribunal Constitucional, com
invocação da norma do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro.
O relator neste Tribunal, em exposição prévia que elaborou nos
termos do artigo 78º-A, da mesma Lei, emitiu parecer no sentido do não
conhecimento do recurso. Considerou, aí, que a
questão de constitucionalidade não havia sido suscitada durante o processo, nos
termos em que o requer aquela norma do artigo 70º, pois que só no requerimento
de arguição de nulidade da decisão condenatória do Supremo Tribunal de Justiça
ela fora formulada e, no processo, esse momento não revestia aquelas
características de excepção que permitiriam o acesso ao Tribunal Constitucional.
Disse, no essencial, em dado passo: '(...) No caso em apreço, o recorrente podia
contar com a aplicação das normas dos artigos 410º, nº 2, e 433º do Código de
Processo Penal de 1929, no acórdão do Supremo Tribunal Justiça. Pelo que, a
suscitação da questão de constitucionalidade deveria ter lugar em momento
anterior àquele acórdão, ensejando precisamente conformá‑lo no sentido do
atendimento da mesma questão. Não estamos, pois, perante uma situação de
excepção em que o recorrente não tivesse qualquer oportunidade de suscitar a
questão de constitucionalidade, em momento anterior à decisão recorrida, de tal
modo que o Tribunal Constitucional haja de reconhecê-la para efeitos de
admissibilidade do recurso (sobre essas situações de excepção, cf., por todos o
Acórdão nº 98/85, in: Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 5, págs. 667 e
segs.)(...)'.
Em resposta a esta Exposição Prévia, afirmou no essencial, o
recorrente:
'(...)10. O Recorrente não poderia ter suscitado qualquer arguição
para o Supremo Tribunal de Justiça quando impugnou o Acórdão proferido pelo
Tribunal do Círculo de Vila do Conde, já que o Acórdão deste Tribunal de Círculo
não violou qualquer norma ou princípio constitucional.
Dado que,
11. Violação do principio do duplo grau de jurisdição que resulta
dos arts. 16º, nº 2 e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa apenas
se verificou com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
12. Porquanto limitou o recurso à matéria de direito ao abrigo do
art. 410º, nº 2 e 433º do Código de Processo Penal, que expressamente invocou
para não conhecer de matéria de facto,
13. Daí que, só no requerimento de arguição de nulidade de fls. dos
autos, poderia o Recorrente ter suscitado a questão de inconstitucionalidade das
normas que fundamentam o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça,
14. Questão que foi levantada durante o processo, pois os poderes de
cognição do Tribunal só se esgotam até à extinção da instância, repete-se(...)'.
Depois, com base na Exposição Prévia do relator, o Tribunal
Constitucional proferiu o acórdão 219/92, de 16 de Junho de 1992, em que decidiu
não tomar conhecimento do recurso.
II - O recorrente A. vem, agora, em referência aos artigos 668º,
alínea d), e 670º do Código de Processo Civil, arguir a nulidade desse acórdão.
Afirma que, nele, o Tribunal Constitucional não respondeu à questão que
formulara em resposta à Exposição Prévia do relator, o que sintetiza assim:
'(...) O Recorrente colocou perante este Tribunal a seguinte
questão:
Como é que o Recorrente poderia ter suscitado nas motivações e
Alegações Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a arguição de
inconstitucionalidade se o Acórdão do
Tribunal do Círculo de Vila do Conde não violou qualquer norma ou principio
constitucional?
É que, a violação do principio do duplo grau de jurisdição que
resulta dos arts. 16º, nº 2 e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa
apenas se verificou com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça(...)'.
Ora a isso respondeu precisamente o acórdão de que agora se vem
arguir nulidade. Nele se demonstrou, por forma clara, que o recorrente podia [e,
por isso, em ordem ao êxito do recurso, deveria] ter suscitado a questão de
constitucionalidade das normas dos artigos 410º, nº 2, e 433º do Código de
Processo Penal, em momento anterior à decisão final do Supremo Tribunal de
Justiça, pois que era previsível que essas normas ali viessem a ser aplicadas, e
só antecipando a questão poderia com ela conformar a mesma decisão. É essa a
lógica do sistema de controlo concreto de constitucionalidade das normas.
Não se verifica, pois, o fundamento de nulidade a que se refere o
artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
III - Nestes termos, indefere-se o requerimento de arguição de
nulidade do acórdão nº 219/92. Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de
justiça em 3 unidades de conta.
Lisboa, 31 de Janeiro de 1995
Maria da Assunção Esteves
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Diniz
Maria Fernanda Palma
Alberto Tavares da Costa
José Manuel Cardoso da Costa