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Procº nº 488/94.
2ª Secção.
Relator:- Consº BRAVO SERRA.
Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal de
Justiça e em que figuram, como recorrente, A. e, como recorrido, o Ministério
Público, concordando-se, no essencial, com as razões carreadas à exposição
lavrada pelo relator, ora de fls. 245 a 254 e que aqui se dá por integralmente
reproduzida, razões às quais o Ministério Público deu inteira anuência e que a
pronúncia do recorrente não infirma, decide este Tribunal não tomar conhecimento
do recurso, condenando o recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de
justiça em cinco unidades de conta.
Lisboa, 11 de Dezembro de 1994
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Messias Bento
José de Sousa e Brito
Guilherme da Fonseca
Luís Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa
Procº nº 488/94
2ª Secção
1. Sob acusação do Ministério Público, foi A., que se
encontrava em regime de prisão preventiva, submetido a julgamento, com
intervenção do tribunal colectivo, no Tribunal de comarca de Felgueiras, vindo,
por acórdão datado de 7 de Dezembro de 1993, a ser condenado na pena única de
quinze anos de prisão e Esc. 20.000$00 de multa pelo cometimento de factos que
foram subsumidos à autoria de três crimes de homicídio na forma tentada,
previstos e puníveis pelos artigos 131º, nº 1, alíneas f) e g), 22º, 23º e 74º,
nº 1, alínea a), todos do Código Penal, de um crime de detenção de arma
proibida, previsto e punível pelo artº 260º, ainda do mesmo Código, e uma
contravenção ao disposto nos artigos 21º, nº 4, e 34º, ambos do Decreto-Lei nº
521/71, de 24 de Novembro, com referência ao artº 1º do Decreto-Lei nº 131/82,
de 23 de Abril, e ao Decreto-Lei nº 159/84, de 18 de Maio.
Esse acórdão foi notificado ao referido arguido e, bem
assim, ao seu advogado constituído, na data que no mesmo se encontra aposta.
Não se conformando com o assim decidido, por intermédio
de requerimento, subscrito por aquele advogado e junto aos autos em 4 de Janeiro
de 1994, veio o mencionado arguido interpôr recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, juntando, desde logo, a respectiva motivação.
Admitido o recurso por despacho prolatado pelo Juiz do
citado tribunal de comarca e datado do dia seguinte - 5 - , fez o Ministério
Público, nos termos do 413º do Código de Processo Penal, juntar ao processo a
sua resposta, na qual, unicamente - após indicação de doutrina e jurisprudência
portuguesas e das datas em que foram produzidos determinados autos e actos
processuais e que, na sua óptica, haveriam de ser tidas por pertinentes -
sustentou que, sendo para si seguro que o recurso do arguido fora interposto
fora de prazo, deveria o mesmo 'ser rejeitado ao abrigo do estatuído no artº
42oº., nº. 1,' do mesmo diploma adjectivo.
Esta resposta foi notificada ao advogado do arguido por
intermédio de carta registada expedida em 13 de Janeiro de 1994, tendo os autos
sido remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça em 14 seguinte.
2. Aquele Alto Tribunal, por acórdão de 28 de Abril,
também de 1994, rejeitou, por extemporaneidade, o recurso.
Nos autos atravessou então o recorrente um requerimento
onde disse:
'........................................
- O Digníssimo Procurador da Répública, em resposta ao recurso
interposto pelo ora requerente, levantou a questão pré via da extemporaneidade;
- Ora, não prevendo o C.P. Penal uma contra-resposta, deveria, depois
de os autos terem subido a esse Tribunal, ter sido o recorrente notificado, para
se poder pronunciar sobre tal questão prévia;
- Como pelo menos se depreende dos Artº 704º do C.P. Civil, ex-vi do
Artº 4º do C.P. Penal.
- Que, crê-se, só por mero lapso não terá acontecido.
- Entende, assim, que deveria ter sido notificado para em prazo
razoável responder à questão suscitada, pois de outro modo estaria o Douto
Tribunal a violar o princípio do contraditório, constitucionalmente consagrado.
Termos em que requer a V.Exa, se digne sanar tal lapso,
admitindo agora, resposta à referida questão prévia suscitada.
........................................'
A esse requerimento anexou o recorrente uma
'contra-resposta' à falada questão prévia.
Em 7 de Julho de 1994 lavrou o Supremo Tribunal de
Justiça aresto pelo qual desatendeu 'a reclamação apresentada', consequentemente
'não tomando conhecimento da resposta à questão prévia'.
Notificado desta decisão, veio o A. interpôr recurso
para o Tribunal Constitucional, o que fez, disse, 'ao abrigo dos Artº 72º, b) e
70º, b), da Lei nº 28/82 de 16 de Novembro, com as alterações introduzidas pela
Lei 85/89 de 7 do 9', 'uma vez que pela decisão de não ouvir o recorrente sobre
a questão prévia suscitada, constitui uma violação explícita do princípio do
contraditório e das garantias de defesa do arguido, princípios tipificados no
Artº 32º da C.R.P.'.
Ao requerimento, de que parte imediatamente acima se
encontra transcrita, juntou o A., desde logo, o que apelidou de 'MOTIVAÇÕES DE
RECURSO'.
Muito embora tal requerimento não obedecesse aos
requisitos prescritos nos números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro, o recurso foi admitido por despacho do Conselheiro Relator do S.T.J.,
datado de 20 de Setembro de 1994, não se tendo, por isso, no Alto Tribunal a
quo, efectivado o convite a que se reporta o nº 5 do mesmo artigo.
3. Não obstante o decidido em tal despacho, e porque o
mesmo não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. nº 3 do artº 76º da referida
Lei nº 28/82), entende o ora relator que o recurso não deveria ter sido
admitido. Daí a feitura, suportada no nº 1 do artº 78º-A do aludido diploma, da
presente exposição.
Na realidade, uma constatação, logo em primeira linha,
se alcança. Reside ela na circunstância de nunca o ora recorrente, ao menos
antes da prolação do acórdão de 28 de Abril de 1994 (recorda-se: aquele que, por
extemporaneidade, rejeitou o recurso interposto pelo arguido tocantemente à
decisão tirada no tribunal de primeira instância), ter questionado a
compatibilidade de qualquer norma com os preceitos ou princípios constantes da
Constituição.
De facto, o que o recorrente fez foi, após ter tido
conhecimento daquele acórdão, requerer que fosse atendida uma «resposta» - que
só então produziu - à «resposta» apresentada pelo Ministério Público à sua
motivação de recurso, peça processual esta na qual a mencionada entidade
suscitava a questão da extemporaneidade do recurso.
Uma tal solicitação baseou-se no entendimento -
perfilhado pelo recorrente - segundo o qual não previa o Código de Processo
Penal uma 'contra-resposta' à «resposta» à motivação do recurso apresentada pelo
sujeito processual afectado pela interposição, e que, por isso, ao não ter o
Supremo Tribunal de Justiça notificado o impugnante para apresentar a sua
'contra- -resposta', teria esse órgão de administração de justiça violado 'o
princípio do contraditório constitucionalmente consagrado'.
Sendo isto assim, como é, torna-se inequívoco que o que
o impugnante suscitou foi, não um vício de desconformidade com a Lei Fundamental
referente a uma dada norma, mas sim à própria actuação do Supremo Tribunal de
Justiça ao omitir um acto que - na perspectiva do mesmo impugnante - deveria ter
praticado, qual seja o de o notificar para se pronunciar sobre a questão prévia
levantada na «resposta» do Ministério Público à motivação do recurso.
Aliás, não deixa de apresentar alguma dificuldade o
assacar-se a alguma norma do vigente diploma adjectivo criminal o vício que o
recorrente, como se viu, imputou à actuação do S.T.J., e isto pela razão segundo
a qual naquele corpo de leis inexiste qualquer prescrição de onde
inquestionavelmente decorra a proibição de 'contra-resposta' às «respostas»
apresentadas à motivação de recurso, maxime se nessas «respostas» fôr suscitada
qualquer questão prévia.
Como é claro, isso não significa que não fosse
hipotisável uma situação em que uma decisão judicial, baseada numa certa
interpretação das normas (verbi gratia do artº 413) do Código de Processo Penal
- interpretação de harmonia com a qual o ali preceituado impedia a produção de
uma 'contra-resposta' - viesse a atender uma questão prévia suscitada na
«resposta» à motivação do recurso e, assim, o rejeitasse por extemporaneidade.
Ora, nessa hipótese, ou essa decisão se apresentou ao
interessado na sequência de um determinado processado que lhe não permitia
contar com ela, não tendo, dessa sorte, tido, de todo, qualquer oportunidade
processual para, anteriormente à mesma decisão, poder questionar a
inconstitucionalidade da interpretação normativa desse jeito seguida; ou os
elementos dos autos já permitiam ao interessado prever que essa decisão viesse a
ser tomada.
Neste último caso, então - porque se impõe que, no caso
dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 280º da
Constituição e da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, a questão de
inconstitucionalidade haja sido suscitada «durante o processo» -, teria o
interessado, antes da prolação da decisão, de colocar a questão da
desconformidade com o Diploma Básico de uma tal interpretação.
Pois bem:
Como resulta do relato acima levado a cabo, o advogado
do recorrente foi notificado da «resposta» do Ministério Público à motivação de
recurso, ficando desse modo ciente de que na mesma se propugnava pela rejeição
do recurso por extemporaneidade.
Ora, mesmo que - o que agora só por mero efeito
argumentativo se concebe mas, de todo em todo, se não aceita, face às razões já
acima explanadas - se viesse a perfilhar a óptica segundo a qual se postava aqui
uma situação em que o recorrente quis questionar a inconstitucionalidade de uma
interpretação dos normativos do C.P.P. de acordo com a qual não seria admissível
uma 'contra-resposta' à «resposta» à motivação de recurso (o que, já se viu, não
aconteceu), o que é certo é que ao mesmo, porque era perfeitamente previsível
que o Supremo Tribunal de Justiça se haveria de debruçar sobre a questão da
extemporaneidade [era, aliás, obrigatória a tomada de posição sobre o problema -
cfr. artigos 417º, números 2, alínea a), e 3, alínea a), 418º e 419º, todos do
Código de Processo Penal] incumbiria o ónus de, antes de lavrada a decisão
naquele Alto Tribunal, suscitar a inconstitucionalidade daquela eventual
interpretação.
É que, como tem sido jurisprudência unânime do Tribunal
Constitucional (dispensando-nos aqui de fazer qualquer enunciação, por
fastidiosa), à expressão «durante o processo», utilizada nas já citadas
disposições constantes da alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Lei Fundamental e
na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, há-de ser conferido um
sentido, não meramente formal, de sorte a significar a suscitação da questão de
inconstitucionalida- de enquanto os autos se encontrarem pendentes, mas sim um
sentido funcional de modo a querer dizer que essa questão há que ser colocada
antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido, a fim de este a
poder decidir e de, tocantemente à sua decisão, poder ser ela ser reapreciada
(pois de um recurso se trata) perante o órgão de fiscalização concentrada da
constitucionalidade.
Para a suscitação gizada na hipótese aventada, bastaria
ao recorrente, após ter sido notificado da «resposta» do Ministério Público,
apresentar uma 'contra-resposta', dizendo que fazia tal apresentação, não
obstante não haver preceito específico que o permitisse, com base numa certa
interpretação das normas do Código de Processo Penal, interpretação que, a não
ser seguida, tornaria constitucionalmente insolventes tais normas.
Simplesmente, mesmo que nos situássemos na situação
hipotética e tão só argumentativamente admitida, revelam-nos os autos que não
foi isso o que se passou, já que o recorrente, muito embora soubesse já da
questão prévia colocada pelo Ministério Público, só veio a pôr em crise o facto
de não ter sido notificado para sobre a mesma se pronunciar após o proferimento,
pelo S.T.J., da decisão que essa questão acolheu, razão pela qual não postou
perante aquele órgão de administração de justiça a questão que pretendia ver
apreciada, só o fazendo em momento posterior.
Seja como seja, é límpido que nunca no processo, e
designadamente antes da prolação do acórdão desejado impugnar, o recorrente
dirigiu a qualquer norma uma censura constitucional, propugnando pela sua não
aplicação no caso.
O que, só por aqui, conduz a que, pelo menos, se não
mostre presente um dos requisitos exigidos pela alínea b) do nº 1 do artº 70º da
Lei nº 28/82, justamente o de ter havido suscitação da questão da
desconformidade normativa com qualquer norma ou princípio constitucional, sendo
de assinalar que, como se sabe, o sistema da fiscalização da constitucionalidade
vigente no nosso País se reporta actos normativos e não a quaisquer outros,
designadamente as decisões judiciais.
Neste contexto, não se deverá tomar conhecimento do
presente recurso.
4. Cumpra-se a ultima parte do nº 1 do artº 78º-A da Lei
nº 28/82.
Lisboa, 18 de Novembro de 1994.
(Bravo Serra)