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Processo: n.º 405/88.
Requerentes: Um Grupo de Deputados e o Provedor de Justiça.
Relator: Conselheiro Alves Correia.
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I — Relatório
1 — Um grupo de deputados do Partido Comunista Português requereu ao Tribunal
Constitucional, ao abrigo do n.º 1 do artigo 281.º da Constituição (versão
decorrente da Lei Constitucional n.º 1/82) e do artigo 51.º, n.º 1, da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, a declaração, com força obrigatória geral, da
inconstitucionalidade das normas dos artigos 12.º, alíneas a) e b), 13.º, 11.º,
n.os 1 e 2, 6.º, n.º 3, e 14.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 106/88, de 17 de
Setembro — lei que autorizou o Governo a aprovar os diplomas reguladores do
Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e do Imposto sobre o
Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e legislação complementar.
O pedido alicerça-se nos seguintes fundamentos:
a) Os artigos 12.º, alíneas a) e b), e 13.º da Lei n.º 106/88 subtraem
à globalização os rendimentos e mais-valias de capital, submetendo-os, na
prática, a impostos separados com taxas proporcionais, pois é esse o exacto
sentido da aplicação das taxas liberatórias.
É, assim, posta em causa, de forma irremediável, a característica essencial da
fórmula unitária constitucionalmente consagrada para o imposto sobre o
rendimento pessoal: a aplicação de uma única tabela de taxas progressivas à
totalidade dos rendimentos familiares. Ao tratar diferentemente e de modo
particularmente favorável as categorias rendimentos de capitais e mais-valias,
retira a Lei n.º 106/88 ao futuro imposto sobre o rendimento a característica de
unicidade que se lhe pretende atribuir.
O estabelecimento de taxas liberatórias (por acréscimo mais vantajosas) para a
generalidade dos rendimentos e mais-valias de capital significa um retorno no
sentido da cedularidade e contraria frontalmente o modelo de tributação do
rendimento pessoal consagrado na Constituição.
As normas dos preceitos mencionados são, por isso, inconstitucionais, por
violação do princípio da unicidade, consagrado no artigo 107.º, n.º 1, da
Constituição.
b) Por outro lado, as soluções acolhidas na Lei n.º 106/88 não se
compaginam com a característica da progressividade constitucionalmente imposta.
Ao eximir a generalidade dos rendimentos e das mais-valias de capital ao regime
de globalização, a lei cria, não o imposto único e progressivo sobre todos os
rendimentos pessoais, mas um imposto progressivo sobre os rendimentos do
trabalho e impostos proporcionais para a generalidade dos rendimentos e
mais-valias de capital.
Acresce que, enquanto o sentido constitucional da progressividade do imposto
(progressividade visando a diminuição das desigualdades) impõe uma
progressividade crescente à medida que crescem os rendimentos, na solução
acolhida na Lei n.º 106/88 o nível de progressividade vai diminuindo (mais
forte, sensivelmente, até aos 850 contos, e mais fraco daí em diante), até se
transformar num imposto praticamente proporcional a partir, sensivelmente, dos
rendimentos brutos de 5000 contos anuais. Daí que as mencionadas normas dos
artigos 12.º, alíneas a) e b), e 13.º e, bem assim, a norma do artigo 11.º, n.º
1, da Lei n.º 106/88 violem também o princípio da progressividade, condensado no
artigo 107.º, n.º 1, da Constituição.
c) As normas dos artigos 11.º, n.º 2, 12.º, alíneas a) e b), e 13.º da
Lei n.º 106/88 infringem também o princípio da equidade, nomeadamente o da
equidade horizontal — isto é, o tratamento igual dos contribuintes (das
famílias) com iguais níveis de rendimento —, o qual resulta claramente dos
artigos 106.º, n.º 1 (versão de 1982), e 107.º, n.º 1, da Lei Fundamental. Ora,
aquele princípio não é prosseguido pela Lei n.º 106/88.
Não o é, desde logo, quando se comparam famílias de idêntica dimensão e
semelhante rendimento global, quando a natureza dos rendimentos familiares é
diferente. Nomeadamente, quando os rendimentos de um agregado familiar integram
apenas rendimentos do trabalho e quando os rendimentos da família são exclusiva
ou predominantemente constituídos por rendimentos ou mais-valias de capital.
Não é ainda prosseguido o princípio da equidade horizontal por efeito da
desigualdade decorrente da limitação ao esquema do quociente conjugal em casos
de desnível acentuado dos rendimentos dos cônjuges, acolhida no artigo 11.º, n.º
2, da Lei n.º 106/88.
Acresce que essa desigualdade tributária sobre famílias com os mesmos
rendimentos e as mesmas necessidades é, em termos relativos, maior nos escalões
de rendimentos mais baixos, tendendo a diluir-se para os rendimentos mais
elevados.
d) As normas dos artigos 12.º, alíneas a) e b), e 13.º e ainda do
artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 106/88 não só invertem por completo o princípio do
tratamento mais favorável dos rendimentos do trabalho, que decorre do texto
constitucional, como ferem o conteúdo essencial do próprio princípio da
igualdade, decorrente do artigo 13.º da Constituição.
Com efeito, as soluções acolhidas na Lei comportam um tratamento favorável dos
rendimentos e mais-valias de capital (como já anteriormente se mostrou),
apresentando, assim, uma discriminação qualitativa a favor dos rendimentos e
mais-valias de capital inversa à constitucionalmente consagrada: sempre que a
globalização dos rendimentos e mais-valias de capital conduz à tributação em
imposto único a uma taxa (aplicável aos rendimentos do trabalho) superior às
taxas liberatórias são estas últimas que são aplicadas; se da globalização
resulta uma taxa inferior às taxas liberatórias, é aquela que é aplicada. Isto
é, os rendimentos e mais-valias de capital, nas soluções concretas da Lei n.º
106/88, são sempre tributados a uma taxa inferior ou igual à dos rendimentos do
trabalho, e nunca «correm o risco» de serem tributadas a taxas superiores às
aplicáveis aos rendimentos do trabalho…
Aparentemente, a dedução prevista no artigo 6.º, n.º 3 (dedução de 65% dos
rendimentos do trabalho até ao limite de 250 000$00), da lei visaria introduzir
uma discriminação em proveito dos rendimentos do trabalho. Desde logo, aquela
taxa de 65% é profundamente ilusória, já que só é aplicável aos rendimentos
brutos anuais até 384 600$00, isto é aplicável aos rendimentos iguais ou
inferiores ao salário mínimo nacional. Sucede, porém, que o objectivo aparente
desta dedução foi totalmente desvirtuado por nela se terem incluído as
contribuições obrigatórias para a Segurança Social que incidem sobre os
rendimentos do trabalho dependente.
Assim, os rendimentos do trabalho superiores a 2273 contos anuais não
beneficiam de qualquer dedução que não seja a decorrente das contribuições para
o regime geral da Segurança Social (taxa única de 11%). Acresce que dessa
inclusão das contribuições para a Segurança Social naquela dedução, sujeita a um
valor máximo, se introduziu uma desigualdade para a categoria de rendimentos de
trabalho dependente, em contraste com o regime, mantido noutras categorias, de
dedutibilidade de todos os custos ou encargos efectivos e comprováveis.
e) Finalmente, ao consagrar a família como unidade do imposto (artigo
107.º, n.º 1), e como decorre, aliás, de outros preceitos (designadamente, o
artigo 67.º), a Constituição visa favorecer o agregado familiar.
Outra, porém, é a solução consagrada na Lei n.º 106/88. Ao estabelecer, no
artigo 14.º, n.º 1, alíneas a) e b), uma dedução à colecta para cada um dos
cônjuges (15 000$00) inferior à dedução estabelecida para um contribuinte não
casado (20 000$00), a Lei penaliza fiscalmente a família. Por isso, a norma do
artigo 14.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 106/88 é inconstitucional, por
violação dos artigos 107.º, n.º 1, e 67.º da Constituição.
2 — Notificado o Presidente da Assembleia da República, nos termos do artigo
54.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, para se pronunciar sobre o pedido,
respondeu ele, oferecendo o merecimento dos autos.
3 — Posteriormente, veio o Provedor de Justiça requerer a este Tribunal, ao
abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 281.º da Constituição (versão
de 1982) e do n.º 1 do artigo 59.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, a
declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas do
n.º 4 do artigo 5.º (cfr. pedido de rectificação de fls. 116 e 117), dos n.os 1
e 2 do artigo 11.º, dos artigos 12.º e 13.º, das alíneas a) e b) do n.º 1 do
artigo 14.º, da alínea a) dos n.os 3 e 5 do artigo 37.º e do artigo 38.º, todos
da Lei n.º 106/88, de 17 de Setembro; das normas dos artigos 14.º, n.º 2, 72.º,
n.º 1, 74.º, 75.º e 80.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento de
Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro;
da norma do artigo 17.º do Código da Contribuição Autárquica, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de Novembro; e dos n.os 1 e 2 dos artigos 6.º e
7.º deste último diploma legal.
O requerimento do Provedor de Justiça, ao qual foi junto um Parecer do
respectivo Serviço, alicerça-se nos seguintes fundamentos:
a) As normas do n.º 4 do artigo 5.º da Lei n.º 106/88, de 17 de
Setembro (sujeição de ambos os cônjuges a IRS relativamente aos rendimentos do
agregado familiar no caso de serem casados e não separados judicialmente de
pessoas e bens), dos n.os 1 e 2 do artigo 11.º da citada lei (aplicação das
taxas do IRS aos rendimentos colectáveis dos contribuintes casados mediante a
divisão por 2, salvo se um só dos cônjuges tiver auferido rendimento igual ou
superior a 95% do rendimento englobado, caso em que a taxa aplicável é
correspondente ao rendimento colectável dividido por 1,85), das alíneas a) e b)
do n.º 1 do artigo 14.º do mesmo diploma (dedução à colecta de 20 000$00 por
contribuinte não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens) e as normas
dos artigos 14.º, n.º 2, 72.º, n.º 1, e 80.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88
(CIRS), que deram execução aos comandos da lei de autorização legislativa,
violam o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º e na alínea e) do n.º
2 do artigo 67.º (regulação dos impostos e de benefícios sociais de harmonia com
os encargos familiares) e o n.º 1 do artigo 107.º (pessoalidade do imposto sobre
o rendimento, com vista a diminuir desigualdades, e unicidade e progressividade
do mesmo imposto, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado
familiar), todos da Constituição;
b) A alínea a) do n.º 3 do artigo 37.º da Lei n.º 106/88 (que permitiu
a fixação pelos municípios das taxas de contribuição autárquica dos prédios
urbanos entre 1,1% e 1,3%), o artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 442-C/88, que deu
execução ao preceito da citada lei, e o artigo 38.º deste diploma (lançamento,
sobre a colecta do IRC, de derramas pelos municípios até ao máximo de 10%)
colidem com os princípios de igualdade (artigo 13.º da CRP), enquanto permitem
intervenção administrativa de carácter discricionário no âmbito do conteúdo
essencial do acto tributário, ou seja, na fixação da taxa do imposto;
c) Os regimes especiais das taxas liberatórias contemplados nos artigos
12.º e 13.º da Lei n.º 106/88 e nos artigos 74.º e 75.º do CIRS desrespeitam os
princípios constitucionais consignados nos artigos 13.º, 106.º, n.º 2, e 107.º,
n.º 1, da Lei Fundamental por envolverem, sem fundamentação aceitável,
tratamento fiscal mais favorável aos rendimentos de capitais, de títulos, de
ganhos de jogo, de trabalho dependente e de pensões de não residentes e de
mais-valias relativamente aos rendimentos do trabalho e por representarem um
afastamento quer do princípio da determinação do rendimento global de cada
unidade contributiva, quer da tributação do rendimento por uma única tabela de
taxas progressivas segundo exigência constitucional;
d) Os n.os 1 dos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 442-C/88 (Código
da Contribuição Autárquica) são organicamente inconstitucionais por terem
aprovado, à margem de qualquer autorização legislativa, o regime transitório de
determinação do valor tributário dos prédios urbanos e rústicos e, por
conseguinte, com violação da alínea i) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição;
e) O n.º 5 do artigo 37.º da Lei n.º 106/88, que permitiu a
actualização provisória dos valores matriciais dos prédios não arrendados de 4%
ao ano, cumulativa, desde a última actualização ou fixação, com o limite máximo
de 100% (para os prédios urbanos) e de 2% ao ano, cumulativo desde a última
actualização ou fixação com o limite máximo de 100% (para os prédios rústicos),
e os n.os 2 dos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 442-C/88 (Código da
Contribuição Autárquica), que deram execução àquele preceito da lei de
autorização legislativa, violam o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP),
por se revelarem desprovidos do indispensável suporte material, de
proporcionalidade adequada ao tratamento a dispensar às diversas situações
abrangidas e de razoabilidade;
f) Os n.os 2 dos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 442-C/88 são
organicamente inconstitucionais, na parte em que dispensaram a actualização dos
valores matriciais dos prédios urbanos não arrendados registados a partir de
1979 e dos prédios rústicos prevista no n.º 1 do artigo 69.º da Lei n.º 2/88, de
28 de Janeiro (Orçamento do Estado para 1988), sem precedência de autorização
legislativa e, por conseguinte, com ofensa da alínea i) do n.º 1 do artigo 168.º
da Constituição.
4 — Notificado o Presidente da Assembleia da República para se pronunciar sobre
o pedido do Provedor de Justiça, no que concerne às normas da Lei n.º 106/88, de
17 de Setembro, apresentou aquele resposta na qual oferece o merecimento dos
autos, tendo-lhe junto os Diários da Assembleia da República relativos à
discussão parlamentar das normas impugnadas.
5 — Também o Primeiro-Ministro foi notificado para se pronunciar sobre o
requerimento do Provedor de Justiça, na medida em que nele são arguidas de
inconstitucionais normas do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas
Singulares (IRS), do Código da Contribuição Autárquica (CA) e do Decreto-Lei n.º
442-C/88, de 30 de Novembro, isto é, normas legais aprovadas pelo Governo.
O Primeiro-Ministro apresentou extensa resposta, na qual defende a plena
conformidade com a Constituição das normas impugnadas dos referidos Códigos e
também de algumas normas da lei de autorização. Remata-a com o seguinte quadro
conclusivo:
a) Não é inconstitucional o preceito do n.º 4 do artigo 5.º da Lei n.º
106/88, de 17 de Setembro, por se tratar de uma disposição que se limita a
resolver a questão da incidência subjectiva do imposto.
Por essa norma não se violam os princípios de igualdade e nem tão pouco se
tributam mais gravosamente os agregados familiares de pessoas casadas do que os
agregados de pessoas meramente unidas de facto.
Os artigos 67.º e 107.º, n.º 1, da Constituição obrigam a um tratamento unitário
dos rendimentos e encargos dos agregados familiares; e as finalidades
distributivas dos artigos 106.º, n.º 1, e 107.º não impõem um tratamento
«pessoalizante» do próprio agregado, não passando os cônjuges de meros sujeitos
passivos e representantes do agregado, já que este não tem personalidade.
A Lei n.º 106/88 cumpriu as directivas de tais preceitos e até a dos artigos
36.º e 105.º da Constituição.
[…]
b) Também não é inconstitucional a norma do artigo 11.º, n.º 2, da Lei
n.º 106/88:
O artigo 67.º, n.º 2, da Constituição, ao dispor que «incumbe designadamente ao
Estado para a protecção da família regular os impostos e os benefícios sociais
de harmonia com os encargos familiares», não indica qual ou quais as formas por
que essa protecção é de fazer-se.
Ora, o método do quociente conjugal é, entre todos os métodos de atenuação do
princípio da unidade fiscal do agregado familiar, o menos imperfeito.
A adopção de um método ou outro é uma função de política económica e social a
definir nos termos do artigo 105.º, com reporte ao artigo 81.º da Constituição,
pelo legislador ordinário; e é por ele que, com base no pressuposto no artigo
36.º e ao relevo dado ao casamento pela ordem jurídica e pelos princípios da
índole nacional, se dá um tratamento fiscal mais benévolo aos agregados
familiares em que sejam casadas as pessoas que os encabeçam do que aos agregados
de pessoas unidas de facto.
[…]
c) Não são igualmente inconstitucionais as alíneas a) e b) do n.º 1 do
artigo 14.º da Lei n.º 106/88, quanto à diferença entre as deduções à colecta
relativas a sujeitos casados e a sujeitos não casados.
[…]
O regime do n.º 1 do artigo 14.º, longe de ferir o princípio da igualdade,
atenua o efeito do tratamento mais proteccionista dos sujeitos casados.
d) Inconstitucional não é ainda o regime da tributação liberatória de
certos rendimentos estabelecidos no artigo 12.º da Lei n.º 106/88:
Na acusação de inconstitucionalidade deste preceito, há um manifesto equívoco
quanto ao conceito «imposto único» e à sua consagração no artigo 107.º, n.º 1,
da Constituição.
O regime aí estabelecido é apenas o regime dos impostos que, segundo os
critérios da política económica e social definidos nos termos dos artigos 105.º,
81.º e 106.º, n.º 1, devem ser tratados em regime de imposto pessoal.
O artigo 107.º da Constituição não é, porém, exaustivo na enumeração das
realidades susceptíveis da tributação, sendo, assim, legalmente possível criar
impostos reais a par do imposto pessoal quando a política económica e social o
recomende.
É, pois, inteiramente de harmonia com a Constituição o tratamento realístico e
não pessoalizado dos rendimentos mencionados naquele artigo.
[…]
e) Não é inconstitucional o preceito da alínea a) do n.º 3 do artigo
37.º da Lei n.º 106/88, na parte em que atribui aos municípios a função e
competência para a definição da taxa da Contribuição Autárquica entre os limites
de 1,1% e 1,3% para os prédios urbanos.
Na verdade, com ele não se viola o artigo 106.º, n.º 2, e o artigo 168.º, alínea
i), de Constituição, porquanto as taxas foram determinadas por lei e aos
municípios só compete definir, dentro dos limites, qual a relação da
correspondência entre as necessidades colectivas locais, as obras e serviços que
as satisfazem, e que por isso valorizam os prédios, e o volume da receita
tributária efectivamente necessária para a cobertura de despesas.
Trata-se, pois, do preenchimento do conteúdo da norma, devolvido, por lei, à
única entidade naturalmente idónea para determinação de tal relação.
O facto de a percentagem ser o produto de decisão da assembleia municipal
(artigo 17.º do Código da Contribuição Autárquica) revela logo que não há uma
intervenção de carácter discricionário, mas sim a intervenção de um órgão
representativo de uma autarquia numa linha de responsabilização e de
participação que, por força da própria Constituição, deve caber ao poder local,
podendo até sublinhar-se que nos limites da lei se trata de uma forma de
autotributação, sendo os próprios cidadãos, através dos seus representantes, a
decidirem em concreto se deverão pagar ou não e quanto deverão pagar.
[…]
f) Igualmente não é inconstitucional o artigo 37.º, n.º 5, da Lei n.º
106/88, quanto ao estabelecimento de um regime transitório para a determinação
do valor dos prédios tributáveis em Contribuição Autárquica.
A avaliação para efeitos de determinação do valor dos prédios é diferente das
avaliações para determinação do rendimento para efeitos de Contribuição Predial.
Mas enquanto não for estabelecido o regime das novas avaliações, e enquanto não
forem realizadas, é indispensável recorrer a outros métodos — e os métodos mais
próximos são os do aproveitamento dos valores resultantes dos elementos da
matriz.
Daí a perfeita constitucionalidade do preceito do n.º 5 do artigo 37.º, que
estabelece a actualização dos valores matriciais como meios transitórios da
determinação do valor patrimonial dos prédios.
Tal preceito também não viola o princípio de igualdade, porque, para os prédios
arrendados, a actualização resultava das rendas declaradas pelos respectivos
titulares.
[…]
g) Também não é inconstitucional o artigo 38.º da Lei n.º 106/88 por
não ofender o invocado princípio da igualdade.
h) Não sofrem de inconstitucionalidade orgânica os n.os 2 dos artigos
6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 442-C/88, quanto ao estabelecimento das normas
transitórias da determinação do valor dos prédios.
É que as normas da determinação de matéria colectável não são sujeitas ao
princípio de reserva legal estabelecido no artigo 106.º, n.º 2, da Constituição,
sendo antes matéria da competência e função própria do Governo.
De resto, tais preceitos não violaram as normas do n.º 5 do artigo 97.º da Lei
n.º 106/88, que estabeleciam regras de determinação do valor dos prédios.
i) Outrossim não padece de inconstitucionalidade orgânica o n.º 1 dos
artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 442-C/88, na parte em que exclui de
actualização dos rendimentos colectáveis a norma do artigo 69.º da Lei n.º 2/88,
de 28 de Janeiro.
Na verdade, as matrizes, contendo rendimentos destinados à incidência da
Contribuição Predial, perderam todo o significado e efeito documentativo com a
revogação do Código da Contribuição Predial.
Podendo o Governo estabelecer as normas que entender mais adequadas como forma
de determinação da matéria colectável, poderia ou não aproveitar das matrizes da
Contribuição Predial o que nelas julgasse mais válido para servir de base,
embora sucedânea, à determinação do valor patrimonial dos prédios.
Rejeitando a actualização de tais matrizes efectuada pelo artigo 6.º da Lei n.º
2/88, o Governo usou um critério próprio e legítimo.
O Primeiro-Ministro juntou à sua resposta os seguintes elementos:
Um Parecer do Prof. Doutor Teixeira Ribeiro;
Um Parecer do Prof. Doutor Afonso Queiró;
Um Parecer do Prof. Doutor Antunes Varela;
Um Parecer do Prof. Doutor Leite de Campos;
Um Parecer do Prof. Doutor Manuel Porto, da Dr.ª Maria José Castanheira Neves e
do Dr. António Lobo Xavier;
Um Parecer do Prof. Doutor Manuel Pires;
Um Parecer do Dr. Vitor Faveiro;
Um Parecer do Dr. A. Barbosa de Melo;
Um Parecer do Dr. Rui Machete;
Um Parecer do Dr. Sá Gomes;
Um Parecer do Dr. Saldanha Sanches;
Um Parecer do Dr. Rui Morais;
Um Parecer do Dr. Oliveira Coelho;
Um Parecer e seus 7 anexos dos Drs. João José Amaral Tomás e Joaquim Casimiro
Gonçalves.
Posteriormente, o Ministro das Finanças enviou ao Tribunal Constitucional um
Estudo do Banco de Portugal, intitulado «Consequências Económicas e Financeiras
de uma Eventual Eliminação das Taxas Liberatórias sobre os Rendimentos do
Capital», bem como um Parecer do Administrador do mesmo Banco, Prof. Doutor
Diogo Leite Campos, sobre a questão da constitucionalidade das taxas
liberatórias, documentos esses que o relator do presente processo mandou juntar
aos autos.
6 — O requerimento do Provedor de Justiça, com o objecto e os fundamentos acima
assinalados, bem como as respostas que sobre ele recaíram do Presidente da
Assembleia da República e do Primeiro-Ministro passaram a integrar os autos do
Processo de Fiscalização Abstracta n.º 111/89 do Tribunal Constitucional.
Neste Processo n.º 111/89, lavrou o Presidente do Tribunal Constitucional um
despacho, ordenando, de harmonia com o disposto no artigo 64.º, n.º 1, da Lei do
Tribunal Constitucional, a incorporação dos autos no Processo n.º 405/88, dado
que ambos «respeitam ao mesmo complexo normativo (o que veio proceder à reforma
integral da tributação do rendimento)» e «num e noutro se suscitam questões
fundamentais idênticas — não fazendo sentido, por isso, que o Tribunal se
pronuncie separadamente sobre os respectivos pedidos».
7 — Tudo visto e ponderado, cumpre, então, apreciar e decidir as questões de
constitucionalidade colocadas a este Tribunal nos requerimentos do grupo de
deputados do Partido Comunista Português e do Provedor de Justiça.
II — Fundamentos
8 — Delimitação das normas a apreciar pelo Tribunal Constitucional.
Algumas das normas da Lei n.º 106/88 e do Código do IRS têm hoje um conteúdo
diverso daquele que possuíam no momento em que foram formulados os pedidos de
declaração de inconstitucionalidade. Importa, por isso, começar por analisar o
sentido e o alcance das modificações operadas em várias das normas que
constituem o objecto do presente processo, de modo a verificar se em relação a
elas ainda subsiste interesse jurídico relevante no conhecimento do pedido de
declaração de inconstitucionalidade.
8.1 — O Tribunal Constitucional tem entendido, em jurisprudência uniforme e
constante, que a revogação de uma norma objecto de um pedido de declaração de
inconstitucionalidade não obsta, só por si, à sua eventual declaração de
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral. Isto porque, enquanto a
revogação tem, em princípio, uma eficácia prospectiva (ex nunc), a declaração de
inconstitucionalidade de uma norma tem, por via de regra, uma eficácia
retroactiva (ex tunc) (cfr. o artigo 282.º, n.º 1, da Constituição).
Daí que, neste último caso, possa haver interesse na eliminação dos efeitos
produzidos medio tempore (cfr. o Acórdão n.º 238/88, publicado no Diário da
República, II Série, de 21 de Dezembro de 1988), isto é, no período da vigência
da norma sindicada. Em face da revogação de uma norma, haverá interesse na
emissão de tal declaração, «justamente toda a vez que ela for indispensável para
eliminar efeitos produzidos pelo normativo questionado, durante o tempo em que
vigorou» e essa indispensabilidade for evidente, por se tratar da eliminação de
efeitos produzidos constitucionalmente relevantes (cfr. os Acórdãos n.os 17/83,
103/87, 238/88, 73/90, 135/90, 465/91, 804/93 e 186/94, publicados nos Acórdãos
do Tribunal Constitucional, 1.º Vol., pp. 93 e segs., e no Diário da República,
I Série, de 6 de Março de 1987, II Série, de 21 de Dezembro de 1988, II Série,
de 19 de Julho de 1990, II Série, de 7 de Setembro de 1990, II Série, de 2 de
Abril de 1992, II Série, de 31 de Março de 1994, e II Série, de 14 de Maio de
1994, respectivamente).
Ainda segundo orientação firme deste Tribunal, não existe, porém, interesse
jurídico relevante no conhecimento de um pedido de declaração de
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de uma norma entretanto
revogada, naqueles casos em que não se vislumbre qualquer alcance prático em tal
declaração, devido à circunstância de o Tribunal, no caso de eventualmente
proferir uma declaração de inconstitucionalidade, não poder deixar de, com base
em razões de segurança jurídica, equidade ou de interesse público de excepcional
relevo, limitar os efeitos da inconstitucionalidade, nos termos do n.º 4 do
artigo 282.º da Constituição, de modo a deixar incólumes os efeitos produzidos
pela norma antes da sua revogação. Em tais situações, como vem referindo este
Tribunal, «em que é visível a priori que o Tribunal Constitucional iria, ele
próprio, esvaziar de qualquer sentido útil a declaração de inconstitucionalidade
que viesse eventualmente a proferir, bem se justifica que conclua, desde logo,
pela inutilidade superveniente de uma decisão de mérito» (cfr. os arestos acima
mencionados).
8.2 — No caso vertente, não se está perante uma revogação de normas, que se
traduza numa sucessão temporal de diplomas que versem sobre determinadas
matérias, em que o diploma posterior revoga o anterior, mesmo que naquele surjam
normas com um conteúdo normativo total ou parcialmente coincidente com as deste.
Está-se, antes, como acentuou este Tribunal, no seu Acórdão n.º 806/93
(publicado no Diário da República, II Série, de 29 de Janeiro de 1994), em face
de uma sucessão no tempo de distintas redacções conferidas a alguns preceitos
integrantes de um código — o Código do IRS —, isto é, de um mesmo diploma, em
que se reúnem, organizam e sistematizam todas as normas legislativas referentes
a uma certa matéria — in casu, a tributação do rendimento das pessoas singulares
—, a que se pretendeu conferir uma certa estabilidade (cfr. A. Rodrigues Queiró,
Lições de Direito Administrativo, vol. i, Coimbra, 1976, pp. 608-609).
Com efeito, a necessária adequação dos códigos reguladores dos mais relevantes
impostos às mudanças das condições concretas da vida, designadamente nos
domínios que se mostram mais sensíveis ou dependentes de opções legislativas
ligadas às políticas económicas e sociais prosseguidas pelo Estado (como sejam
os da base de incidência dos impostos, das suas taxas, das isenções e benefícios
fiscais) impõem, frequentes vezes, a introdução de alterações em vários
preceitos dos referidos códigos, as quais têm lugar ora por via de diploma
avulso, ora por via de modificações introduzidas nas sucessivas leis orçamentais
(cfr. o citado Acórdão n.º 806/93).
As referidas alterações não têm sempre a mesma natureza. Em certos casos, elas
têm como consequência uma modificação substancial das normas, dando origem,
assim, a normas materialmente novas, ou seja, a normas que expressem uma
diferente opção política do legislador. Noutros casos, as alterações
traduzem-se em meros ajustamentos deixando intacta a substância da norma
originária efectivamente questionada. E ainda noutros, as alterações, sendo ou
não substanciais, respeitam a normas que, de todo o modo, passam a ter o seu
suporte noutro preceito legal.
8.3 — A diferente natureza das modificações introduzidas nas normas questionadas
no presente processo há-de reflectir-se necessariamente na posição a adoptar por
este Tribunal quanto ao conhecimento da sua conformidade com a Constituição.
Assim, nos casos em que as alterações suportadas pelas normas cuja conformidade
com a Constituição é contestada pelos requerentes dão origem a outras normas,
isto é, a normas dotadas de uma diferente substância normativa, e, bem assim,
nos casos em que as alterações, substanciais ou não, conduzem a que as normas
passem a constar de outro preceito legal, não deve o Tribunal conhecer da
compatibilidade com a Constituição das referidas normas, na sua versão
originária.
Não deve conhecer do pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral, dessas normas, na sua versão originária, devido à falta de
interesse jurídico relevante nesse conhecimento, dado que o Tribunal não
deixaria de ressalvar os efeitos produzidos medio tempore, isto é, os efeitos
produzidos durante o lapso temporal em que esteve em vigor a versão inicial. De
facto, razões de segurança jurídica e ainda de interesse público de excepcional
relevo justificariam sempre uma tal ressalva de efeitos, dado que seria
totalmente insustentável exigir à administração fiscal, em consequência da
hipotética declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da
versão inicial das normas, a reapreciação de inúmeros actos de liquidação de
impostos e impor ao Estado ou a outra entidade pública a restituição de
importâncias percebidas com a cobrança dos impostos durante vários anos
económicos.
Por sua vez, o não conhecimento da questão de inconstitucionalidade das normas
apontadas na sua versão actual é justificado pela necessidade de observância do
princípio do pedido (cfr. o artigo 51.º, n.os 1 e 5, da Lei do Tribunal
Constitucional), uma vez que o conhecimento do pedido de declaração de
inconstitucionalidade de uma norma nova seria conhecer ultra petitum.
Já não subsistem, porém, quaisquer obstáculos processuais ao conhecimento da
questão de inconstitucionalidade, nas hipóteses em que as alterações nas normas
não forem de molde a afectar a sua substância originária e essas alterações
estejam corporizadas no mesmo preceito legal. Aí, porque a norma é
essencialmente a mesma, é possível ao Tribunal Constitucional conhecer da sua
conformidade com a Constituição.
8.4 — Definida esta doutrina geral, é ocasião de indicar quais as normas que
sofreram modificações após a apresentação dos pedidos de declaração de
inconstitucionalidade e de esclarecer, em relação a cada uma delas, se o
Tribunal vai ou não conhecer do seu mérito.
8.4.1 — Um primeiro conjunto de normas cuja redacção foi alterada após a entrada
dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade neste Tribunal é constituído
pelas normas constantes do artigo 11.º, n.º 2, da Lei n.º 106/88 e do artigo
72.º, n.º 1, do Código do IRS, que consagram a técnica do splitting ou do
quociente conjugal.
No requerimento que corporiza o pedido do grupo de deputados do Partido
Comunista Português, apenas se questiona a segunda parte da norma do n.º 2 do
artigo 11.º da Lei n.º 106/88, isto é, o segmento em que se consagra a
determinação do quociente conjugal por aplicação do factor 1,85 (splitting
mitigado). De igual modo, no Parecer que sustenta o pedido do Provedor de
Justiça, somente é contestada a legitimidade constitucional das normas
constantes das segundas partes do n.º 2 do artigo 11.º da Lei n.º 106/88 e do
n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS. Todavia, o Tribunal considera que o
pedido do Provedor de Justiça não pode deixar de abranger a integralidade
daquelas normas — e, por isso, também a parte em que estabelecem a determinação
do quociente conjugal por aplicação do factor 2 (splitting normal) —, uma vez
que a técnica do splitting não é mais do que uma consequência do princípio da
tributação conjunta dos rendimentos do agregado familiar, condensado nas normas
do n.º 4 do artigo 5.º da Lei n.º 106/88 e do n.º 2 do artigo 14.º do Código do
IRS, princípio esse cuja conformidade com a Constituição também é posta em causa
por aquela entidade.
As normas que consagram o splitting estarão, assim, incluídas no objecto do
presente processo: as primeiras partes daquelas normas, respeitantes ao
splitting normal, como consequência lógica do pedido do Provedor de Justiça de
declaração de inconstitucionalidade das normas que determinam a tributação
conjunta dos rendimentos do agregado familiar, e as segundas partes das mesmas
normas, que consagram o splitting mitigado, por serem expressamente questionadas
nos requerimentos do grupo de deputados e do Provedor de Justiça.
Mas, como foi referido, as normas apontadas viram, após a formulação dos
pedidos, o seu conteúdo alterado. O conteúdo originário das normas de que
estamos a tratar era o seguinte:
Artigo 11.º da Lei n.º 106/88:
1 —
...........................................................................................
2 — Tratando-se de contribuintes casados, a taxa aplicável é a correspondente ao
rendimento colectável dividido por 2, salvo se um só dos cônjuges tiver auferido
um rendimento igual ou superior a 95% do rendimento englobado, caso em que a
taxa aplicável é correspondente ao rendimento colectável dividido por 1,85.
Artigo 72.º, n.º 1, do Código do IRS (versão do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30
de Novembro):
Tratando-se de sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de
pessoas e bens, as taxas aplicáveis são as correspondentes ao rendimento
colectável dividido por 2, salvo se um só dos cônjuges tiver auferido rendimento
igual ou superior a 95% do rendimento englobado, caso em que a taxa aplicável é
a correspondente ao rendimento colectável dividido por 1,85.
Mais tarde, o artigo 24.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 65/90, de 28 de Dezembro
(Orçamento do Estado para 1991), autorizou o Governo a «alterar o artigo 72.º no
sentido de elevar para 1,90 o quociente conjugal previsto na parte final do n.º
1 e salvaguardar que os sujeitos passivos na situação de casados único titular
não paguem, em qualquer circunstância, imposto superior àquele que pagariam se
estivessem na situação de não casados». E, efectivamente, o artigo 1.º do
Decreto-Lei n.º 267/91, de 6 de Agosto, veio dar ao n.º 1 do artigo 72.º do
Código do IRS a seguinte nova redacção:
Tratando-se de sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de
pessoas e bens, as taxas aplicáveis são as correspondentes ao rendimento
colectável, dividido por 2, salvo se um só dos cônjuges tiver auferido
rendimento igual ou superior a 95% do rendimento englobado, caso em que a taxa
aplicável é correspondente ao rendimento colectável dividido por 1,90.
Ao artigo 72.º do Código do IRS foi aditado um n.º 3, com o seguinte conteúdo:
Em caso algum pode resultar, para os sujeitos passivos na situação de casados
único titular, imposto superior àquele que pagariam se estivessem na situação de
não casados.
Verifica-se da transcrição do novo conteúdo das normas questionadas que as suas
segundas partes contêm um regime jurídico substancialmente diferente, sendo
também diversos os efeitos jurídicos decorrentes da sua aplicação. De facto, ao
elevar de 1,85 para 1,90 o quociente conjugal para determinação da taxa do IRS,
nos casos dos agregados familiares em que um só dos cônjuges tiver auferido
rendimento igual ou superior a 95% do rendimento englobado, a nova redacção da
segunda parte do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS veio reduzir
substancialmente a diferenciação de tratamento estabelecida entre a subclasse
dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens
sujeita ao divisor normal (primeira parte do n.º 1 do artigo 72.º daquele
Código) e a subclasse sujeita ao divisor modificado (segunda parte do n.º 1 do
mesmo preceito). De igual modo, a cláusula travão constante do n.º 3 do artigo
72.º do Código do IRS, garantindo que «em caso algum pode resultar, para os
sujeitos passivos na situação de casados único titular, imposto superior àquele
que pagariam se estivessem na situação de não casados», ou seja, a garantia de
que, em consequência da aplicação do quociente conjugal mitigado, nunca haverá
um tratamento fiscal penalizante da família, altera significativamente os
efeitos das segundas partes das normas acima referenciadas. As normas das
segundas partes do n.º 2 do artigo 11.º da Lei n.º 106/88 e do artigo 72.º, n.º
1, do Código do IRS são, pois, hoje, na sequência das alterações entretanto
introduzidas, substancialmente diferentes, pelo que, na linha do anteriormente
exposto, não deve o Tribunal conhecer da sua conformidade com a Constituição.
Mas, na sua primeira parte, precisamente naquela em que consagram o splitting
normal, mantêm-se inalteradas, não se descortinando, por isso, nenhum obstáculo
processual ao conhecimento do seu mérito.
Tudo isto significa que o Tribunal Constitucional apenas vai conhecer da questão
da inconstitucionalidade das primeiras partes das normas do n.º 2 do artigo 11.º
da Lei n.º 106/88 e do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS, na sua redacção
originária, isto é, na versão vigente à data da apresentação dos pedidos, e
retomada, sem qualquer alteração, na redacção daquele preceito do Código
resultante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 267/91, de 6 de Agosto (emitido no
uso da autorização legislativa constante do artigo 24.º, n.º 1, alínea c), da
Lei n.º 65/90, de 28 de Dezembro), ou seja, da conformidade ou não com a
Constituição do inciso daquelas normas onde se consagra o splitting normal, e
cujo conteúdo é o seguinte:
Tratando-se de sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de
pessoas e bens, as taxas aplicáveis são as correspondentes ao rendimento
colectável dividido por 2.
8.4.2 — Um segundo grupo de normas identificadas pelos requerentes como
enfermando do vício de inconstitucionalidade que viram a sua redacção alterada
posteriormente à data da apresentação dos pedidos é integrado pelas normas
constantes dos artigos 14.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei n.º 106/88 e do n.º
1, alíneas a) e b),do artigo 80.º do Código do IRS, normas essas que estabelecem
os montantes das deduções à colecta por cada sujeito passivo não casado ou
separado judicialmente de pessoas e bens e por cada sujeito passivo casado e não
separado judicialmente de pessoas e bens, respectivamente.
Vejamos, de seguida, quais as transformações por que passaram as normas
apontadas.
O artigo 14.º da Lei n.º 106/88, na parte questionada, dispunha o seguinte:
1 — Com a finalidade de adequar o imposto à situação familiar de cada
contribuinte, à colecta são deduzidos:
a) 20 000$00 por contribuinte não casado ou separado
judicialmente de pessoas e bens;
b) 15 000$00 por cada contribuinte casado e não separado
judicialmente de pessoas e bens;
c)
...........................................................................................
Por seu lado, o n.º 1 do artigo 80.º do Código do IRS, na versão do Decreto-Lei
n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, em vigor na data do requerimento do Provedor de
Justiça, prescrevia assim:
1 — À colecta do IRS e até ao montante desta, serão deduzidos:
a) 20 000$00 por cada sujeito não casado ou separado
judicialmente de pessoas e bens;
b) 15 000$00 por cada sujeito passivo casado e não separado
judicialmente de pessoas e bens;
c)
...........................................................................................
Posteriormente, a Lei n.º 101/89, de 29 de Dezembro, elevou para 23 000$00 o
montante da dedução à colecta do IRS em relação aos sujeitos passivos indicados
na alínea a) e para 17 000$00 a dedução em relação aos sujeitos passivos
referidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 80.º do Código do IRS. De seguida, o
artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 206/90, de 26 de Junho, alterou o corpo do n.º 1
do artigo 80.º, passando este a determinar:
1 — À colecta do IRS devido por sujeitos passivosesidentes em território
português e até ao seu montante serão deduzidos:
a)
...........................................................................................
b)
...........................................................................................
c)
...........................................................................................
Depois, o artigo 24.º, n.º 2, da Lei n.º 65/90, de 28 de Dezembro, veio dar ao
artigo 80.º, n.º 1, a seguinte redacção:
1 — À colecta do IRS devido por sujeitos passivos residentes em território
português e até ao seu montante serão deduzidos:
a) 25 500$00 por cada sujeito passivo não casado ou separado
judicialmente de pessoas e bens;
b) 19 000$00 por cada sujeito passivo casado e não separado
judicialmente de pessoas e bens;
c)
...........................................................................................
Mais recentemente, o artigo 28.º, n.º 3, da Lei n.º 2/92, de 9 de Março
(Orçamento do Estado para 1992), elevou para 27 500$00 a dedução à colecta do
IRS em relação aos sujeitos passivos indicados na alínea a) e para 20 500$00 a
dedução em relação ao sujeitos passivos referidos na alínea b) do n.º 1 do
artigo 80.º do Código do IRS. Seguidamente, o artigo 23.º da Lei n.º 30-C/92,
de 28 de Dezembro (Orçamento do Estado para 1993) subiu para 29 000$00 e 22
000$00, respectivamente, os valores referidos. Por fim, o artigo 22.º da Lei
n.º 75/93, de 20 de Dezembro (Orçamento do Estado para 1994) aumentou aqueles
valores para 30 100$00 e 22 800$00, respectivamente.
As alterações de redacção assinaladas traduziram-se, de um lado, no aditamento
da regra, no corpo do artigo 80.º do Código do IRS — este por obra do artigo 1.º
do Decreto-Lei n.º 206/90, de 26 de Junho —, de que só há deduções à colecta do
IRS devido por sujeitos passivos residentes em território português e, por outro
lado, na actualização dos quantitativos das deduções à colecta, baseada
essencialmente na inflação. Estas alterações mantêm, porém, intacto, na sua
essência, o conteúdo preceptivo das normas originárias. Em primeiro lugar, a
limitação do benefício das deduções à colecta do IRS aos sujeitos passivos
residentes em território português é algo que já se continha nas normas sobre a
incidência pessoal do IRS, pois apenas aqueles estão sujeitos a um IRS que
incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, ainda que obtidos fora do
território português (cfr. os artigos 5.º, n.os 1, 2 e 3, da Lei n.º 106/88 e
14.º a 17.º do Código do IRS). Em segundo lugar, as actualizações sucessivas
dos montantes das deduções à colecta mantêm, em proporções semelhantes, a
diferenciação de tratamento entre sujeitos passivos não casados ou separados
judicialmente de pessoas e bens, por um lado, e sujeitos passivos casados e não
separados judicialmente de pessoas e bens, por outro lado, diferenciação de
tratamento essa que constitui a pedra de toque da contestação
jurídico-constitucional dos requerentes.
Entende, assim, o Tribunal, na esteira da doutrina geral acima expendida,
conhecer do mérito das normas constantes dos artigos 14.º, n.º 1, alíneas a) e
b), da Lei n.º 106/88 e do n.º 1, alíneas a) e b), do artigo 80.º do Código do
IRS. Precisando um pouco mais o objecto do presente processo quanto a este
conjunto de normas, o Tribunal vai conhecer da questão da inconstitucionalidade
das normas dos artigos 14.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei n.º 106/88 e 80.º,
n.º 1, alíneas a) e b), do Código do IRS, na sua versão originária, enquanto
estabelecem uma diferenciação nos montantes das deduções à colecta do IRS devido
por sujeitos passivos não casados ou separados judicialmente de pessoas e bens e
por sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens —
sendo mais elevados para aqueles do que para estes —, diferenciação essa que se
mantém numa proporção semelhante nas diferentes versões que se sucederam no
tempo daquelas normas.
8.4.3 — A constitucionalidade da norma do artigo 11.º, n.º 1, da Lei n.º 106/88,
que define as taxas do IRS, é questionada directamente pelo grupo de deputados
do Partido Comunista Português, imputando-lhe a violação do princípio da
progressividade, condensado no artigo 107.º, n.º 1, da Constituição, ao
contrário do Provedor de Justiça, que não põe em causa a constitucionalidade da
norma do n.º 1 do artigo 11.º daquela lei, em si mesma, mas apenas enquanto o
n.º 2 do mesmo artigo a manda aplicar, de acordo com a técnica do splitting.
Também a norma do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 106/88 sofreu várias
modificações ao longo dos tempos. Vejamos quais.
O n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 106/88 prescrevia o seguinte:
1 — As taxas do IRS são as seguintes, valendo cada taxa dentro dos limites do
respectivo escalão:
RENDIMENTO COLECTÁVEL TAXA
(contos) (percentagem)
Até 450 ......................................................
16
De mais de 450 até 850................................................
20
De mais de 850 até 1.250.............................................
27,5
De mais de 1.250 até 3.000..........................................
35
Superior a 3.000 ......................................... 40
Esta norma foi vertida no artigo 71.º do Código do IRS, na sua versão
originária, nos seguintes termos:
Artigo 71.º
(Taxas gerais)
1 — As taxas do imposto são as constantes da tabela seguinte:
TAXA
RENDIMENTO COLECTÁVEL (percentagem)
(contos)
Normal (A) Média
(B)
Até 450............................................................ 16
16
De mais de 450 até 850.................................... 20
17,882
De mais de 850 até 1.250................................. 27,5 20,960
De mais de 1.250 até 3.000.............................. 35 29,150
Superior a 3.000............................................... 40
—
2 — O quantitativo do rendimento colectável, quando superior a 450 contos, será
dividido em duas partes: uma, igual ao limite do maior dos escalões que nele
couber, à qual se aplicará a taxa da coluna (B) correspondente a esse escalão;
outra, igual ao excedente, a que se aplicará a taxa da coluna (A) respeitante ao
escalão imediatamente superior.
Este preceito veio a ser alterado pelo artigo 24.º da Lei n.º 101/89, de 29 de
Dezembro, passando a dispor o seguinte:
Artigo 71.º
(Taxas gerais)
1 — As taxas do imposto são as constantes da tabela seguinte:
TAXA
RENDIMENTO COLECTÁVEL (percentagem)
(contos)
Normal (A) Média
(B)
Até 540............................................................ 16
16
De mais de 540 até 1.020................................. 20 17,882
De mais de 1.020 até 1.500.............................. 27,5 20,960
De mais de 1.500 até 3.600.............................. 35 29,150
Superior a 3.600............................................... 40
—
2 — O quantitativo do rendimento colectável, quando superior a 540 contos, será
dividido em duas partes: uma, igual ao limite do maior dos escalões que nele
couber, à qual se aplicará a taxa da coluna (B) correspondente a esse escalão;
outra, igual ao excedente, a que se aplicará a taxa da coluna (A) respeitante ao
escalão imediatamente superior.
Depois, o artigo 24.º, n.º 2, da Lei n.º 65/90, de 28 de Dezembro, veio dar nova
redacção àquele preceito, sendo o seu conteúdo o seguinte:
Artigo 71.º
(Taxas gerais)
1 — As taxas do imposto são as constantes da tabela seguinte:
TAXA
RENDIMENTO COLECTÁVEL (percentagem)
(contos)
Normal (A)
Média (B)
Até 750............................................................ 15
15
De mais de 750 até 1.750................................. 25 20,714
De mais de 1.750 até 4.500.............................. 35 29,444
Superior a 4.500............................................... 40
—
2 — O quantitativo do rendimento colectável, quando superior a 750 000$00, será
dividido em duas partes: uma, igual ao limite do maior dos escalões que nele
couber, à qual se aplicará a taxa da coluna (B) correspondente a esse escalão;
outra, igual ao excedente, a que se aplicará a taxa da coluna (A) respeitante ao
escalão imediatamente superior.
De seguida, o artigo 28.º, n.º 3, da Lei n.º 2/92, de 9 de Março, veio dar nova
redacção ao artigo 71.º do Código do IRS, passando este a ter o seguinte
conteúdo:
Artigo 71.º
(Taxas gerais)
1 — As taxas do imposto são as constantes da tabela seguinte:
TAXA
RENDIMENTO COLECTÁVEL (percentagem)
(contos)
Normal (A) Média
(B)
Até 810............................................................ 15
15
De mais de 810 até 1.890................................. 25 20,714
De mais de 1.890 até 4.860.............................. 35 29,444
Superior a 4.860............................................... 40
—
2 — O quantitativo do rendimento colectável, quando superior a 810 000$00, será
dividido em duas partes: uma, igual ao limite do maior dos escalões que nele
couber, à qual se aplicará a taxa da coluna (B) correspondente a esse escalão;
outra, igual ao excedente, a que se aplicará a taxa da coluna (A) respeitante ao
escalão imediatamente superior.
Mais recentemente, o artigo 23.º da Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro, conferiu
a seguinte redacção ao artigo 71.º do Código do IRS:
Artigo 71.º
(Taxas gerais)
1 — As taxas do imposto são as constantes da tabela seguinte:
TAXA
RENDIMENTO COLECTÁVEL (percentagem)
(contos)
Normal (A) Média
(B)
Até 860............................................................ 15
15
De mais de 860 até 2.010................................. 25 20,721
De mais de 2.010 até 5.160.............................. 35 29,438
Superior a 5.160............................................... 40
—
2 — O quantitativo do rendimento colectável, quando superior a 860 000$00, será
dividido em duas partes: uma, igual ao limite do maior dos escalões que nele
couber, à qual se aplicará a taxa da coluna (B) correspondente a esse escalão;
outra, igual ao excedente, a que se aplicará a taxa da coluna (A) respeitante ao
escalão imediatamente superior.
E, por fim, o artigo 22.º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, veio determinar o
seguinte conteúdo ao artigo 71.º do mesmo Código:
Artigo 71.º
(Taxas gerais)
1 — As taxas do imposto são as constantes da tabela seguinte:
TAXA
RENDIMENTO COLECTÁVEL (percentagem)
(contos)
Normal (A)
Média (B)
Até 930............................................................ 15
15
De mais de 930 até 2.170................................. 25 20,714
De mais de 2.170 até 5.570.............................. 35 29,453
Superior a 5.570............................................... 40
—
2 — O quantitativo do rendimento colectável, quando superior a 930 000$00, será
dividido em duas partes: uma, igual ao limite do maior dos escalões que nele
couber, à qual se aplicará a taxa da coluna (B) correspondente a esse escalão;
outra, igual ao excedente, a que se aplicará a taxa da coluna (A) respeitante ao
escalão imediatamente superior.
Ressalta claramente das sucessivas versões do artigo 71.º do Código do IRS
acabadas de transcrever que este preceito tem, hoje, um conteúdo normativo
substancialmente diferente do artigo 11.º, n.º 1, da Lei n.º 106/88 e, bem
assim, da versão originária daquele Código. As alterações introduzidas
correspondem a uma nova opção político-legislativa em matéria de tabela de taxas
do IRS — opção essa vertida sobretudo no artigo 24.º, n.º 2, da Lei n.º 65/90,
de 28 de Dezembro —, que se traduziu não apenas numa nova expressão quantitativa
dos escalões, mas também numa redução do número destes e numa alteração das
taxas. A norma do artigo 70.º do Código do IRS é actualmente uma norma nova,
consubstanciadora de uma mudança qualitativa no domínio da tributação do
rendimento das pessoas singulares. A questão da sua inconstitucionalidade não
deve, por isso, de harmonia com a doutrina anteriormente exposta, ser conhecida
por este Tribunal.
8.4.4 — Uma quarta norma apodada de inconstitucional pelos deputados requerentes
e que, entretanto, sofreu alterações é a norma constante do artigo 6.º, n.º 3,
da Lei n.º 106/88, que estabelece um tecto às deduções dos rendimentos do
trabalho dependente (65% do valor deste, até ao limite de 250 000$00, incluindo
neste limite as contribuições obrigatórias para a Segurança Social, embora se as
contribuições obrigatórias para a Segurança Social excederem aquele patamar, a
dedução deva ser feita pelo montante total dessas contribuições). Segundo o
grupo de deputados do Partido Comunista Português, aquela norma viola o
princípio constitucional do tratamento fiscal mais favorável dos rendimentos do
trabalho, bem como o princípio constitucional da igualdade, na medida em que
inclui na dedução, sujeita a um valor máximo, aos rendimentos do trabalho
dependente as contribuições obrigatórias para a Segurança Social, em contraste
com o regime, mantido nas outras categorias de rendimentos, de dedutibilidade de
todos os custos ou encargos efectivos e comprováveis.
A norma do n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 106/88 prescreve o seguinte:
Artigo 6.º
(IRS — Deduções)
1 —
...........................................................................................
2 —
...........................................................................................
3 — Os rendimentos de trabalho dependente terão uma dedução de 65% até ao limite
de 250 000$00, incluindo nesta dedução as contribuições obrigatórias para a
Segurança Social, podendo o Governo elevar esse limite relativamente a
deficientes cujo grau de invalidez seja igual ou superior a 60%; se, porém, o
contribuinte tiver pago contribuições obrigatórias para a Segurança Social que
excedam aquele limite, a dedução será pelo montante total dessas contribuições.
A norma transcrita da Lei n.º 106/88 esteve na origem do artigo 25.º do Código
do IRS, cuja versão originária era a seguinte:
Artigo 25.º
(Rendimentos do trabalho dependente: deduções)
1 — Aos rendimentos brutos da categoria A deduzir-se-ão, por cada titular que os
tenha auferido, 65% do seu valor, com o limite de 250 000$00.
2 — Se, porém, as contribuições obrigatórias para regimes de protecção social
excederem o limite fixado no número anterior, aquela dedução será pelo montante
total dessas contribuições.
3 — O limite previsto no n.º 1 será elevado em 50% quando se trate de sujeito
passivo cujo grau de invalidez permanente, devidamente comprovado pela entidade
competente, seja igual ou superior a 60%.
4 — Nos casos referidos na alínea a) do n.º 3 do artigo 2.º, quando os titulares
dos órgãos estatutários sejam sócios ou membros das pessoas colectivas e nos
casos da alínea b) dos mesmos números e artigo, serão deduzidas exclusivamente
as contribuições obrigatórias suportadas.
O limite de 250 000$00 referido no n.º 1 do artigo 25.º do Código do IRS veio a
ser sucessivamente aumentado para 300 000$00, 340 000$00, 378 000$00, 400 000$00
e 416 000$00, respectivamente, pelas Leis n.os 101/89, de 29 de Dezembro, 65/90,
de 28 de Dezembro, 2/92, de 9 de Março, 30-C/92, de 28 de Dezembro, e 75/93, de
20 de Dezembro. Mas estes aumentos não são mais do que correcções monetárias do
limite previsto no n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 106/88, sendo, por isso,
insusceptíveis de alterar substancialmente o conteúdo deste último preceito.
Vai, por isso, o Tribunal, na esteira do critério geral acima enunciado,
conhecer da questão da inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 6.º da
Lei n.º 106/88, na parte em que estebelece um limite às deduções aos rendimentos
do trabalho dependente, limite esse que se mantém substancialmente inalterado na
actual versão dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 25.º do Código do IRS.
8.4.5 — O último conjunto de normas reputadas de inconstitucionais pelo grupo de
deputados do Partido Comunista Português e pelo Provedor de Justiça que foram
objecto de modificações após a entrada dos requerimentos neste Tribunal é
constituído pelas normas constantes dos artigos 12.º e 13.º da Lei n.º 106/88 e
dos artigos 74.º e 75.º do Código do IRS, que disciplinam as denominadas taxas
liberatórias.
Na óptica dos autores dos dois pedidos dirigidos a este Tribunal, as normas dos
artigos 12.º e 13.º da Lei n.º 106/88 e dos artigos 74.º e 75.º do Código do IRS
violam os princípios da unicidade (globalização e personalização) e da
progressividade do imposto sobre o rendimento pessoal, consagrados no n.º 1 do
artigo 107.º, bem como o princípio da igualdade, não apenas em consequência de
aquelas normas, ao instituírem taxas liberatórias proporcionais, privarem o
imposto sobre o rendimento pessoal do seu principal instrumento de repartição
igualitária da riqueza (artigo 106.º, n.º 1, da Constituição) e da diminuição
das desigualdades (artigo 107.º, n.º 1), mas também por conterem, sem fundamento
razoável ou material bastante, um tratamento fiscal mais favorável de certos
rendimentos (nomeadamente de capitais, de jogo, de não residentes e algumas
mais-valias) relativamente aos rendimentos do trabalho.
Deve observar-se preliminarmente que, no que respeita ao artigo 13.º da Lei n.º
106/88, ambos os requerentes apenas questionam o princípio da tributação de
certas mais-valias por meio de taxas liberatórias, se os titulares dos
rendimentos não optarem pelo respectivo englobamento, pelo que o objecto do
presente processo, quanto àquele preceito, circunscreve-se às normas dos seus
n.os 1 e 3.
Mas, como se referiu já, as normas que consagram as taxas liberatórias foram
objecto de sucessivas alterações. Vejamos quais.
O conteúdo das normas da Lei n.º 106/88 objecto do presente pedido de
fiscalização abstracta da constitucionalidade era o seguinte:
Artigo 12.º
(IRS — Regimes especiais de taxas)
1 — São tributados em IRS, liberando da obrigação de imposto, por retenção na
fonte, às taxas de:
a) 20%, os juros de quaisquer depósitos à ordem ou a prazo;
b) 25%, os rendimentos de títulos nominativos ou ao portador;
c) 25%, os ganhos provenientes de jogo, lotarias e apostas mútuas
sobre as quais não incida o imposto de jogo;
d) Até 25%, os rendimentos das categorias A, E e H quando os seus
titulares não residam em Portugal.
2 — Os titulares dos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do número
anterior podem optar pelo respectivo englobamento, sendo nesse caso a retenção
havida como pagamento por conta do imposto devido a final.
Artigo 13.º
(IRS — Mais-valias)
1 — São tributadas à taxa de 10% as mais-valias realizadas deduzidas das
menos-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais e outros
valores mobiliários.
2 —
...........................................................................................
3 — Os titulares dos rendimentos referidos no n.º 1 podem optar pelo respectivo
englobamento, sendo nesse caso a retenção havida como pagamento por conta do
imposto devido a final.
As normas da Lei de autorização legislativa n.º 106/88 que vêm de ser
transcritas vieram a ser traduzidas nos artigos 74.º e 75.º do Código do IRS,
cuja versão originária era a seguinte:
Artigo 74.º
(Taxas especiais liberatórias)
1 — São tributados à taxa liberatória de:
a) 20%, os juros de depósitos à ordem ou a prazo;
b) 25%, os rendimentos de quaisquer títulos nominativos ou ao
portador;
c) 25%, os ganhos provenientes do jogo, lotarias e apostas mútuas;
d) 25%, os rendimentos das categorias A e H dos não residentes em
Portugal;
e) 15%, os rendimentos referidos na alínea a) do artigo 6.º dos
não residentes em Portugal.
f) 20%, outros rendimentos de aplicação de capitais, não
mencionados nas alíneas anteriores, dos não residentes em Portugal.
2 — As taxas referidas no número anterior liberam da obrigação de imposto, salvo
se os titulares dos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do mesmo número
optarem pelo englobamento, caso em que a retenção terá a natureza de pagamento
por conta do imposto devido a final.
Artigo 75.º
(Taxa especial — Mais-valias)
1 — São tributadas à taxa de 10% as mais-valias realizadas, deduzidas das
menos-valias realizadas, com a transmissão onerosa de partes sociais e outros
valores mobiliários.
2 — A taxa referida no número anterior libera da obrigação de imposto, salvo
quando o titular do rendimento optar pelo respectivo englobamento.
Estes dois preceitos do Código do IRS não têm actualmente o conteúdo transcrito.
Foram sofrendo múltiplas alterações, operadas por decretos-leis suportados em
autorizações legislativas ou por leis da Assembleia da República, de que
resultou a revogação implícita das normas dos artigos 12.º e 13.º da Lei n.º
106/88, que continham autorização legislativa para o Governo emanar os artigos
74.º e 75.º do Código do IRS, na sua versão originária.
Assim, no que concerne ao artigo 74.º do Código do IRS, em primeiro lugar, o
artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 95/90, de 20 de Março (emitido ao abrigo
da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 29/89, de 23 de Agosto) deu
nova redacção às alíneas b) e d) do n.º 1 daquele artigo e acrescentou-lhe a
alínea g).
Em segundo lugar, o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 206/90, de 26 de Junho
(emanado ao abrigo da autorização legislativa concedida pelo n.º 3 do artigo
24.º da Lei n.º 101/89, de 29 de Dezembro), deu nova redacção às alíneas c), d)
e f) do n.º 1 do artigo 74.º do Código do IRS.
Em terceiro lugar, o artigo 24.º, n.º 2, da Lei n.º 65/90, de 28 de Dezembro,
reformulou integralmente o artigo 74.º do Código do IRS, alterando várias das
suas alíneas e acrescentando-lhe outros números.
Em quarto lugar, o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 267/91, de 6 de Agosto [emitido
no uso da autorização legislativa concedida pelo n.º 1 do artigo 24.º e pelo n.º
2 e pelas alíneas c), d) e e) do n.º 3 do artigo 31.º da Lei n.º 65/90, de 28 de
Dezembro], veio dar nova redacção ao n.º 3, alíneas c) e d), n.º 4, alínea a), e
n.º 6 do artigo 74.º do Código do IRS.
Em quinto lugar, o artigo 23.º, n.º 1, da Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro,
alterou o n.º 1, a alínea c) do n.º 3 e o n.º 6 (adiantando-lhe quatro alíneas)
do artigo 74.º do Código do IRS e acrescentou-lhe o n.º 7.
Finalmente, o artigo 22.º, n.º 1, da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, deu nova
redacção ao n.º 2 do artigo 74.º do Código do IRS.
Depois de todas estas alterações é a seguinte a versão actual do artigo 74.º do
Código do IRS:
Artigo 74.º
(Taxas liberatórias)
1 — Estão sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, os rendimentos
obtidos em território nacional constantes dos números seguintes, às taxas
liberatórias neles previstas.
2 — São tributados à taxa de 25%, com excepção dos rendimentos previstos na
alínea c), que são tributados à taxa de 35%:
a) Os rendimentos de títulos nominativos ou ao portador, excepto
de dívida pública;
b) Os rendimentos de operações de reporte, excepto sobre títulos
de dívida pública, cessões de crédito, contas de títulos com garantia de preço
ou de outras operações similares ou afins;
c) Os prémios de lotarias, rifas, apostas mútuas, jogo do loto e do bingo, bem
como de sorteios ou concursos;
d) Os rendimentos de trabalho dependente e de trabalho
independente, auferidos por não residentes em Portugal;
e) Os lucros colocados à disposição dos respectivos associados ou
titulares, incluindo os adiamentos por conta de lucros, devidos por entidades
sujeitas a IRC, auferidos por não residentes em Portugal;
f) Os rendimentos provenientes da propriedade intelectual,
auferidos por titulares não originários não residentes em Portugal;
g) As pensões auferidas por não residentes em Portugal.
3 — São tributados à taxa de 20%:
a) Os juros de depósito à ordem ou a prazo;
b) Os rendimentos de títulos de dívida pública e de operações de
reporte sobre títulos de dívida pública;
c) Os rendimentos correspondentes à diferença entre os montantes
pagos a título de resgate, vencimento ou adiantamento de apólices de seguros de
vida e os respectivos prémios pagos;
d) Quaisquer rendimentos de capitais auferidos por não residentes
em Portugal não expressamente tributados a taxa diferente.
4 — São tributados à taxa de 15%:
a) Os rendimentos de capitais referidos na alínea m) do n.º 1 do
artigo 6.º, com excepção dos provenientes da propriedade intelectual auferidos
por não residentes em Portugal;
b) As comissões por intermediação na celebração de quaisquer
contratos, auferidos por não residentes em Portugal.
5 — As taxas previstas nos números anteriores incidem sobre os rendimentos
ilíquidos, excepto no que se refere às pensões, as quais beneficiam da dedução
prevista no artigo 51.º, sem prejuízo do que se disponha na lei, designadamente
no Estatuto dos Benefícios Fiscais.
6 — Podem ser englobados, por opção dos respectivos titulares, residentes em
território nacional, desde que obtidos fora do âmbito do exercício de
actividades comerciais, industriais ou agrícolas, os seguintes rendimentos
devidos por entidades com sede, domicílio, direcção efectiva ou estabelecimento
estável naquele situado, a que seja imputável o seu pagamento:
a) Os rendimentos de título de dívida, nominativos ou ao
portador, bem como os rendimentos de operações de reporte, cessões de crédito,
contas de títulos com garantias de preço ou de outras operações similares ou
afins;
b) Os rendimentos de acções, nominativas ou ao portador;
c) Os juros de depósito à ordem ou a prazo;
d) Os rendimentos correspondentes à diferença entre os montantes
pagos a título de resgate, vencimento ou adiantamento de apólices de seguros de
vida e os respectivos prémios pagos.
7 — Feita a opção a que se refere o número anterior, a retenção que tiver sido
efectuada tem a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.
Também o n.º 1 do artigo 75.º do Código do IRS foi objecto de nova redacção por
obra do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 206/90, de 26 de Junho. O seu conteúdo
actual é o seguinte:
Artigo 75.º
(Taxa especial — Mais-valias)
1 — O saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias apuradas na
transmissão onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários é tributado à
taxa liberatória de 10%.
2 — A taxa referida no número anterior libera da obrigação de imposto, salvo
quando o titular do rendimento optar pelo respectivo englobamento.
Aqui chegados, é altura de perguntar: qual o significado das transformações
ocorridas nas normas dos artigos 74.º e 75.º do Código do IRS?
O Tribunal pode adiantar, desde já, que as alterações suportadas pelas normas
daqueles dois artigos são de tal modo profundas que não deve conhecer-se da
questão da sua conformidade com a Constituição.
De facto, o artigo 74.º do Código do IRS foi objecto de uma remodelação ou
reestruturação quase integral.
A reorganização operada no artigo 74.º do Código do IRS traduziu-se, entre o
mais, no seguinte: as normas constantes de cada uma das alíneas do n.º 1 do
artigo 74.º da versão originária e, bem assim, a norma que previa a
possibilidade do englobamento, que constava do n.º 2, foram vasadas em alíneas e
números diferentes do artigo 74.º, na actual redacção, isto é, em preceitos
distintos [assim, a norma de alínea a) do n.º 1 passou a constar da alínea a) do
n.º 3; a norma da alínea b) do n.º 1 está actualmente repartida pela alínea a)
do n.º 2 e pela alínea b) do n.º 3; a norma do n.º 1, alínea c), está agora
corporizada na alínea c) do n.º 2; a norma da alínea d) do n.º 1 desdobra-se, na
redacção actual, pela alínea d) do n.º 2 e pela alínea g) do n.º 2; a norma da
alínea e) do n.º 1 está agora na alínea a) do n.º 4 e na alínea f) do n.º 2; a
norma da alínea f) do n.º 1 mudou-se para a alínea d) do n.º 3; e a norma do n.º
2 encontra-se hoje concretizada nas alíneas b) e c) do n.º 6 e no n.º 7 do
artigo 74.º]; foram acrescentadas no actual artigo 74.º novas normas,
concretizadas em alíneas e números que foram aditados ao primitivo artigo 74.º
(passaram, por exemplo, a estar sujeitos a taxa liberatória os rendimentos
provenientes de operações de reporte e de cessões de crédito, bem como os
rendimentos correspondentes à diferença entre os montantes pagos a título de
resgate, vencimento ou adiantamento de apólices de seguros de vida e os
respectivos prémios pagos); algumas taxas liberatórias sofreram alteração
significativa (os rendimentos de títulos de dívida pública passaram a ser
tributados à taxa de 20%, abandonando-se a anterior de 25%; os prémios de
lotarias, rifas, apostas mútuas, jogo do loto e do bingo, bem como de sorteios
ou concursos são actualmente tributados à taxa de 35%, em vez dos 25% iniciais;
e os rendimentos provenientes da propriedade intelectual, auferidos por
titulares não originários não residentes em Portugal, passaram a ser tributados
à taxa de 25%, em vez da taxa de 15%); finalmente, a definição de alguns tipos
de rendimentos sujeitos a taxa liberatória passou a ser feita em termos
substancialmente diferentes [podem cotejar-se, por exemplo, a norma da alínea d)
do n.º 1 na versão originária e as normas do n.º 2, alíneas d) e g), de actual
versão].
As linhas antecedentes mostram claramente que várias das normas da versão
originária do artigo 74.º do Código do IRS sofreram alterações substanciais de
redacção, que modificaram o seu sentido. Foi o que sucedeu com as normas das
alíneas b) a f) do n.º 1 e do n.º 2 da versão inicial daquele artigo. Daí que,
de acordo com o critério acima definido, não deva o Tribunal conhecer da questão
de sua constitucionalidade. Além disso e decisivamente um outro argumento
concorre — e este argumento aplica-se a todas as normas constantes da redacção
inicial do artigo 74.º do Código do IRS, incluindo a norma da alínea a) do n.º
1, que prevê a tributação à taxa de 20% dos juros de depósitos à ordem e a
prazo, e que aparece, em termos coincidentes, concretizada na alínea a) do n.º 3
da actual redacção do artigo 74.º do Código — em abono da solução de não
conhecimento do mérito das normas do artigo 74.º do Código do IRS. Relaciona-se
ele com a circunstância de as taxas liberatórias previstas para cada um dos
tipos de rendimentos identificados nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 74.º
na sua redacção originária constarem hoje de outras alíneas e outros números
daquele artigo, ou seja, de preceitos diferentes — situação esta que não se
verifica em relação a nenhuma das normas da Lei n.º 106/88 e do Código do IRS
analisadas anteriormente e que foram alteradas por diplomas posteriores.
Ora, como tem salientado este Tribunal em jurisprudência reiterada e uniforme,
objecto de fiscalização da constitucionalidade são normas jurídicas, entendidas
estas como todo e qualquer acto do poder público que contiver uma «regra de
conduta» para os particulares ou para a Administração, um «critério de decisão»
para esta última ou para o juiz ou, em geral, «um padrão de valoração de
comportamento» [cfr., inter alia, os Pareceres da Comissão Constitucional n.os
3/78, 6/78 e 13/82 (in Pareceres da Comissão Constitucional, 4.º vol., pp. 221 e
segs. e 303 e segs., e 19.º Vol., pp. 149 e segs.) e os Acórdãos do Tribunal
Constitucional n.os 26/85, 63/91, 146/92, 255/92 e 186/94, publicados no Diário
da República, II Série, de 26 de Abril de 1985, 3 de Julho de 1991, 24 de Julho
de 1992, 26 de Agosto de 1992 e 14 de Maio de 1994, respectivamente]. Não se
trata, porém, de normas abstractamente consideradas, mas de normas vasadas ou
concretizadas num preceito. Por outras palavras, o Tribunal Constitucional,
quando aprecia a constitucionalidade de uma norma jurídica, tem de referir essa
norma a um preceito concreto, que constitui o seu suporte formal. A necessidade
de referência da norma objecto de fiscalização ao preceito que a incorpora
resulta do princípio do pedido. Este mesmo princípio impede que o Tribunal
analise a questão de constitucionalidade de uma norma nova — ainda que de teor
substancialmente idêntico à antiga — concretizada num preceito diferente do
originário.
Importa a este propósito citar a seguinte passagem do Acórdão deste Tribunal n.º
135/90 (publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Setembro de 1990),
no qual se apreciaram as consequências da revogação da norma objecto de
fiscalização de constitucionalidade e da sua substituição por norma posterior
sobre a mesma matéria e com idêntica função, e cuja doutrina na sua
essencialidade é transponível para o caso que se está agora a analisar:
Posto isto, resta acrescentar que a este Tribunal só lhe é permitido apreciar as
normas impugnadas, constantes dos preceitos já revogados, e não a norma ora
vigente no ordenamento jurídico, que surgiu em sua substituição, porque assim o
impõe o princípio do pedido.
E, para chegar a esta conclusão, não precisa de ir tão longe quanto o chegou a
ir a Comissão Constitucional, que considerou que «seria, de facto, conhecer
ultra petitum, o que lhe está vedado», apreciar a constitucionalidade de normas
constantes de um diploma revogado mas integralmente reproduzidas noutro
entretanto publicado (cfr. Parecer n.º 22/82, in Pareceres da Comissão
Constitucional, 20.º vol., p. 105).
Na verdade, no caso dos autos, não existe, sequer, coincidência literal entre a
norma do artigo 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 40-A/85 e a norma do artigo
15.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 353-A/89, pelo que, pelo menos, em tal hipótese,
parece indiscutível que a subordinação ao princípio do pedido sempre impedirá a
apreciação pelo Tribunal da norma constante da nova lei (neste sentido, cfr.
Acórdão n.º 124/87, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Maio de
1987).
No caso vertente, ao Tribunal Constitucional apenas seria permitido apreciar as
normas das várias alíneas da versão originária do n.º 1 do artigo 74.º do Código
do IRS, e não as normas, ainda que de conteúdo total ou parcialmente
coincidente, vasadas em outras alíneas e números da versão actualmente em vigor
daquele artigo 74.º, sob pena de violação do princípio do pedido. Mas, como foi
acentuado anteriormente, o conhecimento do pedido de declaração de
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas da versão
originária do artigo 74.º do Código do IRS careceria de interesse jurídico
relevante, já que, em face de uma hipotética declaração de
inconstitucionalidade, não deixaria o Tribunal, manifestamente, por força de
razões de segurança jurídica e de interesse público de excepcional relevo, de
limitar os efeitos dessa eventual declaração, de modo a deixar incólumes os
efeitos produzidos pelas normas do artigo 74.º do Código do IRS na sua versão
inicial, durante o período de tempo em que estiveram em vigor.
Há, assim, que concluir pelo não conhecimento do pedido quanto às normas
constantes do artigo 12.º da Lei n.º 106/88 e do artigo 74.º do Código do IRS.
Quanto à norma constante do n.º 1 do artigo 75.º do Código do IRS, o artigo 1.º
do Decreto-Lei n.º 206/90, de 26 de Junho (alicerçado na autorização legislativa
concedida pelo n.º 3 do artigo 24.º da Lei n.º 101/89, de 29 de Dezembro), veio
introduzir uma nova redacção, traduzida numa nova formulação da incidência da
taxa especial de mais-valias: onde se determinava que a taxa liberatória de 10%
incidia sobre «as mais-valias realizadas, deduzidas das menos-valias realizadas,
com a transmissão onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários» passou
a estatuir-se que aquela taxa incide sobre «o saldo positivo entre as
mais-valias e as menos-valias apuradas na transmissão onerosa de partes sociais
e outros valores mobiliários». Não é claro o sentido da alteração. De qualquer
modo, em face das dúvidas sobre o verdadeiro significado da nova redacção dada à
norma do n.º 1 do artigo 75.º do Código do IRS, não é pelo menos legítimo
presumir que as mudanças realizadas pelo legislador não se traduziram numa
alteração substancial do sentido daquela norma — alteração essa que atinge
reflexamente a norma do n.º 2 do artigo 75.º, onde se prevê a possibilidade da
opção pelo englobamento. Não deve, por isso, também, conhecer-se do pedido
quanto às normas dos n.os 1 e 3 do artigo 13.º da Lei n.º 106/88 e do artigo
75.º do Código do IRS.
8.5 — Relativamente às normas da Lei n.º 106/88 e do Código do IRS indicadas nos
dois pedidos, vai, pois, o Tribunal Constitucional conhecer apenas das normas
constantes do artigo 5.º, n.º 4, da Lei n.º 106/88 e do artigo 14.º, n.º 2, do
Código do IRS, ambas relativas à tributação conjunta dos rendimentos do agregado
familiar; das normas constantes das primeiras partes do n.º 2 do artigo 11.º
daquela Lei n.º 106/88 e do n.º 1 do artigo 72.º do referido Código do IRS,
relativas à determinação do quociente conjugal por aplicação do factor 2; das
normas constantes do artigo 14.º, n.º 1, alíneas a) e b), da mencionada Lei n.º
106/88 e do artigo 80.º, n.º 1, alíneas a) e b), daquele Código do IRS,
respeitantes às deduções à colecta do IRS; e da norma constante do artigo 6.º,
n.º 3, da mencionada Lei n.º 106/88, referente às deduções ao rendimento do
trabalho dependente.
A acrescer a estas vai ainda o Tribunal conhecer da questão da
constitucionalidade das normas constantes dos artigos 37.º, n.º 3, alínea a), e
38.º da citada Lei n.º 106/88 e do artigo 17.º, com referência ao artigo 16.º,
n.º 1, alínea b), do Código da Contribuição Autárquica, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de Novembro, respeitantes aos poderes dos
municípios para fixar a taxa da contribuição autárquica sobre os prédios
urbanos, bem como para lançar derramas sobre a colecta do IRS e fixar a
respectiva taxa, nos termos da lei; das normas constantes dos artigos 6.º, n.º
1, e 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de Novembro, relativas à
determinação do valor tributável dos prédios urbanos e rústicos, para efeitos de
contribuição autárquica; e, por fim, das normas constantes do artigo 37.º, n.º
5, da citada Lei n.º 106/88 e dos artigos 6.º, n.º 2, e 7.º, n.º 2, do
mencionado Decreto-Lei n.º 442-C/88, concernentes à actualização dos valores
matriciais dos prédios urbanos não arrendados e dos prédios rústicos.
9 — As normas constantes do artigo 5.º, n.º 4, da Lei n.º 106/88 e do artigo
14.º, n.º 2, do Código do IRS em confronto com os artigos 67.º, n.º 2, alínea
e), 107.º, n.º 1, e 13.º da Constituição.
O n.º 4 do artigo 5.º da Lei n.º 106/88 dispõe o seguinte:
Artigo 5.º
(IRS — Incidência subjectiva)
4 — Se os contribuintes forem casados e não separados judicialmente de pessoas e
bens, ambos os cônjuges ficarão sujeitos ao IRS relativamente aos rendimentos do
agregado familiar.
Por seu lado, o artigo 14.º, n.º 2, do Código do IRS veio dar execução ao
comando constante da norma transcrita da lei de autorização legislativa, nos
seguintes termos:
Existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos
das pessoas que o constituem, considerando-se como sujeitos passivos aquelas a
quem incumbe a sua direcção.
A composição do agregado familiar é definida no n.º 3 do artigo 14.º do Código
do IRS, contendo o n.º 4 deste mesmo preceito a definição de dependentes. De
acordo com aquele n.º 3, o agregado familiar é constituído pelos cônjuges não
separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes [alínea a)];
cada um dos cônjuges ou ex-cônjuges, respectivamente, nos casos de separação
judicial de pessoas e bens ou de declaração de nulidade, anulação ou dissolução
do casamento, e os dependentes a seu cargo [alínea b)]; o pai ou mãe solteiros e
os dependentes a seu cargo [alínea c)]; e o adoptante solteiro e os dependentes
a seu cargo [alínea d)].
Segundo o Provedor de Justiça (cfr. Parecer anexo ao requerimento), as normas do
artigo 5.º, n.º 4, da Lei n.º 106/88, de 17 de Setembro, e do artigo 14.º, n.º
2, do Código do IRS, ao consagrarem a sujeição de ambos os cônjuges ao IRS pelos
rendimentos do agregado familiar, não se ajustam ao figurino constitucional, que
é o de instituição de um imposto individual sobre o rendimento, não incidente
sobre o agregado familiar, encabeçado por ambos os cônjuges ou por um deles.
Na óptica do mencionado requerente, a Constituição não admite um sistema de
tributação do rendimento que considere o agregado familiar como sujeito passivo
do imposto. Isso resulta, desde logo, da pessoalidade da tributação, claramente
referida no artigo 107.º, n.º 1, da Lei Fundamental.
É certo que, na tributação do rendimento, este preceito constitucional manda ter
em conta «as necessidades e os rendimentos do agregado familiar» e o artigo
67.º, n.º 2, alínea e), determina que o legislador deve regular os impostos «de
harmonia com os encargos familiares». Mas, numa perspectiva constitucional de
pessoalidade da fiscalidade, os encargos e necessidades familiares terão de ser
reportados à carga tributária de cada um dos respectivos membros sujeitos a
imposto e não à do agregado em si.
Na perspectiva do Provedor de Justiça, as duas normas acima transcritas
infringem os seguintes preceitos constitucionais: o artigo 107.º, n.º 1, da
Constituição, que determina que «o imposto sobre o rendimento pessoal visará a
diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as
necessidades e os rendimentos do agregado familiar»; o artigo 67.º, n.º 2,
alínea e), nos termos do qual «incumbe, designadamente, ao Estado para protecção
da família regular os impostos e os benefícios sociais, de harmonia com os
encargos familiares»; e, finalmente, o artigo 13.º, que consagra o princípio
geral da igualdade dos cidadãos perante a lei.
Será censurável, sob o ponto de vista constitucional, a opção do legislador em
considerar a família, constituída pelos cônjuges não separados judicialmente de
pessoas e bens e seus dependentes, como unidade básica do novo sistema de
tributação do rendimento das pessoas singulares? A resposta é negativa.
Vejamos porquê.
9.1 — Antes de se apontarem as razões que levam o Tribunal a não formular um
juízo de inconstitucionalidade sobre aquelas normas, importa assinalar algumas
notas sobre o significado geral dos artigos 67.º, n.º 2, alínea e), e 107.º, n.º
1, da Constituição e, bem assim, sobre o princípio da igualdade fiscal.
Seja qual for o conceito de família contido nos artigos 36.º e 67.º da
Constituição — se ele abrange apenas as uniões conjugais baseadas no casamento,
isto é, a família juridicamente constituída, ou se engloba também as uniões de
facto, como defendem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (cfr. Constituição da
República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1993, pp.
220-351) —, é indubitável que não está vedado ao legislador ordinário
considerar, para efeitos fiscais, como unidade familiar somente os contribuintes
casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, com exclusão do homem e
mulher não casados que vivam more uxorio. Se a Constituição não proíbe ao
legislador que, em certos domínios, dê às uniões de facto um tratamento idêntico
ao das famílias fundadas no matrimónio, seguro é também que ela não impõe que,
no domínio fiscal, aquelas duas realidades sejam tratadas de igual modo. É,
pois, constitucionalmente admissível ao legislador fiscal interpretar a
incumbência, inserta no artigo 67.º, n.º 2, alínea e), da Constituição, de o
Estado, para protecção da família, regular os impostos de harmonia com os
encargos familiares, bem como a directiva do n.º 1 do artigo 107.º da Lei
Fundamental de o imposto sobre o rendimento pessoal dever ter em conta as
necessidades e os rendimentos do agregado familiar como dirigidas unicamente às
pessoas unidas pelo matrimónio, com exclusão das uniões de facto.
Aclarado este ponto, deve acentuar-se que a alínea e) do n.º 2 do artigo 67.º da
Constituição consagra a protecção da família como uma das finalidades relevantes
do sistema fiscal — inserindo-se, assim, numa corrente legislativa europeia de
protecção da família como uma unidade (cfr. Maria Jesus Montoro Chiner,
«Proteccion de la Familia y Fiscalidad», in Revista Española de Derecho
Constitucional, ano 10, n.º 28, p. 223) —, mas não impõe nenhuma forma
específica de protecção familiar por via fiscal. Para que esta norma
constitucional não seja infringida, basta que o sistema fiscal seja moldado em
termos de levar em consideração «as necessidades e os rendimentos do agregado
familiar». No cumprimento do programa contido no artigo 67.º, n.º 2, alínea e),
da Lei Fundamental, é lícito ao legislador optar por uma via em que medidas
estritamente fiscais de protecção da família sejam completadas por outros
instrumentos de política financeira e social de apoio à família.
A protecção da família é uma incumbência dirigida ao legislador que este deve
cumprir não necessariamente outorgando um tratamento mais vantajoso ou favorável
à família em cada norma ou instituição jurídica, mas procurando que se extraia
um resultado global de protecção em matéria fiscal, enquadrada esta no conjunto
do ordenamento jurídico. Daí que na análise da conformidade das disposições
legais de natureza fiscal com aquele preceito constitucional não possa deixar de
tomar-se em conta a vasta gama de benefícios financeiros e sociais de apoio à
família (v. g. subsídio de nascimento e de aleitamento, abono de família,
habitação social, empréstimos bonificados para aquisição de habitação própria,
ensino básico gratuito, direito à saúde tendencialmente gratuito, etc.).
Quanto ao artigo 107.º, n.º 1, da Constituição — seja qual for em definitivo a
sua natureza —, deve ele ser entendido como conferindo ao legislador uma ampla
liberdade de conformação ou uma extensa margem de liberdade constitutiva —
liberdade essa que incide sobre vários aspectos do regime do imposto sobre o
rendimento pessoal.
No que respeita ao princípio constitucional da igualdade, deve referir-se que
este, entendido como limite objectivo da discricionaridade legislativa, não veda
à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que
estabeleçam distinções discriminatórias — desde logo, diferenciações de
tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas,
exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º da Lei Fundamental (diferenciações
baseadas na ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião,
convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição
social) —, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem
qualquer fundamento razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação
objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade,
enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do
arbítrio (Willkürverbot). Cfr., por todos, os Acórdãos do Tribunal
Constitucional n.os 186/90, 187/90 e 188/90, publicados no Diário da República,
II Série, de 12 de Setembro de 1990.
O princípio da igualdade fiscal apresenta uma triplice dimensão, surgindo as
duas primeiras dimensões como uma emanação do princípio geral da igualdade,
previsto no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição. Em primeiro lugar, aquele
princípio significa que todos os cidadãos são iguais perante a lei fiscal, de
tal modo que todos os contribuintes que se encontrem na mesma situação definida
pela lei fiscal devem estar sujeitos a um mesmo regime fiscal (cfr. Louis
Trotabas/Jean-Marie Cottoret, Droit Fiscal, 6.ª ed., Paris, Dalloz, 1990, p.
108, e Guy Gest/Gilbert Tixier, Manuel de Droit Fiscal, 4.ª ed., Paris,
L.G.D.J., 1986, p. 36). É este um sentido meramente formal do princípio da
igualdade fiscal, o qual se traduz numa genérica e imparcial aplicação da lei
fiscal, de que resulta apenas uma igualdade ante a lei. Em segundo lugar, o
princípio da igualdade fiscal tem também um sentido material ou substancial,
cujo significado é o de que a lei deve garantir que todos os cidadãos com igual
nível de rendimentos devem suportar idêntica carga tributária, contribuindo,
assim, em igual medida, para as despesas ou encargos públicos. Com este
sentido, a igualdade é, como realça A. Castanheira Neves, «uma intenção
normativa que a própria lei será chamada a cumprir, uma igualdade imposta como
exigência axiológica à própria lei, no seu conteúdo e na sua realização
jurídico-normativa, uma igualdade da lei já em si», isto é, uma «igualdade na
lei, ou afinal, … uma igualdade perante o direito» (cfr. O Instituto dos
«Assentos» e a Função Jurídica dos Supremos Tribunais, Coimbra, Coimbra Editora,
1983, p. 120). O princípio da igualdade fiscal em sentido material não apenas
veda ao legislador a adopção de desigualdades de tratamento, no âmbito fiscal,
que não sejam autorizadas pela Constituição ou que sejam materialmente
infundadas, desprovidas de fundamento razoável ou arbitrárias, como impõe que a
lei garanta que todos os cidadãos com igual capacidade contributiva estejam
sujeitos à mesma carga tributária, contribuindo, assim, em igual medida, para as
despesas ou encargos públicos [cfr., sobre este ponto, J. Casalta Nabais,
Contratos Fiscais (Reflexões Acerca da sua Admissibilidade), Coimbra, Coimbra
Editora, 1994, pp. 265-269].
Para além do princípio da igualdade fiscal, no sentido da igualdade dos cidadãos
perante a lei fiscal e de igualdade da própria lei fiscal, consagra a
Constituição, em terceiro lugar, aquilo que se poderá designar por princípio da
igualdade através do sistema fiscal, determinando que este visa, a par da
satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas,
«uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza» (artigo 106.º, n.º 1) e, bem
assim, que o imposto sobre o rendimento pessoal tem como objectivo «a diminuição
das desigualdades» entre os cidadãos (artigo 107.º, n.º 1).
9.2 — As normas que estabelecem a incidência do IRS sobre o conjunto dos
rendimentos do agregado familiar — normas que devem ser interpretadas em
conjugação com as que consagram o splitting — não são, em si mesmas,
inconstitucionais. Várias razões militam nesse sentido.
Em primeiro lugar, a tributação conjunta dos rendimentos do agregado familiar
constitui um instrumento técnico constitucionalmente adequado de regulamentação
do imposto sobre o rendimento pessoal, «tendo em conta as necessidades e os
rendimentos do agregado familiar», tal como determina o n.º 1 do artigo 107.º da
Lei Fundamental, ou «de harmonia com encargos familiares», como determina o
artigo 67.º, n.º 2, alínea e), da Constituição.
Alguns autores defendem, em face do artigo 107.º, n.º 1, da Constituição, que
não é constitucionalmente obrigatória a tributação unitária dos contribuintes
casados, incidindo directamente sobre o agregado familiar, encabeçado por ambos
os cônjuges ou por um deles, sendo admitida pela Lei Fundamental quer a
tributação conjunta de base familiar do rendimento, quer uma tributação separada
para cada um dos cônjuges (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit.,
pp. 462-463, e Pamplona Corte Real, «Reflexões Críticas sobre as Recentes
Alterações Legislativas em Matéria de Tributação da Família em Portugal», in
Ciência e Técnica Fiscal, n.os 265/267, pp. 91 e segs.). A maioria da doutrina
defende, porém, que a tributação conjunta dos rendimentos familiares é a única
solução constitucionalmente possível na organização do imposto sobre o
rendimento pessoal. Isso deriva da imposição do artigo 107.º, n.º 1, da
Constituição, nos termos do qual o imposto sobre o rendimento pessoal deve ter
em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar. É esta a
posição defendida por J. J. Teixeira Ribeiro, «O Sistema Fiscal na Constituição
de 1976», in Boletim de Ciências Económicas, vol. xxii (1979), p. 15; «A Unidade
Fiscal na Constituição», in Boletim de Ciências Económicas, vol. xxvii (1984),
pp. 145 e 150 e segs.; «O Imposto Único de Rendimento Pessoal», in Boletim de
Ciências Económicas, vol. xxx (1987), p. 198; e Parecer junto aos autos, pp.
1-2; A. Rodrigues Queiró, Parecer, pp. 9 e segs.; Antunes Varela, Parecer, pp.
9-10; e Manuel Pires, «Relatório Nacional de Portugal», in Ciência e Técnica
Fiscal, n.os 265/267, pp. 48-49; e Parecer, pp. 17 e segs.
O Tribunal Constitucional não tem que tomar posição sobre estas duas teses
interpretativas do inciso final do artigo 107.º, n.º 1, da Lei Fundamental.
Seja porque a tributação conjunta dos rendimentos dos sujeitos passivos casados
e não separados judicialmente de pessoas e bens é uma consequência da imposição
do artigo 107.º, n.º 1, da Constituição, seja porque este preceito da Lei
Fundamental é compatível tanto com o princípio da tributação conjunta, como com
o princípio da tributação separada de cada um dos cônjuges, é irrecusável a
conformidade das normas constantes do artigo 5.º, n.º 4, da Lei n.º 106/88 e do
artigo 14.º, n.º 2, do Código do IRS tanto com o artigo 107.º, n.º 1, como com o
artigo 67.º, n.º 2, alínea e), ambos da Constituição.
Referiu o Tribunal Constitucional espanhol, na sua Sentença n.º 45/1989, de 20
de Fevereiro de 1989 [in Jurisprudencia Constitucional, vol. 23 (1989), pp. 463
e segs.], que a tributação conjunta dos rendimentos do agregado familiar, como
simples instrumento técnico, é, em si mesma, constitucionalmente neutral e,
portanto, constitucionalmente admissível, na medida em que a sua utilização
legislativa não lesione os direitos constitucionalmente garantidos dos sujeitos
passivos do imposto, que são, naturalmente, os indivíduos e não o conjunto
determinado pelo legislador. Ainda segundo aquela decisão do Tribunal
Constitucional do país vizinho, o princípio da neutralidade exige, em conexão
com o princípio da igualdade, que os sujeitos integrantes de uma comunidade
familiar não contribuam em maior grau para as despesas ou encargos públicos do
que aconteceria se não pertencessem a ela [cfr. Perfecto Yebra Martul Ortega,
«El Nuevo Impuesto Español sobre la Renta de las Personas Fisicas», in Boletim
da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. lxii (1991), pp. 74-75,
e Maria Jesus Montoro Chiner, ob. cit., p. 224]. É, aliás, com a finalidade de
evitar que o sistema da tributação conjunta actue como um factor que agrave a
posição de cada um dos sujeitos passivos que compõem a unidade tributária
constituída pela família em relação àquela que teriam se, com a mesma capacidade
económica, estivessem sujeitos à tributação separada, que aquele é
complementado, no nosso ordenamento fiscal, com a técnica do splitting. Esta
técnica impede os efeitos negativos do cúmulo de rendimentos e obsta à
penalização fiscal da família resultante do sistema do cúmulo puro e simples dos
rendimentos dos cônjuges [cfr. Madalena Sofia Paumier-Bianco, Família e Imposto
(A tributação da casa de morada de família), Coimbra, Coimbra Editora, 1992, pp.
28, 70-71].
A constatação de que a tributação conjunta dos rendimentos do agregado familiar,
desacompanhada de um instrumento de correcção dos seus efeitos negativos,
origina, por via de regra, uma discriminação fiscal da família baseada no
casamento, em comparação com as uniões de facto e com as pessoas solteiras,
esteve na base de declarações de inconstitucionalidade emitidas pelo Tribunal
Constitucional da República Federal da Alemanha, pelo Tribunal Constitucional
italiano e pelo Tribunal Constitucional espanhol. O primeiro, no Acórdão de 17
de Janeiro de 1957, considerou inconstitucional a norma do § 26 da Lei do
Imposto sobre os Rendimentos (Einkommensteuergesetz), na redacção de 17 de
Janeiro de 1952, por violação do n.º 1 do artigo 6.º da Grundgesetz (nos termos
do qual «o casamento e a família estão sob a especial protecção do Estado»), na
medida em que, ao prever a tributação conjunta dos rendimentos do casal,
estabelecia uma discriminação dos cônjuges, infringindo assim, a proibição
contida naquele preceito constitucional de que «o casamento e a família sejam
prejudicados por intervenções perturbadoras por parte do próprio Estado» (cfr.
Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts, vol. 6, pp. 55 e segs.). Do
artigo 6.º, n.º 1, da Lei Fundamental Alemã resulta, deste modo, que os
contribuintes não podem ter obrigações fiscais mais pesadas por serem casados ou
por constituírem uma família, já que isso implicaria um tratamento desigual
inadmissível em relação às pessoas não casadas (cfr. Tipke/Lang, Steuerrecht,
12.ª ed., Köln, Otto Schmidt KG, 1989, p. 48).
O segundo, na sua Sentença n.º 179, de 15 de Julho de 1976, declarou
inconstitucionais as normas do «imposto sobre o rendimento das pessoas físicas»
que determinavam o cúmulo dos rendimentos da mulher com os do marido, sendo, em
consequência, estes mais progressivamente tributados, por violação de vários
preceitos constitucionais, entre eles o que proíbe um tratamento desfavorável
para os núcleos familiares legítimos em confronto com as uniões livres e as
famílias de facto [cfr. Antonio Giangiorgio Zorzi, «Note Alla sentenza n.º 179
(Cumulo dei Redditi)», in Giurisprudenza Costituzionale, ano 20.º (1976), vol.
ii, pp. 2159 e segs.].
O terceiro, através da Sentença n.º 45/89, de 20 de Fevereiro de 1989,
considerou inconstitucional a tributação conjunta obrigatória dos cônjuges,
condensada na Lei de 1978, na medida em que constituía um factor que agravava a
obrigação própria de cada um dos sujeitos passivos do imposto sobre a renda das
pessoas físicas em relação à que teriam se, com a mesma capacidade económica, a
imposição fosse separada (cfr. Jurisprudência Constitucional, loc. cit.).
Prosseguindo a indicação dos fundamentos da solução de não inconstitucionalidade
das normas que estabelecem a incidência do IRS sobre o conjunto dos rendimentos
do agregado familiar, acentue-se, em segundo lugar, que não existe qualquer
incompatibilidade entre a tributação conjunta dos rendimentos do agregado
familiar e a exigência constitucional da pessoalidade do imposto sobre o
rendimento, prevista no artigo 107.º, n.º 1, da Constituição. Com efeito,
apesar de a família ser a unidade fiscal, ela não é sujeito fiscal, pois que não
tem a capacidade tributária. J. J. Teixeira Ribeiro, in A Unidade Fiscal na
Constituição, cit., pp. 151 e segs., considera a este propósito: «A capacidade
tributária, quando os rendimentos são tributados em conjunto, não é dela, mas
dos membros dela. Estes é que são os contribuintes… Uma vez que, com a unidade
fiscal família, o contribuinte não é esta, mas os seus membros, torna-se
manifesto que o imposto continua a ter carácter pessoal». Cfr. também Parecer,
pp. 2-3. No mesmo sentido, Rui Machete, Parecer, pp. 27 e segs., pondera: «Tal
como se menciona no artigo 5.º, n.º 4, da Lei n.º 106/88, contribuintes são
sempre os cônjuges, pessoas singulares e não a família. Sujeitos passivos — diz
o artigo 14.º, n.º 2, do CIRS — são as pessoas a quem incumbe a direcção do
agregado familiar. As leis da nova Reforma Fiscal, como o requer a
Constituição, tiveram, porém, em conta que a capacidade contributiva — o
critério a que se deve atender para fixar o dever tributário na sua fisionomia
concreta — é afectada pelo facto de os sujeitos viverem em sociedade familiar.
Se o não fizessem é que haveria inconstitucionalidade por omissão».
Em terceiro lugar, as normas constantes do artigo 5.º, n.º 4, da Lei n.º 106/88
e do artigo 14.º, n.º 2, do Código do IRS não violam o princípio da igualdade,
condensado no artigo 13.º da Constituição. Aquelas normas, ao mandarem, na
tributação dos contribuintes casados e não separados judicialmente de pessoas e
bens, atender (com a correcção do splitting) aos rendimentos globais do agregado
familiar (e não ao rendimento individual de cada um dos cônjuges isoladamente
considerado), não encerram uma desigualdade de tratamento arbitrária, sem
fundamento razoável ou material bastante, daquela categoria de contribuintes em
comparação com os contribuintes solteiros ou vivendo em união de facto. A
solução encontrada pelo legislador constitui, como já foi referido, um mecanismo
técnico-jurídico capaz de assegurar o cumprimento do preceito constitucional de
protecção da família, nomeadamente na regulamentação dos impostos e dos
benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares, o que afasta, à
partida, qualquer censura de inconstitucionalidade pela sua não extensão aos
contribuintes solteiros. Mas também a sua aplicação exclusiva às pessoas unidas
pelo casamento não é arbitrária, já que, em face da Constituição, à família
fundada no matrimónio e à união de facto não é reconhecido idêntico relevo
jurídico, mesmo quando se considere que o conceito constitucional de família
abrange também as uniões sem vínculo matrimonial. De resto, havendo liberdade
de contrair casamento (artigo 36.º, n.º 1, da Constituição), não seria razoável
impor às pessoas, que, consciente e voluntariamente não quiseram unir-se
matrimonialmente, o regime jurídico pensado para as famílias fundadas no
casamento, que elas até poderão considerar inconveniente.
Deve realçar-se, por fim, que o sistema da tributação conjunta dos rendimentos
dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens
aplica-se independentemente do regime de bens do casamento, isto é, sem tomar em
consideração as relações patrimoniais entre os cônjuges e entre estes e
terceiros. A Constituição, ao determinar, no artigo 107.º, n.º 1, in fine, que
o imposto sobre o rendimento pessoal deve ter em conta «as necessidades e os
rendimentos do agregado familiar» e, bem assim, no artigo 67.º, n.º 2, alínea
e), que o Estado, para protecção da família, deve regular os impostos, «de
harmonia com os encargos familiares», partiu do pressuposto de que o casamento
implica, para além de uma comunhão de vida entre os cônjuges, uma comunhão de
interesses patrimoniais (cfr. F. M. Pereira Coelho, Curso de Direito de Família,
Coimbra, 1986, pp. 446-447). A intensidade desta comunhão de interesses
patrimoniais diminui à medida que se passa do regime de comunhão geral de bens,
para o regime de comunhão de adquiridos e deste para o regime de separação de
bens. Mas também neste existe esse princípio de comunhão de interesses,
espelhado nos deveres de cooperação dos cônjuges (obrigação de socorro e auxílio
mútuos e obrigação de assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à
vida familiar que fundaram — artigo 1674.º do Código Civil) e de assistência
(obrigação de os cônjuges prestarem alimentos e obrigação de contribuirem para
os encargos da vida familiar — artigo 1675.º, n.º 1, do Código Civil), bem como,
apesar da inexistência de bens comuns, na consagração no Código Civil de um
núcleo de ilegitimidades conjugais quanto à disposição de bens. Assim, cada um
dos cônjuges não pode sem o consentimento do outro: alienar a casa de morada de
família, ou onerá-la, através da constituição de direitos reais de gozo ou de
garantia, e ainda dá-la de arrendamento ou constituir sobre ela outros direitos
pessoais de gozo (artigo 1682.º-A, n.º 2, do Código Civil); dispor do direito ao
arrendamento da casa de morada de família (artigo 1682.º-B do Código Civil);
alienar os móveis, próprios ou comuns, utilizados conjuntamente por ambos os
cônjuges na vida do lar [artigo 1682.º, n.º 3, alínea a), do Código Civil];
alienar os móveis, próprios ou comuns, utilizados conjuntamente pelos cônjuges
como instrumento comum de trabalho [artigo 1682.º, n.º 3, alínea a), do Código
Civil]; e, finalmente, alienar os seus bens móveis, e os móveis comuns se não
for ele a administrá-los [artigo 1682.º, n.os 2 e 3, alínea b), do Código Civil]
(cfr. D. Leite Campos, Lições de Direito da Família e das Sucessões, Coimbra,
Almedina, 1990, p. 402, e F. M. Pereira Coelho, ob. cit., pp. 414-415).
Sendo o sistema da tributação conjunta aplicável independentemente do regime de
bens do casamento, ele não infringe o princípio da autonomia da vontade na
escolha do regime de bens por parte dos esposos, implícito na segunda parte do
n.º 1 do artigo 36.º da Constituição, desde logo porque ele não impede que os
cônjuges combinem entre si o rateio da dívida comum do imposto, de acordo com o
modo como se distribuam entre eles os rendimentos e os encargos (cfr. Ignacio
Perez Royo, Manual del Imposto sobre la Renta de las Personas Físicas, Madrid,
Marcial Pons, 1992, pp. 327-328).
10 — As normas constantes das primeiras partes do n.º 2 do artigo 11.º da Lei
n.º 106/88 e do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS e os artigos 13.º, 67.º,
n.º 2, alínea e), e 107.º, n.º 1, da Lei Fundamental.
Como se referiu anteriormente, o Tribunal Constitucional apenas vai conhecer da
questão da inconstitucionalidade das primeiras partes das normas constantes do
n.º 2 do artigo 11.º da Lei n.º 106/88 e do n.º 1 do artigo 72.º do Código do
IRS, na sua redacção originária, isto é, na versão vigente à data da
apresentação dos pedidos, e retomada, sem qualquer alteração, na redacção
daquele preceito do Código, resultante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 267/91,
de 6 de Agosto, ou seja, da conformidade ou não com a Constituição do inciso
daquelas normas onde se consagra o quociente conjugal por aplicação do factor 2
(splitting normal).
O splitting ou quociente conjugal é uma técnica, segundo a qual a tabela de
taxas progressivas do IRS é aplicada a metade dos rendimentos conjugais, devendo
o valor assim obtido ser multiplicado por 2 para determinar a dívida comum do
imposto. O splitting é, como foi já adiantado, um instrumento de correcção dos
efeitos fiscais penalizantes da família decorrentes do sistema de tributação
conjunta dos rendimentos do agregado familiar. Esta caracterização do splitting
resulta do preâmbulo do Código do IRS, no qual, depois de se justificar a opção
pelo regime da tributação conjunta, se escreveu:
Mas o reconhecimento de que, aplicado sem ajustamentos, este sistema conduziria
à penalização da família — estrutura social que se pretende, ao invés,
acalentar, como decorre do próprio imperativo constitucional — levou à
consagração de um dos métodos de correcção atrás considerados: o sistema de
englobamento com divisão, não segundo a técnica do quociente familiar (que
beneficia as famílias mais numerosas, em aplicação de critérios discutíveis sob
o ponto de vista da justiça fiscal), mas segundo a técnica do quociente conjugal
ou splitting (que restringe a divisão do total dos rendimentos familiares aos
dois membros a quem incumbe a direcção do agregado).
Embora se reconheça que nenhuma das soluções possíveis é isenta de aspectos
negativos, optou-se pelo sistema do splitting, por considerações de justiça
fiscal (atenuação da progressividade resultante do englobamento dos
rendimentos), de respeito por uma posição de igualdade dos cônjuges (que
contribuem, qualquer que seja o regime patrimonial dos bens, para a conservação
e valorização do património familiar) e de aproximação no tratamento dos
agregados familiares assentes no casamento e de uniões de facto, em que a
tributação será naturalmente separada.
10.1 — Na opinião do Provedor de Justiça (cfr. Parecer junto ao requerimento),
as normas que consagram o splitting violam os artigos 107.º, n.º 1, e 67.º, n.º
2, alínea e), da Lei Fundamental, na parte em que mandam ter em conta, na
fixação do imposto sobre o rendimento pessoal, não só os rendimentos, mas também
«as necessidades do agregado familiar» ou «os encargos familiares». Segundo
aquele requerente, as referidas normas, ao lançarem mão do quociente conjugal e
não do quociente familiar, impedem a consideração das «necessidades do agregado
familiar» ou dos «encargos familiares» na configuração do imposto sobre o
rendimento pessoal.
Mas também não assiste ao Provedor de Justiça razão neste ponto. Com efeito, os
artigos 107.º, n.º 1, e 67.º, n.º 2, alínea e), da Constituição (sobretudo o
indicado em primeiro lugar) não impõem, com precisão, que, na determinação da
taxa do imposto sobre o rendimento colectável ou na fixação da colecta dos
casados, se adopte esta ou aquela técnica do imposto, preferindo nomeadamente o
critério do quociente familiar ao regime do splitting ou da repartição conjugal.
O que aqueles dois preceitos da Lei Fundamental prescrevem é que o imposto
sobre o rendimento pessoal tenha em conta «as necessidades e os rendimentos do
agregado familiar», isto é, que na configuração daquele imposto se atenda a um
elemento da realidade económica, segundo o qual a capacidade contributiva dos
indivíduos depende, essencialmente, dos seus rendimentos e encargos familiares
(cfr. Dominique Ponton- -Grillet, «La Famille et le Droit Fiscal», in Recueil
Dalloz Sirey, 1987, p. 125). E ninguém pode asseverar, com rigor, que o simples
facto de, na determinação da taxa aplicável ao IRS das pessoas casadas, a lei
fiscal ter adoptado o princípio da repartição conjugal (em lugar do critério do
quociente familiar) revela que o legislador ordinário não teve em conta «as
necessidades e os rendimentos do agregado familiar».
É correcto afirmar-se que a opção pelo método do quociente familiar —
utilizado, por exemplo, no direito francês (cfr. Louis Trotabas/Jean-Marie
Cotteret, ob. cit., pp. 249-251, e Guy Gest/Gilbert Tixier, ob. cit., pp.
216-225 e 531 e segs.) — teria vantagem em relação ao quociente conjugal,
porque, beneficiando as famílias mais numerosas [sendo, por isso, como salienta
D. Ponton-Grillet (cfr. ob. cit., p. 126), uma técnica ao serviço de uma
política natalista], seria, em princípio, mais consentâneo com a disposição
constitucional que prescreve a regularização dos impostos de harmonia com os
encargos familiares (não obstante a crítica que lhe é dirigida da sua tendência
para um tratamento mais favorável das famílias com rendimentos mais elevados).
Mas, como escreve J. J. Teixeira Ribeiro (cfr. Parecer, pp. 5 e segs.), o facto
é que a Constituição, embora prescrevendo a regularização dos impostos de
harmonia com os encargos familiares, não impõe que as famílias numerosas tenham
de ter benefícios além do da tomada em conta dos seus encargos e rendimentos. E
este pode bem ser assegurado através do método do quociente conjugal,
acompanhado de um sistema de deduções à colecta. Neste mesmo sentido, cfr.
Pitta e Cunha, «A Reforma da Tributação do Rendimento Pessoal: Linhas do Modelo
e Referências Constitucionais», in Portugal, O Sistema Político e Constitucional
1974/1987, Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, 1989, pp.
855-866; Antunes Varela, Parecer, pp. 18 e segs.; e Rui Machete, Parecer, p. 29.
10.2 — Embora a questão do eventual desrespeito do princípio da igualdade não
tenha sido colocada pelo Provedor de Justiça, o Tribunal Constitucional entende
que as normas que adoptam o sistema do quociente conjugal — aplicável, como se
viu, apenas aos casais unidos por um vínculo matrimonial efectivo — não violam o
princípio constitucional da igualdade, não obstante delas resultar, em geral, um
tratamento fiscal mais favorável dos contribuintes casados e não separados
judicialmente de pessoas e bens, por um lado, em relação aos contribuintes com
vida em comum, mas sem vínculo matrimonial ou sem vínculo matrimonial efectivo,
e, por outro lado, em relação aos contribuintes isolados (solteiros, viúvos,
divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens).
Quanto às uniões de facto, deve salientar-se, em primeiro lugar, que a
atendibilidade do vínculo matrimonial para a caracterização das classes de
pessoas abrangidas pelas normas do direito infra-constitucional não está
excluída pela proibição dos critérios de discriminação indicados no n.º 2 do
artigo 13.º da Constituição (ascendência, sexo, raça, língua, território de
origem, religião, convicções políticas ou religiosas, instrução, situação
económica ou condição social). Em segundo lugar, é indiscutível que o artigo
36.º, n.º 4, da Constituição proíbe qualquer discriminação dos filhos nascidos
fora do casamento que se baseie nesta mesma circunstância, abolindo, assim, na
ordem jurídica, a tradicional distinção entre filhos legítimos e filhos
ilegítimos. Mas é certo que daqui não se segue que a legislação ordinária tenha
de equiparar as uniões de facto aos pares unidos pelo casamento. Na verdade, o
casamento continua, no plano constitucional, a revestir-se de relevância
específica como forma jurídica das relações pessoais e, também, das relações
patrimoniais entre o homem e a mulher — como claramente se infere, em
particular, do n.º 2 do artigo 36.º da Lei Fundamental. Além disso, a proibição
de discriminação constante do n.º 4 desta disposição constitucional diz
respeito, não ao tratamento dos pais, mas ao tratamento dos filhos pela ordem
jurídica infra-constitucional (cfr. A. Barbosa de Melo, Parecer, pp. 6-7, e Rui
Machete, Parecer, p. 29).
Quanto ao tratamento mais favorável dos sujeitos passivos casados e não
separados judicialmente de pessoas e bens em comparação com os contribuintes que
vivam sozinhos, deve realçar-se, com J. J. Teixeira Ribeiro (cfr. Parecer, pp.
7-8), que «o princípio da igualdade fiscal diz que as pessoas nas mesmas
condições devem pagar o mesmo imposto (igualdade horizontal) e que as pessoas em
condições diferentes devem pagar diferentes impostos na medida da diferença
(igualdade vertical). Ora, sucede que as pessoas pertencentes a um agregado
familiar estão em condições diferentes das pessoas isoladas. Atendendo a isso,
a Constituição estabeleceu um regime próprio para a tributação dos agregados
familiares, e que foi o da tributação em conjunto dos seus rendimentos, vindo a
efectivar-se através do quociente conjugal. Este traduz-se em benefício dos
agregados familiares comparativamente aos contribuintes sós, e, como logo se vê,
em benefício tanto maior quanto maior for a diferença entre o rendimento dos
cônjuges».
Este tratamento tendencialmente mais favorável das pessoas pertencentes a
agregados familiares em relação aos contribuintes isolados resulta do próprio
princípio constitucional da discriminação positiva da família no domínio fiscal,
como decorre dos artigos 107.º, n.º 1, e 67.º, n.º 2, alínea e), da
Constituição. Não se pode, por isso, ver nele qualquer infracção ao princípio
da igualdade.
Há, assim, que concluir que as normas constantes das primeiras partes do artigo
11.º, n.º 2, da Lei n.º 106/88 e do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS, que
consagram a determinação do quociente conjugal por aplicação do factor 2, não
infringem qualquer norma ou princípio constitucional.
11 — As normas constantes dos artigos 14.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei n.º
106/88 e 80.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do IRS em face dos artigos
13.º, 67.º, n.º 2, alínea e), e 107.º, n.º 1, da Constituição.
Quanto a este conjunto de normas, o Tribunal Constitucional vai conhecer —
convém recordá-lo — da questão da sua inconstitucionalidade, tendo em conta a
versão originária das mesmas, enquanto estabelecem uma diferenciação nos
montantes das deduções à colecta do IRS devido por sujeitos passivos não casados
ou separados judicialmente de pessoas e bens e por sujeitos passivos casados e
não separados judicialmente de pessoas e bens — sendo mais elevados para aqueles
do que para estes — diferenciação essa que se mantém numa proporção semelhante
nas diferentes versões que se sucederam no tempo daquelas normas.
Na tese do grupo de deputados do Partido Comunista Português, as normas do
artigo 14.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei n.º 106/88, ao estabelecerem uma
dedução à colecta para cada um dos cônjuges inferior à dedução estabelecida para
um contribuinte não casado, penalizam fiscalmente a família, em infracção aos
artigos 107.º, n.º 1, e 67.º, n.º 2, alínea e), da Constituição, que contêm um
favorecimento, sob o ponto de vista tributário, do agregado familiar.
Também segundo o Parecer que acompanha o requerimento do Provedor de Justiça,
aqueles preceitos, ao determinarem que à colecta do IRS seja deduzida uma verba
por cada contribuinte casado e não separado judicialmente de pessoas e bens
inferior à de cada contribuinte não casado ou separado judicialmente de pessoas
e bens, brigam com o princípio da igualdade, beneficiando as uniões de facto
(pois dois companheiros vivendo sob o mesmo tecto beneficiam de uma dedução
superior à dos cônjuges unidos pelo casamento), em detrimento dos cônjuges
unidos pelo casamento.
Com esta penalização dos casados em relação aos não casados ou aos separados
judicialmente de pessoas e bens, aquelas normas violam, na opinião do Provedor
de Justiça, o princípio constitucional da igualdade, quer na sua vertente geral
referida no artigo 13.º da Constituição, quer na sua vertente de discriminação
positiva que a Constituição impõe no tratamento fiscal a dispensar aos
contribuintes casados, por força do favorecimento do agregado familiar
decorrente dos artigos 67.º, n.º 2, alínea e), e 107.º, n.º 1, de Constituição.
Será assim? O Tribunal adianta, desde já, que as normas enunciadas não estão
inquinadas de qualquer vício de inconstitucionalidade.
11.1 — A crítica dirigida às normas legais que estabelecem as deduções à colecta
do IRS, no sentido de que elas discriminam infundadamente os contribuintes
casados em face dos não casados ou separados judicialmente de pessoas e bens, vê
aquelas normas isoladamente, esquecendo que as normas sobre a tributação
conjunta dos rendimentos do agregado familiar, as que consagram o splitting e as
que estabelecem as deduções à colecta do IRS devido pelos contribuintes não
casados ou separados judicialmente de pessoas e bens e pelos contribuintes
casados e não separados judicialmente de pessoas e bens devem ser consideradas
como um conjunto indissociável, como um todo.
O estabelecimento para os contribuintes solteiros ou em situação de união de
facto de uma dedução à colecta do IRS ligeiramente mais elevada do que para os
contribuintes casados e não separados judicialmente de pessoas e bens visa
atenuar as desigualdades que advêm para aqueles dois grupos de contribuintes da
aplicação do splitting, já que os primeiros, estando sujeitos ao regime de
tributação separada, não usufruem das vantagens oferecidas, em geral, por aquela
técnica.
11.2 — O princípio da igualdade só é desrespeitado quando pessoas em condições
iguais pagam impostos desiguais; não é quando pessoas em condições desiguais
pagam impostos desiguais também.
Ora, são bem diferentes as condições de cada contribuinte casado e de cada
contribuinte não casado. «Basta dizer-se — escreve J. J. Teixeira Ribeiro, in
Parecer, p. 9 — que as despesas de um casal são menores do que a soma das
despesas de duas pessoas sós. Sim, um casal não precisa, para viver, de dois
quartos, de duas salas de jantar e de duas cozinhas e trens de cozinha, de dois
televisores… Por isso, as despesas de um casal são menos do que o dobro das
despesas de uma pessoa só com o mesmo nível de vida.
Sendo assim, compreende-se que — ao pretender-se adequar o imposto à situação
dos contribuintes através de deduções à colecta — se faça aos contribuintes
casados uma dedução menor do que aos contribuintes não casados. Não se trata,
pois, de criar desigualdades entre eles. Trata-se apenas de os pôr iguais, na
desigualdade».
Deve, pois, concluir-se que é constitucionalmente permitido ao legislador
estabelecer diferentes deduções à colecta para contribuintes casados e não
casados e fixar para os primeiros montantes de dedução inferiores aos dos
segundos, com o fundamento de que a vida em comum cria economias de escala e
reduz os encargos somados da vida pessoal dos cônjuges.
11.3 — Também são diferentes as condições dos contribuintes casados e dos
contribuintes que vivem em uniões não fundadas no casamento. Estes encontram-se
numa situação precária e não vinculativa à luz do Direito; aqueles estão ligados
por um vínculo duradouro, em princípio perpétuo, proveniente do casamento.
Como escreve Rui Machete (cfr. Parecer, p. 31), não se podem comparar as
famílias constituídas pelo casamento com as uniões de facto, pois trata-se de
realidades bem diferentes: «as uniões de facto são realidades puramente
voluntaristas com grande vocação para a instabilidade, dificilmente apreensíveis
pelo direito, enquanto o casamento tem, em princípio, estabilidade e constitui
uma instituição querida e protegida pelo ordenamento. Não pode utilizar-se como
ponto de referência algo de lábil e contingente como a união de facto».
Eis, pois, como as normas anteriormente apontadas não estão em rota de colisão
com os artigos 67.º, n.º 2, alínea e), 107.º, n.º 1, e 13.º da Lei Fundamental.
12 — A questão da inconstitucionalidade da norma constante do n.º 3 do artigo
6.º da Lei n.º 106/88.
Como foi referido anteriormente, o Tribunal Constitucional vai conhecer da
questão da inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º
106/88, na parte em que estabelece um limite às deduções aos rendimentos do
trabalho dependente — 65% do valor do rendimento até ao limite de 250 000$00
(actualmente, 416 000$00), incluindo nesta dedução as contribuições obrigatórias
para a Segurança Social, embora se estas contribuições excederem aquele limite,
a dedução deva ser feita pelo seu montante total — limite esse que se mantém
substancialmente inalterado na versão hoje em vigor, que resulta da Lei n.º
75/93, de 20 de Dezembro, dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 25.º do Código do IRS.
São dois os vícios de inconstitucionalidade que o grupo de deputados do Partido
Comunista Português aponta àquela norma: a violação do princípio constitucional
do tratamento fiscal mais favorável dos rendimentos do trabalho e o desrespeito
do princípio constitucional da igualdade, na medida em que da «inclusão das
contribuições para a Segurança Social naquela dedução sujeita a um valor máximo
se introduziu uma desigualdade para a categoria de rendimentos de trabalho
dependente, em contraste com o regime, mantido noutras categorias, de
dedutividade de todos os custos ou encargos efectivos e comprováveis».
Que dizer desta argumentação?
12.1 — Quanto à violação do princípio constitucional do tratamento fiscal mais
favorável dos rendimentos do trabalho, deve, desde logo, questionar-se a
existência de um tal princípio. J. J. Teixeira Ribeiro defende, mesmo em face
da eliminação pela 1.ª Revisão Constitucional da parte final do n.º 3 do artigo
107.º da Constituição — que mandava ter em conta, no imposto sobre sucessões e
doações, a transmissão por herança dos frutos do trabalho —, a existência de uma
imposição dirigida ao legislador de instituir uma discriminação, sob o ponto de
vista fiscal, a favor dos rendimentos do trabalho — argumentando que da
pretensão de que os rendimentos do trabalho fossem mais levemente tributados na
sua transmissão por morte do que os rendimentos do capital não poderia deixar de
resultar que os rendimentos do trabalho também fossem mais levemente tributados
na sua aquisição em vida —, com o fundamento de que a supressão pela Assembleia
da República da parte final do n.º 3 do artigo 107.º da Constituição não se
baseou numa discordância em relação à discriminação qualitativa dos rendimentos
do trabalho, mas antes no reconhecimento da impossibilidade prática da sua
execução (cfr. «As Opções Fiscais da Constituição», in A Reforma Fiscal,
Coimbra, Coimbra Editora, 1989, pp. 195-197, «O Sistema Fiscal na Constituição
Revista», ibidem, pp. 147-148, e «O Imposto de Rendimento Pessoal e a
Discriminação dos Rendimentos», ibidem, pp. 183-189). Para alguns defensores do
princípio do tratamento mais favorável dos rendimentos do trabalho no domínio
fiscal, este é algo que está implícito em vários preceitos constitucionais,
designadamente no artigo 1.º, quando se caracteriza o nosso país como uma
República soberana, «baseada na dignidade da pessoa humana», e na alínea d) do
artigo 9.º, quando se estabelece como tarefa fundamental do Estado a promoção da
«igualdade real entre os portugueses».
Há, no entanto, quem entenda que da Constituição não se pode extrair um
princípio vinculativo do legislador de tratamento fiscal mais favorável dos
rendimentos do trabalho em relação aos rendimentos provenientes de outras fontes
(v. g. rendimentos de capital), mas tão-só uma permissão de uma discriminação
qualitativa, no âmbito fiscal, dos rendimentos do trabalho, sobretudo dos
rendimentos do trabalho dependente, e daqueles que atingem um nível mais
modesto.
Como quer que seja, mesmo para quem defenda a subsistência de um princípio
constitucional de tratamento fiscal mais favorável dos rendimentos do trabalho,
mormente do trabalho dependente, nunca a norma do n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º
106/88 poderia infringir aquele princípio, precisamente porque nela se contém
uma discriminação positiva quanto aos rendimentos do trabalho dependente. Por
força do preceituado naquela norma, os rendimentos provenientes do trabalho por
conta de outrem são favorecidos em relação às restantes categorias de
rendimentos mencionados no artigo 4.º da Lei n.º 106/88 e nos artigos 1.º a 13.º
do Código do IRS, na medida em que beneficiam ou podem beneficiar de deduções
específicas que não têm tradução em custos ou encargos efectuados. Um tal
benefício abrange todas as situações em que as contribuições obrigatórias para
regimes de protecção social forem inferiores a 65% do rendimento anual do
trabalhador dependente ou a 416 000$00 anuais (montante este que é acrescido de
50% quando se trate de sujeito passivo cujo grau de invalidez permanente,
devidamente comprovado pela entidade competente, seja igual ou superior a 60%),
isto é, todos os casos em que as remunerações provenientes do trabalho por conta
de outrem atinjam um montante igual ou inferior a 3 780 000$00 anuais (tendo em
conta a taxa social única actualmente vigente de 11%).
O propósito de consagração no IRS de um tratamento fiscal mais favorável dos
rendimentos do trabalho foi assim justificado no n.º 8 do exórdio do Código do
IRS:
A ideia de que os rendimentos do trabalho deverão ser tributados menos
pesadamente do que os provenientes do capital está na base da hierarquização das
taxas aplicáveis aos diferentes impostos em sistemas cedulares.
O tradicional argumento em favor da discriminação qualitativa é o da necessidade
de o trabalhador constituir um fundo de reserva a partir do seu rendimento
corrente, por forma a prolongar, para além da sua vida activa, a duração do
rendimento do trabalho.
O argumento perde força à medida que se instituem esquemas compreensivos de
segurança social, já que os rendimentos do trabalho se tornam assim, até certo
ponto, fundados; por outro lado, o avolumar da instabilidade e da incerteza das
aplicações financeiras instila um factor de precariedade nos correspondentes
rendimentos. Esbatem-se, pois, as diferenças entre rendimentos fundados e não
fundados.
E não se julgam geralmente atendíveis, no plano analítico, para fundamentar a
discriminação qualitativa, outras considerações, como sejam o contraste entre o
esforço de ganhar a vida inerente ao trabalho e a «passividade» na obtenção dos
rendimentos de capital, a perduração das reservas de valor que estão na base dos
rendimentos fundados e a própria circunstância de os rendimentos do capital
tenderem a concentrar-se nas camadas superiores da pirâmide dos rendimentos.
Apesar de todas estas dúvidas, crê-se, todavia, que não deve renunciar-se ao
propósito, que, tudo indica, a Constituição consagra, de introduzir uma
discriminação em proveito dos rendimentos do trabalho. Para isso, porém, não se
torna necessário adoptar escalas específicas de taxas em perspectiva cedular. A
discriminação qualitativa é praticável no quadro de um sistema global por via da
outorga de uma dedução especial, constituindo, aliás, uma forma sucedânea de um
imposto sobre a riqueza (o qual visaria directamente a capacidade contributiva
incorporada na riqueza), que, em muitos casos, não é politicamente realizável
nem susceptível de ser aplicado com um mínimo de eficácia.
À semelhança do que sucede em numerosos sistemas fiscais estrangeiros, e na
esteira da solução consagrada no actual imposto complementar, criou-se uma
específica dedução no plano da categoria de rendimentos do trabalho dependente,
fixada em termos percentuais, havendo uma limitação para o seu montante máximo —
limitação que não atinge, porém, as contribuições obrigatórias para a Segurança
Social, cuja dedução integral é permitida…
Porventura o legislador poderia ter ido mais longe no favorecimento dos
rendimentos do trabalho por conta de outrem, designadamente através do
estabelecimento de uma dedução específica, com um limite percentual ou
quantitativo, acrescida da dedutibilidade integral das contribuições
obrigatórias para a Segurança Social. Mas não pode olvidar-se que a solução
constante da norma do n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 106/88 consagra um
benefício fiscal para um número significativo de trabalhadores por conta de
outrem, sendo esse benefício tanto maior quanto mais baixo for o rendimento.
Daí que mesmo quem entenda que a Constituição consagra um princípio de
tratamento fiscal mais favorável dos rendimentos do trabalho dependente em
relação a outros rendimentos, designadamente os provenientes de capital, não
possa assacar qualquer inconstitucionalidade à solução adoptada na norma do n.º
3 do artigo 6.º da Lei n.º 106/88.
12.2 — O n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 106/88 refere que «a lei determinará as
deduções a fazer em cada uma das categorias de rendimentos mencionados no artigo
4.º, tomando como critério os custos ou encargos necessários à sua obtenção». E
o n.º 2 do mesmo preceito estabelece que «as deduções deverão corresponder aos
custos ou encargos efectivos e comprováveis, sem prejuízo da possibilidade de
algumas poderem ser fixadas com base em presunções, quando esta solução
apresentar maior segurança para o fisco ou maior comodidade para os
contribuintes especialmente os de mais baixos rendimentos».
Na sequência destas disposições, o Código do IRS contém vários preceitos
indicadores das despesas e dos encargos que podem ser deduzidos nas diferentes
categorias de rendimentos (v. g. o artigo 26.º para os rendimentos do trabalho
independente, o artigo 40.º para os rendimentos prediais e os artigos 48.º e
49.º para os rendimentos de mais-valias).
Por sua vez, o n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 106/88 determina que apenas são
dedutíveis nos rendimentos do trabalho dependente as despesas com as
contribuições obrigatórias para a Segurança Social.
Conterá esta norma uma discriminação injustificada dos rendimentos do trabalho
dependente, na medida em que ordena que neles sejam deduzidos apenas os encargos
com as contribuições obrigatórias para a Segurança Social, em face dos
rendimentos de outras categorias, enquanto nestes são dedutíveis vários outros
custos ou encargos necessários à sua obtenção, violando, assim, o princípio
constitucional da igualdade?
A resposta é negativa.
Com efeito, a obtenção de rendimentos provenientes de categorias distintas da do
trabalho dependente está ligada, em regra, à, existência de custos ou de
encargos específicos que não se verificam na obtenção dos rendimentos do
trabalho dependente (pense-se, por exemplo, nos encargos conexos com a
actividade profissional originadora de rendimentos do trabalho independente
referidos no artigo 26.º do Código do IRS).
Ora, adoptando o ordenamento jurídico respeitante ao IRS um conceito de
rendimento tributável equivalente ao de acréscimo patrimonial, é natural que nos
rendimentos brutos distintos dos do trabalho dependente sejam deduzidos os
custos ou encargos necessários à sua obtenção, em regra efectivamente
realizados.
Já no que concerne ao rendimento do trabalho dependente, os encargos habituais
ou normais directamente ligados à actividade profissional e directamente
relacionados com a produção do rendimento são os das contribuições obrigatórias
para a Segurança Social. Cabe, pois, no âmbito de liberdade de conformação do
legislador uma solução que, tendo em conta a normalidade das situações, faça
entrar nas deduções correspondentes aos encargos com o trabalho dependente
apenas as contribuições obrigatórias para a Segurança Social.
Com isto não pretende negar-se que existam, pelo menos em relação a certas
categorias profissionais, outros encargos relacionados com o exercício de uma
actividade profissional dependente e que poderiam ser incluídos nas deduções
específicas. É o que se passa, por exemplo, com as despesas relacionadas com a
«valorização profissional do sujeito passivo», que o artigo 26.º do Código do
IRS manda incluir, em certos termos, nas deduções aos rendimentos brutos do
trabalho independente.
Mas não se pode omitir, por um lado, que, em múltiplas situações, as despesas
com a valorização profissional do trabalhador por conta de outrem,
designadamente as decorrentes da frequência de cursos de formação e de
aperfeiçoamento profissional, são custeadas pela entidade empregadora, seja esta
o Estado ou outra pessoa colectiva de direito público ou uma empresa privada
(cfr., quanto à Administração Pública, os Decretos-Leis n.os 184/89, de 2 de
Junho, e 9/94, de 13 de Janeiro, consagrando o primeiro, no artigo 35.º, «o
direito à formação profissional na Administração Pública» e definindo o segundo
«os princípios gerais que devem reger a formação profissional na Administração
Pública»; e, quanto aos trabalhadores subordinados ao regime do contrato
individual do trabalho, cfr., entre outros, o Decreto-Lei n.º 401/91, de 16 de
Outubro, que estabelece o regime jurídico da formação profissional, em cujo
artigo 21.º se consagra que o financiamento da formação profissional é
assegurado pelo Estado, competindo-lhe igualmente apoiar e incentivar
financeiramente a formação realizada por outras entidades, designadamente as
empresas e as associações patronais e empresariais), e, por outro lado, que o
benefício fiscal que resulta da norma do n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 106/88
atinge um número mais elevado de trabalhadores por conta de outrem (e abrange de
modo especial aqueles que maior protecção merecem, que são os que auferem
rendimentos mais baixos) do que o que resultaria da solução que permitisse a
dedução das contribuições obrigatórias para a Segurança Social, acrescida apenas
da dedução dos custos ou encargos efectivos e comprováveis directamente
relacionados com a produção do rendimento, tal como sucede com os rendimentos do
trabalho independente.
O tratamento diferenciado, quanto aos encargos dedutíveis, entre os rendimentos
do trabalho dependente e os rendimentos oriundos de outras categorias,
designadamente do trabalho independente, previsto nos n.os 1, 2 e 3 do artigo
6.º da Lei n.º 106/88, não é, assim, arbitrário, irrazoável ou materialmente
infundado. A norma constante do n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 106/88 não
infringe, deste modo, o princípio constitucional da igualdade.
13 — As normas constantes dos artigos 37.º, n.º 3, alínea a), e 38.º da Lei n.º
106/88 e do artigo 17.º, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, alínea b), do
Código da Contribuição Autárquica, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30
de Novembro, perante os artigos 106.º, n.º 2, 168.º, n.º 1, alínea i), e 13.º da
Constituição.
O artigo 37.º da Lei n.º 106/88, dispondo sobre a contribuição autárquica,
estabelece no seu n.º 3, alínea a):
As taxas da contribuição autárquica são as seguintes:
a) Prédios urbanos — 1,1% a 1,3% do valor matricial, cabendo ao
município definir qual a percentagem aplicável;
b)
...........................................................................................
Por seu lado, o artigo 38.º da mesma Lei estatui o seguinte:
Sobre a colecta do IRC a que respeita o n.º 1 do artigo 22.º podem os municípios
lançar derramas até ao máximo de 10%.
O primeiro dos preceitos transcritos foi concretizado pelos artigos 16.º, n.º 1,
alínea b), e 17.º do Código da Contribuição Autárquica, nos seguintes termos:
Artigo 16.º
(Taxas)
1 — As taxas da contribuição autárquica são as seguintes:
a)
...........................................................................................
b) Prédios urbanos: 1,1% a 1,3%.
Artigo 17.º
(Taxa aplicável)
1 — No caso da alínea b) do n.º 1 do artigo anterior, cabe ao Município definir
anualmente a taxa aplicável, devendo a decisão da Assembleia Municipal ser
comunicada à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos até 31 de Dezembro do
ano a que respeita a contribuição.
2 — Na falta de comunicação dentro do prazo referido no número anterior, a
contribuição será liquidada por aplicação da taxa mínima.
O Provedor de Justiça entende que as normas constantes dos artigos 37.º, n.º 3,
alínea a), da Lei n.º 106/88 e 17.º do Código da Contribuição Autárquica, com
referência ao artigo 16.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, por um lado, e do
artigo 38.º daquela Lei, por outro lado, são inconstitucionais, porquanto, ao
permitirem uma intervenção administrativa de carácter discricionário no âmbito
do conteúdo essencial do acto tributário, isto é, na fixação do imposto, violam
o princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição) e o princípio da
legalidade [artigos 106.º, n.º 2, e 168.º, n.º 1, alínea i), da Constituição]
tributárias.
O Tribunal Constitucional não comunga, porém, da opinião do citado requerente,
antes considera que as normas cujo conteúdo vem de ser transcrito não enfermam
dos vícios de inconstitucionalidade que lhe são imputados.
Vejamos então.
13.1 — As normas dos artigos 37.º, n.º 3, alínea a), da Lei n.º 106/88 e do
artigo 17.º do Código da Contribuição Autárquica, com referência ao artigo 16.º,
n.º 1, alínea b), do mesmo Código, respeitantes aos poderes dos municípios para
fixar a taxa da contribuição autárquica sobre o valor patrimonial dos prédios
urbanos, não infringem nem o princípio da legalidade tributária, nem o princípio
da igualdade tributária.
13.1.1 — O princípio da legalidade tributária está consagrado no n.º 2 do artigo
106.º da Constituição, nos seguintes termos:
Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os
benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
Por sua vez, a alínea i) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição determina que
é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao
Governo, legislar sobre criação de impostos e sistema fiscal.
O princípio da legalidade tributária — que assume a natureza de um verdadeiro
direito fundamental do cidadão, como resulta do n.º 3 do artigo 106.º da
Constituição (cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 26/92, publicado no
Diário da República, II Série, de 11 de Junho de 1992), desdobra-se em quatro
momentos: todos e quaisquer impostos devem ser criados por lei; para além do
sistema de impostos, cada tipo de imposto deve ser definido por lei (nullum
vectigal sine lege); a lei deve determinar especificadamente os elementos
fundamentais ou essenciais de cada imposto (incidência, taxa, benefícios fiscais
e garantias concedidas aos contribuintes); essa lei deve emanar da Assembleia da
República ou do Governo munido de autorização legislativa (cfr., neste sentido,
Jorge Miranda, «Competência Legislativa no domínio dos Impostos e as Chamadas
Receitas Parafiscais», in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa, vol. xxxix, 1988, p. 15; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob.
cit., pp. 458-459; D. Leite Campos, Lições de Direito Fiscal, Coimbra, 1981/82,
p. 31; e, inter alia, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 348/86,
205/87, 461/87 e 76/88, publicados no Diário da República, II Série, de 9 de
Janeiro de 1987, 3 de Julho de 1987, 15 de Janeiro de 1988 e 21 de Abril de
1988, respectivamente).
A questão que aqui se coloca — e só dela há que tratar — é a de saber se o
princípio da reserva da lei em matéria fiscal, enquanto dimensão do princípio da
legalidade fiscal, impõe que a lei fixe ela própria a taxa da contribuição
autárquica ou se, ao invés, consente que a lei determine os limites da sua
variação possível, devolvendo às assembleias deliberativas dos municípios a
competência para, dentro das balizas por ela traçadas, fixar o respectivo valor.
Na resposta à questão assinalada, não se pode deixar de relevar um conjunto de
especificidades que se verificam no caso das normas agora em análise: em
primeiro lugar, o poder atribuído aos municípios para fixar a taxa da
contribuição autárquica diz respeito a um imposto de natureza municipal — não
apenas porque a sua receita reverte para os municípios, mas também porque o
valor patrimonial dos prédios é fortemente influenciado pelas obras realizadas
por aqueles entes públicos territoriais; em segundo lugar, o grau de variação
fixado pela lei entre o mínimo e o máximo da taxa daquele imposto é
relativamente curto (1,1% a 1,3% do valor matricial), pelo que a margem de
liberdade das assembleias municipais é bastante estreita; em terceiro lugar, o
poder conferido pela lei para a modelação da taxa do referido imposto, dentro
dos limites rigorosos por ela definidos, tem como destinatários os municípios,
ou seja, as autarquias locais mais importantes actualmente existentes, dotadas
de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e financeira (artigos
6.º, n.º 1, 237.º e 240.º da Constituição). A conjugação destes factores é
considerada por este Tribunal como decisiva para concluir que as normas acima
assinaladas não infringem o princípio da legalidade tributária. Na verdade,
impondo o artigo 106.º, n.º 2, da Lei Fundamental que a lei fixe a taxa dos
impostos — e não apenas os seus limites, como sucedia no § 1.º do artigo 70.º da
Constituição de 1933, na versão da Revisão Constitucional de 1971 (cfr. J. M.
Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 1972, pp.
176-177, nota 2) — o concurso daqueles três elementos legitima um juízo de não
inconstitucionalidade das normas do artigo 37.º, n.º 3, alínea e), da Lei n.º
106/88 e do artigo 17.º, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, alínea b), do
Código da Contribuição Autárquica (cfr., sobre este ponto, J. M. Cardoso da
Costa, Notas de Actualização à 2.ª Edição do Curso de Direito Fiscal, Coimbra,
1977, pp. 15-16, o qual defende que o artigo 106.º, n.º 2, da Constituição
permite que a lei fixe somente os limites das taxas dos impostos e defina apenas
o quadro dos benefícios fiscais).
O princípio da legalidade tributária desempenha, no Estado Constitucional, duas
funções específicas: uma ligada à ideia de autotributação, segundo a qual,
representando os impostos uma grave ingerência na esfera patrimonial dos
cidadãos, devem aqueles ser determinados e aceites por estes, através dos seus
representantes no Parlamento, que respondem politicamente perante os eleitores
pela criação e definição dos impostos (cfr., por todos, J. M. Cardoso da Costa,
Curso de Direito Fiscal, cit., pp. 162 e segs.); outra de garantia de que os
cidadãos saibam antecipadamente e com exactidão o que vão ser chamados a pagar,
dada a anterioridade da lei parlamentar relativamente à actividade
administrativa fiscal.
Ora, estas duas funções específicas — a primeira de natureza democrática e a
segunda de carácter garantístico — que, ainda hoje, num Estado de direito como o
nosso, são cometidas ao princípio da reserva de lei em matéria fiscal, não são
postas em causa pelo facto de um órgão da Administração Autárquica ser
autorizado pela lei a definir a taxa de um imposto local, dentro dos limites
muito apertados fixados pelo órgão parlamentar.
Com efeito, no sistema em análise, é a lei a definir directamente a sua
incidência, as isenções e as garantias do contribuinte, apenas permitindo às
assembleias municipais fixarem o valor da respectiva taxa, dentro dos limites
estreitos fixados por ela. Além disso, a deliberação das assembleias municipais
não pode ser tomada ex post, tendo, antes, de ocorrer em data anterior ao início
do ano fiscal em que o imposto há-de ser liquidado (o n.º 1 do artigo 17.º do
Código da Contribuição Autárquica e o n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 1/87, de 6
de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei n.º 470-B/88, de 19 de Dezembro, impunham
que a decisão da Assembleia Municipal devia ser comunicada à Direcção-Geral das
Contribuições e Impostos até 31 de Dezembro do ano a que respeita a
contribuição, determinando agora o n.º 7 do artigo 5.º daquela Lei n.º 1/87, na
redacção introduzida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 37/93, de 13 de
Fevereiro, que «a deliberação sobre o lançamento da derrama deve ser comunicada
pela câmara municipal ao director de finanças competente até 15 de Outubro do
ano anterior ao da cobrança»).
Como refere A. Barbosa de Melo (cfr. Parecer, pp. 16-17), «a fixação dos limites
da taxa dos impostos em apreço já cumpre, por si só, a parte substancial dessas
duas funções jurídicas da reserva da lei e da consequente exigência de
determinabilidade. Assim, não há dúvida de que essa fixação cumpre por inteiro
a autotributação no plano da comunidade nacional, porquanto o parlamento, ao
definir os limites, autoriza, de modo logicamente necessário e especificamente
todas as taxas possíveis dentro dessa margem de variação, e só estas. Não há,
aqui, qualquer autorização global em branco… Quanto à calculabilidade valem
considerações similares a essas: os contribuintes, no sistema legal em exame,
ficam exonerados da incerteza maior por obra da lei parlamentar, na medida em
que é esta que fixa o máximo da taxa dos impostos que pagarão, ou poderão vir a
pagar nas circunscrições onde têm bens imóveis ou estão sediadas as suas
empresas».
Elemento importante do discurso justificativo da solução de não
inconstitucionalidade das normas que vêm sendo consideradas é também, como foi
enunciado, o princípio da autonomia (administrativa e financeira) das autarquias
locais como elemento da organização democrática do Estado (cfr. os artigos 6.º,
n.º 1, e 237.º da Constituição). Deste princípio resulta o reconhecimento às
autarquias locais de um poder regulamentar próprio — o qual deve ser exercido,
como refere o artigo 242.º da Lei Fundamental, nos limites da Constituição, das
leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior ou das
autoridades com poder tutelar — e, bem assim, de um património e finanças
próprios (artigo 240.º da Lei Fundamental).
É certo que o princípio da autonomia das autarquias locais não pode, só por si,
justificar uma restrição à reserva de competência legislativa da Assembleia da
República, em matéria de impostos (ou em qualquer outra). Mas consente
seguramente, tal como resulta das normas aqui consideradas, que as
autarquiaslocais tenham uma intervenção regulamentar limitada no domínio da taxa
dos impostos, desde que se trate de impostos de natureza local (ainda que
lançados, liquidados e cobrados pelo Estado), os limites mínimo e máximo da taxa
sejam rigorosamente fixados pela lei e o respectivo intervalo seja razoavelmente
estreito. [No sentido da não inconstitucionalidade das normas aqui
consideradas, cfr. J. C. Vieira de Andrade, Direito Administrativo Fiscal,
Lições ao 3.º ano do Curso de Direito de 1993-1994 (policopiadas), II Parte, p.
16].
13.1.2 — Apurado que as normas do artigo 37.º, n.º 3, alínea a), da Lei n.º
106/88 e do artigo 17.º, referido ao artigo 16.º, n.º 1, alínea b), do Código da
Contribuição Autárquica não infringem o princípio da legalidade tributária,
adquirido fica que aquelas normas não brigam com o princípio constitucional da
igualdade, condensado no artigo 13.º da Lei Fundamental, precisamente porque as
desigualdades entre proprietários de prédios com idêntico valor patrimonial
situados em municípios distintos resultantes das normas que estamos a analisar
são um efeito consentido pela Constituição. Sempre se acrescentará, no entanto,
alguma coisa mais.
A contribuição autárquica é um imposto que incide sobre o valor patrimonial dos
prédios rústicos e urbanos. Como se pode ler no preâmbulo do Código da
Contribuição Autárquica, «a tributação predial encontra especial justificação na
lógica do princípio do benefício, correspondendo o seu pagamento à contrapartida
dos benefícios que os proprietários recebem com obras e serviços que a
colectividade lhes proporciona. Já nesta linha se justificaria que o novo
imposto sobre o valor dos prédios constituísse uma receita autárquica — mais
concretamente, uma receita municipal — na medida em que cabe aos municípios uma
parcela muito significativa das actividades que lhes dão apoio e os valorizam.
Mas a ligação indissociável e facilmente identificável dos prédios ao espaço de
cada município, a repartição geográfica relativamente equilibrada desta forma de
tributação e ainda a prática neste sentido seguida desde há uma década apontam
no sentido de serem as câmaras os destinatários da figura agora criada». (Para
uma crítica da justificação da contribuição autárquica com base no benefício,
cfr. J. J. Teixeira Ribeiro, «A Propósito da Contribuição Autárquica», separata
do Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, 1992).
Ora, sendo certo que o valor patrimonial dos prédios é influenciado em boa
medida pelas obras realizadas pelos municípios (abertura de ruas, estradas e
caminhos e respectiva conservação, construção e conservação de redes de
saneamento básico, etc.) e que a extensão e o valor daquelas variam de município
para município, é perfeitamente razoável que o legislador atribua às assembleias
municipais competência para moldar a taxa da contribuição autárquica,
precisamente em homenagem às diferenças substanciais que se verificam de
município para município (cfr. Manuel Porto/Maria José Castanheira Neves/António
Lobo Xavier, Parecer, pp. 12-13).
O princípio da autonomia local é igualmente importante para afastar a ideia de
que a diferenciação de taxas, de município para município, envolve infracção ao
princípio da igualdade. A existência de autarquias locais, dotadas de poder
regulamentar próprio, nos termos do artigo 242.º da Constituição, implica uma
pluralidade de sujeitos com competência para emanar normas jurídicas de carácter
regulamentar. Normas estas que estabelecem regimes jurídicos diversos,
adaptados aos condicionalismos locais, como não podia deixar de ser. Ora, não
se pode ver nessa pluralidade de normas jurídicas, provenientes de sujeitos
diversos, uma violação do princípio da igualdade, já que este tem um carácter
relativo, não só sob o ponto de vista temporal, como territorial. De facto, o
reconhecimento pela Constituição às autarquias locais de uma competência
normativa autónoma, de que resulta a vigência, no seu âmbito territorial, de
preceitos jurídicos diferentes, não contradiz o princípio da igualdade, dado que
a ideia de criação e aplicação do direito com base na igualdade circunscreve-se
ao âmbito territorial de validade da norma, não sendo legítimas comparações
entre soluções adoptadas por preceitos jurídicos de eficácia territorial diversa
(cfr. F. Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra,
Almedina, 1990, pp. 411-412).
Nas palavras de A. Rodrigues Queiró (cfr. Parecer, p. 40), «estamos perante uma
diferenciação justificada por factores constitucionalmente relevantes e
destituídos de qualquer margem de arbítrio. A «lógica» da descentralização e a
ideia que a anima não são apenas a da liberdade ou a da autonomia, é também a da
diferença. Descentralizar é aceitar a diferenciação de regimes e de decisões
locais. O argumento de que a existência de taxas fiscais divergentes nos vários
municípios iria ofender o princípio da igualdade é, pois, seguramente
infundado». Cfr., no mesmo sentido, A. Barbosa de Melo, Parecer, pp. 11-12.
13.2 — As considerações acima desenvolvidas a propósito da não violação do
princípio da legalidade tributária por parte das normas respeitantes aos poderes
dos municípios para fixar a taxa da contribuição autárquica sobre os prédios
urbanos podem ser transpostas para o caso da norma do artigo 38.º da Lei n.º
106/88, que permite aos municípios lançar derramas, sob a forma de um adicional,
até à taxa máxima de 10%, sobre a colecta do Imposto sobre o Rendimento das
Pessoas Colectivas (IRC) — e isto não obstante o maior espaço de liberdade
conferido pela norma do artigo 38.º da Lei n.º 106/88 aos municípios, traduzido
não apenas na competência para decidir sobre o an do lançamento da derrama, mas
também na maior discricionaridade sobre o quantum da taxa (esta pode ir até 10%
da colecta do IRC).
Também o discurso sobre a não violação do princípio da igualdade por parte das
normas constantes do artigo 37.º, n.º 3, alínea a), da Lei n.º 106/88 e do
artigo 17.º, relacionado com o artigo 16.º, n.º 1, alínea b), do Código da
Contribuição Autárquica pode ser transferido para a norma do artigo 38.º daquela
Lei n.º 106/88. Acrescente-se ainda que o lançamento das derramas está ligado a
situações substancialmente diferentes, que não se verificam de igual modo em
todos os municípios do país. Nos termos do n.º 6 do artigo 5.º da Lei n.º 1/87,
de 6 de Janeiro (na redacção dada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 37/93, de
13 de Fevereiro), as derramas só podem ser lançadas «para ocorrer ao
financiamento de investimentos ou no quadro de contratos de reequilíbrio
financeiro». Ora, podendo não existir em todos os municípios causas
justificativas para o lançamento de derramas e não assumindo, naqueles em que
elas ocorram, o mesmo grau ou a mesma intensidade, é razoável que a lei remeta
para as assembleias municipais a competência não só para decidir sobre a
conveniência ou oportunidade do seu lançamento, como sobre o valor da taxa,
dentro das balizas definidas pela lei.
Mesmo quem entenda que os fundamentos da solução de não inconstitucionalidade
das normas respeitantes aos poderes dos municípios para fixar a taxa da
contribuição autárquica sobre os prédios urbanos não assentam bem à norma do
artigo 38.º da mencionada Lei n.º 106/88 não deixará de considerar esta norma
conforme à Constituição, uma vez que ela não é mais do que a expressão de um
costume constitucional. Na verdade, as derramas constituem uma manifestação
tradicional do poder tributário dos órgãos do Poder Local, cuja origem se
descobre nas antigas fintas que os concelhos podiam lançar para ocorrer aos
encargos que excedessem as suas rendas (Ordenações, Livro I, Tít. 66, § 40).
Este poder tributário permaneceu, com algumas oscilações, nos vários Códigos
Administrativos que se sucederam, entre nós, desde o Código de 1836 ao Código de
1936-1940 (cfr. o artigo 781.º deste último Código, quanto à faculdade de
lançamento de derramas pelas freguesias) e chegou até aos diplomas sobre
finanças locais aprovados já no domínio da Constituição de 1976 (nos termos do
n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 1/79, de 2 de Janeiro, os municípios podiam
lançar derramas sobre a colecta da contribuição predial rústica e urbana, da
contribuição industrial e do imposto de turismo cobrados na área do respectivo
município, não podendo a taxa exceder 10% da colecta liquidada; e, de harmonia
com o estatuído no artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, os
municípios podiam lançar derramas que não excedessem 10% sobre as colectas
liquidadas na respectiva área em contribuição predial rústica e urbana e em
contribuição industrial).
Eis, pois, as razões que levam a concluir que as normas constantes dos artigos
37.º, n.º 3, alínea a), e 38.º da Lei n.º 106/88 e do artigo 17.º, com
referência ao artigo 16.º, n.º 1, alínea b), do Código da Contribuição
Autárquica não são inconstitucionais.
14 — As normas constantes dos artigos 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei
n.º 442-C/88, de 30 de Novembro, e o artigo 168.º, n.º 1, alínea i), da
Constituição.
O conteúdo das normas identificadas em epígrafe é o seguinte:
Artigo 6.º
1 — O valor tributável dos prédios urbanos, enquanto não for determinado de
acordo com as regras do Código das Avaliações, será o que resultar da
capitalização do rendimento colectável, actualizado com referência a 31 de
Dezembro de 1988, através da aplicação do factor 15.
2 —
...........................................................................................
Artigo 7.º
1 — O valor tributável dos prédios rústicos, enquanto não for determinado de
acordo com as regras do Código das Avaliações, será o que resultar da
capitalização do rendimento colectável, actualizado com referência a 31 de
Dezembro de 1988, através da aplicação do factor 20.
2 —
...........................................................................................
Na óptica do Provedor de Justiça, as normas cujo conteúdo foi transcrito são
organicamente inconstitucionais, uma vez que estabelecem, para efeitos de
contribuição autárquica, sem precedência de autorização legislativa da
Assembleia da República, o regime transitório de determinação do valor
tributário dos prédios rústicos e urbanos.
Será assim?
14.1 — O artigo 37.º, n.º 1, da Lei n.º 106/88 incumbiu o Governo de,
simultaneamente com a criação do IRS e do IRC, instituir uma contribuição
autárquica sobre o valor patrimonial dos prédios rústicos e urbanos, devida
pelos seus proprietários. No n.º 3 do mesmo artigo, determina-se que a taxa da
contribuição autárquica sobre os prédios urbanos é de 1,1% a 1,3% do valor
matricial, cabendo ao município definir qual a percentagem aplicável, e que a
taxa do referido imposto sobre os prédios rústicos é 0,8% do valor matricial.
Por sua vez, o n.º 4 do mesmo preceito estabelece que o Governo deverá proceder
à revisão das normas de avaliação da propriedade rústica e urbana por forma a
conseguir-se, com encargos administrativos mais baixos, uma determinação mais
rigorosa da matéria colectável e um reforço das garantias dos contribuintes.
Antes, porém, de se desenvencilhar da tarefa de elaboração de um novo Código das
Avaliações, condensador das novas regras de avaliação da propriedade rústica e
urbana, decretou o Governo que o valor patrimonial dos prédios urbanos e
rústicos fosse provisoriamente determinado nos termos dos citados artigos 6.º,
n.º 1, e 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-C/88.
A tese da inconstitucionalidade orgânica defendida pelo Provedor de Justiça não
pode ser rejeitada com fundamento na consideração de que, in casu, não era
constitucionalmente exigível uma autorização legislativa da Assembleia da
República. Com efeito, poderia afirmar-se que as duas normas questionadas não
versam matéria que diga respeito à incidência real e pessoal da contribuição
autárquica — esta sim matéria que, constituindo um dos elementos essenciais dos
impostos, nos termos do artigo 106.º, n.º 2, da Constituição, faz parte da
reserva de competência legislativa da Assembleia da República, de acordo com a
alínea i) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição —, mas antes matéria
concernente ao processo de determinação da matéria colectável, isto é, matéria
que tem a ver com a disciplina do processo administrativo de lançamento, a qual,
segundo a doutrina fiscalista mais representativa e nos termos dos Pareceres de
J. J. Teixeira Ribeiro (pp. 10-12) e de A. Rodrigues Queiró (p. 58) junto aos
autos, não se integra na reserva de competência legislativa da Assembleia da
República [cfr. J. M. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, cit., p. 242;
Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I (Reimpressão), Lisboa, 1981, p. 137;
e A. Brás Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, Coimbra, Almedina, 1979, p.
101].
Todavia, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 358/92 (publicado no
Diário da República, I Série-A, de 26 de Janeiro de 1993), analisando a questão
da constitucionalidade da norma constante da alínea b) do artigo 50.º da Lei n.º
2/92, de 9 de Março, na qual se conferia autorização legislativa ao Governo para
aprovar um Código das Avaliações, para efeitos de determinação do valor
patrimonial dos prédios rústicos e urbanos, entendeu que, incidindo a
contribuição autárquica sobre o valor dos prédios, nos processos de determinação
do valor destes bens há domínios que têm a ver com «critérios materiais da
definição da incidência real da própria contribuição autárquica, nessa medida
comportando elementos que reentram na esfera de reserva parlamentar decorrente
da alínea i) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição, o que postula a exigência
de autorização parlamentar» (cfr., sobre este ponto, a Anotação discordante de
J. J. Teixeira Ribeiro ao Acórdão n.º 358/92, in Revista de Legislação e de
Jurisprudência, ano 125.º, n.º 3824, pp. 346-348).
Deve, por isso, concluir-se que a matéria regulada nas normas dos artigos 6.º,
n.º 1, e 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-C/88 integra o domínio de reserva
relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
14.2 — As normas constantes dos artigos 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei
n.º 442-C/88 têm, no entanto, o seu suporte nos n.os 1 e 3 do artigo 37.º da Lei
n.º 106/88. Mas estes preceitos não se limitam a fornecer uma autorização
legislativa ao Governo para emanar as normas concernentes à determinação do
valor tributável dos prédios urbanos e rústicos, antes encerram a disciplina
desta matéria. A questão que se coloca aqui é, pois, tão-só a de saber se as
normas dos artigos 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-C/88
respeitam o sentido do artigo 37.º, n.os 1 e 3, da mencionada Lei n.º 106/88.
A resposta não pode deixar de ser afirmativa. De facto, o n.º 1 do artigo 37.º
da Lei n.º 106/88 determinou que a contribuição autárquica, a incidir sobre o
valor patrimonial dos prédios rústicos e urbanos, entrasse em vigor
simultaneamente com o IRS e o IRC, não ficando a sua aplicação dependente do
estabelecimento de novas normas para a avaliação da propriedade urbana e
rústica. Na falta de um Código das Avaliações, a determinação do valor dos
prédios rústicos e urbanos só podia, por isso, basear-se nos valores matriciais
existentes, tal como determina o n.º 3 do artigo 37.º da Lei n.º 106/88. Ora,
ao tempo da publicação e da entrada em vigor do Código da Contribuição
Autárquica, o artigo 30.º do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e
Doações, na redacção do Decreto-Lei n.º 108/87, de 10 de Março, estabelecia que
«o valor matricial dos bens ao tempo da transmissão é o produto por 20 ou 15 do
rendimento colectável inscrito na matriz à data da liquidação, consoante se
trate, respectivamente, de prédios rústicos ou urbanos».
Isto significa que as normas dos artigos 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, do
Decreto-Lei n.º 442-C/88, ao prescreverem que o valor tributável dos prédios
urbanos e dos prédios rústicos será o que resulta da capitalização do rendimento
colectável, actualizável com referência a 31 de Dezembro de 1988, através dos
factores 15 e 20, respectivamente, não só dão cabal cumprimento ao preceituado
no artigo 37.º, n.º 3, da Lei n.º 106/88 — que determina que a contribuição
autárquica incide sobre o valor matricial dos prédios urbanos e rústicos — como
ainda nada inovam quanto à definição do valor matricial dos prédios, tal como
constava do ordenamento jurídico na altura vigente [cfr., sobre este ponto, a
Proposta de Taxas da Reforma Fiscal, Ministério das Finanças, 1988
(Reimpressão), pp. 38-39].
Há, assim, que concluir que as normas constantes dos artigos 6.º, n.º 1, e 7.º,
n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-C/88, não infringem o artigo 168.º, n.º 1, alínea
i), da Constituição.
15 — As normas constantes do artigo 37.º, n.º 5, da Lei n.º 106/88 e dos artigos
6.º, n.º 2, e 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 442-C/88 e o princípio
constitucional da igualdade (artigo 13.º da Lei Fundamental).
O artigo 37.º, n.º 5, da Lei n.º 106/88 dispõe como se segue:
Os valores matriciais dos prédios não arrendados serão actualizados, fixando-se
desde já uma actualização provisória nos seguintes termos:
a) Prédios urbanos — actualização de 4% ao ano, cumulativa, desde
a última actualização ou fixação, com limite máximo de 100%;
b) Prédios rústicos — actualização de 2% ao ano, cumulativa,
desde a última actualização ou fixação, com limite máximo de 100%.
Por seu lado, as normas dos artigos 6.º, n.º 2, e 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º
442-C/88, determinam o seguinte:
Artigo 6.º
1 —
...........................................................................................
2 — O rendimento colectável dos prédios urbanos não arrendados, reportado a 31
de Dezembro de 1988, é desde já objecto de uma actualização provisória de 4% ao
ano, cumulativa, com o limite máximo de 100%, desde a última avaliação ou
actualização, não se considerando para o efeito a que resultou da aplicação do
disposto no n.º 1 do artigo 69.º da Lei n.º 2/88, de 28 de Janeiro.
Artigo 7.º
1 —
...........................................................................................
2 — O rendimento colectável dos prédios rústicos, reportado a 31 de Dezembro de
1988, é desde já objecto de uma actualização provisória de 2% ao ano,
cumulativa, com o limite máximo de 100%, desde a última avaliação ou
actualização, não se considerando para o efeito a que resultou da aplicação do
disposto no n.º 1 do artigo 69.º da Lei n.º 2/88, de 28 de Janeiro.
O artigo 37.º, n.º 5, da Lei n.º 106/88 prevê uma actualização dos valores
matriciais dos prédios urbanos não arrendados e dos prédios rústicos, a fim de
que os referidos valores possam ser considerados para efeitos de Contribuição
Autárquica, enquanto não se proceder à revisão das normas de avaliação e às
subsequentes reavaliações dos valores daqueles prédios. Nele é contemplada
unicamente a actualização dos valores matriciais dos prédios urbanos não
arrendados, já que uma tal actualização era desnecessária para os prédios
urbanos arrendados. Com efeito, relativamente a estes últimos, da matriz já
constava um valor «actualizado», constituído pela renda efectivamente paga pelo
inquilino (rectius: a renda contratualmente estabelecida).
Quanto aos prédios rústicos, do texto do n.º 5 do artigo 37.º da mencionada Lei
n.º 106/88 teria de extrair-se a conclusão de que apenas são abrangidos pela
actualização os prédios rústicos não arrendados, já que o corpo daquele preceito
refere-se somente a estes últimos. Mas uma tal referência somente aos prédios
rústicos não arrendados deve considerar-se como um lapso do legislador — lapso
este que foi rectificado no n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 442-C/88 —,
uma vez que a distinção, para efeitos fiscais, entre prédios rústicos arrendados
e não arrendados não existia no ordenamento jurídico fiscal na altura da
aprovação e da entrada em vigor da mencionada Lei n.º 106/88 — nem existe hoje
—, como resultava dos artigos 36.º e 37.º do Código da Contribuição Predial e do
Imposto sobre a Indústria Agrícola (destas disposições retira-se que o
rendimento colectável dos prédios rústicos era constituído pela renda fundiária,
correspondendo esta ao saldo de uma conta anual de cultura em que o crédito é
representado pelo rendimento bruto e o débito é constituído pelos encargos da
exploração, diminuído aquele saldo do lucro da exploração, determinado por
avaliação cadastral ou directa, sendo, por isso, irrelevante a «renda»
resultante do contrato de arrendamento do prédio rústico).
A actualização dos valores matriciais prevista na alínea b) do n.º 5 do artigo
37.º da Lei n.º 106/88 abrange, assim, todos os prédios rústicos (arrendados e
não arrendados).
De acordo com o pedido do Provedor de Justiça, as três normas transcritas violam
o princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º da Constituição, «por se
revelarem desprovidas do indispensável suporte material, de proporcionalidade
adequada ao tratamento a dispensar às diversas situações abrangidas e de
razoabilidade».
Por sua vez, no Parecer do Serviço do Provedor de Justiça, que acompanha o
requerimento dirigido a este Tribunal, salienta-se que as normas do n.º 5 do
artigo 37.º da Lei n.º 106/88 e dos artigos 6.º, n.º 2, e 7.º, n.º 2, do
Decreto-Lei n.º 442-C/88 atentam contra o princípio da igualdade do artigo 13.º
da Constituição «nas dimensões proibição do arbítrio e obrigação de
diferenciação que tal princípio comporta». E acrescenta-se:
No que à primeira dimensão concerne dir-se-á que o regime legal de actualização
posto em crise evidencia carência de adequado suporte material.
Houve mudança de critério actualizador mas fica-se por saber em que bases se
apoiam as recentes normas de actualização de valores matriciais. Tudo se resume
a actualização de 2% e 4% a 100% desde a última actualização ou fixação. Face
aos objectivos impostos ao Governo pela Lei de autorização (determinação mais
rigorosa da matéria colectável e reforço das garantias dos contribuintes) mais
incompreensível se revela o mecanismo actualizador dos preceitos legais sob
apreciação. Há falta de razoabilidade nesse mecanismo.
No que respeita à segunda dimensão a própria diversidade de situações abrangidas
pelas actualizações de valores matriciais de prédios rústicos e urbanos
justificaria tratamento diferenciado e não igual. E isso por não serem
essencialmente iguais as realidades subjacentes aos valores matriciais dos
prédios construídos ou adquiridos há vinte e cinco anos e na década prestes a
finalizar. Por isso não se mostra satisfatória uma actualização «cega», isto é,
alicerçada apenas em percentagens iguais.
Estarão as normas de que vimos falando inquinadas pelos vícios apontados pelo
Provedor de Justiça? O Tribunal entende que não. Vejamos as razões.
15.1 — A invocada «carência de adequado suporte material» da solução de
actualização constante daquelas normas, devido à circunstância de ela configurar
uma mudança de critério de actualização em relação ao que estava vertido no n.º
1 do artigo 69.º da Lei n.º 2/88, de 28 de Janeiro — o qual consistia numa
actualização para 1988 do rendimento colectável dos prédios urbanos não
arrendados, registados a partir de 1979, e dos prédios rústicos com o factor
uniforme de 1,074, aprovado para a actualização das rendas — alteração essa que
não foi acompanhada de qualquer motivação, que devia constar dos exórdios da Lei
n.º 106/88 e do Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de Novembro, não procede, pois
ela baseia-se num equívoco: o de que existe um dever de fundamentação expressa
dos actos legislativos, à semelhança do que incide sobre os actos
administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos
cidadãos (artigo 268.º, n.º 4, 2.ª parte, da Constituição). Nem a lei, nem o
decreto-lei estão sujeitos a qualquer obrigação de motivação ou de justificação
das opções neles contidas, embora seja salutar que o legislador (e isso vem
sucedendo nos decretos-leis) redija preâmbulos explicativos.
Na falta de motivação apresentada pelo autor da norma, é aos tribunais, mormente
ao Tribunal Constitucional, enquanto órgão «ao qual compete administrar a
justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional» (cfr. o artigo 223.º da
Constituição), que cabe o ónus de demonstrar que as opções do legislador são
arbitrárias, irrazoáveis ou desprovidas de fundamento material, em termos de
violarem o princípio constitucional da igualdade. Não pode, assim,
considerar-se arbitrária e irrazoável uma norma jurídica e, consequentemente,
feridora do princípio da igualdade, só pelo simples facto de o legislador não
ter motivado expressamente a solução nela contida.
Ora, o que o Tribunal afirma é que a actualização «provisória» dos valores
matriciais dos prédios urbanos não arrendados e dos prédios rústicos constante
das normas do n.º 5 do artigo 37.º da Lei n.º 106/88 e dos artigos 6.º, n.º 2, e
7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 442-C/88 não é materialmente infundada, sendo,
por isso, uma solução — de entre outras possíveis — constitucionalmente
admissível.
Com efeito, como salienta J. J. Teixeira Ribeiro (cfr. Parecer, cit., pp.
12-14), «a lógica daqueles preceitos parece ser a seguinte: como é sabido, os
rendimentos colectáveis dos prédios urbanos não arrendados e dos prédios
rústicos encontram-se geralmente muito desactualizados, e tanto mais, em regra,
quanto mais distante a época em que foram inscritos nas matrizes ou actualizados
pela última vez. Pode, portanto, admitir-se, sem erro grave, que é semelhante o
grau de desactualização dos rendimentos inscritos ou actualizados pela última
vez no mesmo ano e que o grau de desactualização vai aumentando à medida que o
ano se distancia.
Sendo assim — e na impossibilidade de em breve se avaliarem os rendimentos
colectáveis dos milhões de prédios existentes no País —, há um processo de,
tratando-se equitativamente os donos desses prédios, proceder a alguma
actualização dos rendimentos actuais: é o de multiplicar pela mesma percentagem
de aumento os rendimentos inscritos ou actualizados a última vez no mesmo ano,
fazendo aumentar a percentagem com o distanciamento do ano.
Na verdade, se todos os rendimentos colectáveis inscritos em determinado ano
sofrerem a mesma percentagem de aumento de 50%, por exemplo, mantém-se a relação
que existia entre esses rendimentos; e se todos os rendimentos colectáveis
inscritos no ano anterior sofrerem a percentagem de aumento de 55%, ainda por
exemplo, fica alterada na mesma proporção a relação entre todos os rendimentos
dos dois anos. Por conseguinte, não só se preserva a igualdade relativa entre
os rendimentos colectáveis de cada ano como se põem em situação de igualdade os
rendimentos colectáveis de cada ano perante os rendimentos colectáveis de cada
um dos anos anteriores e posteriores.
Claro que há o problema da percentagem de aumento: esta deve primar pela
moderação, desde logo porque, não obstante saber-se que os actuais rendimentos
colectáveis estão desactualizados, não se conhece com rigor o grau de
desactualização relativamente a cada ano. A percentagem não deve, pois, exceder
100%, e de qualquer modo, o aumento deve ser mais rápido para os prédios urbanos
não arrendados do que para os prédios rústicos, atenta a desfavorável situação
da agricultura.
Assim se explica ter-se estabelecido que os rendimentos colectáveis dos prédios
urbanos não arrendados e dos prédios rústicos sejam actualizados, até ao máximo
de 100%, pela aplicação das taxas anuais cumulativas de 4% e 2%,
respectivamente, desde o ano em que tais rendimentos foram avaliados ou
actualizados pela última vez.
É esta, se bem pensamos, a lógica do artigo 37.º, n.º 5, da Lei n.º 106/88 e dos
artigos 6.º, n.º 2, e 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 442-C/88, na parte em que
executam aquele. Em face de tal lógica, não vemos como possa sustentar-se a
inconstitucionalidade desses artigos. Com efeito, eles salvaguardam o princípio
da igualdade, visto que mantêm as mesmas proporções dos rendimentos colectáveis
de cada ano e põem os rendimentos colectáveis de cada ano em situação idêntica
relativamente aos rendimentos colectáveis dos outros anos; além disso, são
comedidas as percentagens de actualização anual de 4% e 2%, aplicadas cumulativa
e respectivamente aos rendimentos dos prédios urbanos não arrendados e dos
prédios rústicos; bem como não sofre de exagero, atenta a desvalorização da
moeda, o máximo de actualização de 100%».
15.2 — Na perspectiva do Provedor de Justiça, as normas que vêm sendo referidas
violam o princípio da igualdade porque, ao submeterem a actualização dos valores
matriciais dos prédios urbanos não arrendados à taxa de 4% ao ano, sem
distinguir o ano da respectiva construção, contêm um tratamento igual daquilo
que é materialmente desigual. É que — acrescenta-se no Parecer junto ao
requerimento do Provedor de Justiça — as desactualizações dos valores matriciais
dos prédios urbanos apresentam-se especialmente significativas no que toca aos
prédios construídos nos anos anteriores a 1980, sendo pouco significativas no
que concerne aos prédios construídos há relativamente poucos anos. Estas
diferentes situações deveriam, na opinião daquele requerente, gerar percentagens
diferentes de actualização.
Mas esta argumentação não se revela procedente.
Em primeiro lugar, deve salientar-se que o princípio constitucional da
igualdade, entendido como limite objectivo da discricionaridade legislativa,
circunscreve-se à ideia geral de proibição do arbítrio. Significa este critério
que os tribunais, em especial o Tribunal Constitucional, apenas censuram, com
base na violação do princípio da igualdade, as medidas legislativas que
estabeleçam desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer
fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. O
critério da «proibição do arbítrio» é um critério de controlabilidade judicial
do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do
legislador ou a discricionaridade legislativa. A interpretação do princípio da
igualdade como proibição do arbítrio significa uma autolimitação do poder do
juiz, o qual não controla se o legislador, num caso concreto, encontrou a
solução mais adequada ao fim, mais razoável ou mais justa (cfr. F. Alves
Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, cit., pp. 419-426, e os
mencionados Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 186/90, 187/90 e 188/90).
Ora, no caso das normas constantes do n.º 5 do artigo 37.º da Lei n.º 106/88 e
dos artigos 6.º, n.º 2, e 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 442-C/88, podia o
legislador ter adoptado diferentes percentagens de actualização dos valores
matriciais de prédios urbanos não arrendados em função da data da sua
construção. Mas não pode ser censurado pela circunstância de não ter trilhado
essa via. Uma tal censura por parte deste Tribunal, com base em infracção ao
princípio da igualdade, só poderia ter lugar se as desigualdades materiais das
situações em confronto (as dos valores matriciais dos prédios urbanos não
arrendados construídos há dez, vinte ou trinta anos e a dos edifícios erigidos
há menos de uma década) fossem de tal modo agudas que manifestamente exigissem
um tratamento diferenciado. Mas não é isso que sucede no caso concreto, como já
se disse.
Em segundo lugar, apesar de os valores matriciais dos prédios urbanos não
arrendados estarem sujeitos a idêntica taxa anual de actualização (4% ao ano,
até ao limite de 100%) independentemente da data da sua construção ou aquisição,
o certo é que essa taxa, embora uniforme, produz resultados diferentes, em
virtude de o factor de actualização aplicável em cada caso concreto ser o
resultante da multiplicação daquele coeficiente pelo número de anos decorridos
desde a última avaliação ou actualização dos rendimentos constantes das
matrizes.
Em terceiro lugar, dir-se-á com A. Rodrigues Queiró (cfr. Parecer, cit., p. 61)
que, «se as taxas anuais cumulativas de 4% não são suficientes para desfazer a
desigualdade que actualmente existe entre valores matriciais antigos e recentes
(e que não foi criada pela Lei n.º 106/88 ou pelo Decreto-Lei n.º 442-C/88),
isso resulta apenas de essas taxas se encontrarem demasiado distantes dos
valores anuais da inflação em Portugal nos últimos 15-20 anos. Com taxas
superiores, o efeito cumulativo da sua aplicação iria aproximar substancialmente
os valores matriciais. Mas haveria então um grande preço a pagar no plano
social — e não pode responsabilizar-se o legislador por ter querido evitá-lo».
Conclui-se, assim, que as normas aqui analisadas não violam o princípio
constitucional da igualdade.
16 — As normas constantes dos artigos 6.º, n.º 2, e 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei
n.º 442-C/88 em face do artigo 168.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.
Nos termos do requerimento do Provedor de Justiça, as normas apontadas dos
artigos 6.º, n.º 2, e 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 442-C/88, na parte em que
determinam a actualização provisória do rendimento colectável dos prédios
urbanos não arrendados e dos prédios rústicos, desprezando a actualização dos
rendimentos colectáveis dos prédios urbanos registados a partir de 1979 e dos
prédios rústicos prevista no n.º 1 do artigo 69.º da Lei n.º 2/88, de 28 de
Janeiro (Orçamento do Estado para 1988), violam o artigo 168.º, n.º 1, alínea
i), da Constituição, sendo, por isso, organicamente inconstitucionais, por
ultrapassarem os limites da autorização legislativa constante do n.º 5 do artigo
37.º da Lei n.º 106/88.
É um facto que a mencionada norma do artigo 37.º, n.º 5, da Lei n.º 106/88 manda
proceder à actualização dos rendimentos prediais a partir da última actualização
ou fixação e as normas constantes dos artigos 6.º, n.º 2, e 7.º, n.º 2, do
citado Decreto-Lei n.º 442-C/88 determinam que não se toma em conta, como última
actualização, a que resultou da aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 69.º da
Lei n.º 2/88, de 28 de Janeiro.
Mas isso não é razão suficiente para fulminar as normas aqui em análise com o
raio da inconstitucionalidade orgânica. Na verdade, a referência que é feita
nas normas dos artigos 6.º, n.º 2, e 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 442-C/88 à
não consideração dos resultados da aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 69.º
da Lei n.º 2/88 fundamenta-se na incompatibilidade entre o sistema de
actualização dos rendimentos matriciais instituído pelo n.º 5 do artigo 37.º da
Lei n.º 106/88 e o que foi previsto no n.º 1 do artigo 69.º da citada Lei n.º
2/88. Uma tal incompatibilidade resulta clara da comparação entre aqueles dois
sistemas.
Enquanto no artigo 69.º, n.º 1, da Lei n.º 2/88, a Assembleia da República criou
um sistema de actualização que consistia na aplicação aos rendimentos constantes
da matriz do factor 1,074, sendo, no concernente aos prédios urbanos não
arrendados, uma actualização feita segundo um critério uniforme e restrita
àqueles que foram registados a partir de 1979, no artigo 37.º, n.º 5, da Lei n.º
106/88 foi adoptado um sistema de actualização baseado na aplicação de uma
percentagem anual (4% para os rendimentos colectáveis dos prédios urbanos não
arrendados e de 2% para o rendimento colectável dos prédios rústicos, até ao
limite de 100%), ou seja, um sistema alicerçado no pressuposto de que a
desactualização dos rendimentos prediais constantes das matrizes era muito
variável e tanto maior quanto mais distante fosse a data em que foram inscritos
nas matrizes ou actualizados pela última vez.
Dada a radical oposição entre aqueles dois sistemas de avaliação, a consideração
do resultado da aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 69.º da Lei n.º 2/88 no
método de actualização referido no n.º 5 do artigo 37.º da Lei n.º 106/88 não só
esvaziaria este preceito de sentido, como ainda o tornaria absurdo. Esvaziaria,
em primeiro lugar, o n.º 5 do artigo 37.º da Lei n.º 106/88 de sentido, uma vez
que este só seria aplicável, na prática, aos prédios urbanos não arrendados
inscritos na matriz antes de 1979, uma vez que todos os demais deveriam
considerar-se já actualizados, e não se aplicaria aos rendimentos colectáveis
dos prédios rústicos, dado que estes já deviam ter-se por actualizados por
efeito do n.º 1 do artigo 69.º daquela Lei n.º 2/88. Tornaria, em segundo
lugar, o n.º 5 do artigo 37.º da Lei n.º 106/88 absurdo, já que se pretendesse
entrar em linha de conta com a actualização, feita por aplicação de um critério
uniforme, e reportada a 1988, do rendimento colectável de todos os prédios
rústicos e dos prédios urbanos não arrendados, registados a partir de 1979, não
faria sentido prever percentagens anuais de actualização susceptíveis de
aplicação quando o rendimento colectável tenha permanecido inalterado durante um
horizonte temporal alargado [há cinquenta ou mais anos, no caso dos prédios
rústicos (50¥2% = 100%), ou há vinte e cinco ou mais anos, tratando-se de
prédios urbanos não arrendados (25¥4% = 100%)].
Deve, por isso, concluir-se que as normas dos artigos 6.º, n.º 2, e 7.º, n.º 2,
do Decreto-Lei n.º 442-C/88 se limitaram, para prevenir enventuais dúvidas de
interpretação, a explicitar o «pensamento legislativo» contido no n.º 5 do
artigo 37.º da Lei n.º 106/88. Nessa medida, não poderão ser havidas como
inovadoras, e, como tal, não são organicamente inconstitucionais (cfr., sobre
este ponto, Rui Morais, Parecer, pp. 32-35).
Mas à razão que vem de ser exposta uma outra acresce para a não consideração do
disposto no n.º 1 do artigo 69.º da Lei n.º 2/88, de 28 de Janeiro, no sistema
de actualização erigido pelo n.º 5 do artigo 37.º da Lei n.º 106/88, de 17 de
Setembro: a convicção do legislador de que a actualização dos rendimentos
colectáveis de acordo com o critério do n.º 1 do artigo 69.º da Lei n.º 2/88 não
chegou a ser realizada, devido à circunstância de ter estado em vigor durante um
lapso temporal muito curto. Com efeito, passados escassos meses após a
publicação da Lei n.º 2/88, de 28 de Janeiro, mais precisamente em 5 de Maio de
1988, aprovou a Assembleia da República, na generalidade, a proposta de lei do
Governo respeitante à Reforma Fiscal, da qual veio a emergir a Lei n.º 106/88,
de 17 de Setembro, contendo aquela normas de actualização dos rendimentos
colectáveis dos prédios urbanos não arrendados e dos prédios rústicos inspiradas
em princípios radicalmente diversos dos subjacentes ao artigo 69.º, n.º 1,
daquela Lei n.º 2/88. Tudo aponta, pois, para que a actualização com base neste
último diploma legal nunca teve tradução prática.
Também por esta segunda razão, há que concluir que as normas constantes dos
artigos 6.º, n.º 2, e 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 442-C/88 não contrariam o
sentido do n.º 5 do artigo 37.º da Lei n.º 106/88, não sendo, por isso,
organicamente inconstitucionais.
III — Decisão
17 — Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
1 — Não tomar conhecimento dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade
quanto às seguintes normas:
a) As normas constantes das segundas partes do n.º 2 do artigo
11.º da Lei n.º 106/88, de 17 de Setembro (Lei de autorização legislativa dos
Códigos do IRS, IRC e da Contribuição Autárquica), e do n.º 1 do artigo 72.º do
Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, ambas
relativas à determinação do quociente conjugal por aplicação do factor 1,85;
b) A norma constante do artigo 11.º, n.º 1, da mesma Lei n.º
106/88, respeitante à tabela de taxas do IRS;
c) As normas constantes dos artigos 12.º e 13.º, n.os 1 e 3, da
referida Lei n.º 106/88 e dos artigos 74.º e 75.º do mencionado Código do IRS,
concernentes, todas elas, às taxas liberatórias.
2 — Não declarar a inconstitucionalidade das seguintes normas:
a) As normas constantes do artigo 5.º, n.º 4, daquela Lei n.º
106/88 e do artigo 14.º, n.º 2, do citado Código do IRS, ambas relativas à
tributação conjunta dos rendimentos do agregado familiar;
b) As normas constantes das primeiras partes do n.º 2 do artigo
11.º daquela Lei n.º 106/88 e do n.º 1 do artigo 72.º do referido Código do IRS,
relativas à determinação do quociente conjugal por aplicação do factor 2;
c) As normas constantes do artigo 14.º, n.º 1, alíneas a) e b),
da mencionada Lei n.º 106/88 e do artigo 80.º, n.º 1, alíneas a) e b), daquele
Código do IRS, respeitantes às deduções à colecta do IRS;
d) A norma constante do artigo 6.º, n.º 3, da mencionada Lei n.º
106/88, referente às deduções ao rendimento do trabalho dependente;
e) As normas constantes dos artigos 37.º, n.º 3, alínea a), e
38.º da citada Lei n.º 106/88 e do artigo 17.º, com referência ao artigo 16.º,
n.º 1, alínea b), do Código da Contribuição Autárquica, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de Novembro, respeitantes aos poderes dos
municípios para fixar a taxa da contribuição autárquica sobre os prédios
urbanos, bem como para lançar derramas sobre a colecta do IRC e fixar a
respectiva taxa, nos termos da lei;
f) As normas constantes dos artigos 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, do
Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de Novembro, relativas à determinação do valor
tributável dos prédios urbanos e rústicos, para efeitos de contribuição
autárquica;
g) As normas constantes do artigo 37.º, n.º 5, da citada Lei n.º
106/88 e dos artigos 6.º, n.º 2, e 7.º, n.º 2, do mencionado Decreto-Lei n.º
442-C/88, concernentes à actualização dos valores matriciais dos prédios urbanos
não arrendados e dos prédios rústicos.
Lisboa, 16 de Fevereiro de 1995. — Fernando Alves Correia — Maria da Assunção
Esteves — Alberto Tavares da Costa — Vítor Nunes de Almeida — Messias Bento —
Bravo Serra — [com a declaração junto à decisão constante das alíneas c) e d) do
ponto 2 da decisão] — Maria Fernanda dos Santos Martins da Palma Pereira
[vencida em parte nos termos da declaração de voto junta] — Guilherme da Fonseca
[vencido, em parte, conforme declaração de voto junta] — Luís Nunes de Almeida
[vencido em parte, nos termos da declaração de voto junta] — José de Sousa e
Brito [vencido em parte, nos termos da declaração de voto junta] — Armindo
Ribeiro Mendes [vencido em parte, nos termos da declaração de voto junta] —
Antero Alves Monteiro Diniz [vencido em parte, nos termos da declaração de voto
junta] — José Manuel Cardoso da Costa.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não conheceria dos pedidos relativos às normas constantes dos artigos 14.º, n.º
1, alíneas a) e b), da Lei n.º 106/88, de 17 de Setembro, e 80.º, n.º 1, alíneas
a) e b), do Código do IRS e, bem assim, não conheceria do pedido no tocante à
norma do n.º 3 do artigo 6.º daquela Lei n.º 106/88, na parte em que estabelece
uma dedução de 65% até um determinado limite quanto às deduções ao rendimento do
trabalho dependente.
Efectivamente, e de modo contrário ao decidido pelo Tribunal (e que, aliás, vem
já na esteira do entendimento que foi adoptado no Acórdão deste Tribunal n.º
806/93, publicado na II Série do Diário da República de 29 de Janeiro de 1994,
no qual apus uma declaração de voto), perfilho a óptica segundo a qual, em face
de «uma sucessão no tempo de distintas redacções conferidas por legislação
avulsa a preceitos integrantes», quer de diplomas anteriores, quer de um corpo
de normas designado por «Código», ainda que as alterações assim levadas a cabo
se apresentem como meramente pontuais, não se pode dizer que o Tribunal, na
ocasião de decidir, é confrontado com norma ou normas de conteúdo precisa e
totalmente idêntico àquelas sobre a qual ou sobre as quais incidiu o pedido.
Na verdade, não vejo que haja motivos para diferenciar essa situação daqueloutra
em que das alterações introduzidas resultou uma afectação substancial originária
da norma corporizada no mesmo preceito legal, e que, neste caso, tem levado o
Tribunal a não tomar conhecimento do pedido pelas razões que doutamente são
expostas no Acórdão de que esta declaração faz parte integrante.
Numa situação como aquela a que se reportam as normas indicadas na presente
declaração, penso que será exigível ao formulador do pedido que, tendo em conta
as alterações de redacção entretanto sofridas pelos preceitos sobre os quais fez
versar esse pedido, e sabendo que este ainda não foi objecto de decisão por
banda do Tribunal Constitucional, que efectue novo pedido, desta feita visando
as normas que sofreram nova redacção, e isto, claro está, se, não obstante esta,
entender que as normas em causa continuam a padecer de inconstitucionalidade.
De todo o modo, e à parte esta minha discordância quanto a se não dever tomar
conhecimento dos pedidos no que concerne às indicadas normas, não devo deixar de
assinalar que, tomando-se delas conhecimento, como se fez no Acórdão, estou
inteiramente de acordo com o juízo de não inconstitucionalidade que nesse
aresto, sobre as mesmas, se levou a efeito. — Bravo Serra.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei parcialmente vencida o acórdão, divergindo da decisão de não tomar
conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade de várias normas
e, ainda, da decisão de não declarar inconstitucionais outras normas. Exporei,
seguidamente, as minhas divergências, enunciando, antes disso, brevemente, o que
considero ser o sentido da fiscalização de constitucionalidade do sistema fiscal
num Estado de direito democrático.
I — A fiscalização da constitucionalidade do sistema fiscal
A minha divergência essencial da doutrina do acórdão radica na consideração de
que a Constituição impõe um controlo do sistema fiscal por princípios —
igualdade, progressividade e pessoalidade — que limitam as alternativas
legislativas nesta matéria. O modelo que resulta do artigo 107.º da
Constituição não é absolutamente flexível e a justiça tributária não se concebe
como mero instrumento de uma justiça global ou de uma redistribuição de
rendimentos alcançável por outros meios. A justiça tributária constitucional é,
antes, uma emanação do princípio da igualdade. Deste modo, as normas
programáticas contidas no artigo 107.º da Constituição não traçam um programa de
igualdade económica ou de redistribuição global de rendimentos, mas sim um
programa de igualdade segundo a real capacidade contributiva.
II — O não conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade de
normas consideradas insubsistentes no ordenamento jurídico por terem sido
revogadas
1 — O não conhecimento das normas constantes das segundas partes do n.º 2 do
artigo 11.º da Lei n.º 106/88 e do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS.
Discordei da decisão de não conhecer o pedido de declaração de
inconstitucionalidade das normas constantes das segundas partes do n.º 2 do
artigo 11.º da Lei n.º 106/88, de 17 de Setembro, e do n.º 1 do artigo 72.º do
Código do IRS, ambas relativas ao quociente conjugal mitigado. A razão da minha
discordância reside em duas convicções: o conteúdo das normas não consiste,
exclusivamente, no factor de mitigação (mais ou menos intenso), mas no próprio
princípio da mitigação do quociente conjugal; e o pedido incidiu nessa parte das
normas e não, apenas, num certo grau de mitigação do quociente conjugal.
Na realidade, a previsão de um quociente mitigado existe como norma autónoma
(relativamente à estatuição do quociente conjugal em si mesmo), na medida em que
estabelece um critério de determinação da taxa aplicável, no IRS, diferente para
os contribuintes casados em que um dos cônjuges aufere um rendimento igual ou
superior a 95% do rendimento englobado e para todos os outros contribuintes
casados. A autonomia normativa da previsão do quociente conjugal mitigado
deriva do padrão especial a que uma certa categoria de contribuintes está
sujeita, dentro do universo dos contribuintes casados e também no âmbito do
universo global de todos os contribuintes (casados e não casados).
Consequentemente, não tendo sido alterada a solução do quociente conjugal
mitigado, mas apenas a sua intensidade, existe uma essencial continuidade
normativa e deveria conhecer-se o pedido.
Acresce a tudo isto que, sendo o próprio pedido um critério decisivo de
identificação das normas cuja constitucionalidade se questiona, se reconhece
imediatamente que é a igualdade entre os contribuintes casados nestas condições
e todos os outros — casados e não casados — que se põe em causa. Ora, pelo
menos a desigualdade entre contribuintes casados continua a ser invocável,
apesar da variação do quociente e até mesmo da cláusula limitativa do artigo
72.º, n.º 3, que presentemente vigora.
Finalmente, não seria concebível que o Tribunal proferisse uma declaração de
inconstitucionalidade relativamente às normas que prevêm a tributação conjunta
(artigos 5.º, n.º 4, da Lei n.º 106/88 e 14.º, n.º 2, do Código do IRS) e o
quociente conjugal [artigos 14.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei n.º 106/88 e
80.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do IRS], o que seria possível uma vez
que se tomou conhecimento do pedido nesses casos, sem encarar, em si mesmo, o
sistema do quociente conjugal mitigado, que é uma dimensão complementar do
sistema de tributação conjunta com quociente conjugal.
2 — O não conhecimento das normas constantes dos artigos 12.º e 13.º, n.os 1 e
3, da Lei n.º 106/88 e dos artigos 74.º e 75.º do Código do IRS.
Discordei, igualmente, do não conhecimento do pedido de declaração de
inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 12.º e 13.º, n.os 1 e 3,
da Lei n.º 106/88 e dos artigos 74.º e 75.º do Código do IRS, respeitantes às
taxas liberatórias.
Duas razões me levaram a divergir do entendimento que venceu: a absoluta
identidade de conteúdo normativo e até mesmo o nível de correspondência literal
entre várias alíneas daqueles preceitos e as correspondentes alíneas dos
preceitos que os revogaram e a especificação no próprio pedido da parte das
normas em causa que institui um sistema de taxas liberatórias violador da
unicidade e da progressividade do imposto.
A primeira razão evidencia-se no confronto entre vários preceitos:
Os artigos 12.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 106/88 e 74.º, n.º 1, alínea a),
do Código do IRS, na versão originária, e 74.º, n.º 3, alínea a), do mesmo
Código, na versão actualizada, são idênticos. As alíneas b) dos n.os 1 dos
artigos 12.º da Lei n.º 106/88 e 74.º do Código do IRS foram parcialmente
reproduzidas no actual artigo 74.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRS, que
apenas se diferencia pela subtracção à taxa prevista dos títulos da dívida
pública. As alíneas d) dos n.os 1 dos artigos 12.º da Lei n.º 106/88 e 74.º do
Código do IRS são também coincidentes com a alínea d) do n.º 2 do actual artigo
74.º do Código do IRS, mudando apenas o modo de referenciar os rendimentos
implicados. Os artigos 13.º, n.º 1, da Lei n.º 106/88 e 75.º, n.º 1, do Código
do IRS equivalem, igualmente, ao novo artigo 75.º, n.º 1, do Código do IRS, que
só contempla uma alteração de redacção sem conteúdo normativo inovatório.
Também nas outras alíneas se verifica uma coincidência parcial entre o conteúdo
primitivo e o conteúdo actualizado dos preceitos, com excepção das alíneas c)
dos n.os 1 dos artigos 12.º da Lei n.º 106/88 e 74.º do Código do IRS, em que se
deu uma alteração nas categorias de rendimentos e no valor da taxa liberatória
[alínea a) do n.º 2 do artigo 74.º do Código do IRS, na versão actualizada].
Ora, uma tão evidente coincidência impunha, na minha opinião, que o Tribunal
conhecesse parcialmente o pedido.
A segunda razão indicada decorre de o pedido questionar directamente a
existência de taxas liberatórias quanto a certas categorias de rendimentos, na
medida em que esses rendimentos são subtraídos à taxa única e progressiva de
imposto, prescrita no artigo 107.º, n.º 1, da Constituição. O pedido não
questiona, de maneira nenhuma, as taxas concretas nem as categorias de
rendimentos que a elas são sujeitos.
Mas mesmo que se concebesse, «escrupulosamente», por respeito pelo pedido, que
uma alteração das categorias de rendimentos ou das taxas concretas afectaria a
subsistência do pedido, concluindo-se que a norma cuja constitucionalidade se
contestara não persistiria já, nada justificaria o não conhecimento do pedido
perante a indicação das mesmas categorias de rendimentos e de idênticas taxas
[p. ex.: artigos 74.º, n.º 1, alínea a), na versão antiga, e 74.º, n.º 3, alínea
a), na versão actualizada, e artigo 75.º, n.º 1, na antiga e na nova versão,
todos do Código do IRS].
3 — Variações do preceito legal e subsistência da norma: o conceito de norma no
juízo de constitucionalidade.
Discordei, em consequência, da decisão de não conhecimento das normas
anteriormente referidas, orientada pela profunda convicção jurídica de que o
conteúdo substancial de uma norma nunca se dilui na configuração formal do
preceito legal, valendo, para efeito do juízo de constitucionalidade, um
conceito simultaneamente material e funcional de norma. Esse conceito
desenvolve-se em três dimensões:
1.ª Numa dimensão sistemática geral, norma nunca é o mero preceito legal, não
se contradizendo a concepção de norma vigente no sistema, como valoração de uma
realidade e critério de decisão genérico de casos, de acordo com uma intenção
normativa;
2.ª Numa dimensão funcional-material, norma é qualquer critério geral de
decisão de casos, relacionável com normas ou princípios constitucionais;
3.ª Numa dimensão funcional-processual (isto é, instrumental), subjacente ao
juízo de constitucionalidade, norma é o produto de certo acto legislativo,
identificado no pedido, que veicula uma realidade do tipo anteriormente definido
(valoração e critério de decisão relacionáveis com valorações constitucionais),
e consequentemente, nunca é um mero preceito legal.
Em síntese, a dimensão funcional-processual da norma nunca permite confundi-la
com o preceito legal, não sendo a exigência processual de o pedido se referir a
normas num sentido formal (cfr., em sede de fiscalização concreta da
constitucionalidade, o n.º 1 do artigo 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional)
senão instrumental da apreensão de um sentido valorativo e de uma intenção
normativa. Não se pode sequer presumir que a «novação legislativa» exprime uma
alteração da intenção normativa, nem considerar que a possibilidade de alteração
da vontade normativa pelo preceito legal novo com idêntico conteúdo é obstáculo
processual a que se conheça o fundo. Um tal raciocínio «fetichizaria» a
concepção formal de norma no processo constitucional. A possibilidade de
alteração da valoração e da intenção normativa não é obstáculo processual,
devendo averiguar-se se houve ou não uma alteração substancial de qualquer norma
no sistema jurídico. Se a alteração for reconhecida a partir da modificação da
redacção do preceito ou da sua inserção sistemática poder-se-á concluir,
certamente, que a atitude processual, em vez de ser instrumental,
instrumentaliza o juízo de constitucionalidade.
III — O mérito do recurso
1 — A questão da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 5.º,
n.º 4, da Lei n.º 106/88 e 14.º, n.º 2, do Código do IRS.
Divergi da decisão que fez vencimento relativamente à alegada
inconstitucionalidade da norma que prevê a tributação conjunta dos cônjuges, na
medida em que considero que tal regime, ainda que conjugado com a técnica do
quociente conjugal, interfere na autonomia dos cônjuges na configuração
patrimonial do casamento, isto é, na escolha do regime de bens.
Na verdade, há uma incompatibilidade entre o sistema de tributação conjunta e o
regime de separação de bens. Aquele sistema determina a responsabilidade
conjunta dos cônjuges quanto à dívida do imposto, independentemente do regime de
bens do casamento. Consequentemente, para efeitos fiscais, qualquer dos
cônjuges responde para além do âmbito dos seus bens e dos seus poderes de
administração de bens (cfr. os artigos 1735.º e 1678.º, n.º 1, do Código Civil).
Responde, assim, por uma dívida fundada numa capacidade contributiva alheia.
Verifica-se, por conseguinte, a violação do artigo 67.º, n.º 1, da Constituição,
que reconhece à família o direito à «efectivação de todas as condições que
permitam a realização pessoal dos seus membros». Na verdade, a tributação
conjunta interfere na livre decisão dos cônjuges quanto ao regime de bens,
impedindo-os de efectivarem plenamente a opção tomada nos termos da lei civil.
Por outro lado, este regime contradiz a pessoalidade do imposto, consagrada no
artigo 107.º, n.º 1, da Constituição, visto que não fundamenta a dívida do
imposto na capacidade contributiva pessoal. Na realidade, os bens de que se não
é proprietário e de que se não tem a administração escapando a qualquer controlo
do sujeito passivo do imposto não fundamentam, de modo algum, a capacidade
contributiva pessoal (cfr. Pamplona Corte-Real, A reforma fiscal e a inerente
dignificação científica do direito fiscal, 1984, pp. 90-91).
Não procede, na minha opinião, o argumento de que o regime da separação de bens
é concebido sem prejuízo de uma comunhão de «interesses patrimoniais», espelhado
nos deveres de cooperação e assistência (artigo 1672.º do Código Civil) e nas
ilegitimidades conjugais quanto à disposição de bens (artigo 1682.º, n.º 3, do
Código Civil). A comunhão de interesses que subsiste, mesmo no regime de
separação de bens, não justifica, só por si, a tributação conjunta.
No regime de separação de bens, as manifestações de comunhão de interesses
patrimoniais são mínimas e derivam do reconhecimento da família como unidade
social que assegura a subsistência e o elementar desenvolvimento dos seus
membros. Não será legítimo extrapolar deste contexto uma realidade
económico-social mais ampla a que o sistema de tributação conjunta se refira. A
capacidade contributiva pessoal não é determinada pela existência de deveres ou
de limitações de direitos que não afectam, no essencial, a titularidade e a
administração individual do património de cada cônjuge.
Também não procede o argumento segundo o qual não é violado o princípio da
autonomia da vontade na escolha do regime de bens, uma vez que não se impede que
os cônjuges combinem entre si o rateio da dívida do imposto, atendendo ao modo
como se distribuem entre eles os rendimentos e os encargos familiares. Um tal
argumento desconhece que a autonomia da vontade na escolha do regime de bens é
uma manifestação da autonomia geral dos membros da família e da possibilidade de
esta se exprimir por modos diferentes da unidade económica global. O argumento
referido pressupõe que a autonomia se reduz à possibilidade de celebrar negócios
sobre a dívida do imposto — possibilidade que, obviamente, depende do acordo de
ambos os cônjuges, independentemente do regime de bens escolhido, o qual não é
oponível erga omnes (não é oponível, nomeadamente, à Administração Fiscal).
2 — A questão da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 6.º, n.º 3,
da Lei n.º 106/88.
Votei vencida quanto à decisão de não declarar inconstitucional a norma
constante do artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 106/88, referente às deduções ao
rendimento do trabalho dependente, por entender que ela viola o princípio
constitucional da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
Contrariamente ao entendimento que fez vencimento, creio que existe uma
verdadeira discriminação dos rendimentos do trabalho dependente relativamente
aos rendimentos do trabalho independente, na medida em que não se admitem,
quanto aos primeiros, quaisquer deduções para além das contribuições
obrigatórias para a Segurança Social. Tal diferenciação só não seria
arbitrária, irrazoável e materialmente infundada, como se sustenta no acórdão,
se a relação jurídica laboral fosse concebível, de acordo com uma doutrina
económica degradante da dignidade da pessoa humana, como mera oferta, pelo
trabalhador, da sua força (física ou intelectual) no mercado de trabalho ou, em
alternativa, numa perspectiva comunitário-pessoal, se todos os custos do
trabalho se imputassem (paternalisticamente) à entidade patronal, negando-se o
trabalhador como pessoa plena e autónoma.
Estas perspectivas dissociam a capacidade de trabalho natural da capacidade
adquirida pela formação profissional, que são uma realidade única na pessoa do
trabalhador por conta alheia, e, para além disso, negam a realidade dos custos
do trabalho. Por outro lado, elas desconhecem os fenómenos de instabilidade de
emprego e de necessidade de formação profissional autónoma, que justificam um
direito ao aperfeiçoamento profissional dos trabalhadores, independentemente da
orientação da entidade patronal quanto a esse ponto. E os custos desta formação
influem, obviamente, na capacidade contributiva dos trabalhadores.
3 — A questão da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 37.º,
n.º 3, alínea a), e 38.º da Lei n.º 106/88 e do artigo 17.º, com referência ao
artigo 16.º, n.º 1, alínea b), do Código da Contribuição Autárquica.
Votei vencida quanto à decisão de não declarar inconstitucionais as normas
constantes dos artigos 37.º, n.º 3, alínea a), e 38.º da Lei n.º 106/88 e do
artigo 17.º, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, alínea b), do Código da
Contribuição Autárquica (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de
Novembro), perante os artigos 106.º, n.º 2, 168.º, n.º 1, alínea i), e 13.º da
Constituição.
Considerei, diferentemente da doutrina que fez vencimento, que os princípios da
legalidade tributária e da igualdade são violados pelas normas em questão.
O princípio da legalidade tributária é violado na medida em que a taxa da
contribuição autárquica, elemento fundamental desse imposto, não foi fixada por
lei, em termos que possibilitem uma vinculação das assembleias municipais aos
critérios objectivos e reconhecíveis pelos destinatários de tal imposto (como o
chamado princípio do benefício). Assim, não se garante aos munícipes um
efectivo controlo jurídico (pela via do recurso) da validade da concreta taxa do
imposto. Os abusos dos municípios na fixação de taxas do imposto não
justificadas pelas necessidades ou pelos benefícios concedidos são, deste modo,
incontroláveis.
O princípio da igualdade é, outrossim, violado, na medida em que se permite que
a fixação da taxa do imposto (entre os limites legais) esteja na arbitrária
disponibilidade dos órgãos municipais admitindo-se que prédios de idêntico valor
situados em locais muito próximos (e que beneficiam de condições idênticas
proporcionadas por municípios diferentes e limítrofes) venham a ser sujeitos a
um imposto com taxas diferentes.
A argumentação jurídica que se desenvolve no acórdão a partir da autonomia
autárquica, relativizando a legalidade e a igualdade tributária parece-me
incorrecta por dois motivos fundamentais:
1.º admite que a autonomia legitima a ausência de controlo, na determinação da
taxa do imposto, do critério que justifica a variação dessa taxa;
2.º reconhece, no nosso sistema jurídico, uma antinomia insuperável entre
autonomia autárquica e legalidade e igualdade tributárias [artigos 13.º, 106.º,
n.º 2, 168.º, n.º 1, alínea i), e artigos 6.º, n.º 1, e 237.º da Constituição] —
ora, a conciliação dos princípios é possível e desejável, devendo assegurar-se a
sua concordância prática, de modo a preservar o seu conteúdo essencial. — Maria
Fernanda Palma.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido, no que toca à alínea c) do n.º 1, e quanto às alíneas a), b), c),
d), e) e f) do n.º 2, da parte decisória do acórdão, sendo portanto,
parcialmente vencido.
E são estes, em resumo, os fundamentos do meu voto:
1 — Relativamente ao n.º 1 da parte decisória do acórdão, quando não se toma
conhecimento dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade no que se refere
às normas identificadas nas alíneas a), b) e c), e cujos fundamentos, depois de
definida uma «doutrina geral», constam dos n.os 8.4.1 a 8.4.5 do Acórdão, só não
acompanho a decisão respeitante à alínea c): «As normas constantes dos artigos
12.º e 13.º, n.os 1 e 3, da referida Lei n.º 106/88 e dos artigos 74.º e 75.º do
mencionado Código do IRS, concernentes, todas elas, às taxas liberatórias»
[manifesto ainda dúvidas quanto à decisão respeitante à alínea a), na linha do
entendimento expresso na declaração de voto da Ex.ma Conselheira Maria Fernanda
Palma, no ponto II-1].
É que, contrariamente à tese sustentada no acórdão, entendo que se deveria tomar
conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade relativamente
àquelas normas, na linha da orientação expressa no Acórdão deste Tribunal
Constitucional n.º 806/93, citado no texto do acórdão.
Com efeito, apesar das «múltiplas alterações operadas por decretos-leis
suportados em autorizações legislativas ou por leis da Assembleia da República»,
que aquelas normas sofreram e de que dá notícia exaustiva o acórdão, até chegar
à versão actual dos artigos 74.º e 75.º do Código do IRS, a verdade é que
algumas dessas normas resistiram incólumes às novas vontades do legislador e só
uma diferente localização sistemática ou uma diversa linguagem delas é que se
pode detectar.
É o que acontece, pelo menos, com a tributação à taxa de 20% dos «juros de
quaisquer depósitos à ordem ou a prazo» [n.º 1, alínea a), do artigo 12.º da Lei
n.º 106/88, n.º 1, alínea a), do artigo 74.º do Código do IRS, correspondendo
agora ao n.º 3, alínea a), do mesmo artigo 74.º]; com a tributação à taxa de 25%
dos rendimentos de «títulos nominativos ou ao portador» [n.º 1, alínea b), do
artigo 12.º da Lei n.º 106/88, n.º 1, alínea b), do artigo 74.º do Código do
IRS, correspondendo agora ao n.º 2, alínea a), do mesmo artigo 74.º, apenas
excepcionando os «de dívida pública»]; e com a tributação à taxa de 25% dos
«rendimentos das categorias A e H (os rendimentos de trabalho dependente e de
trabalho independentes) dos não residentes em Portugal» [n.º 1, alínea d), do
artigo 12.º, da Lei n.º 106/88, n.º 1, alínea d), do artigo 74.º do Código do
IRS, correspondendo agora ao n.º 2, alínea d), do mesmo artigo 74.º, apenas com
diferente linguagem: não se diz, «categorias A e H», mas diz-se «de trabalho
dependente e de trabalho independente», o que é a mesma coisa, bastando ler os
artigos 2.º e 3.º do citado Código].
O mesmo se diga das normas do artigo 13.º, n.os 1 e 3, da Lei n.º 106/88 e do
artigo 75.º do Código do IRS, no que toca às mais-valias e à sua
tributação à taxa de 10%, pois elas são sempre as mesmas, conquanto tenha
variado a linguagem. E, de tal modo, que o próprio acórdão não detecta «o
sentido da alteração», preferindo o caminho mais fácil de afirmar que «em face
das dúvidas sobre o verdadeiro significado da nova redacção dada à norma do n.º
1 do artigo 75.º do Código do IRS, não é pelo menos legítimo presumir que as
mudanças realizadas pelo legislador não se traduziram numa alteração substancial
do sentido daquela norma — alteração essa que atinge reflexamente a norma do n.º
2 do artigo 75.º, onde se prevê a possibilidade da opção pelo englobamento».
Mas igualmente posso eu afirmar que as dúvidas não fazem presumir uma «alteração
substancial» do sentido das normas em causa.
Isto mostra que todas aquelas normas são sempre as mesmas, mantendo igual
conteúdo, não relevando o argumento do «suporte formal» usado no acórdão, na
medida em que se não trata de revogação ou substituição de normas — elas têm
sempre a mesma sede nos mesmos números de artigo de lei —, mas tão só de
reformulação do diploma, aqui o Código do IRS, de que resultou pontualmente uma
outra linguagem ou uma outra localização sistemática. Talqualmente se diz no
acórdão, entendo que, neste caso, se está perante alterações que se traduzem em
«meros ajustamentos, deixando intacta a substância da norma originária
efectivamente questionada». Daí que não acompanhe o juízo de não conhecimento
que se contém no acórdão relativamente «às normas constantes dos artigos 12.º e
13.º, n.os 1 e 3, da referida Lei n.º 106/88 e dos artigos 74.º e 75.º do
mencionado Código do IRS, concernentes, todas elas, às taxas liberatórias».
E, a conhecer-se do pedido, como me pareceria mais curial, entenderia que tais
normas, pelo menos, essas, sofrem de inconstitucionalidade material, desde logo,
por ofensa do artigo 107.º, n.º 1, da Constituição. É que a fixação de taxas
liberatórias especiais redunda num imposto proporcional e nunca «único e
progressivo», como é exigência constitucional. Entendendo-se pela directiva do
n.º 1 do artigo 107.º que o imposto deve estar submetido a um regime
essencialmente uniforme e a uma tabela única de taxas progressivas, a solução de
taxas proporcionais como é o caso presente das taxas liberatórias, ofende aquela
directiva, que visa alcançar uma igualdade de sacrifícios, no quadro de uma
igualdade vertical (não a exclusiva igualdade aritmética típica da
proporcionalidade).
Num País, como é o nosso, onde a Constituição impõe a tributação pessoal e
progressiva, esta mancha de transigência com a proporcionalidade constitui
violação evidente do texto fundamental, significando, além do mais, um retorno
ao sistema cedular. E, a coexistência da progressividade com a
proporcionalidade é geradora de graves distorções, já que o regime instituído
pelo Código do IRS, independentemente do factor da inflação, penaliza com a
progressividade todos os contribuintes — e são o grosso da coluna — que lhe não
poderão fugir, ao mesmo tempo que protege com taxas sempre iguais os
privilegiados com a proporcionalidade, sendo um convite aos contribuintes para
viver apenas de rendimentos sujeitos a essas taxas (opinam Gomes Canotilho e
Vital Moreira:
A unicidade e progressividade do imposto tornam manifestamente ilegítima a
aplicação das chamadas taxas liberatórias únicas a determinados rendimentos,
para o efeito tributados separadamente, pois que no caso de o contribuinte só
ser titular de tais rendimentos o imposto se torna proporcional e no caso de ter
outros rendimentos o imposto deixa de ser único e torna-se comparativamente
menos progressivo — (Constituição Anotada, 3.ª ed., p. 462).
O modelo constitucional, no quadro da família do imposto pessoal e progressivo,
é vinculativo, só consentindo margem de acção ao legislador nos aspectos em que
toca a discricionaridade: v. g., as categorias, as deduções, os abatimentos, os
níveis das taxas, as isenções.
Embora os objectivos constitucionais, em sede da constituição fiscal,
nomeadamente a «diminuição das desigualdades» fiscais (n.º 1 do artigo 107.º) e
a «repartição justa dos rendimentos e da riqueza» (n.º 1 do artigo 106.º), se
pudessem atingir através da proporcionalidade e mesmo da regressividade, a
verdade é que, sem necessidade de avançar com hipóteses práticas, o imposto
progressivo faz diminuir mais a desigualdade do que o imposto proporcional, e
este mais do que o regressivo. A opção, pois, pelo imposto progressivo é a
directiva constitucional vinculante.
Assim, e para encurtar razões, colocando-me teoricamente só nesta perspectiva do
imposto «único e progressivo», e pondo de lado a óptica do princípio da
igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, subjacente à ideia da
Justiça que deve dominar a política fiscal, concluiria pela
inconstitucionalidade material das apontadas normas, por violação do artigo
107.º, n.º 1, da mesma Constituição, subscrevendo ainda as razões invocadas
desenvolvidamente no voto de vencido do Ex.mo Conselheiro Monteiro Diniz e que
acompanho.
2 — Passando agora ao n.º 2 da parte decisória do acórdão, quando se conhece dos
pedidos de declaração de inconstitucionalidade, mas não se declara a
inconstitucionalidade, não acompanho a decisão respeitante:
2.1 — Às alíneas a) e b), conjugadamente articuladas, como se faz no acórdão,
não declarando a inconstitucionalidade das «normas constantes do artigo 5.º, n.º
4, daquela Lei n.º 106/88 e do artigo 14.º, n.º 2, do citado Código do IRS,
ambas relativas à tributação conjunta dos rendimentos do agregado familiar» e
das «normas constantes das primeiras partes do n.º 2 do artigo 11.º daquela Lei
n.º 106/88 e do n.º 1 do artigo 72.º do referido Código do IRS, relativas à
determinação do quociente conjugal por aplicação do factor 2».
É que, contrariamente à tese defendida no acórdão, e desenvolvida nos seus n.os
9 e 10, a tributação conjunta dos rendimentos do agregado familiar e a técnica
do splitting para determinação da dívida comum do imposto, tomando por base a
família fundada no casamento, origina uma discriminação fiscal a favor dessa
família, em comparação com as uniões de facto e com as pessoas solteiras.
Só aqui radica a minha discordância, sendo, todavia, bastante para concluir pela
inconstitucionalidade material das citadas normas — inconstitucionalidade que é
consequencial relativamente às que se reportam à técnica do splitting —, por
violação do princípio da igualdade, condensado no artigo 13.º da Constituição.
Vejamos, e resumidamente, porquê:
O acórdão assenta essencialmente, para afirmar que a solução legislativa não
envolve «uma desigualdade de tratamento arbitrária, sem fundamento razoável ou
material bastante», na ideia do «cumprimento do preceito constitucional de
protecção da família», sendo que «à família fundada no matrimónio e à união de
facto não é dado idêntico valor jurídico». E mais: depois de se reconhecer que
«as normas que adoptam o sistema do quociente conjugal — aplicável,
como se viu, apenas aos casais unidos por um vínculo matrimonial efectivo — (…)»
envolvem, «em geral, um tratamento fiscal mais favorável dos contribuintes
casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, por um lado, em relação
aos contribuintes com vida em comum, mas sem vínculo matrimonial ou sem vínculo
matrimonial efectivo, e, por outro lado, em relação aos contribuintes isolados
(solteiros, viúvos, divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens)»,
aceita o acórdão que este «tratamento tendencialmente mais favorável das pessoas
pertencentes a agregados familiares em relação aos contribuintes isolados
resulta do próprio princípio constitucional da discriminação positiva da família
no domínio fiscal, como decorre dos artigos 107.º, n.º 1, e 67.º, n.º 2, alínea
e), da Constituição».
Ora, são estas ideias que, em meu entender, não podem hoje aceitar-se de ânimo
leve, na linha de uma cultura tradicionalista de raiz judaico-cristã,
nomeadamente com um texto constitucional como é a nossa Constituição, e que tem
de ser respeitada.
A leitura que dela se quer fazer, quando se reporta à família, no sentido da tal
«discriminação positiva» da família fundada no casamento, é uma leitura que as
normas dos artigos 36.º, 67.º, n.º 2, alínea e), e 107.º, n.º 1, não comportam.
Partindo do direito de todos, «em condições de plena igualdade», de constituir
família, bem como de contrair casamento, à luz do n.º 1 do artigo 36.º, não se
pode chegar à «redução do conceito de família à união conjugal baseada no
casamento, isto é, à família ‘matrimonializada’», na linguagem de Gomes
Canotilho e Vital Moreira (Constituição Anotada, 3.ª ed., 1993, p. 220).
Justificam aqueles Autores:
Para isso apontam não apenas a clara distinção das duas noções do texto
(«constituir família» e «contrair casamento») mas também o preceito do n.º 4
sobre a igualdade dos filhos nascidos dentro ou «fora do casamento» (e não: fora
da família). O conceito constitucional da família não abrange, portanto, apenas
a «família jurídica», havendo assim uma abertura constitucional — se não mesmo
uma obrigação — para conferir o devido relevo jurídico às uniões familiares «de
facto». Constitucionalmente, o casal nascido da união de facto também é
família, e ainda que os seus membros não tenham o estatuto de cônjuges,
seguramente que não há distinções quanto às relações de filiação daí decorrentes
— loc. cit., p. 220.
É este sentido de família, cujo direito de a constituir decorre daquele n.º 1 do
artigo 36.º, que o artigo 67.º retrata e reconhece-a «como realidade social
objectiva, garantindo-a enquanto instituição jurídica necessária» (Autores
citados p. 351).
Acrescentam ainda Gomes Canotilho e Vital Moreira:
Não existe um conceito constitucionalmente definido de família, sendo ele, por
isso, um conceito relativamente aberto, cuja «densificação»
normativo-constitucional comporta alguma elasticidade, tendo em conta
designadamente as referências constitucionais que sejam relevantes (por ex., o
artigo 36.º, n.º 1, de onde decorre que o conceito de família não pressupõe o
vínculo matrimonial) e as diversas concepções existentes na colectividade (loc.
cit., p. 351).
Mário Bigotte Chorão, defendendo, embora, uma concepção natural-cristã, segundo
a qual «o matrimónio é o fundamento e esteio da família» anota o seguinte:
Na legislação mais recente, a que pode servir de exemplo a portuguesa,
encontramos sinais da dissociação intencional entre família e casamento (cfr.
artigo 36.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) e da aproximação à
família legítima, originada no casamento, de outras relações constituídas à
margem dele. Tende-se para o reconhecimento, em vários aspectos, das uniões de
facto, more uxorio, e para a eliminação de todas as diferenças de tratamento
entre filhos nascidos dentro e fora do matrimónio [in O Direito, anos
106.º-119.º, p. 11; e noutro passo reconhece que o caso português é bem
elucidativo a este respeito: o modelo natural constante da família tem sido
progressivamente sacrificado pelo legislador (…) — loc. cit., p. 105].
Em palavras impressivas, escrevia, há quarenta anos atrás, o professor
brasileiro Orlando Gomes:
É certo que houve muita relutância em elevá-lo (o concubinato) à altura de uma
instituição jurídica. Mas, a oposição diminuiu quando os fatos atestaram que os
indivíduos não se amancebam por libertinagem apenas, mas, muitas vezes, como
nota Beucher, por motivos infinitamente mais respeitáveis. Em consequência,
«não seria mais possível adotar a respeito do concubinato uma atitude negativa,
invocando a moral e as consequências sociais que poderão resultar dessa
situação, porque ela se tornou a regra, especialmente nos meios operários das
grandes cidades». Via de regra, com efeito, o pobre não casa; ajunta (A Crise
do Direito, 1955, p. 210).
Tanto basta para assentar que a discriminação positiva da família fundada no
casamento, que subjaz à solução das questionadas normas, em comparação com as
uniões de facto e as pessoas solteiras, contraria os propósitos do legislador
constituinte, com o retrato aberto que ele imprimiu à instituição jurídica da
família (cfr., a propósito do direito de constituir família, a notícia da
vontade histórica do legislador que regista Eduardo dos Santos, Direito da
Família, Almedina, 1985, pp. 97-99; cfr. ainda o Acórdão deste Tribunal
Constitucional n.º 359/91, publicado na I Série do Diário da República, n.º 237,
de 15 de Outubro de 1991, conquanto respeite à matéria da filiação).
E, se é assim, tal solução é arbitrária, porque materialmente infundada, sem
qualquer fundamento razoável, o que envolve violação do artigo 13.º da
Constituição, na rota das decisões dos tribunais constitucionais alemão,
italiano e espanhol referenciadas no acórdão [cfr. a Revista de Direito e
Economia, n.º 3, 1997, pp. 493 e segs., aí se referindo, a dado passo: «É esta
discriminação de cônjuges que constituíram uma família à base de um casamento
que se não considera compatível com uma Constituição em que o princípio da
igualdade (jurídica) bem como ambições igualitárias ocupam um lugar de relevo»].
Pois que, na perspectiva da igualdade fiscal e no aspecto da uniformidade dos
impostos, mostra-se ferida esta uniformidade, na medida em que se não obedece a
critério idêntico para todos os contribuintes (uns porque são casados e não
separados judicialmente de pessoas e bens, beneficiam da tributação conjunta e
da técnica do splitting, os demais ficam excluídos desse benefício).
Com o que concluiria pela inconstitucionalidade material das normas
identificadas nas alíneas a) e b) do n.º 2 da parte decisória do acórdão [as da
alínea b) por via consequencial], conduzindo à declaração de
inconstitucionalidade e não à declaração de constitucionalidade.
2.2 — À alínea c), não declarando a inconstitucionalidade das «normas constantes
do artigo 14.º, n.º 1, alíneas a) e b), da mencionada Lei n.º 106/88 e do artigo
80.º, n.º 1, alíneas a) e b), daquele Código do IRS, respeitantes às deduções à
colecta do IRS».
Com efeito, e ao contrário do que se sustenta no acórdão e se desenvolve no seu
n.º 11, a diferenciação nos montantes das deduções à colecta do IRS devido por
sujeitos passivos não casados ou separados judicialmente de pessoas e bens e por
sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens —
sendo mais elevados para aqueles do que para estes — briga com o princípio da
igualdade, «na sua vertente geral referida no artigo 13.º da Constituição»,
talqualmente se exprime o requerente Provedor de Justiça.
A construção de que parte o acórdão, para aferir a violação daquele princípio da
igualdade, de que «são bem diferentes as condições de cada contribuinte casado e
de cada contribuinte não casado» ou de que «são diferentes as condições dos
contribuintes casados e dos contribuintes que vivem em uniões não fundadas no
casamento» («Estes encontram-se numa situação precária e não vinculativa à luz
do Direito; aqueles estão ligados por um vínculo duradouro, em princípio
perpétuo, proveniente do casamento» — acrescenta-se no acórdão), esbarra com a
perspectiva que hoje tem de ser acolhida perante a união de facto, como atrás
ficou já delineado.
Não pode, pois, ir buscar-se o fundamento do casamento e a sua caracterização
como «vínculo duradouro, em princípio perpétuo», para ver diferenças
relativamente à união de facto. É que esta não é já a «situação precária» de
que fala o acórdão — tão precário também pode dizer-se que é o casamento que
pode dissolver-se com o divórcio —, é antes a opção daqueles que, por razões
aceitáveis seguem outro tipo de coabitação e de vinculação, originando
igualmente direitos e deveres jurídicos (cfr., por exemplo, o direito às
prestações, no âmbito da protecção na eventualidade da morte dos beneficiários
do regime geral de segurança social constante do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18
de Outubro, regulamentado no Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, e
que o recente projecto de lei n.º 457/VI, apresentado pelo Grupo Parlamentar do
Partido Comunista Português, pretende substituir em termos mais amplos — cfr.
Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 5, de 11 de Novembro de
1994).
Tal tipo de coabitação e de vinculação, nomeadamente se há dependentes, não
gera, portanto, uma situação desigual relativamente à família com dependentes
fundada no casamento, e muito menos podem ver-se num caso e noutro despesas
diferentes, na medida em que se trata sempre de despesas de coabitação, no mesmo
âmbito familiar, tal como ele vem aceite e definido na Constituição.
A perspectiva de que a técnica do splitting cobrirá, em princípio, a diferença
das deduções à colecta, tal como consta das normas questionadas, e tanto basta
para que não possa ser posto em causa o princípio da igualdade, só pode
satisfazer quem aceite a constitucionalidade daquela técnica do splitting,
constatação que ficou atrás afastada.
Daí que se chegue também aqui à conclusão de que a solução da diferenciação nos
montantes das deduções à colecta do IRS é arbitrária, porque materialmente
infundada, sem qualquer fundamento razoável, o que envolve violação do artigo
13.º da Constituição.
Pode querer afirmar-se, como faz o acórdão, que se compreende que o legislador
tivesse estabelecido diferentes montantes das deduções à colecta do IRS
(presumivelmente dentro da ideia de que a vida em comum gera economias de escala
e reduz os encargos somados da vida pessoal dos cônjuges) sem que essa diferença
se traduza em imposto mais pesado para os contribuintes casados e não separados
judicialmente de pessoas e bens, mas não é isso bastante para deparar com um
fundamento razoável para a solução legislativa adoptada.
Com o que também concluiria pela inconstitucionalidade material das normas
identificadas na alínea c) do n.º 2 da parte decisória do acórdão, conduzindo à
declaração de inconstitucionalidade e não à declaração de constitucionalidade.
2.3 — À alínea d), não declarando a inconstitucionalidade da «norma constante do
artigo 6.º, n.º 3, da mencionada Lei n.º 106/88, referente às deduções ao
rendimento do trabalho dependente».
Aqui, limito-me a acompanhar, porque mais não teria a dizer, as razões
desenvolvidamente expostas na declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Monteiro
Diniz (cfr. pontos 5 e 6 da declaração), no sentido de que se estabelece naquela
norma «uma discriminação injustificada» relativamente aos rendimentos do
trabalho dependente, «discriminação geradora de inconstitucionalidade por
violação do princípio da igualdade».
Acrescento apenas duas notas extraídas de posições doutrinais:
— Opina Casalta Nabais, a propósito do princípio da capacidade contributiva e
das «específicas consequências» que produz a nível do imposto pessoal sobre o
rendimento:
Uma dessas consequências é a que se exprime no chamado princípio do rendimento
líquido (Nettoprinzip), segundo o qual apenas o montante líquido do rendimento
está disponível para o pagamento de impostos, o que implica que a cada categoria
de rendimento sejam deduzidas as despesas específicas para a sua obtenção, sejam
estas a pagar pela entidade patronal através do recurso ao mecanismo da retenção
na fonte das importâncias correspondentes como acontece com boa parte delas no
caso do rendimento do trabalho dependente, sejam a pagar pelo titular do
rendimento. Isto significa que, em princípio, todos os gastos exclusivamente
necessários para a obtenção de determinado rendimento, como expressão da
diminuição da capacidade contributiva que são, devem ser excluídos desse
rendimento (…). Dizemos, porém, em princípio, porque ao legislador não pode de
todo ser negada uma certa dose de liberdade para limitar a certo montante, ou
até excluir, as deduções específicas, expressão de determinados gastos
indispensáveis à obtenção do correspondente rendimento, conquanto que isso seja
estritamente excepcional, tenha um fundamento racional e se aplique a todos os
rendimentos em relação aos quais não se verifique qualquer razão fundada para
tratamento diferente. Em conformidade com estas ideias, parece-nos não
respeitar o princípio do rendimento líquido, entre nós, a dedução específica
relativa à categoria do rendimento do trabalho dependente quando as despesas
indispensáveis para o obter ultrapassem o montante fixado nos n.os 1 e 2 do
artigo 25.º do CIRS — 65% do valor desse rendimento, com o limite de 416 000$00
(…) elevado até ao montante total das contribuições obrigatórias para os regimes
de protecção social caso estas ultrapassem aquele limite. É que, deste modo,
não são consideradas despesas como as constantes das alíneas j), n), o) e q) do
n.º 1 do artigo 26.º do CIRS, que, em contrapartida, são especificamente
dedutíveis na categoria do rendimento do trabalho independente (…) — Contratos
Fiscais, Coimbra Editora, 1994, pp. 284/285.
— Diz Diogo Leite de Campos que é corrente, «nas obras da especialidade, a
afirmação de que só pagam impostos dois tipos de pessoas: os que trabalham por
conta de outrem e os que são proprietários de imóveis urbanos — porque são os
detectáveis. Em Portugal tem-se exagerado na tributação destes grupos
(«Fiscalidade do Urbanismo», in Direito do Urbanismo, INA, 1989, p. 462).
Com o que também concluiria pela inconstitucionalidade material da norma
identificada na alínea d) do n.º 2 da parte decisória do acórdão, conduzindo à
declaração de inconstitucionalidade e não à declaração de constitucionalidade.
2.4 — À alínea e), não declarando a inconstitucionalidade das «normas constantes
dos artigos 37.º, n.º 3, alínea a), e 38.º da citada Lei n.º 106/88 e do artigo
17.º, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, alínea b), do Código da Contribuição
Autárquica, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de Novembro,
respeitantes aos poderes dos municípios para fixar a taxa da contribuição
autárquica sobre os prédios urbanos, bem como para lançar derramas sobre a
colecta do IRC e fixar a respectiva taxa, nos termos da lei».
Também aqui acompanho as razões invocadas na mesma declaração de voto do Ex.mo
Conselheiro Monteiro Diniz e que constam do ponto 7 dessa declaração, salvo no
tocante à norma do artigo 38.º da Lei n.º 106/88, pois quanto às derramas e ao
poder dos municípios de as lançarem «até ao máximo de 10%» sobre a colecta do
IRC, adiro às considerações do acórdão — e só a elas — que se reportam à ideia
de que a norma «não é mais do que a expressão de um costume constitucional»
[cfr. n.º 13.2 do Acórdão, nomeadamente quando aí se dá notícia de que o poder
tributário dos municípios, nessa matéria das derramas, «permaneceu, com algumas
oscilações, nos vários Códigos Administrativos que se sucederam, entre nós,
desde o Código de 1836 ao Código de 1936-1940 (cfr. o artigo 781.º deste último
Código, quanto à faculdade de lançamento de derramas pelas freguesias) e chegou
até aos diplomas sobre finanças locais aprovados já no domínio da Constituição
de 1976»].
Para Casalta Nabais, não são inconstitucionais as derramas, na perspectiva de
que, «por força da exigência de articulação e compatibilização dos princípios
constitucionais da autonomia local (aqui no seu vector de autonomia financeira e
da sua correspondente projecção normativa) e da reserva de lei fiscal, se
permite (constitucionalmente) uma certa moderação da intensidade da reserva de
lei fiscal, moderação que pode exprimir-se na admissibilidade de delegação legal
no poder normativo das autarquias locais de alguns ‘desenvolvimentos’ dos
elementos essenciais dos impostos» (loc. cit., pp. 246-247; para o mesmo Autor,
também não é inconstitucional «a possibilidade de as assembleias municipais
fixarem a taxa da contribuição autárquica urbana em 1,2% ou 1,3% nos termos dos
artigos 16.º, n.º 3, e 17.º, do respectivo Código» — cfr. ainda A Autonomia
Local, Coimbra, 1990, pp. 92-94).
Assim, concluiria, face às ditas razões, pela inconstitucionalidade material das
normas constantes dos artigos 37.º, n.º 3, alínea a), da Lei n.º 106/88 e do
artigo 17.º, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, alínea b), do Código da
Contribuição Autárquica, por violação do princípio da legalidade tributária
decorrente dos artigos 106.º, n.º 2, 168.º, n.º 1, alínea i), da Constituição,
contrariamente à declaração de constitucionalidade do acórdão.
2.5 — À alínea f), não declarando a inconstitucionalidade das «normas constantes
dos artigos 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de
Novembro, relativas à determinação do valor tributável dos prédios urbanos e
rústicos, para efeitos de contribuição autárquica».
É que, ao contrário do que se sustenta no acórdão e que consta no seu n.º 14.2,
entendo que aquelas normas infringem o artigo 168.º, n.º 1, alínea i), da
Constituição, enfermando de inconstitucionalidade orgânica.
Definindo elas o regime transitório de determinação do valor tributário dos
prédios rústicos e urbanos e partindo da consideração, que também faz o acórdão
(ponto 14.1), de que a matéria aí regulada «integra o domínio da reserva
relativa de competência legislativa da Assembleia da República», parece-me que o
artigo 37.º, n.os 1 e 3, da Lei n.º 106/88, não é suporte bastante para as
mesmas normas.
De facto, nesse artigo 37.º não se descobre qualquer credencial parlamentar para
o Governo emanar aquele tipo de normas. Elas contêm não a definição da matéria
colectável da contribuição autárquica — a qual se encontra no artigo 37.º, n.º
1, da Lei n.º 106/88 e no artigo 7.º do Código da Contribuição Autárquica e é
constituída pelo valor patrimonial dos prédios —, mas antes a determinação desse
mesmo valor patrimonial e, portanto, a determinação da matéria colectável.
O esforço que o acórdão faz, para salvar as questionadas normas, com apelo ao
artigo 30.º do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, na
redacção do Decreto-Lei n.º 108/87, de 10 de Março, vendo na referência ao valor
matricial aí definido uma coincidência com o valor matricial previsto no n.º 3
do artigo 37.º da Lei n.º 106/88, não pode colher, na medida em que se trata de
duas realidades normativas distintas: naquele n.º 3 fixam-se as taxas da
contribuição autárquica, com tradução nos artigos 16.º e 17.º, do Código da
Contribuição Autárquica, enquanto que as normas dos artigos 6.º, n.º 1, e 7.º,
n.º 1, fixam um regime transitório de determinação do valor tributário dos
prédios rústicos e urbanos.
O «ordenamento jurídico na altura vigente», talqualmente se expressa o acórdão,
reportando-se ao Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, e,
baseando-se, pois, «nos valores matriciais existentes», não pode servir de
parâmetro para aferir a credencial legislativa contida no artigo 37.º, n.os 1 e
3, pois neste se contém apenas a previsão da instituição de «uma contribuição
autárquica sobre o valor patrimonial dos prédios rústicos e urbanos, devida
pelos seus proprietários» e a definição das taxas dessa contribuição, nunca a
disciplina da determinação daquele valor patrimonial e, portanto, a determinação
da matéria colectável.
Trata-se sempre de áreas, como se diz no Acórdão deste Tribunal Constitucional
n.º 358/92, citado no texto do acórdão, «onde está em causa o valor da
propriedade imobiliária, área essa que se reveste de especial melindre, pois
trata-se de definir as regras que vão presidir ao tratamento, pelo Estado, dos
bens imobiliários dos particulares».
Com o que também concluiria pela inconstitucionalidade orgânica das normas
identificadas na alínea f) do n.º 2 da parte decisória do acórdão, conduzindo à
declaração de inconstitucionalidade e não à declaração de constitucionalidade. —
Guilherme da Fonseca.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido em parte, nos seguintes termos:
a) Julguei, em primeiro lugar, e pelo essencial das razões constantes
da declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Armindo Ribeiro Mendes, que se devia
conhecer do pedido referente ao artigo 74.º do Código do IRS, na parte
respeitante às taxas liberatórias para os juros de depósitos à ordem e a prazo e
para os rendimentos de títulos nominativos ou ao portador — isto, porque o caso
dos autos, por respeitar às mesmas normas de um código cujos preceitos sofreram
sucessivas redacções e não a normas idênticas de diplomas sucessivos, se
aproxima da situação analisada no Acórdão n.º 806/93, afastando-se, outrossim,
da apreciada no Acórdão n.º 135/90;
b) Considerei, seguidamente, que essa norma, mormente na parte
concernente à taxa liberatória para os juros de depósitos à ordem e a prazo (e,
por idênticas razões, na parte atinente aos juros de obrigações), era
inconstitucional, por violar o preceituado no artigo 107.º, n.º 1, da CRP,
conforme se demonstra na declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Antero Monteiro
Diniz, à qual, neste ponto, aderi inteiramente;
c) Pronunciei-me, igualmente, também aí acompanhando as declarações de
voto dos Ex.mos Conselheiros Monteiro Diniz e Ribeiro Mendes, e, bem assim, da
Ex.ma Conselheira Fernanda Palma, no sentido da inconstitucionalidade da norma
do artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 106/88, por ofensa do princípio da igualdade,
consagrado no artigo 13.º da Constituição;
d) Entendi, finalmente, que as normas constantes do artigo 37.º, n.º 3,
da Lei n.º 106/88, e do artigo 17.º, com referência ao artigo 16.º, n.º 1,
alínea b), do Código da Contribuição Autárquica, respeitantes aos poderes dos
municípios para fixar a taxa da contribuição autárquica sobre os prédios
urbanos, feriam o preceituado no artigo 168.º, n.º 1, alínea i), com referência
ao estabelecido no artigo 106.º, n.º 2, da CRP, dado que, a meu ver, o princípio
da autonomia das autarquias locais, incluindo os municípios, só pode operar aí
onde não exista uma expressa reserva de competência aos órgãos de soberania,
maxime à Assembleia da República. — Luís Nunes de Almeida.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido em parte por entender que a imposição do regime de tributação
conjunta dos cônjuges aos cônjuges em regime de separação de bens viola o
direito de constituir família e de contrair casamento (artigo 36.º, n.º 1, da
Constituição), bem como o direito da família constituída à protecção do Estado
(artigo 67.º, n.º 1, da Constituição). Tendo o Estado permitido ou imposto um
regime de separação de bens (que é, em princípio imutável (cfr. artigos 1714.º e
1715.º do Código Civil), está obrigado a respeitar as consequências lógicas
desse regime em matéria fiscal. O próprio acórdão ao reconhecer que os cônjuges
em regime de separação de bens são obrigados a um acordo de rateio da dívida
comum de impostos, com consequentes transferências patrimoniais, para corrigir a
distorção e injustiças causadas pelo imposto nas suas relações patrimoniais,
implica que a tributação comum é incompatível com o regime de separação de bens.
Para maior desenvolvimento remeto neste ponto para a declaração de voto da
Conselheira Fernanda Palma. — José de Sousa e Brito.
DECLARAÇÃO DE VOTO
1 — Acompanhando embora a maioria que fez vencimento em muitas das soluções das
questões de constitucionalidade postas ao Tribunal Constitucional pelos
Deputados do Partido Comunista Português e pelo Provedor de Justiça, afastei-me
dessa maioria quer quanto à decisão de não tomar conhecimento dos pedidos de
declaração de inconstitucionalidade dos artigos 12.º e 13.º, n.os 1 e 3, da Lei
n.º 106/88, de 17 de Setembro (lei de autorização legislativa) e dos artigos
74.º e 75.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares
(Código de IRS), quer quanto à decisão de não declarar a inconstitucionalidade
da norma constante do artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 106/88, bem como das normas
constantes dos artigos 37.º, alínea a), e 38.º da citada Lei n.º 106/88 e do
artigo 17.º, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, alínea b), do Código da
Contribuição Autárquica (C.A.), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de
Novembro, normas respeitantes aos poderes dos municípios para fixar a taxa da
contribuição autárquica sobre os prédios urbanos, bem como para lançar derramas
sobre a colecta do IRC e fixar a respectiva taxa, nos termos da lei.
Direi brevemente as razões por que não acompanhei a tese maioritária.
A)
2 — Começarei pela decisão de não tomar conhecimento do pedido de declaração de
inconstitucionalidade dos artigos 12.º e 13.º, n.os 1 e 3, da Lei n.º 106/88 e
dos artigos 74.º e 75.º do Código do IRS [alínea c) do ponto 1 da Decisão].
O Tribunal Constitucional dispõe de uma abundante jurisprudência sobre o
conhecimento ou não conhecimento do pedido de declaração de
inconstitucionalidade quanto a normas entretanto revogadas. Dessa
jurisprudência se dá conta no texto do acórdão de forma detalhada, chamando-se a
atenção para a particularidade de se não tratar, no caso sub judicio, de uma
revogação de normas que se traduza numa sucessão temporal de diplomas que versem
sobre determinadas matérias —, ainda que as normas revogadas viessem a ser
mantidas, de forma mais ou menos inalterada, no diploma novo que operou a
revogação — mas de uma sucessão de distintas redacções de preceitos de um
diploma único com a natureza de um código.
A partir do Acórdão n.º 806/93 (publicado no Diário da República, II Série, n.º
24, de 29 de Janeiro de 1994), o Tribunal Constitucional — precisamente num caso
em que a norma impugnada se tinha mantido inalterada, não obstante o preceito de
lei em que se encontrava [a alínea e) do artigo 55.º do Código do IRS] ter
sofrido alterações, tendo sido aditadas normas novas a tal preceito — reconheceu
que a alteração do preceito sem afectar a norma não impedia o conhecimento da
questão de constitucionalidade da norma que se havia mantido inalterada no
ordenamento jurídico.
No presente Acórdão, o Tribunal Constitucional restringe sem fundamento bastante
a doutrina do Acórdão n.º 806/93, operando uma distinção que se revela
eminentemente formal, ao adoptar uma tipologia tripartida de alterações
legislativas num Código, distinção que vem a condicionar o conhecimento ou não
conhecimento do pedido: nuns casos, nota a maioria que fez vencimento, as
alterações «têm como consequência uma modificação substancial das normas, dando
origem, assim, a normas materialmente novas, ou seja, a normas que expressam uma
diferente opção política do legislador. Noutros casos, as alterações
traduzem-se em meros ajustamentos, deixando intacta a substância da norma
originária efectivamente questionada. E ainda noutros, as alterações, sendo ou
não substanciais, respeitam a normas que, de todo o modo, passam a ter o seu
suporte noutro preceito legal» (Ponto 8.2).
Ora, se é indubitável para mim que, no primeiro caso, ocorrendo modificação
substancial da norma, o Tribunal tem de considerar que a primitiva norma
questionada no pedido foi revogada e, eventualmente, substituída por outra e,
nesse caso, importará saber se ainda se reveste de interesse jurídico o
conhecimento da questão de constitucionalidade, considero que não há que
distinguir os dois outros tipos indicados. Se a norma se mantém inalterada
substancialmente — independentemente de um qualquer retoque de redacção
manifestamente despiciendo, que não afecte o seu sentido normativo pré-existente
— não ocorreu revogação e existe interesse jurídico no conhecimento do pedido.
O mesmo se diga se as normas se mantêm inalteradas, embora havendo um rearranjo
formal do preceito de onde constavam e de onde continuam a constar.
Figure-se, por exemplo, a situação de um artigo de um Código que contém duas
normas distintas, em dois períodos sucessivos de um preceito único, sem
subdivisão em números ou parágrafos: se o legislador vier no futuro a desdobrar
esse artigo em dois números, mantendo no primeiro número a primeira norma e
transferindo para o segundo a segunda norma, poderá dizer-se que houve uma
modificação suficiente para que o Tribunal Constitucional tenha de considerar
que qualquer dessas normas já não subsiste qua tale no ordenamento? Qual a
diferença relevante entre esta situação e a contemplada no Acórdão n.º 806/93
(aditamento de novas normas ao mesmo preceito) ou a situação inversa da
primeira, em que o legislador suprime um número de um artigo de certo Código,
transpondo a norma dele constante para o número anterior ou para o texto do
corpo do artigo, sem qualquer modificação ulterior?
A resposta para mim deve ser inequívoca: havendo modificação substancial da
norma — modificação que até poderá ocorrer em virtude de uma mera inserção
sistemática, nova, sem modificação do texto, mas que implique uma inequívoca
alteração do sentido normativo, em casos excepcionais que poderão ser figurados
—, o Tribunal Constitucional deve tratar essa norma como revogada. Nos
restantes casos, o Tribunal deve considerar que não existiu revogação e conhecer
da questão de constitucionalidade anteriormente suscitada.
3 — No caso sub judicio, os artigos 12.º e 13.º da Lei n.º 106/88 estabeleceram
um quadro de taxas liberatórias relativamente a situações em que o imposto
passaria a ser cobrado por retenção na fonte:
— juros de quaisquer depósitos à ordem ou a prazo — taxa liberatória de 20%;
— títulos nominativos ou ao portador — taxa liberatória de 25%;
— ganhos provenientes de jogo, lotarias e apostas mútuas sobre as quais não
incida o imposto do jogo — taxa de 25%;
— ganhos de certas espécies (categorias A, E e H) auferidos por não residentes
— taxa liberatória de 25%;
— mais-valias, deduzidas das menos-valias, realizadas com a transmissão onerosa
de partes sociais e outros valores mobiliários — taxa liberatória de 10%;
— os titulares de rendimentos de depósitos à ordem ou a prazo, de títulos
nominativos ou ao portador e de mais-valias atrás indicadas poderiam «optar pelo
respectivo englobamento, sendo nesse caso a retenção havida como pagamento por
conta do imposto devido a final» (n.os 2 dos artigos 12.º e 13.º da indicada
lei).
A solução indicada foi a originariamente vertida nos artigos 74.º e 75.º do
Código do IRS.
4 — Entretanto, no momento em que se vieram a discutir os pedidos formulados nos
processos apensados — ou seja, no segundo semestre de 1994, decorridos mais de
cinco anos sobre a entrada no Tribunal do requerimento do Provedor de Justiça,
último a ser apresentado, já no ano de 1989 — os artigos 74.º e 75.º do Código
do IRS já não tinham a primitiva redacção, por terem sofrido alterações
sucessivas de redacção introduzidas pelos Decretos-Leis n.os 95/90, de 20 de
Março, 206/90, de 26 de Junho, Lei n.º 65/90, de 28 de Dezembro, Decreto-Lei n.º
267/91, de 6 de Agosto, Leis n.os 30-C/92, de 28 de Dezembro, e 75/93, de 20 de
Dezembro.
A versão em vigor em 1994 do artigo 74.º do Código do IRS tinha uma
sistematização diferente da versão inicial, como se pode ver da comparação dos
dois textos feita no acórdão.
O n.º 1 do artigo 74.º passou a conter apenas a regra da retenção na fonte:
«estão sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, os rendimentos obtidos
em território nacional constantes dos números seguintes às taxas liberatórias
nele previstas».
O mesmo artigo 74.º passa a ter mais seis números, alguns deles contendo
soluções inovatórias.
Simplesmente, comparando a versão em vigor em 1994 com o núcleo essencial das
situações previstas nos artigos 12.º, n.º 1, e 13.º, n.º 1, da Lei n.º 106/88,
verifica-se o seguinte:
— os juros de depósitos à ordem ou a prazo continuam a ser tributados à taxa de
20%;
— os títulos nominativos ou ao portador, com excepção dos títulos da dívida
pública, continuam a ser tributados à taxa liberatória de 25%;
— os rendimentos de trabalho dependente (categoria A), os lucros (categoria E)
e pensões (categoria H) auferidos por não residentes continuam a ser tributados
à taxa liberatória de 25%;
— as mais-valias do artigo 75.º do Código do IRS continuam a ser tributadas à
taxa liberatória de 10%.
Há, porém, soluções diferentes entre 1988/1989 e 1994 quanto à tributação por
taxa liberatória dos prémios de lotaria, rifas, apostas mútuas, jogo do loto ou
do bingo (35%) aos rendimentos de trabalho independente de não residentes (taxa
de 25%), rendimentos de títulos de dívida pública e de operação de reporte sobre
os mesmos (taxa de 20%).
Nos casos em que se mantém invariável a solução, mantém-se igualmente prevista a
possibilidade de englobamento [artigo 74.º, n.º 6, alíneas a) a c); artigo 75.º,
n.º 2, do Código do IRS].
Ora, as razões por que os Deputados do Partido Comunista Português criticavam as
alíneas a) e b) do artigo 12.º e o artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 106/88 tinham
precisamente a ver com a circunstância de essas normas subtraírem à globalização
os rendimentos e as mais-valias de capital, submetendo-os, na prática, a
impostos separados com taxas proporcionais, o que poria em causa, de forma
irremediável, a característica essencial da fórmula unitária constitucionalmente
consagrada para o imposto sobre o rendimento pessoal. Por outro lado, o
estabelecimento de taxas liberatórias — por acréscimo, mais vantajosas — para a
generalidade dos rendimentos de mais-valias de capital significava, na opinião
dos requerentes, um retorno no sentido da cedularidade e contrariaria
frontalmente o modelo de tributação do rendimento pessoal consagrado na
Constituição. Em todos estes casos, estaria irremediavelmente posta em causa a
característica de progressividade do imposto sobre os rendimentos de pessoas
singulares.
Também o Provedor de Justiça, ao requerer a declaração de inconstitucionalidade
das taxas liberatórias constantes dos artigos 12.º e 13.º da lei de autorização
legislativa e dos artigos 74.º e 75.º do Código de IRS, fê-lo por considerar que
tais taxas desrespeitavam os princípios constitucionais consignados nos artigos
13.º, 106.º, n.º 2, e 107.º, n.º 1, da Constituição, por envolverem, sem
fundamentação aceitável, tratamento fiscal mais favorável aos rendimentos de
capitais, de títulos, de ganhos de jogo, de trabalho dependente e de pensões de
não residentes e de mais-valias relativamente aos rendimentos do trabalho e por
representarem um afastamento quer do princípio da determinação do rendimento
global de cada unidade contributiva, quer da tributação do rendimento por uma
única tabela de taxas progressivas segundo exigência constitucional.
Face ao que fica exposto, bem se vê que o formalismo extremo adoptado pela
maioria do Tribunal Constitucional levou a deixar sem resposta as ponderosas
dúvidas suscitadas quanto a todo o sistema de taxas liberatórias, adoptando-se
uma postura resignada quanto à não superação da extrema morosidade do presente
processo.
5 — Em coerência com o que acabo de deixar referido, teria conhecido das
questões de constitucionalidade suscitadas quanto às normas que estabelecem:
— retenção na fonte, com taxa liberatória de 20%, quanto aos juros de depósitos
à ordem e a prazo;
— retenção na fonte, com taxa liberatória de 25%, quanto aos rendimentos de
títulos nominativos ou ao portador (exceptuados os dos títulos de dívida
pública, em que se verificou um desagravamento da taxa liberatória);
— retenção na fonte, com taxa liberatória de 25%, de rendimentos de trabalho
dependente, de lucros e de pensões auferidos por não residentes;
— mais-valias contempladas no artigo 75.º do Código do IRS, tributados à taxa
liberatória de 10% (considerei, no debate, que não se revestia de qualquer
relevância substancial a substituição da expressão da versão originária do n.º 1
do artigo 75.º, «mais-valias realizadas», pela expressão «saldo positivo entre
as mais-valias e as menos-valias apuradas», muito embora admita que esta
alteração possa suscitar dúvidas mais fundadas quanto ao alcance normativo
visado pelo legislador).
6 — E, se tivesse conhecido do fundo da questão, teria sem hesitação considerado
que o regime de taxas liberatórias, estabelecido para os não residentes que
aufiram certos rendimentos em Portugal, não seria inconstitucional, atendendo às
particularidades da tributação dos não residentes muitas vezes reguladas em
acordos internacionais para evitar duplas tributações.
Relativamente à tributação das mais-valias, não se me afigurava líquido que o
respectivo regime pudesse ser considerado inconstitucional, dado o carácter
irrepetível do ganho resultante das mais-valias obtidas numa transmissão onerosa
de partes sociais e valores mobiliários (resta saber se tal carácter se verifica
em todos os casos…). Seja como for, a ausência de debate nesta matéria —
decorrente da solução de não tomada de conhecimento das questões — impediu-me de
ir mais longe na formação de um juízo sobre a legitimidade constitucional da
solução, que deixo em aberto.
Quanto aos dois primeiros casos de tributação através de taxas liberatórias,
considerei que os mesmos estavam indiscutivelmente afectados de
inconstitucionalidade, por violação dos artigos 13.º, 106.º, n.º 1, e 107.º, n.º
1, da Constituição. Afastei liminarmente que a regra do anonimato relativa aos
titulares das contas bancárias pudesse justificar estes afastamentos do regime
geral, por considerar que as exigências decorrentes da observância da
Constituição deviam prevalecer, se necessário —, sobre uma regra legal de sigilo
bancário, em crise em muitos sistemas jurídicos.
No fundo, o sistema acolhido nos dois primeiros casos — que foi considerado um
mal necessário por membros da Comissão de Reforma Fiscal, decorrente do regime
de anonimato garantido às contas bancárias — traduz-se num benefício fiscal
genérico que permite um tratamento privilegiado dos titulares de rendimentos de
capitais, em detrimento dos titulares de rendimentos do trabalho, bastando
imaginar que serão tributados à taxa proporcional de 20% pessoas que recebam
todos os seus rendimentos de juros de depósitos bancários. Tal como Teixeira
Ribeiro, Gomes Canotilho e Vital Moreira sustentam, a unidade e a
progressividade do imposto tornam manifestamente ilegítima a aplicação de taxas
liberatórias únicas a determinados rendimentos dos cidadãos residentes.
Para demonstração da tese da inconstitucionalidade remeto — para além do estudo
de Teixeira Ribeiro, «Comentários ao Código do IRS», in A Reforma Fiscal,
Coimbra, 1989, pp. 238 e segs., e do comentário de Gomes Canotilho e Vital
Moreira ao artigo 107.º, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª
ed., Coimbra, 1993, p. 462 — para as considerações constantes da declaração de
voto do Ex.mo Colega, Conselheiro Antero Monteiro Diniz, o qual, confinando-se à
norma sobre a taxa liberatória incidente sobre os juros de depósitos, faz uma
crítica certeira ao entendimento da unidade do imposto sobre o rendimento das
pessoas perfilhado na resposta do Governo e sustentando que com a solução
adoptada se viola o disposto no n.º 1 do artigo 107.º da Constituição e o
princípio constitucional da igualdade.
B)
7 — Diferentemente da posição que acolheu a maioria dos votos, considerei que o
artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 106/88 estava afectado de inconstitucionalidade.
Este preceito estabelece que os rendimentos de trabalho dependente terão uma
dedução de 65%, com um determinado limite máximo (250 000$00 no texto da lei, na
versão originária do artigo 25.º do Código de IRS; 416 000$00 na versão em vigor
em 1994):
… incluindo nesta dedução as contribuições obrigatórias para a Segurança Social,
podendo o Governo elevar esse limite relativamente a deficientes cujo grau de
invalidez seja igual ou superior a 60%; se, porém, o contribuinte tiver pago
contribuições obrigatórias para a Segurança Social que excedam aquele limite, a
dedução será pelo montante total dessas contribuições.
Os Deputados do Partido Comunista Português impugnaram a legitimidade
constitucional desta norma, por considerarem que a mesma — tal como a das
alíneas a) e b) do artigo 12.º da mesma lei, atrás analisada — invertia por
completo o princípio do tratamento mais favorável dos rendimentos do trabalho,
que decorreria do texto constitucional, bem como feriria o conteúdo essencial do
princípio de igualdade.
Os mesmos Deputados puseram em destaque que a dedução parecia visar a introdução
de uma discriminação em proveito dos rendimentos do trabalho. Simplesmente, por
um lado, a taxa de 65% seria profundamente ilusória (na medida em que só
funciona até um limite de rendimentos, dado o tecto de 250 000$00 ou, em 1994,
de 416 000$00, introduzido) e o sistema de dedução ficaria completamente
desvirtuado pela inclusão nessa dedução das contribuições obrigatórias para a
Segurança Social que incidem sobre os rendimentos do trabalho dependente.
A maioria do Tribunal Constitucional entendeu que a norma não sofria de qualquer
inconstitucionalidade, por nela se conter uma discriminação positiva quanto aos
rendimentos de trabalho dependente, na medida em que estes rendimentos
«beneficiam ou podem beneficiar de deduções específicas que não têm tradução em
custos ou encargos efectuados» (é o caso das situações em que as contribuições
obrigatórias para regimes de protecção social sejam inferiores a 65% do
rendimento anual do trabalhador dependente).
Mas, salvo o devido respeito, não têm razão os vencedores. De facto, a
consignação da dedução percentual com um tecto rígido (limite de 416 000$00,
considerado no texto do acórdão), leva a que os trabalhadores beneficiem da
dedução na razão inversa dos montantes auferidos, sendo certo que, a partir de
certo limite, só podem descontar as contribuições obrigatórias para os regimes
de segurança social, situação que não ocorre quando se trata de trabalhadores
independentes que podem deduzir, além dos encargos da Segurança Social, outros
de diversa natureza (despesas de transportes e viagens; gastos com promoção
profissional, por exemplo).
Nessa medida, o argumento do carácter progressivamente fundado dos rendimentos
do trabalho, invocado no preâmbulo do Código do IRS e adoptado como
fundamentação no acórdão, não vale quando se comparam rendimentos de trabalho
dependente com rendimentos de trabalho independente e se comparam as respectivas
deduções. Nem procede a afirmação piedosa de que o legislador poderia ter ido,
porventura, mais longe (cfr. n.º 12.1 do Acórdão), estabelecendo uma dedução
específica, com um limite percentual ou quantitativo, acrescido da regra da
dedutibilidade integral das contribuições obrigatórias para a Segurança Social.
Mesmo que a lei vigente consagre um desagravamento fiscal para um número
significativo de trabalhadores dependentes com rendimentos muito reduzidos, não
se vê por que razão hão-de numerosos trabalhadores dependentes ser tratados de
forma discriminatória, face aos trabalhadores independentes.
Nem se diga que a obtenção de rendimentos provenientes de categorias distintas
da do trabalho dependente «está ligada, em regra, à existência de custos ou de
encargos específicos que não se verificam também em regra na obtenção dos
rendimentos de trabalho dependente» (n.º 12.2 do Acórdão).
Esta visão pode considerar-se admissível para certos tipos de prestação de
trabalho dependente, nomeadamente nos sectores primário e secundário das
actividades económicas. Mas, no sector terciário, nos casos de profissão de
natureza eminentemente técnica, nos campos da contabilidade, da economia, do
direito, das ciências exactas, da informática, do ensino secundário e superior,
é sabido que os trabalhadores dependentes — tal como os trabalhadores
independentes, ainda que estes, porventura, em maior escala — são forçados a
incorrer em despesas para valorização da sua aptidão profissional, valorização
indispensável em contextos fortemente competitivos, que só parcialmente,
porventura, serão suportados pela entidade patronal (aquisição de livros,
inscrição em encontros profissionais e congressos, frequência de cursos de
melhoramento profissional). Não se vê, por isso, por que hão-de ser
discriminados pela lei fiscal, face aos trabalhadores independentes que podem
deduzir as despesas com a valorização profissional, por exemplo [artigo 26.º,
alínea j), do Código do IRS].
Para a demonstração do carácter arbitrário e materialmente infundado de
discriminação operada contra os trabalhadores dependentes remeto para judiciosa
demonstração feita no voto de vencido já citado, do Conselheiro Monteiro Diniz.
Sustentei, por isso, que a norma em causa estava afectada de
inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade.
C)
8 — Votei, por último, vencido quanto à decisão de não inconstitucionalidade
constante do Ponto 2, alínea e), da conclusão do Acórdão.
Sem deixar de reconhecer a tradição do lançamento das derramas pelos municípios
e, por outro lado, sem deixar de pôr em destaque os termos cautelares em que o
acórdão admite que apenas as autarquias locais possam fixar a taxa de um
imposto, dada a sua indiscutível legitimação democrática, afigura-se-me que os
termos em que a Constituição estabelece o princípio de legalidade fiscal
acarretam a inconstitucionalidade dos preceitos dos artigos 37.º, n.º 3, alínea
a), e 38.º da Lei n.º 106/88 e do artigo 17.º, com referência ao artigo 16.º,
n.º 1, alínea b), do Código da Contribuição Autárquica.
De facto, o n.º 2 do artigo 106.º da Constituição estatui que «os impostos são
criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as
garantias dos contribuintes» [cfr. artigo 168.º, n.º 1, alínea i), da Lei
Fundamental].
Só as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira dispõem constitucionalmente da
faculdade de «exercer poder tributário próprio, nos termos da lei […], bem como
adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de
lei-quadro da Assembleia da República» [artigo 229.º, n.º 1, alínea i), da
Constituição].
Os municípios e as freguesias, porém, não dispõem de poder tributário próprio,
nos termos da Constituição, dispondo apenas da garantia de terem «património e
finanças próprias» (artigo 240.º, n.º 1). Como escrevem Gomes Canotilho e Vital
Moreira:
A Constituição não impede que as autarquias tenham impostos próprios, mas proíbe
certamente que as autarquias os possam criar ou sejam legalmente autorizadas a
criá-los; a criação de impostos e a definição dos seus elementos essenciais
constitui reserva de lei (artigo 106.º, n.º 2), constitucionalmente atribuída à
AR [artigo 168.º, n.º 1, alínea i)] e por isso vedada ao poder normativo local.
Não dispõe portanto de credencial constitucional a atribuição às autarquias de
faculdades de decisão naquelas matérias (fixação de taxas, etc.) —
(Constituição, cit., p. 891).
Esta parece-me ser a boa doutrina, independentemente de qualquer simpatia por
ideias municipalistas… que parecem permear a tese maioritária.
Infelizmente, o Tribunal afastou-se dessa doutrina, entrando em terrenos
perigosos de criação jurisprudencial, numa matéria em que a segurança dos
cidadãos quanto à tributação impõe que a Constituição estabeleça qual o órgão ou
órgãos que podem criar impostos e fixar os seus elementos essenciais. De novo,
vale a pena lembrar a tradição antiga corporizada na expressão inglesa bem
conhecida, no taxation without representation.
Ora, esta tradição de auto-tributação há-de ser mais forte, seguramente, que uma
tradição algo nebulosa sobre a origem das derramas, as quais, enquanto tributos
locais, parecem remontar a um diploma legal de 1947, publicado na vigência da
Constituição de 1933 (cfr. Jorge Galamba Marques, vol. «Derrama», in Dicionário
Jurídico de Administração Pública, vol. iii, Lisboa, 1990, pp. 549-55). A
circunstância de continuarem previstas nas leis de finanças locais
pós-constitucionais não altera em nada o que se deixa afirmado.
O que não pode admitir-se, pois, é que seja constitucionalmente admissível uma
intervenção administrativa dos municípios na fixação da taxa da contribuição
autárquica (entre 1,1% e 1,3%) ou na possibilidade de criar um imposto
(lançamento, sobre a colecta do IRC, de derramas pelos municípios até ao máximo
de 10%).
Daí o meu desacordo com a tese maioritária. — Armindo Ribeiro Mendes.
DECLARAÇÃO DE VOTO
1 — Foi requerido ao Tribunal Constitucional a declaração de
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas dos artigos 12.º
e 13.º da Lei n.º 106/88, de 17 de Setembro, e dos artigos 74.º e 75.º do Código
do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, com base no entendimento de que
tais normas «desrespeitam os princípios constitucionais consignados nos artigos
13.º, 106.º, n.º 2, e 107.º da Lei Fundamental, por envolverem, sem
fundamentação aceitável, tratamento fiscal mais favorável aos rendimentos de
capitais, de títulos, de ganhos de jogo, de trabalho dependente e de pensões de
não residentes e de mais-valias relativamente aos rendimentos do trabalho e por
representarem um afastamento quer do princípio da determinação do rendimento
global de cada unidade contributiva quer da tributação do rendimento por uma
única tabela de taxas progressivas segundo exigência constitucional» (pedido
formulado pelo Provedor de Justiça) e porque «o estabelecimento de taxas
liberatórias (por acréscimo mais vantajosas) para a generalidade dos rendimentos
mais-valias de capital, significa um retorno no sentido da cedularidade e
contraria frontalmente o modelo de tributação do rendimento pessoal consagrado
na Constituição» do que resulta «violação do princípio da unicidade consagrado
no artigo 107.º, n.º 1, da Constituição» (pedido apresentado por um grupo de
deputados do Partido Comunista Português).
O Acórdão a que a presente declaração de voto se reporta, depois de assinalar
que a versão originária dos dispositivos contidos nos artigos 74.º e 75.º do
CIRS sofreu múltiplas alterações, operadas por decretos-leis suportadas em
autorizações legislativas ou por leis da Assembleia da República, do que
resultou a revogação implícita das normas dos artigos 12.º e 13.º da Lei n.º
106/88, que continham autorização legislativa para o Governo emanar aqueles
preceitos na sua primitiva versão, concluiu que «as alterações suportadas pelas
normas daqueles dois artigos são de tal modo profundas que não deve conhecer-se
da questão da sua conformidade com a Constituição».
Sem pôr em causa a orientação jurisprudencial que este Tribunal tem vindo a
definir a propósito dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade, que
tenham por objecto normas sujeitas, por sucessão temporal, a nova redacção,
votei no sentido do conhecimento dos pedidos na parte respeitante às normas
relativas às taxas liberatórias estabelecidas para «os juros de quaisquer
depósitos à ordem ou a prazo», pois que, apesar do processo modificativo que
atingiu outras disposições do Código, não sofreram elas qualquer alteração
substancial, permanecendo idênticas ao texto originário.
Com efeito, o artigo 12.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 106/88, dispõe que «são
tributados em IRS, liberando da obrigação de imposto, por retenção na fonte, às
taxas de: 20%, os juros de quaisquer depósitos à ordem ou a prazo».
E o artigo 74.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, na sua versão originária, traduziu
aquele preceito da Lei da autorização legislativa do modo seguinte: «são
tributados à taxa liberatória de: 20%, os juros de depósitos à ordem ou a
prazo».
Na actualidade, depois das diversas alterações que entre 1988 e 1993 foram
introduzidas no artigo 74.º do CIRS (cfr. Decreto-Lei n.º 95/90, de 20 de Março,
Decreto-Lei n.º 206/90, de 26 de Junho, Lei n.º 65/90, de 28 de Dezembro,
Decreto-Lei n.º 267/91, de 6 de Agosto, Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro, e
Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro) este normativo, na alínea a) do n.º 3,
prescreve que «são tributados à taxa de 20%: os juros de depósito à ordem ou a
prazo».
Deste modo, a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º
106/88, depois traduzida na redacção inicial do artigo 74.º do CIRS, que prevê a
tributação à taxa de 20% dos juros de depósito à ordem ou a prazo, aparece
concretizada em termos inteiramente coincidentes na alínea a) do n.º 3 da actual
redacção daquele mesmo artigo 74.º, sendo certo que o legislador não alterou, ao
longo das diversas versões que este preceito conheceu, o sistema dos regimes
especiais de taxas liberatórias em que aquela norma se integra.
Entre o preceito originário do artigo 74.º, n.º 1, alínea a), e a actual
redacção do artigo 74.º, n.º 3, alínea a), do CIRS, não se verificou qualquer
modificação substancial ou sequer simples ajustamento formal, existindo nessas
duas versões uma mesma e única substância normativa, tradução directa e repetida
do dispositivo contido no artigo 12.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 106/88.
A remodelação, reestruturação ou reorganização (terminologia do acórdão) sofrida
pelo artigo 74.º, ao longo das diversas versões que lhe forem fixadas, no
particular domínio do regime especial da taxa liberatória de 20%, relativa aos
juros de depósitos à ordem ou a prazo, manteve sempre intacto e imodificado o
programa normativo definido na autorização legislativa, não podendo ter-se por
verificada, ao contrário do que se afirma no acórdão, uma qualquer revogação
implícita do artigo 12.º daquela lei.
E assim sendo, porque entre a versão originária e a redacção actual do normativo
que rege esta matéria das taxas liberatórias, existe inteira coincidência
literal, dentro de uma identidade do sistema dos regimes especiais de taxas, não
tive por verificado qualquer obstáculo ao conhecimento da respectiva questão de
inconstitucionalidade.
2 — Alcançada esta primeira conclusão pronunciei-me depois no sentido da
inconstitucionalidade das normas que consagram relativamente aos juros de
depósitos à ordem ou a prazo a taxa liberatória de 20%.
E com base nos fundamentos que a seguir, sumariamente, se deixam expostos.
Sustentou-se na resposta do Governo que a concepção de «imposto único» que
figura como subjacente na maior parte das razões apresentadas nos pedidos é a da
unicidade horizontal, ou seja a de inexistência de outros impostos sobre o
rendimento além do imposto em causa que, por si, excluiria quaisquer outros quer
a sua natureza intrínseca fosse a de imposto pessoal quer de imposto real.
Mas, aduziu-se depois, que a concepção do imposto único pode ter também um
significado e natureza de unicidade vertical, ou seja a da inexistência de
regimes tributários sobrepostos como eram os que existiam no sistema tributário
anterior constituído por um leque de impostos reais cedulares de natureza real,
com sujeição da matéria por eles tributada parcelarmente a uma posterior e
sobreposta tributação de natureza complementativa e de carácter pessoal.
E concluiu-se a seguir em termos de o n.º 1 do artigo 107.º da Constituição não
impor o regime de unicidade horizontal e não estabelecer a obrigatoriedade de
que todos os rendimentos auferidos por pessoas físicas fossem tributados dentro
de um regime de imposto pessoal, sem que se pudessem criar impostos sobre o
rendimento reportados às coisas, aos actos, às fontes ou aos destinos
específicos dos bens ou das actividades.
Quando aquele preceito prescreve que o «imposto sobre o rendimento será único»
pretende apenas consagrar o princípio da unicidade vertical, ou seja o de que o
rendimento que segundo a política económica e social seja sujeito ao regime de
imposto pessoal, não admitirá tributações sucessivas ou sobrepostas. Imposto
único não implica que seja unitário, isto é, que todos os rendimentos sejam
tratados de igual modo, mas sim que não exista uma pluralidade de impostos sobre
o rendimento.
Não acompanhei o entendimento assim concedido pelo Governo ao texto
constitucional e a norma que especificamente rege sobre esta matéria.
E não acompanhei por força das razões a seguir expostas.
3 — Em conformidade com o disposto no artigo 107.º, n.º 1, da Constituição, o
imposto sobre o rendimento pessoal (IRS) visará a diminuição das desigualdades e
será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do
agregado familiar.
Havendo diferentes regimes fiscais ditos de imposto único, deve sublinhar-se que
um ponto é essencial para que de tal imposto se possa falar: a verificação da
tributação unitária da globalidade do rendimento do contribuinte (cfr. Teixeira
Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 1988, pp. 260 e segs.; Pamplona
Corte-Real, «Curso de Direito Fiscal», i vol., Cadernos de Ciência e Técnica
Fiscal, n.º 124, 1982, p. 214; Mehl e Beltrame, Science et Techniques Fiscales,
PUF, 1984, pp. 276 e 277; Pitta e Cunha, A Reforma Fiscal: a unicidade do
imposto e as taxas, de 12 de Julho de 1988, pp. 2 e 3; Pierre Beltrame, Os
sistemas fiscais, 1976, p. 63).
Acentuando ser este o sinal aferidor mínimo para que se possa dizer instituído o
regime do imposto único, Medina Carreira, Mais uma reforma falhada?, Agosto
1989, versão policopiada, pp. 18 e segs., escreveu nomeadamente:
Atendendo às potencialidades personalizadas e igualizantes inerentes ao imposto
único — como processo de realização de uma maior justiça, decorrente da
imposição de sacrifícios equiparáveis —, os Estados enveredaram pela fórmula
unitária à medida que se desenvolveram e em que a oneração dos encargos fiscais
se foi tornando mais intensa; uma carga fiscal pesada não dispensa, antes exige,
o aperfeiçoamento na sua distribuição, aperfeiçoando-a à real capacidade
contributiva de cada um. Não podemos dissociar a noção de imposto único, sob
pena de o defraudar do fim para que foi concebido: personalização e igualização
de sacrifícios.
Seguramente que não haverá, nos demais aspectos de uma autêntica tributação
unitária — que não os da globalização de rendiuentos e identidades das taxas —
dois regimes iguais no Mundo; consoante os lugares, as concepções políticas e os
instrumentos técnicos disponíveis, há inevitáveis diferenças no modo como se
determina o rendimento colectável, os valores e a natureza das declarações
permitidas, as modalidades da liquidação e da cobrança. São, em todo o caso,
questões menos importantes face à essencialidade da globalização e da unidade do
sistema de taxas.
E mais adiante, o mesmo autor, depois de assinalar que na proposta de lei n.º
54/IV, Diário da Assembleia da República, de 1 de Abril de 1987, o Governo
considerava como imposto único, global ou unitário aquele em que se adicionavam
todos os rendimentos do contribuinte e, feitas as deduções e abatimentos, a
matéria colectável global era depois sujeita a um esquema racional de
progressividade em consonância com a capacidade contributiva, objectou assim à
tese da unicidade vertical:
Ao defender-se a constitucionalidade de um imposto por cada rendimento — num
caso chama-se imposto único e no outro diz-se que obedece ao princípio da
unicidade vertical —, parece não se medir a potencialidade do recurso que tal
tese comporta.
Com efeito, e nesta perspectiva, teria sido ao Governo possível,
constitucionalmente, criar um imposto sobre os salários, outro sobre os lucros,
outro sobre as rendas, outro sobre os juros, outro sobre as mais-valias, etc.,
tudo publicado na mesma lei. Não haveria regimes tributários sobrepostos, ao
contrário do regime vigente até ao fim de 1988, porque se teria eliminado o
imposto complementar.
Poderia até modernizar-se o sistema com as novas aquisições tecnológicas, e
falar-se-ia de uma reforma inteiramente conforme com a Constituição.
Afirma-se que a igualdade e a justiça não podem ser tomadas num sentido absoluto
e abstracto, mesmo para situações materialmente iguais, sendo possível criar
condições de manifesta desigualdade.
Diríamos que sim, mas, com a Constituição que temos, desigualdade não através de
taxas diferentes; nem de sistemas de taxas diferentes; nem de qualificações
incorrectas dos ganhos, como alguns autênticos lucros na Reforma chamados de
mais-valias; nem da submissão de uns contribuintes aos efeitos erosivos da
inflação e outros poupados a ela; nem pela extensão do efeito do anonimato a
casos de nominatividade; nem que estas desigualdades fossem assumidas em termos
estáveis, em vez de transitórias; nem que a progressividade exigida degenere em
regressividade.
Na verdade, o preceito constitucional consagra a existência de um imposto único
e progressivo devendo para tanto considerar-se a globalidade do rendimento dos
contribuintes sujeita a uma tabela única de taxas progressivas.
A unificação da tributação do rendimento pessoal implicou uma profunda reforma
do sistema fiscal pré-constitucional, no sentido da redução e simplificação dos
impostos, acarretando a abolição do sistema da tributação mista no qual existiam
vários impostos parcelares (profissional, predial, de capitais, etc.) e um
imposto complementar incidente sobre o conjunto dos rendimentos.
O IRS assume particular relevo na «constituição fiscal» não apenas pela sua
constituição no conjunto das receitas fiscais mas sobretudo enquanto instrumento
privilegiado de realização dos objectivos do sistema fiscal que tem a ver com a
igualdade económica dos cidadãos, não sendo por acaso que o único objectivo do
imposto constitucionalmente destacado seja «a diminuição das desigualdades». E
daí que ele não possa deixar de ser progressivo.
E por isso «a unicidade e progressividade do imposto tornam manifestamente
ilegítima a aplicação das chamadas taxas liberatórias únicas a determinados
rendimentos, para o efeito tributados separadamente, pois que no caso de o
contribuinte só ser titular de tais rendimentos o imposto se torna proporcional
e no caso de ter outros rendimentos o imposto deixa de ser único e torna-se
comparativamente menos progressivo» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1993, p. 462).
Ora, e revertendo à concreta questão em apreço, há-de dizer-se que a tributação
em IRS dos juros de depósitos à ordem ou a prazo à taxa liberatória de 20% se
traduz em excepção ao princípio da progressividade, consagrando uma regra de
proporcionalidade vedada pelo texto constitucional.
Teixeira Ribeiro, A Reforma Fiscal, Coimbra, 1989, pp. 236 e segs., considerou
inconstitucionais as disposições dos artigos 74.º e 75.º do CIRS que estabelecem
taxas liberatórias, desenvolvendo para tanto esta argumentação:
Trata-se de taxas únicas sobre rendimentos de determinadas espécies (juros de
depósitos, dividendos e juros de acções e obrigações, ganhos ao jogo,
mais-valias mobiliárias), cujo pagamento liberta da obrigação do imposto. São,
assim, taxas proporcionais. Ora, pode suceder que um contribuinte só tenha
rendimentos de alguma dessas espécies; por exemplo, só tenha juros de depósitos
nos bancos. Se isso se der, tal contribuinte pagará imposto de rendimento a uma
taxa única qualquer que seja o montante dos seus juros — à mesma taxa tanto
quando aufira 2000 contos de juros como quando aufira 3000. O imposto para ele
será, portanto, proporcional. Mas isso não é permitido pela Constituição, pois
esta preceitua no artigo 107.º que o imposto de rendimento pessoal — que é o
IRS, o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares — será único e
progressivo. Será progressivo; logo, não pode ser em nenhum caso proporcional,
como o pode ser por aplicação de taxas liberatórias. Os artigos 74.º e 75.º do
Código, que fixam essas taxas, são, por conseguinte, inconstitucionais.
Talvez se pense que tem de haver taxas liberatórias, por ser impossível o
englobamento de alguns rendimentos, dado o Fisco desconhecer os respectivos
titulares. Estamos a lembrar-nos dos rendimentos das acções e obrigações ao
portador e dos rendimentos dos depósitos à ordem ou a prazo. Quanto aos
primeiros, precisamente porque são títulos ao portador, desconhece-se quem seja
o seu verdadeiro dono, quanto aos últimos, precisamente, porque em regra são de
depósitos nos bancos, o sigilo bancário impede que seja revelado o nome dos seus
credores.
Decerto. Simplesmente, se são desconhecidos os donos dos títulos ao portador,
nada obsta a que se torne obrigatória a identificação dos indivíduos que lhe vão
receber os dividendos e os juros, presumindo-os donos. Não seria uma solução
perfeita, visto poderem receber-se os dividendos e os juros por interposta
pessoa; mas seria uma solução aceitável, dado muitas vezes não ser fácil a
interposição e, quando a houvesse, ser ao menos tributado o interponente. Por
seu turno, se o sigilo bancário impede a denúncia do nome dos credores dos
depósitos, pode restringir-se o âmbito do sigilo, de modo a os bancos serem
obrigados a comunicar ao Fisco, embora confidencialmente, o nome dos
depositantes.
Não são, pois, inevitáveis as taxas liberatórias.
4 — O entendimento dos que consideram as taxas liberatórias como obstáculo à
unicidade e progressividade do imposto sobre o rendimento pessoal, tem sido
contestado com base na invocação de o artigo 107.º, n.º 1, da Constituição dever
ser visto como uma norma-fim ou norma-tarefa «cuja realização pode ser gradual
ou progressiva, e não necessariamente instantânea e concentrada numa única
reforma legislativa» sendo que a sua concretização pode ser levada a cabo de
forma evolutiva de acordo com a «ponderação do tempo e dos meios».
E assim sendo, o legislador ordinário estaria legitimado a optar por caminhar
gradualmente e por aproximações sucessivas para o modelo constitucional do
imposto único, nada impedindo que no estádio actual de desenvolvimento da
reforma fiscal possam existir modalidades específicas de rendimentos que, pelas
suas características muito peculiares escapem à globalização dos rendimentos e à
sujeição à tabela única de taxas progressivas do IRS.
Com efeito, aduz-se que a sujeição a englobamento dos demais rendimentos com os
juros de depósitos bancários e os rendimentos de títulos mobiliários, depararia
com tais dificuldades legais e técnicas — decorrentes do sigilo bancário dos
depósitos e do anonimato dos títulos ao portador não depositados, nem registados
— que ao legislador não era exigível solução diversa daquele por que optou.
E ademais, acrescenta-se ainda, a aplicação de capitais não pode ser vista
apenas como uma questão fiscal, mas antes como um problema macroeconómico, dada
a sua íntima ligação ao investimento, ao crescimento económico e ao combate à
inflação.
A aplicação de capitais constitui um dos aspectos mais importantes do sistema
financeiro o qual é estruturado por lei de modo a «garantir a formação, a
captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros
necessários ao desenvolvimento económico e social» (artigo 104.º da
Constituição).
Deste modo, a especial importância que, as aplicações de capital em depósitos
bancários ou na aquisição de títulos revestem para o desenvolvimento económico e
social do país constituiria fundamento para o legislador criar para os
rendimentos provenientes daquelas aplicações, como factor de formação e
orientação das poupanças, um regime fiscal mais estimulante do que o regime
geral do imposto pessoal.
Entende-se porém que os argumentos assim aduzidos a favor da bondade
constitucional das taxas liberatórias não são procedentes.
Independentemente da natureza que se possa atribuir à norma do artigo 107.º, n.º
1 da Constituição quando, depois de referenciar o imposto sobre o rendimento
pessoal como único e progressivo lhe assinala como objectivo a diminuição das
desigualdades, sempre haverá de se considerar na apreciação das disposições
questionadas que o Governo, como bem se extrai da proposta de lei n.º 3/V,
Diário da Assembleia da República, II Série, de 7 de Novembro de 1987 (Lei de
Bases da Reforma Fiscal) e decorre dos subsequentes trabalhos parlamentares, não
optou por uma «orientação gradualista, invocando-se, para tal, factores como a
grande complexidade dos sistemas, os constrangimentos orçamentais, o peso da
possível reacção de grupos de contribuintes mais directamente afectados com as
modificações previstas», propondo-se, ao contrário, proceder de imediato, e «sem
mais delongas à instituição do sistema de tributação global, o qual é, aliás, o
consagrado na Constituição de 1976».
É que, não se visando com a Reforma Fiscal de 1988 preencher apenas uma etapa
transitória no sentido do cumprimento do programa fiscal exigido pela
Constituição, mas assumindo-se com ela, de forma integral, a tributação unitária
e progressiva do rendimento, não parecem pertinentes as considerações que se
possam tecer a propósito de um cumprimento daqueles programas através de
sucessivas aproximações.
Por outro lado, se a remoção das dificuldades técnicas e legais ao englobamento
dos juros de depósitos à ordem ou a prazo (e apenas destes agora se tratará) com
os demais rendimentos, pode apresentar alguma complexidade o certo é que, não é
ela, em si mesma insuperável, como bem o demonstrou o Prof. Teixeira Ribeiro.
Com efeito, não parece existir impedimento a que o actual regime do sigilo
bancário dos depósitos em instituições de crédito possa ser alterado com vista a
esta específica realidade fiscal, desde que observados os princípios que
garantam, em geral, a sua confidencialidade.
Aliás, o próprio presidente da Comissão de Reforma Fiscal, Paulo Pitta e Cunha,
«A Reforma Fiscal — A Unicidade do Imposto e as Taxas», in Revista da Ordem dos
Advogados, ano 48, Dezembro 1988, p. 687, transmite esta mesma ideia quando
assim escreveu:
Reconhecendo estar-se perante uma entorse à lógica do englobamento dos
rendimentos, própria da concepção do imposto «único», a comissão aceitou que tal
entorse fosse praticada enquanto não se tornasse possível modificar os regimes
legais impeditivos da identificação do contribuinte — as regras sobre o sigilo
bancário no caso dos juros dos depósitos mantidos junto de instituições de
crédito, as disposições sobre o anonimato dos títulos ao portador não
depositados nem registados, no caso dos rendimentos destes títulos. À falta de
um sinal do Governo que levasse a concluir pela intenção de superar estes
regimes, a Comissão atendeu ao quadro jurídico vigente, frisando, no entanto,
que a contemporização com as situações em referência deveria sempre pressupor a
excepcionalidade das mesmas, e envolver a possibilidade de opção, por parte dos
contribuintes pela identificação e consequente englobamento dos rendimentos
revelados.
Mas o legislador, apesar de poder superar a disciplina do sigilo bancário
impendente sobre os rendimentos dos juros de depósitos à ordem ou a prazo, não o
fez, invocando depois o regime de anonimato de que os contribuintes titulares
desses rendimentos beneficiam como uma das causas de justificação da taxa
liberatória de 20% a tais rendimentos correspondente (cfr. texto preâmbular
do CIRS, ponto 10).
E também não se afigura procedente o argumento de que as taxas liberatórias
encontram fundamento na necessidade de estimular o investimento através de
medidas adequadas de política fiscal.
A este respeito, Abel Costa Fernandes, «Algumas notas sobre a Reforma Fiscal de
1988», in O Fisco, n.º 9, de 15 de Julho de 1989, pp. 18 e segs., teve
oportunidade de ponderar o seguinte:
Considerando que o Estado não está em condições de ver as suas receitas
diminuídas em consequência do tratamento fiscal privilegiado que concede aos
rendimentos de aplicações de capitais, as perdas de receitas daí decorrentes
deverão, necessariamente, ser compensadas por uma tributação mais pesada dos
demais rendimentos. Por isso, os rendimentos não abrangidos pelas taxas
liberatórias, para além de se distribuírem por escalões com amplitude reduzida,
encontram-se ainda sujeitos a taxas marginais excessivas e conducentes a uma
redução do esforço do trabalho. Trata-se, aqui, do conhecido efeito de
substituição através do qual sujeitos económicos racionais reduzem o consumo dos
bens relativamente mais caros, substituindo-os pelos que se tornam relativamente
mais baratos, ou seja, neste caso, pelo lazer. Porém, não há qualquer garantia
de que o investimento resulte significativamente estimulado por estas medidas,
porquanto ele depende de muitos outros factores, incluindo a política monetária
e o ambiente económico geral que determina a formação das expectativas.
Contudo, mesmo que assim não fosse, seria sempre de boa norma quantificar os
benefícios resultantes de níveis acrescidos de investimento e compará-los com os
custos de uma diminuição no esforço de trabalho; infelizmente, e tanto quanto se
sabe, não foi produzida qualquer evidência empírica mostrando que os primeiros
excedem os segundos. O que não oferece dúvidas é que a não neutralidade deste
sistema, resultante da desigual tributação de alguns tipos de rendimento,
introduz distorções adicionais no funcionamento da economia portuguesa.
E como este autor também salienta «ao estabelecer o mecanismo das taxas
liberatórias sobre as mais-valias e os rendimentos de capitais, o actual regime
não só atenua o carácter único e progressivo do imposto como ainda discrimina
claramente contra os rendimentos do trabalho, mormente do dependente por ser
este que denota menores possibilidades de evasão fiscal».
Na decorrência do exposto, e a ter-se conhecido desta questão, votaria no
sentido da inconstitucionalidade das taxas liberatórias aplicáveis aos juros dos
depósitos à ordem ou a prazo por violação do disposto no artigo 107.º, n.º 1, da
Constituição.
E porque, o tratamento fiscal mais favorável assim concedido aos titulares
daqueles rendimentos não dispõe de fundamento material razoável, resultaria
também violado o princípio constitucional da igualdade.
5 — Um grupo de deputados do Partido Comunista Português requereu a declaração
de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do
artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 106/88, que estabelece um tecto às deduções dos
rendimentos do trabalho dependente — 65% do valor deste, até ao limite de 250
000$00 (montante este que veio a ser sucessivamente aumentado para 300 000$00,
340 000$00, 378 000$00, 400 000$00, até ao montante actual de 416 000$00),
incluindo este limite as contribuições obrigatórias para a Segurança Social,
embora no caso de estas excederem aquele limite a dedução se deva fazer pelo
total dessas contribuições.
Para os requerentes, aquela norma viola o princípio do tratamento fiscal mais
favorável dos rendimentos do trabalho, bem como o princípio da igualdade, na
medida em que na dedução, sujeita a um valor máximo dos rendimentos do trabalho
dependente apenas inclui as contribuições obrigatórias para a Segurança Social,
ao contrário do regime mantido nas outras categorias de rendimento em que se
verifica uma dedutibilidade de todos os custos ou encargos efectivos e
comprováveis.
O acórdão não teve nenhum destes princípios constitucionais por violados,
fundando-se, para assim concluir, numa dupla via de argumentação.
Por um lado, mesmo para quem defenda a existência do princípio do tratamento
mais favorável dos rendimentos do trabalho, mormente do trabalho dependente,
nunca a norma em causa poderia, infringir tal princípio pois que nela se contém
uma discriminação positiva quanto aos rendimentos do trabalho dependente. Por
força de tal norma estes rendimentos são favorecidos em relação às restantes
categorias enumeradas no artigo 4.º da Lei n.º 106/88 e artigos 1.º a 13.º do
CIRS, na medida em que beneficiam ou podem beneficiar de deduções específicas
que não têm tradução em custos ou encargos efectuados. É o caso de todas as
situações em que as contribuições obrigatórias para o regime de protecção social
sejam inferiores a 65% do rendimento anual do trabalhador dependente ou a 416
000$00 anuais.
Por outro lado, o tratamento diferenciado quanto aos encargos dedutíveis entre
os rendimentos do trabalho dependente e os rendimentos oriundos de outras
categorias — nos primeiros apenas são deduzidos os encargos com as contribuições
obrigatórias para a Segurança Social, enquanto que nos segundos a dedutibilidade
abrange diversos outros custos ou encargos necessários à sua obtenção — não se
mostra arbitrário, irrazoável ou materialmente infundado, não infringindo por
isso o princípio da igualdade.
Não acompanhando esta visão das coisas votei no sentido da inconstitucionalidade
daquela norma, por força das razões seguidamente expostas.
6 — Nos termos do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 106/88, a determinação das
deduções a fazer em cada uma das categorias de rendimentos sujeitos a IRS tomará
como critério os custos ou encargos necessários à sua obtenção (n.º 1), devendo
tais deduções corresponder aos custos ou encargos efectivos e comprováveis, sem
prejuízo da possibilidade de algumas poderem ser fixadas com base em presunções,
quando esta solução apresentar maior segurança para o fisco ou maior comodidade
para os contribuintes, especialmente os de mais baixos rendimentos.
Simplesmente, o n.º 3 do mesmo preceito, contraditoriamente com o discurso
contido nos números antecedentes veio determinar que nos rendimentos do trabalho
dependente (categoria A do artigo 4.º) apenas são dedutíveis as despesas com as
contribuições obrigatórias para a Segurança Social.
É certo que em relação a determinados trabalhos dependentes esta norma veio
instituir um benefício que se traduz em deduções específicas sem tradução em
custos ou encargos efectuados.
Todavia, todos os demais, além de não beneficiarem de qualquer majoração nos
respectivos custos ou encargos, ficam sujeitos à regra da exclusiva dedução das
contribuições obrigatórias para a Segurança Social.
Ora, nos rendimentos de outras categorias, maxime nos rendimentos do trabalho
independente (categoria B do artigo 4.º) o CIRS estabeleceu, ao lado das
contribuições obrigatórias para a Segurança Social, diversas outras situações
susceptíveis de gerar dedução aos rendimentos, parecendo seguro que em certos
casos as suas causas justificativas poderiam servir de fundamento a deduções
relativas ao trabalho dependente.
Para melhor apreensão desta matéria deixa-se transcrito, na sua redacção actual,
o preceito do CIRS que rege sobre as deduções a fazer na categoria dos
rendimentos do trabalho independente.
Artigo 26.º
(Rendimentos do trabalho independente: deduções)
1 — Aos rendimentos brutos da categoria B deduzir-se-ão os seguintes encargos,
quando conexos com a respectiva actividade profissional:
a) Remunerações e encargos obrigatórios com empregados e
colaboradores;
b) Rendas e outras prestações devidas pela locação de instalações
e equipamentos;
c) Amortização de instalações e equipamentos, incluindo a dos
bens objecto de locação financeira, bem como das grandes reparações neles
efectuadas;
d) Prestações pagas por força de contratos de locação financeira
imobiliária ou mobiliária, com excepção da parte destinada a amortização
financeira;
e) Pagamento de serviços prestados por terceiros, com excepção
dos referentes a grandes reparações nos bens referidos na alínea c);
f) Seguros, com excepção dos previstos na alínea f) do n.º 1 do
artigo 55.º [seguros de vida, de doença ou de acidentes pessoais];
g) Consumos de água e de energia;
h) Comunicações;
i) Bens de consumo utilizáveis no exercício específico da
actividade profissional;
j) Valorização profissional do sujeito passivo;
l) Representação profissional do sujeito passivo;
m) Contribuições obrigatórias para a Segurança Social respeitantes
ao sujeito passivo;
n) Quotizações para ordens, sindicatos e outras organizações
representativas de categorias profissionais respeitantes ao sujeito passivo;
o) Deslocações, viagens e estadas do sujeito passivo e dos seus
empregados;
p) As importâncias recebidas a título de provisão ou
adiantamento, ou a qualquer outro da mesma natureza, que sejam efectivamente
despendidas no pagamento de despesas ou outras obrigações da responsabilidade
dos clientes;
q) Outras despesas indispensáveis à formação do rendimento.
Se é manifesto que diversas destas situações apenas podem ter verificação no
domínio do trabalho independente, outras porém são já compatíveis com o quadro
estrutural em que se desenvolve a actividade profissional dos trabalhadores por
conta de outrem.
Encargos como os que estão previstos nas alíneas i), j), n) e o), hoje em dia,
no todo ou em parte, são assumidos por muitos trabalhadores dependentes,
especialmente por aqueles cujas carreiras ou especificidade profissional exigem,
pela sua própria peculiaridade, uma permanente e continuada actividade formativa
e informativa.
E não se descortina qualquer justificação razoável e materialmente fundada para
que tais encargos, quando efectivos e comprováveis, possam ser deduzidos nos
rendimentos do trabalho independente e não já do trabalho dependente,
estabelecendo-se deste modo uma discriminação injustificada relativamente a
estes últimos, discriminação geradora de inconstitucionalidade por violação do
princípio da igualdade.
Dir-se-á porventura que a diferenciação estabelecida por lei a propósito das
deduções específicas não reveste particular importância no quadro global da
justa repartição dos encargos fiscais das respectivas categorias de rendimentos.
O certo porém é que alguns números ultimamente vindos a público dão conta de uma
profunda desigualdade nos montantes de IRS suportados pelos trabalhadores
dependentes e independentes, contribuindo para tanto, certamente, o regime de
deduções e o modo como se processa a sua concretização.
O Sindicato dos Trabalhadores de Impostos levou a cabo um estudo sobre as
declarações fiscais relativas a 1993, estudo esse a que o Diário Económico, ano
v, n.º 936, de 16 de Agosto de 1994, se referiu do modo seguinte:
O Sindicato dos Trabalhadores de Impostos (STI) realizou um estudo às
declarações fiscais de 1993, com base «numa amostragem dos distritos mais
significativos», e detectou números impressionantes (…).
Mas o quadro mais negro regista-se ao nível do IRS. Na categoria B, relativa
aos trabalhadores independentes, a amostragem concluiu que, em média, os
profissionais liberais pagaram apenas 39 200 escudos por ano. Ou seja:
advogados, médicos, engenheiros, arquitectos, jornalistas, entre outros, em
regime de trabalhadores independentes não pagam, em média, mais de 40 contos por
ano de IRS. Se considerarmos que, em média, um trabalhador por conta de outrem
com um vencimento de 100 contos mensais, vai pagar cerca de 150 contos de IRS
anuais, algo está mal.
É certo que a gritante disparidade relativa que estes números comportam (e não
existe qualquer razão para se pôr em causa a sua genuinidade), não se situará
tanto no distinto regime de deduções estabelecido no CIRS para os trabalhadores
dependentes e independentes, mas sobretudo na forma como os respectivos
rendimentos e consequentes deduções são declarados e à sua efectiva e comprovada
correspondência com os valores definidos por lei.
Simplesmente, como aliás o próprio acórdão chega a reconhecer embora sem daí
extrair qualquer ilação correctiva, não pode recusar-se, que em relação a certas
categorias de trabalhadores dependentes, existem encargos relacionados com o
exercício da actividade profissional (compreendidos nas deduções específicas dos
trabalhadores independentes) relativamente aos quais não existe qualquer
fundamento material que legitime um tratamento discriminatório daqueles
trabalhadores.
7 — O Provedor de Justiça requereu a declaração de inconstitucionalidade, com
força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 37.º, n.º 3, alínea
a), da Lei n.º 106/88 e 17.º do Código da Contribuição Autárquica (CCA),
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de Novembro, por um lado, e do
artigo 38.º daquela Lei, por outro lado, pois que, ao permitirem uma intervenção
administrativa de carácter discricionário no âmbito do conteúdo essencial do
acto tributário, ou seja, na fixação da taxa do imposto, (fixação pelos
municípios das taxas da contribuição autárquica dos prédios urbanos entre 1,1% e
1,3% e lançamento, sobre a colecta do IRC, de derramas pelos municípios até ao
máximo de 10%, respectivamente) violam o princípio da igualdade e o princípio da
legalidade tributárias consagrados nos artigos 13.º, 106.º, n.º 2, e 168.º, n.º
1, alínea i), da Constituição.
O acórdão não teve por violado qualquer destes princípios e não declarou,
consequentemente, a inconstitucionalidade daquelas normas.
Para tanto considerou-se, na parte agora a reter, que o princípio da legalidade
fiscal não impõe a fixação por parte da própria lei da taxa da contribuição
autárquica, consentindo que possam apenas ser determinados os limites da sua
variação possível, devolvendo às assembleias deliberativas dos municípios a
competência para, dentro das balizas por ela traçadas, fixar o respectivo valor.
Não acompanhei o acórdão na solução fixada para as normas dos artigos 37.º, n.º
3, alínea a), da Lei n.º 106/88 e 17.º do CCA, votando a sua
inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade tributária.
Com efeito, em conformidade com o disposto no artigo 106.º, n.º 2, da
Constituição, «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a
taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes».
Por força do princípio assim consagrado, a criação e determinação dos elementos
essenciais dos impostos não pode deixar de constar de diploma legislativo
(reserva de lei), o que implica a tipicidade legal, isto é, o imposto há-de ser
definido na lei de forma suficientemente determinada, sem margem para
desenvolvimento regulamentar nem para discricionariedade administrativa quanto
aos seus elementos essenciais.
E assim sendo, «não pode deixar de considerar-se como constitucionalmente
excluída a possibilidade de a lei conferir às autoridades administrativas
(estaduais, regionais ou locais) a faculdade de fixar dentro dos limites legais
mais ou menos abertos, por exemplo, as taxas de determinados impostos» (cfr.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 458).
As razões em sentido contrário invocadas no acórdão — natureza municipal da
contribuição autárquica e grau de variação fixado entre limites muito apertados
(1,1% e 1,3%), — não afastam a consideração de que o valor da taxa da
contribuição autárquica, no quadro das normas em apreço, virá a ser determinado
pelas assembleias municipais e não já por lei da Assembleia da República ou por
decreto-lei parlamentarmente autorizado como é, sem dúvida, exigência do texto
constitucional. — Antero Alves Monteiro Diniz.
(1) Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Abril de 1995.