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Processo nº 604/92
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- A., nos autos identificado, requereu no Tribunal de Trabalho de Leiria, em 1 de Junho de 1992, de acordo com os artigos 12º do Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e 38º e seguintes do Código de Processo de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 272-A/81, de 30 de Setembro, providência cautelar da sanção de suspensão de despedimento com justa causa que lhe foi aplicada no processo disciplinar contra si instaurado pela entidade patronal, o banco B., (E.P.), com sede em Lisboa.
Em sua tese, os factos ocorridos e a si imputados, situados em finais de 1990 e princípio de 1991, não se revestem de gravidade justificativa de tão pesada sanção, acrescendo que se encontram amnistiados, ao abrigo do disposto na alínea ii) do artigo 1º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho.
Realizada a audição das partes, o Senhor Juiz, por decisão de 23 de Junho de 1992, julgou totalmente improcedente a deduzida providência cautelar, considerando, nomeadamente, ser esta última norma inconstitucional por contrariar a do artigo 13º da Constituição da República.
O magistrado do Ministério Público junto daquele Tribunal recorreu para o Tribunal Constitucional, invocando, para o efeito, o preceituado nos artigos 70º, nº 1, alínea a), e 72º, nº 3, da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, por entender ter havido recusa de aplicação da norma constante da aludida alínea ii), com fundamento em inconstitucionalidade material.
O requerente agravou, por sua vez, nos termos do artigo 44º, nº 1, do Código de Processo de Trabalho, para a Relação de Coimbra, recurso sobre o qual não chegou o Senhor Juiz a pronunciar-se visto ter admitido o interposto pelo MºPº, ao qual atribuiu efeito suspensivo, de subida imediata, nos próprios autos.
2.- Neste Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto, nas suas alegações - e só ele as apresentou - começou por equacionar a questão prévia do não conhecimento do recurso, atenta a natureza provisória do decidido - questão à qual não respondeu o recorrido - para em segundo momento, apreciar do fundo da questão, concluindo nos seguintes termos:
'1º- Não há que conhecer do presente recurso por o mesmo ter por objecto uma decisão provisória; caso assim se não entenda,
2º- A parte final da alínea ii) do artigo 1º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho ('por decisão definitiva e transitada'), deve considerar-se juridicamente inexistente porque não foi votada e aprovada na Assembleia da República, antes acrescentada em sede de redacção final com extravasamento dos limites regimentais, pois, implicando um alargamento do universo dos amnistiáveis, não se cingiu ao aperfeiçoamento da sistematização e/ou estilo do texto do diploma;
3º- Devem, assim, considerar-se excluídos da amnistia as infracções disciplinares dos trabalhadores das empresas públicas ou de capitais exclusivamente públicos puníveis ou punidas com despedimento;
4º- Caso assim se não entenda, deve a aludida norma, apenas na parte em que amnistia infracções sancionadas com despedimento, ser julgada inconstitucional, por violação do princípio do Estado de direito democrático.'
3.- Os autos foram aos vistos - questões prévia e de fundo - cumprindo, agora, apreciar e decidir. II
1.- Constitui objecto do presente recurso a questão de constitucionalidade da norma do artigo 1º, alínea ii), da Lei nº 23/91, com o seguinte teor:
'Desde que praticados até 25 de Abril de 1991, inclusive, são amnistiados:
------------------------------------
ii) As infracções disciplinares cometidas por trabalhadores de empresas públicas ou de capitais públicos, salvo quando constituam ilícito penal não amnistiado pela presente lei ou hajam sido despedidos por decisão definitiva e transitada;
----------------------------------.'
A norma transcrita foi já objecto de apreciação por este Tribunal, no Acórdão nº 152/93, tirado em Plenário, nos termos do disposto no artigo 79º-A, nº 1, da Lei nº 28/82 (aditado pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro), publicado na II Série do Diário da República, de 23 de Março de
1993, que, em caso semelhante, a julgou não inconstitucional.
No caso sub judicio, porém, a decisão de desaplicação foi proferida em autos de providência cautelar requerida nos termos dos artigos 38º e seguintes do Código em referência, pelo que foi assente em mero juízo de probabilidade que pode vir a ser infirmada após o apuramento mais cuidado da matéria de facto.
Ora, no caso de decisões proferidas em procedimentos cautelares, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem-se inclinado no sentido da sua irrecorribilidade, em linha também doutrinalmente professada: as decisões não definitivas, tais como as proferidas nos procedimentos dessa natureza ou em despachos de aperfeiçoamento, não são recorríveis para o Tribunal Constitucional, escreve Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lisboa, 1992, pág. 329.
É o caso paradigmático do Acórdão nº 151/85, proferido em providência idêntica, e do Acórdão nº 267/91, em contexto distinto mas dotado de certa afinidade - publicados no Diário da República, II Série, de 31 de Dezembro de 1985 e 23 de Outubro de 1991, respectivamente - temática aflorada no Acórdão nº 18/91, inédito, que recebeu tratamento diferente, no entanto, no Acórdão nº 92/87, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 365, págs. 261 e segs., tirado por maioria.
2.- A esta luz, ao renovar-se o entendimento jurisprudencial que tem ganho expressão, desde logo importaria adoptar uma metodologia de abordagem da questão prévia, não conhecendo do fundo se aquela fosse dada por procedente.
Formalmente, seria este o procedimento correcto.
No entanto, tal não obstaria à eventual reequação da questão de constitucionalidade, ponto a respeito do qual tem este Tribunal decidido em repetidas ocasiões num sentido que se considera ser de manter.
E, a verificar-se essa suscitação, todo um processado se desenvolveria apontado para um despacho de antemão sabido.
Assim sendo, atenta a especificidade do presente caso, a economia formal que deve inspirar o processado, sem prejuízo da
'idoneidade técnica' que a este cabe assegurar, aconselha a conhecer, desde já, da questão de fundo.
E esta decide-se de acordo com o referido Acórdão nº 153/93, para cuja fundamentação se remete.
III
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e determina-se a reformulação do despacho recorrido no tocante à questão de inconstitucionalidade.
Lisboa, 27 de Outubro de 1993
Alberto Tavares da Costa
Antero Alves Monteiro Dinis
Vítor Nunes de Almeida
Maria da Assunção Esteves
António Vitorino
Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa