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Acórdão 749/96 ACTA
Aos vinte e nove de Maio de mil novecentos e noventa e seis achando-se presentes o Exmº. Conselheiro Presidente José Manuel Moreira Cardoso da Costa e os Ex.mos Conselheiros Guilherme da Fonseca, José Manuel Bravo Serra, Maria Fernanda Palma, Vítor Nunes de Almeida, José de Sousa e Brito, Armindo Ribeiro Mendes, Alberto Tavares da Costa, Antero Monteiro Dinis, Luis Manuel César Nunes de Almeida, Messias Bento e Fernando Alves Correia foram trazidos a conferência os presentes autos.
Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Ex.mo Presidente ditado o seguinte
ACÓRDÃO nº 749/96
1. O Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, A ..., oficiou ao Presidente do Tribunal Constitucional, em 6 de Fevereiro do ano corrente, comunicando-lhe a sua nomeação para esse cargo e indagando sobre se, por força dela, ficou adstrito à obrigação de apresentação das declarações de património e rendimento, previstas na Lei nº 4/83, de 2 de Abril, com a redacção da Lei nº 25/95, de 18 de Agosto.
Ordenada a autuação do mesmo ofício, e porque - como refere o Secretário do Tribunal na sua informação - se suscita efectivamente a dúvida sobre se o dever mencionado ocorre na situação em apreço, importa resolvê-la, ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 109º da Lei do Tribunal Constitucional, na redacção da Lei nº 88/95, de 1 de Setembro.
2. O cargo de Alto-Comissário para a Imigração e as Minorias Étnicas - do mesmo passo que o de Alto-Comissário para as Questões da Promoção da Igualdade e da Família - foi criado pelo nº 7 do artigo 6º do Decreto-Lei nº
296-A/95, de 17 de Novembro, que é a 'Lei Orgânica do XIII Governo Constitucional', ora em funções; e foi, depois, institucionalizado pelo Decreto-Lei nº 3-A/96, de 26 de Janeiro. Tratando-se, portanto, de um cargo surgido já depois de aprovada a Lei nº 25/95, atrás citada, claro que logo por aí não podia ele constar eo nomine do elenco de cargos políticos, e de cargos aos mesmos equiparados, do artigo 4º da Lei nº 4/83, na redacção que aquela outra Lei veio dar-lhe.
E se o cargo em causa não consta eo nomine desse elenco, tão-pouco poderá dizer-se que é, de todo o modo, por ele abrangido, quando no mesmo elenco se incluem 'os membros de entidades públicas independentes previstas na [...] lei', como se lê na alínea l), in fine, do nº 1 do citado preceito. É que
-claramente - não se trata, no caso, de um cargo que se revista desse perfil de
'independência', relativamente ao Governo e aos outros órgãos de soberania, que o legislador tem em mira nessa disposição, mas antes, e ao contrário, de um cargo que (como melhor se salientará a seguir) se insere no organigrama do Governo e cujo titular é de livre nomeação e exoneração do Primeiro-Ministro
(artigo 4º, nº 1, do citado Decreto-Lei nº 3-A/96).
Deverá então concluir-se que o titular do cargo de Alto-Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas não se acha sujeito ao disposto na Lei nº
4/83, com a redacção da Lei nº 25/95? O Tribunal entende que não, por força das razões que, a seguir, sucintamente se enunciam.
3. Tais razões respeitam, por um lado, à natureza e ao estatuto do cargo em presença e, por outro, à própria coerência interna do regime da Lei nº
4/83, na redacção da Lei nº 25/95 (ou, se se quiser, ao 'espírito' desse regime legal).
Na verdade - e quanto à primeira das razões indicadas - importa não perder de vista que, nos termos do nº 7 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 296-A/95, o Alto-Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas se acha integrado na Presidência do Conselho de Ministros, assumindo - consoante logo o preâmbulo daquele diploma inculca, e as correspondentes atribuições, definidas no artigo
2º do Decreto-Lei nº 3-A/96, e se bem que não incluindo competências decisórias, confirmam - uma 'natureza' que transcende a de um puro órgão ou agente administrativo, para se situar já num nível 'político'. E tanto é assim que - considerando agora o 'estatuto' do cargo - o respectivo titular é livremente nomeado e exonerado (como já se disse) pelo Primeiro-Ministro e 'usufruirá de estatuto remuneratório e disporá de gabinete equivalente aos de subsecretário de Estado'. Trata-se, portanto, de um cargo que, in re ipsa, é um 'cargo político' e cujo estatuto é 'equiparado' ao de 'membro do Governo'.
Ora, sendo assim, não se vê - e entramos agora na segunda das razões supra apontadas - como possa o titular de tal cargo deixar de estar abrangido pela obrigação ou obrigações consignadas na Lei nº 4/83, com a redacção da Lei nº 25/95, quando é certo que as mesmas obrigações impendem inclusivamente sobre simples titulares de cargos administrativos, como são, ainda que situados no topo da correspondente hierarquia, os de 'director-geral, subdirector-geral e equiparados' [artigo 4º, nº 3, alínea c), da Lei nº 4/83, na supra citada redacção]. Não faria realmente sentido que a lei, abrangendo esses últimos, pudesse querer deixar de fora cargos - que ela não podia prever, mas viriam entretanto a ser criados - que por sua natureza e estatuto se situam já no plano
'governamental', nos termos vistos.
4. Com as considerações precedentes não se pretende significar que o Alto-Comissário para a Imigração e as Minorias Étnicas possa e deva ser qualificado como um 'membro do Governo', stricto sensu, e deva, por aí, considerar-se 'automaticamente' abrangido pelo elenco do artigo 4º da Lei nº
4/83, na redacção da Lei nº 25/95 - mais precisamente pela alínea e) do nº 1 desse preceito: é que tal qualificação há-de ter-se logo por arredada, face ao preciso enunciado do artigo 1º do Decreto-Lei nº 296-A/95 (Lei Orgânica do Governo).
Entende o Tribunal, porém, que essas considerações são já suficientes para impor a conclusão de que os titulares de cargos com a natureza e o estatuto do agora em apreço - ou seja, cargos de perfil predominantemente 'político', inseridos no organigrama 'governamental' e com estatuto 'equiparado ao de membro do Governo' - não podem deixar de estar sujeitos ao regime da Lei nº 4/83
(sempre na redacção da Lei nº 25/95), seja por 'interpretação extensiva' do disposto na referida alínea e) do nº 1 do seu artigo 4º, seja por aplicação
'analógica' desse preceito, conjugado com o da alínea c) do nº 3 do mesmo artigo.
Não se vê, na verdade, que no caso haja obstáculo, seja à adopção dessa modalidade e desse resultado interpretativo, seja mesmo ao recurso à analogia, para integrar uma lacuna legis.
5. Em face do que precede, o Tribunal Constitucional decide que o titular do cargo de Alto-Comissário para a Imigração e as Minorias Étnicas, a que se reportam o nº 7 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 296-A/95, de 17 de Novembro, e o Decreto-lei nº 3-A/96, de 26 de Janeiro, se acha adstrito ao dever de apresentação da declaração de património e rendimentos, previsto na Lei nº
4/83, de 2 de Abril, com a redacção da Lei nº 25/95, de 18 de Agosto, nos termos e prazos aí estabelecidos.
Guilherme da Fonseca Bravo Serra Vitor Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Messias Bento Fernando Alves Correia Luis Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa