Imprimir acórdão
Processo n.º 275/2011
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A. intentou junto do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, nos termos do disposto no artigo 146.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), ação tendente à verificação ulterior de créditos contra B., respetiva massa insolvente e credores. Pedia que fosse verificado a seu favor, e graduado no lugar que lhe competia, o crédito que lhe era originariamente devido por C., Lda., e cujo pagamento, por acordo judicialmente homologado, o insolvente assumira a título pessoal.
A ação foi intentada a 10 de julho de 2010.
Citada a massa insolvente, veio o administrador da insolvência invocar a caducidade da ação por, nos termos do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 146.º do CIRE, só poder ser feita a verificação ulterior dos créditos “no prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência”. A sentença que declarara a insolvência de B. transitara em julgado a 27 de junho de 2008.
Respondeu A., alegando a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 146.º do CIRE, por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade ou proibição do excesso, e da defesa dos direitos patrimoniais dos credores – artigos 13.º, 18.º e 62.º da CRP.
Não lhe deu razão o Tribunal Judicial da Comarca de Braga que, verificando a caducidade do direito a interpor a ação de verificação ulterior dos créditos, determinou a absolvição dos réus.
Inconformado, apelou A. para o Tribunal de Relação de Guimarães.
2. O Tribunal da Relação, por acórdão datado de 6 de janeiro de 2011, decidiu do seguinte modo:
Face ao disposto na alínea b) do nº 2 do art. 146º do CIRE está caduco o direito do ora apelante à instauração da presente ação. Apodicticamente. Nem aliás o Apelante contesta esta estrita asserção.
Deverá esta norma, porém, ser desaplicada por ser inconstitucional, como pretende o Apelante?
Temos como evidente que não.
Justamente como se decidiu no tribunal recorrido.
Vejamos:
Em termos de violação do princípio da igualdade, diga-se desde logo que a pretensão recursiva do Apelante é uma espécie de nado-morto, por isso que não especifica (nem nós o antolhamos) qual é o tertium comparationis legal em relação ao qual, dentro do contexto falimentar, se objetiva a desigualdade. Na realidade, o que o Apelante faz é apenas insurgir-se contra o facto da norma estabelecer um determinado prazo (com termo final anterior à liquidação e com termo inicial anteriormente ao conhecimento da “ofensa” do direito) para a ação tendente à verificação ulterior, com o argumento de que tal é injusto para o credor que não teve anteriormente conhecimento da insolvência. Acontece que isto em si mesmo em nada contende com o princípio constitucional da igualdade.
Mas seja como for, o princípio da igualdade não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam estabelecer diferenciações de tratamento, razoável, racional e objetivamente fundadas, sendo legítimo ao legislador usar da plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou mais) grupos de destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de tratamento jurídico diverso, na comparação das concretas situações fácticas e jurídicas postadas face a um determinado referencial (tertium comparationis). Como assim, deve receber tratamento semelhante o que se encontre em situação semelhante e diferenciado o que se ache em situação diferente.
Ora, no limite, estaríamos in casu perante uma situação destas, na medida em que é objetivamente aceitável que em atenção à natureza do processo de insolvência e ao bom iter do seu processamento se estabeleça um qualquer prazo, com certa conformação a nível de termo inicial e de termo final, para a instauração da ação tendente à verificação ulterior de um crédito, independentemente do prejuízo que a caducidade possa vir eventualmente a provocar a um pretenso credor que tenha andado mais distraído (como, pelos vistos, é o caso do Apelante, na certeza de que o CIRE prevê [v. art. 37º] que seja dado conhecimento a quem se considere credor, da insolvência e do prazo para a reclamação de créditos).
De resto, há que observar que, como é entendimento pacífico, o tribunal não pode emitir propriamente um juízo “positivo” acerca da solução adotada na lei, como se fora legislador, para depois concluir pela solução “justa”, “razoável” ou “ideal”, e daqui que a este nível jamais inconstitucionalidade alguma se verificaria.
Também a norma em nada viola quaisquer princípios da proporcionalidade ou da proibição do excesso, e da defesa dos direitos patrimoniais dos credores.
Quanto a esta defesa dos direitos patrimoniais vale aliás o que acaba de ser dito, sendo por isso legítimo ao legislador estabelecer prazo com uma certa e determinada conformação para que se requeira a verificação ulterior de um crédito. Mas, independentemente disto, uma outra razão leva a concluir pela improcedência do recurso nesta parte. É que conquanto seja de entender que o direito de propriedade garantido pela CRP (art. 62º) é um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, a verdade é que o que é protegido é unicamente o núcleo ou conjunto de faculdades que revestem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (maxime o direito de não se ser privado da propriedade, salvo por razões de utilidade pública, ou de outras dimensões do direito de propriedade essenciais à realização do Homem como pessoa), e não todo e qualquer quid que se relacione com os interesses patrimoniais de uma pessoa. Acontece que a situação vertente, em que está em causa apenas a realização do interesse creditício do Apelante a exercer sobre património alheio, não cai em tal núcleo ou conjunto, sendo por isso excessiva qualquer tentativa de a colar ao artº 62º da CRP.
Parafraseando jurisprudência do Tribunal Constitucional, podemos dizer que o princípio da proporcionalidade se revela, em abstrato, em vários subprincípios, quais sejam, o da adequação (a norma que restrinja direitos, liberdades e garantias deve resolver-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos), o da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato) e o da justa medida (ou proporcionalidade em sentido estrito: não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).
Ora, nada concorre que signifique que estas manifestações não estão presentes in casu, o que é dizer, e atalhando caminho, não se vê que a opção legal seja irrazoável ou arbitrária. Cabe aqui de novo referir que o CIRE já prevê que todos os credores sejam citados (os desconhecidos por éditos), pelo que a opção que o legislador tomou na alínea b) do nº 2 do art. 146º do CIRE está muito longe de poder ser vista como desproporcionada. Mas também neste domínio há que observar que, como tem salientado o Tribunal Constitucional, o controlo judicial baseado no princípio da proporcionalidade é muito reduzido quando se esteja perante um ato legislativo. Pois que ao legislador é reconhecido um considerável espaço de conformação (liberdade de conformação) na ponderação dos bens quando edita uma nova regulação. Esta liberdade de conformação tem especial relevância na discussão dos requisitos da adequação dos meios e da proporcionalidade em sentido restrito. Isto justifica que perante o espaço de conformação do legislador, os tribunais se devam limitar a examinar se a regulação legislativa é manifestamente inadequada. E no caso vertente não é.
Improcede pois a apelação, não padecendo a norma das apontadas inconstitucionalidades, sendo de confirmar a decisão recorrida.
3. Desta decisão interpôs A. recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de novembro (LTC). Pedia que fosse julgada a inconstitucionalidade “da primeira parte da norma da alínea b) do nº 2 do artigo 146.º do CIRE, na medida em que restringe ao prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência o tempo que o credor dispõe para reclamar ulteriormente o seu crédito, por violação dos princípios constitucionais [da igualdade, da proporcionalidade e da defesa dos direitos patrimoniais do credor]”.
Admitido o recurso no Tribunal Constitucional, nele apresentou alegações o recorrente, sustentando, fundamentalmente, que a limitação temporal de um ano – contado a partir da data do trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência – para que os credores pudessem obter, ainda que de forma tardia, o reconhecimento dos seus créditos (limitação decorrente da alínea b) do nº 2 do artigo 146.º do CIRE), se apresentava como uma solução legislativa contrária à garantia constitucional do património (artigo 62.º da CRP), desigual (artigo 13.º) e excessiva (artigo 18.º), particularmente naquelas situações – como a que, segundo alegava, ocorrera no caso – em que o credor só tivera conhecimento do processo de declaração de insolvência com o anúncio de venda do património do insolvente. Concluía, por isso, que, no seu entender, “deve[ria] ser admissível ao recorrente poder instaurar a (…) ação a partir do momento do conhecimento da insolvência até à efetiva e integral liquidação do património”, invocando, como lugares paralelos em que tal solução “devida” fora adotada, os constantes dos artigos 865.º e 353.º do Código de Processo Civil.
O recorrido não contra-alegou.
Importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Dispõe o CIRE, no nº 1 do artigo 146.º, que, “[f]indo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de ação proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, efetuando-se a citação dos credores por édito de 10 dias.”
Contudo, enquanto o direito à separação e restituição de bens pode ser exercido a todo o tempo, já a reclamação de outros créditos “só pode ser feita no prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência.” (nº 2, alínea b), do artigo 146.º).
É esta limitação de um ano para a interposição, pelo credor, da ação de verificação ulterior de créditos que o recorrente no presente caso contesta. Como se depreende do relato anteriormente feito – quanto ao texto da sentença recorrida, bem como quanto ao teor das alegações em que se suscitou a questão de constitucionalidade e, também, quanto ao requerimento de interposição de recurso – a impugnação não abrange o preceito na sua literalidade. O que se contesta não é a fixação de um certo prazo para a interposição da ação; mais do que isso, o que se discute é que esse prazo seja contado sempre a partir do momento em que transitou em julgado a sentença de declaração de insolvência, independentemente do momento em que o credor dela tenha tido efetivo conhecimento. O recorrente, credor comum, alega que a norma do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas deveria ser lida de forma a permitir aos credores a interposição da verificação ulterior de créditos desde o momento em que o credor tenha tido efetivo conhecimento “da ofensa do [seu] direito de garantia patrimonial”, e isto, pelo menos, até à venda ou liquidação do património do insolvente; e que não ler esta norma neste sentido implica violação das disposições contidas nos artigos 13.º, 18.º, 2 e 62.º da CRP.
Foi precisamente esta a leitura que a decisão recorrida não adotou, desatendendo portanto a arguição de inconstitucionalidade. Assim sendo, o objeto do presente recurso circunscreve-se à norma contida na alínea b) do nº 2 do artigo 146.º do CIRE, quando interpretada no sentido de que o prazo de caducidade da ação de verificação ulterior de créditos, aí fixado, é sempre de um ano a partir da data do trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência, independentemente da data em que o credor comum dela tenha efetivo conhecimento.
Sustenta o recorrente que esta interpretação normativa lesa os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade, e da garantia constitucional do património (artigos 13.º, 18.º e 62.º da CRP).
Vejamos então.
5. A ação de verificação ulterior de créditos ou de outros direitos, prevista pelo artigo 146.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, serve, no contexto da regulação do processo de insolvência, um propósito claro. Em princípio, os credores da insolvência reclamam a verificação dos seus créditos dentro do prazo designado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, prazo esse que pode ser até 30 dias (artigo 36.º, alínea j), artigo 128.º, nº 1, do CIRE). Findo esse prazo, há no entanto ainda a possibilidade de reconhecimento de outros créditos, dispondo os seus titulares, para esse efeito, do meio processual consistente na ação de “verificação ulterior”, a interpor, precisamente, nos termos do referido artigo 146.º. A razão pela qual a lei põe à disposição dos credores este específico meio processual – que abre ainda a possibilidade de uma verificação de créditos tardia, porque reclamada para além do tempo regular – prende-se com o motivo exposto no preâmbulo do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de março, que, ao abrigo da autorização legislativa concedida pela Lei nº 39/2003, de 22 de agosto, aprovou o CIRE. Diz-se aí que “[o] objetivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores”. Uma regulação processual assim dirigida por esta finalidade precípua contém, razoavelmente, um instrumento destinado especialmente a permitir a verificação de créditos tardia, não reclamada no prazo geral, designado nos termos da lei.
No entanto, e porque é também finalidade da ordenação do processo de insolvência, igualmente reconhecida pela referida exposição de motivos, a promoção da sua celeridade, a traduzir-se na “necessidade de rápida estabilização das decisões judiciais, que no processo de insolvência se faz sentir com particular intensidade”, será também compreensível, em princípio, a fixação, pelo legislador ordinário, de um prazo de caducidade da ação de verificação ulterior de créditos. Resta no entanto saber se o concreto regime de caducidade que a norma sob juízo estabeleceu se conforma, ou não, com as exigências constitucionais in casu pertinentes.
6. Tem o Tribunal Constitucional geralmente entendido que as normas de direito ordinário que estabelecem prazos para a interposição de ações em tribunal não infringem qualquer norma ou princípio constitucional, na medida em que apenas revelam escolhas legítimas do legislador quanto aos vários modos pelos quais podem ser prosseguidos os diferentes valores que a Constituição inscreve, em última análise, no seu artigo 20.º.
Foi o que sucedeu, por exemplo, no caso do Acórdão nº 247/2002, em que estava em juízo a norma do Código de Processo Penal que estabelecia, perentoriamente, o prazo de um ano, contado desde o momento em que o detido ou preso fora libertado ou desde o momento em que fora definitivamente decidido o processo penal respetivo, para a apresentação de pedidos de indemnização contra o Estado por privação de liberdade ilegal ou injustificada. Foi também o que sucedeu (ainda como exemplo) no caso do Acórdão nº 310/2005, em que estava em juízo a norma do Código de Processo Civil que impunha um prazo de cinco anos, contados desde o trânsito em julgado da decisão recorrida, para a interposição do recurso de revisão. Nestes casos, e em outros que não vale a pena agora recensear, entendeu-se que, ao fixar na lei de processo prazos de caducidade de ações, o legislador harmonizava de forma côngrua diferentes exigências constitucionais: por um lado, as decorrentes do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional (artigo 20.º, nº 1); por outro, as decorrentes do princípio de segurança jurídica que justifica a proteção constitucional do caso julgado (artigo 2.º e artigo 20.º, nº 4).
É certo que a esta jurisprudência – que evidentemente se mantém – se apõe em tese um limite. A harmonização entre as diferentes exigências constitucionais acima mencionadas deixa de ser côngrua sempre que se demonstrar que, ao fixar um certo prazo de caducidade de uma ação, o legislador ordinário ofendeu uma posição jurídica subjetiva constitucionalmente tutelada, diminuindo, de modo juridicamente censurável, as possibilidades de exercício de um direito que a CRP consagra.
Sustenta o recorrente que será precisamente assim quanto à norma sub judicio, pois que através dela se terão lesado “os direitos constitucionais consagrados dos credores”, tutelados, no seu entender e desde logo, pelo artigo 62.º da CRP.
No entanto, e como o Tribunal sempre tem dito, o artigo 62.º, que consagra a garantia constitucional do património privado, não protege em si mesmo os direitos de crédito. O conteúdo destes direitos é determinado pela lei e não pela Constituição, pelo que as concretas posições jurídico-subjetivas que na sua estrutura se inscrevam, não sendo fundamentais, não gozam da especial proteção contra a lei que só é dispensada às posições jusfundamentais.
Contudo, a garantia constitucional do património privado, que a CRP prevê no nº 1 do artigo 62.º, obriga o legislador ordinário a organizar procedimentos e a erigir instituições que, pertencendo embora ao universo do direito infraconstitucional, se mostrem capazes de propiciar aos credores meios eficientes de satisfação dos seus créditos. Esta obrigação do legislador ordinário – de pôr à disposição dos credores instrumentos jurídicos eficientes que possibilitem a satisfação dos créditos – torna-se particularmente acentuada no direito da insolvência, ao qual cabe densa responsabilidade na garantia da fluidez do tráfego jurídico.
Mas a verdade é que nada disto basta para que, à luz da garantia constitucional do património, se censure a escolha que o legislador fez no artigo 146.º, nº 2, alínea b), do CIRE. A possibilidade eficiente de satisfação dos direitos de crédito levou o legislador a prever a ação de verificação ulterior de créditos, a intentar em apenso ao processo de insolvência mas uma vez já findo o prazo designado para as reclamações. Nenhuma norma constitucional obrigava o legislador a prever este específico meio processual, e a pô-lo à disposição dos credores. No âmbito da sua liberdade de conformação, o legislador escolheu fazê-lo, tendo em mente que o seu objetivo precípuo era – precisamente em obediência à ordem objetiva de regulação que a Constituição lhe endereça no artigo 62.º – “a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores.”
No entanto, e porque esse objetivo precípuo não consistia na satisfação de certos e determinados créditos mas na máxima realização possível de todos eles, de modo a garantir a fluidez do tráfego jurídico, o legislador estabeleceu também limites à possibilidade de verificações tardias de créditos, não reclamados durante o prazo geral. Essa limitação traduziu-se no prazo de caducidade da “ação de verificação ulterior de créditos”, que a alínea b) do nº 2 do artigo 146.º do CIRE consagra. Face à garantia constitucional do património, e à obrigação objetiva, que dela decorre, para o legislador ordinário, de pôr à disposição dos credores instrumentos jurídicos eficientes que permitam a realização dos seus créditos, nenhuma censura merece esta solução legislativa. Ela é justificada pelo facto de a regulação do processo de insolvência dever ser razoavelmente ordenada, não apenas em ordem à máxima realização possível de todos os créditos, mas também em ordem à máxima celeridade possível da tramitação processual, de forma a garantir a fluidez do tráfego.
7. Nada disto se altera pelo facto de o prazo de caducidade da ação de verificação ulterior de créditos, previsto na alínea b) do nº 2 do artigo 146.º do CIRE, se contar desde a data em que transitou em julgado a sentença declaratória da insolvência, ainda que não seja essa a data em que o credor reclamante teve, dessa sentença, efetivo conhecimento.
O artigo 36.º do CIRE determina que, na sentença que declara a insolvência, o juiz designe prazo, até 30 dias, para a reclamação de créditos (alínea j); e o artigo 37.º que sejam citados por edital os credores que se não contem entre os cinco maiores conhecidos, ou que residam habitualmente (ou tenham domicilio ou sede) em outros Estados membros da União Europeia. Enquanto estes últimos são notificados da sentença que declarou a insolvência por meio de carta registada (nºs 3 e 4 do artigo 37.º do CIRE), os restantes são citados por edital “com prazo de dilação de cinco dias, afixado na sede, nos estabelecimentos da empresa e no próprio tribunal e por anúncio publicado no Diário da República” (nº 7 do artigo 37.º do CIRE).
Perante a inexequibilidade de uma notificação pessoal de todos os credores, aliás dificilmente compatível com as exigências, constitucionalmente tuteladas, de celeridade processual, o regime legal escolheu o meio da citação edital de certos credores como instrumento de publicitação da sentença declaratória da insolvência. Nada permite concluir que esse regime acarrete, para os seus destinatários, ónus excessivos, que, não podendo razoavelmente ser cumpridos, tragam consigo medidas desproporcionadamente lesivas de quaisquer situações jurídico-subjetivas fundamentais, sejam elas as que decorrem do artigo 20.º ou do artigo 62.º da CRP. Por outro lado, nada permite concluir que esse regime de publicitação da sentença, que declara a insolvência e designa o prazo para a apresentação das reclamações de créditos, coloque em situação de desigualdade constitucionalmente censurável os credores assim citados e os outros, para os quais a lei previu a notificação por carta registada. Sendo diferentes as condições em que se encontram os credores que a lei escolheu notificar e as condições em que se encontram os demais, que a lei escolheu citar editalmente, diferente será também o regime que se lhe aplica, sendo que a medida da diferença se não apresenta desrazoável, ininteligível ou destituída de fundamento. Tanto basta para que o Tribunal a não considere censurável, face ao disposto no artigo 13.º da CRP.
III – Decisão
Assim, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma contida na alínea b) do nº 2 do artigo 146.º do CIRE, quando interpretada no sentido segundo o qual o prazo de caducidade da ação de verificação ulterior de créditos, aí fixado, é sempre de um ano a partir da data do trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência, independentemente da data em que o credor comum dela tenha efetivo conhecimento; e, consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida quanto ao juízo relativo à questão de constitucionalidade.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
Lisboa, 12 de janeiro de 2012.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.