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Processo nº 214/94
1ª Secção
Relator: Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos vindos do Tribunal da Relação
de Évora, em que é recorrente A. e são recorridos B. e o Ministério Público,
concordando-se com a exposição prévia elaborada oportunamente, que mereceu a
concordância do Ministério Público e que a resposta do recorrente não
conseguiu abalar, decide-se não tomar conhecimento do recurso e condenar o
recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) unidades de
conta.
Lisboa,31 de Janeiro de 1995
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Maria Fernanda Palma
Antero Alves Monteiro Diniz
Maria da Assunção Esteves
José Manuel Cardoso da Costa
Processo nº 214/94
1ª Secção
Rel. Cons. Tavares da Costa
Exposição a que respeita o artigo 78º-A, nº 1, da
Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
1.- O magistrado do Ministério Público na Comarca de
Sesimbra requereu o julgamento em processo comum singular de A., ora recorrente,
imputando-lhe a prática de um crime agravado de emissão de cheque sem cobertura
previsto e punido pelo artigo 24º, nºs. 1 e 2, alínea c), do Decreto nº 13004,
de 12 de Janeiro de 1927, na redacção introduzida pelo artigo 5º do Decreto-Lei
nº 400/82, de 23 de Setembro ou pelo artigo 11º do Decreto-Lei nº 454/91, de 28
de Dezembro.
Por sentença de 5 de Março de 1993 foi a acusação
julgada procedente, por provada, e, em consequência, condenado o arguido como
autor material de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido
pelo artigo 24º, nºs. 1 e 2, alínea c), do Decreto nº 13 004, na redacção dada
pelo artigo 5º do Decreto-Lei nº 400/82, na pena de dezoito meses de prisão,
sendo a execução da pena suspensa por um período de um ano, sob condição de o
arguido demonstrar nos autos, no prazo de 90 dias, que efectuou o pagamento da
indemnização cível atribuída à queixosa e demandante, B., com sede em
----------, no valor do cheque, 1500.000$00, acrescido dos juros à taxa legal,
desde 17 de Outubro de 1991 até integral reembolso.
Inconformado, recorreu o arguido para o Tribunal da
Relação de Évora e, na respectiva motivação, considerando que o Decreto-Lei nº
454/91 entrara em vigor posteriormente à data da emissão do cheque - 17 de
Outubro de 1991 - criando um tipo diferente e autónomo do existente, revogando
os artigos 23º e 24º do diploma de 1927 e despenalizando a emissão de cheques
sem cobertura emitidos anteriormente ao início da sua vigência, concluiu, além
do mais, que a decisão recorrida violara a norma do artigo 29º, nº 1, da
Constituição da República (CR).
O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 22
de Março de 1994, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
2.- Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal
Constitucional, o qual foi admitido.
Já neste Tribunal, ordenou-se o cumprimento do
disposto no artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o que o recorrente
satisfez vindo aos autos indicar que o recurso foi interposto ao abrigo da
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, 'pretendendo-se que o Tribunal
aprecie a inconstitucionalidade da norma contida no nº 4 do artigo 2º do Código
Penal - cuja formulação impõe a aplicação retroactiva da nova lei penal, se
esta for mais favorável que a antiga - em franca e clara desobediência aos
comandos normativos contidos no artigo 29º da Constituição, que proíbe, em todas
as hipóteses, a aplicação retroactiva de qualquer lei penal'.
Mais acrescentou o arguido que a questão de
inconstitucionalidade, por ofensa ao artigo 29º, foi suscitada na motivação do
recurso da decisão final interposto no Tribunal da Comarca de Sesimbra.
Ora, o que se disse na referida motivação foi que,
face à despenalização de todos os comportamentos relativos a cheques sem
provisão emitidos antes da entrada em vigor da nova lei, ainda que subsumíveis
aos comandos legais instituídos pelo Decreto-Lei nº 454/91, 'a decisão
recorrida', 'a sentença sob censura', uma vez que a lei antiga não pode ser
aplicada, porque revogada, e a lei nova não estava em vigor à data dos factos,
violou 'clara e inequivocamente' a norma constitucional contida no artigo 29º,
nº 1, de aplicação imediata, considerando o disposto no artigo 18º, nº 1,
também da Lei Fundamental, 'inconstitucionalidade que expressa e inequivocamente
se argui, para todos os efeitos, nomeadamente para os concernentes a recurso
para o Tribunal Constitucional da decisão porventura desfavorável neste
processo'.
3.- Assim, a questão de constitucionalidade suscitada na
motivação do recurso da decisão final interposto no tribunal da comarca de
Sesimbra respeita - como decorre dos termos claramente reafirmados pelo
próprio interessado - à própria decisão que, em seu entender, violou o
disposto no artigo 29º, nº 1, da CR. Neste sentido, foi também o entendido pela
Relação de Évora que, designadamente, a final, concluiu não ter a sentença
recorrida violado qualquer disposição legal, nomeadamente o nº 1 do artigo 29º
em causa.
É certo que, convidado, ao abrigo do artigo 75º-A
da Lei nº 28/82, para integrar todos os elementos previstos nesse preceito, o
recorrente veio dizer pretender que o Tribunal aprecie a inconstitucionalidade
da norma do nº 4 do artigo 2º do Código Penal, 'em franca e clara desobediência
aos comandos normativos contidos no artigo 29º da Constituição que proíbe, em
todas as hipóteses, a aplicação retroactiva de qualquer lei penal', considerando
que a formulação da norma agora impugnada impõe a aplicação retroactiva da nova
lei penal, se esta for mais favorável do que a antiga.
Para além de se não compreender bem em que medida
uma norma como a impugnada pelo recorrente, orientada para a aplicação ao agente
de um crime do regime mais favorável, possa ser considerada inconstitucional por
violação do nº 1 do artigo 29º da CR - na realidade, o que se pretenderá é
rediscutir a interpretação dada pelas instâncias à problemática da sucessão
temporal de leis no concernente à emissão de cheques sem provisão - de todo o
modo a suscitação mostra-se desatempada.
4.- Isto é, seja porque, no concreto caso, estão em
causa, como objecto do recurso, decisões judiciais e não normas jurídicas, seja
porque o problema não foi suscitado - podendo sê-lo - no momento adequado,
não esgotado ainda o poder jurisdicional do tribunal a quo, no entendimento
largo e uniformemente reiterado na jurisprudência do Tribunal Constitucional
(cfr., inter alia, os Acórdãos nºs. 35/92 e 604/93, publicados no Diário da
República, II Série, de 20 de Maio de 1992 e 29 de Abril de 1994) não se
verifica um dos requisitos essenciais deste tipo de recurso [Constituição,
artigo 280º, nº 1, alínea b); Lei nº 28/82, artigo 70º, nº 1, alínea b)]: o
recorrente há-de ter suscitado a inconstitucionalidade de uma ou várias normas
'durante o processo'.
5.- Em face do sumariamente exposto, entende-se não se
poder conhecer do objecto do recurso.
Ouçam-se as partes, por 5 dias, nos termos da arte
final do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.
Lisboa, 6 de Julho de 1994
Alberto Tavares da Costa