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Processo nº 394/93
1ª Secção
Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- O padre S..., identificado nos autos, foi, por
sentença de 17 de Fevereiro de 1993, do Senhor Juiz do Tribunal Judicial da
comarca de Vila Verde, condenado como cúmplice de um crime de abuso de liberdade
de imprensa, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 25º e
26º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro (conhecido
por 'Lei da Imprensa') e 165º, nº 1, e 167º, nºs. 1 e 2, do Código Penal, na
pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 500$00, ou, em alternativa, 66 dias
de prisão.
Como demandado civil, foi ainda condenado a pagar à
Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Vila Verde, constituída assistente
nos autos e demandante civil, a quantia de 100.000$00, acrescida de juros de
mora à taxa de 15% ao ano (Portaria nº. 339/87, de 24 de Abril), contados desde
a data da sentença até integral pagamento, além das custas.
Notificado no próprio acto, consoante a respectiva
acta da audiência, interpôs recurso por meio de requerimento, acompanhado da
pertinente motivação, o qual deu entrada na secretaria judicial em 3 de Março
seguinte.
Não obstante alegar o recorrente estar em tempo e
ter legitimidade para o efeito, invocando o disposto nos artigos 399º, 401º,
410º, 411º e 427º, todos do Código de Processo Penal (CPP), o Senhor Juiz, por
despacho de 5 desse mês, não recebeu o recurso, por extemporaneidade, dado que o
prazo para recorrer em processos por crime de natureza do indicado é de 5 dias,
ou seja, metade do prazo previsto naquele Código, ainda que não haja arguidos
presos, face ao disposto no artigo 52º da Lei da Imprensa (com a redacção do
Decreto-Lei nº 377/88, de 24 de Outubro), articulado com o nº 1 do citado artigo
411º.
2.- Inconformado, reclamou o arguido para o Senhor
Presidente do Tribunal da Relação do Porto, pedindo a revogação do despacho e a
sua substituição por outro que admita o recurso, logo acrescentando que, a
entender-se aplicável ao caso concreto o disposto naquele artigo 52º, considera
tal norma, discriminatória, violadora dos artigos 13º e 32º da Constituição da
República (CR).
Foi, no entanto, negado provimento à reclamação,
por decisão de 6 de Abril de 1993, que acolheu e sancionou a fundamentação
sustentada pelo Senhor Juiz.
Ora, é do assim decidido que o arguido interpôs
recurso para o Tribunal Constitucional, tendo presente inexistir recurso
ordinário e, bem assim, ter havido suscitação oportuna da questão de
constitucionalidade.
Recebido o recurso, alegaram a assistente e o
recorrente.
A primeira concluíu do seguinte modo:
'1ª- Deverá, por falta dos requisitos ou pressupostos exigidos
pela alínea b) do [nº 1] do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro,
julgar-se inadmissível a interposição do recurso e, consequentemente, não se
procedendo ao seu conhecimento, ordenar-se a sua rejeição, de harmonia, aliás,
com a orientação que consideramos pacífica deste Tribunal Constitucional.
2ª- Considerar-se que a norma do artigo 52º da Lei de Imprensa
(Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26-2), objecto do recurso, não enferma de vício de
inconstitucionalidade, constituindo uma exigência e mostrando-se até em absoluta
concordância com o princípio constitucional da celeridade processual do processo
criminal, consagrado no nº 2 do artigo 32º da Constituição da República
Portuguesa.'
Por sua vez, o arguido e recorrente não só afasta,
na resposta à questão prévia da verificação dos pressupostos do recurso de
constitucionalidade, o alegado pela recorrida como, relativamente ao fundo,
conclui do seguinte modo:
'A- O disposto no artigo 52º do DL. 85-C/75 não se aplica ao
prazo de interposição de recurso;
B- Desde logo porque o preceito que previa uma regulamentação
especial para os recursos nos crimes de imprensa era o artº 49º que, pura e
simplesmente, foi revogado pelo DL. 377/88;
C- Deste modo passou a aplicar-se, nestes casos, o regime
normal;
D- Por outro lado, a 'celeridade processual' que motiva a
formulação do artº 52º do DL. 85-C/75 esgota-se com a publicação da sentença;
E- Com efeito o que se pretende com tal preceito é acelerar
os processos de modo a que, na ideia peregrina do inocente legislador, chegue
rapidamente à sua conclusão, isto é, à prolação da sentença;
F- Publicada esta, nada justifica que o prazo de presunção de
inocência do arguido do crime de imprensa seja encurtado para metade;
G- Todavia, no caso de se entender que, no caso concreto, se
aplica o disposto no artº 52º do DL. 85-C/75, então terá tal preceito que ser
declarado inconstitucional por discriminar o arguido dos crimes de imprensa
relativamente à generalidade dos arguidos e, em concreto, àqueles que respondem
por crimes contra a honra das pessoas, dado que aquele não só está sujeito a uma
pena agravada relativamente a este, como viu diminuído para metade, após a
publicação da sentença, o prazo durante o qual pela Lei Fundamental lhe era
garantida a presunção de inocência, violando-se deste modo o disposto nos artºs.
32º, nº 2, e 13º da Constituição da República.'
Corridos os vistos legais, importa apreciar e
decidir.
II
1.1.- Equacionou a recorrida o problema da suscitação atempada, pelo
recorrente, da inconstitucionalidade da norma do artigo 52º da Lei da Imprensa,
o que desde já coloca, como prévia, a questão da verificação dos pressupostos de
admissibilidade do recurso.
Argumenta a mesma que só na reclamação para o
Presidente da Relação (mais precisamente, no seu artigo 15º) é que o recorrente
suscitou a eventual inconstitucionalidade daquela norma, ou seja, já depois de
proferida a decisão que considerou o recurso inadmissível, o que, em seu modo de
ver, conduz a não se terem por verificados todos os pressupostos de
admissibilidade do recurso, socorrendo-se, para assim concluir, quer da
jurisprudência deste Tribunal - mormente ao citar os acórdãos nºs. 90/85 e
38/90, ainda inédito este, publicado aquele no Diário da República, II Série, de
11 de Julho de 1985 (Suplemento) - quer de autores como Gomes Canotilho e
Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª ed., 2º volume,
nota X ao artigo 280º.
E, na verdade, assim sucedeu: o recurso da decisão
de 1ª instância foi interposto sob invocação expressa de um dado complexo de
normas, entre as quais a do nº 1 do artigo 411º do CPP, que, no âmbito da
tramitação unitária dos recurso em processo penal, estabelece o prazo de dez
dias como prazo geral de interposição de recurso, a iniciar com a notificação da
decisão ou do depósito da sentença na secretaria.
Só que o Senhor Juiz considerou aplicável ao caso o
disposto no artigo 52º da Lei da Imprensa, preceito que reduz a metade qualquer
prazo previsto no CPP - salvo se este for de 24 horas - e, por conseguinte,
não admitiu o recurso, interposto no 10º dia, logo intempestivamente, sendo o
prazo de 5 dias.
1.2.- Dizem-nos os artigos 280º, nº 1, alínea b), da CR, e 70º, nº 1,
alínea b), da Lei nº 28/82, caber recurso para o Tribunal Constitucional das
decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo.
Neste específico tipo de fiscalização concreta de
constitucionalidade é exigida, em princípio, a concorrência de vários
pressupostos: a) suscitação prévia, pelo recorrente, da inconstitucionalidade
da norma; b) utilização da norma na decisão; c) inadmissibilidade de recurso
ordinário da decisão aplicativa da norma, por a lei o não prever ou por já se
haverem esgotado os que no caso cabiam.
Relativamente ao primeiro desses pressupostos -
de resto, o único que interessa agora analisar mais de espaço - entende-se, de
harmonia com vasta e uniforme jurisprudência, compreender a expressão suscitação
durante o processo, contida naqueles preceitos, não um sentido puramente formal,
tal que a inconstitucionalidade possa ser suscitada até à extinção da instância,
mas sim um sentido funcional, tal que a invocação seja feita em momento em que o
tribunal recorrido ainda possa conhecer da questão. Ou seja, a
inconstitucionalidade terá de ser suscitada antes de esgotado o poder
jurisdicional do juiz sobre a matéria a que respeitar essa mesma questão.
Decorre este entendimento, afinal, do facto de se
estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional que
pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a quo.
Neste sentido, citem-se, entre tantos outros, os já
referidos acórdãos 90/85 e 38/90 e, bem assim, o 439/91, publicado no Diário da
República, II Série, de 24 de Abril de 1992.
No entanto, se esta é a orientação jurisprudencial
generalizadamente adoptada, não menos certo é considerar-se não constituir a
mesma critério a observar relativamente a situações excepcionais ou anómalas nas
quais os interessados não tenham disposto de oportunidade para suscitar a
questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão, devendo, nesses
casos, ser-lhes assegurado o direito ao recurso.
Assim sucederá quando o interessado se veja
confrontado com uma imprevista e inesperada aplicação ou interpretação
normativa: se, em princípio, recai sobre as partes o ónus de considerarem as
várias possibilidades de decisão, formulando um juízo de prognose, não será
razoável exigir-lhes que representem a possibilidade de uma aplicação ou
interpretação normativa insólita ou de todo inesperada, designadamente pelo seu
sentido inovatório.
A jurisprudência deste Tribunal aponta para a
exigência de um determinado juízo de prognose - independentemente do maior ou
menor rigor imposto à formulação desse juízo - não abalado com uma simples
'surpresa' perante a interpretação dada judicialmente a certa norma (cfr., inter
alia, os acórdãos nºs. 479/89, 259/93 e 437/93, já citado o primeiro).
Também neste sentido se pronunciam os autores já
mencionados, ob. cit., 3ª ed., 1993, págs. 1020 e segs..
1.3.- A suscitação da questão de inconstitucionalidade - reportada à
norma que reduz os prazos previstos no Código de Processo Penal a metade, salvo
se forem de 24 horas - teve lugar na reclamação, dirigida ao Presidente da
Relação, do despacho que não recebeu o recurso por extemporaneidade.
É certo que a invocação de uma eventual
inconstitucionalidade podia ter ocorrido em momento anterior, mais propriamente
no requerimento de interposição do recurso. Por sua vez, o recorrente não pode
invocar uma imprevista ou insólita aplicação ou interpretação normativa a exigir
uma irrazoável prognose, uma vez que a jurisprudência tem aceite expressamente a
redução dos prazos dos crimes por abuso de liberdade de imprensa: cfr., v.g.,
os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Julho de 1988, o da Relação
do Porto, de 20 de Novembro de 1991, publicados na Colectânea de Jurisprudência,
ano XIII, 1988, tomo IV, págs. 7 e segs., e ano XVI, 1991, tomo V, págs. 216 e
segs., respectivamente.
Porém, a suscitação ocorreu ainda tempestivamente,
se se entender - como se entende - que o despacho proferido pelo Presidente
da Relação representou, a última palavra dentro da ordem judiciária a que
pertence o Tribunal recorrido, como tal apresentada ao Tribunal Constitucional.
Neste sentido tem-se desenvolvido a jurisprudência
deste Tribunal como o ilustram, entre outros, os acórdãos nºs. 159/90 e 323/94,
publicados no Diário da República, II Série, de 11 de Setembro de 1990 e 7 de
Junho de 1994, respectivamente.
Termos em que se julga improcedente a questão
prévia relativa à hipotética falta de congregação dos pressupostos de
admissibilidade do recurso e se passa a conhecer de mérito.
2.1.- Ora, a esta luz se dirá, num primeiro momento, não caber no poder
cognitivo do Tribunal Constitucional apreciar o acerto da decisão do magistrado
recorrido ao considerar aplicável aos autos o disposto no artigo 52º da Lei da
Imprensa, como parece pretender o recorrente que o faça.
Constitui unicamente objecto do recurso ajuizar, a
partir da premissa da efectiva aplicação do preceito, da constitucionalidade da
norma que o integra para, desse modo, a confirmar ou a negar; de outro modo,
estar-se-ia a censurar, na perspectiva jurídico-constitucional, o acto judicial
de aplicação do preceito, para o que faleceria competência.
Assim sendo, registe-se que se está perante matéria
já tratada por este Tribunal, quer em vertente de fundamentação, sobre a
ontologia da celeridade imposta no procedimento adoptado quanto aos crimes de
abuso de liberdade de imprensa (citem-se, v.g., os acórdãos nºs. 133/92, 186/92
e 163/93, publicados os dois primeiros no Diário da República, II Série, de 24
de Julho e 18 de Setembro de 1992, respectivamente), quer de mérito, sobre a
conformidade constitucional da norma (o acórdão nº 186/92, por exemplo, não
lobrigou vício algum na norma correspondente ao actual artigo 52º, nº 2, na
redacção primitiva da Lei de Imprensa, a do artigo 49º, nº 3; cfr., também os
acórdãos nº 163/93, rectificado pelo nº 254/93, ambos ainda não publicados)
2.2.- Depurado, nos termos expostos, o objecto do recurso consigne-se
que, para o recorrente, a norma do artigo 52º viola o princípio da igualdade,
consubstanciado no artigo 13º, nº 2, da CR e, do mesmo passo, a garantia de
processo criminal plasmada no nº 2 do artigo 32º do mesmo texto.
Sem razão, no entanto.
Na tese formulada - e se bem se compreende - a
norma em causa discriminaria os arguidos dos 'crimes de imprensa' face à
generalidade dos demais arguidos e, concretamente, dos que respondem por crimes
contra a honra das pessoas, já que não só estão sujeitos a um regime punitivo
agravado como, por obra da redução dos prazos, se encurtaria 'a garantia
temporal de que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado
da sentença de condenação'.
Ora, o princípio da igualdade não impede o
legislador ordinário de estabelecer tratamentos diferenciados. O que proíbe é a
criação de desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer
fundamento razoável ou justificação objectiva e racional e, por outro lado,
impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e se trate
diferentemente o que diferente for.
Não se crê, a esta luz, que constitua medida
legislativa arbitrária ou irrazoável a redução dos prazos processuais no tocante
aos crimes cometidos através da imprensa. Como se escreveu no citado acórdão nº
186/92, 'atento o eco que os crimes cometidos através da imprensa têm na
comunidade, impõe-se, com efeito, que se proceda ao julgamento dos seus
responsáveis no mais curto prazo possível' confluindo nesses processos razões de
urgência que conferem fundamento material ao encurtamento dos prazos fixados na
lei geral para a prática de actos processuais (de todos eles e não só dos que
hajam de ser praticados pelos arguidos).
Essas razões de urgência representam-se como
constitucionalmente próprias, legitimando a diferenciação de regimes, como uma
rápida alusão aos antecedentes da norma em causa permite concluir.
2.1.1.- Na parte que interessa, é do seguinte teor a redacção actual do
artigo 52º:
'1.- Os processos por crimes de imprensa têm natureza urgente,
ainda que não haja arguidos presos.
2.- A natureza urgente dos processos por crimes de imprensa
implica a redução a metade de qualquer prazo previsto no Código de Processo
Penal, salvo se este for de 24 horas, sem prejuízo da execução imediata de
ordem, despacho ou diligência quando a lei ou a autoridade competente assim o
determinarem.
3.- -----------------------------'.
Na sua redacção originária, sob a mesma epígrafe -
'Celeridade processual' - o preceito era constituído por um corpo único:
'Os processos por crime de imprensa, mesmo que não haja réu preso,
terão natureza urgente, com prioridade sobre todos os demais processos ainda
que urgentes'.
O Decreto-Lei nº 181/76, de 9 de Março,
considerando a necessidade de remover alguns expedientes dilatórios impeditivos
da prontidão desejada no iter processual e a simplificação resultante da entrada
em vigor do Decreto-Lei nº 605/75, de 3 de Novembro, alterou alguns artigos da
Lei de Imprensa, designadamente o 52º, que, mantendo a epígrafe, passou a ser
assim:
'1.- Os processos por crime de imprensa terão natureza urgente,
ainda que não haja réus presos, não havendo lugar a instrução contraditória.
2.- Os prazos para despachos, promoções, termos e mandados
são os previstos na legislação processual penal para processos com réus presos.
3.- (Sem interesse)--------------'.
A Assembleia da República, nos termos dos artigos
164º, alínea e), 168º, nº 1, alínea c), e 169º, nº 2, da Constituição, concedeu
ao Governo, pela Lei nº 88/88, de 4 de Agosto, autorização para rever o capítulo
IV e o artigo 68º da Lei de Imprensa, 'em ordem a introduzir as adaptações
exigidas pela entrada em vigor do novo Código de Processo Penal, aprovado pelo
Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro, e legislação complementar', indo,
assim, ao encontro do disposto no nº 2 do artigo 6º da Lei nº 43/86, de 26 de
Setembro (autorização legislativa em matéria de processo penal).
Concretamente, dispôs a Lei nº 88/88, nos seus
artigos 2º e 3º:
'Artigo 2º
A revisão implicará a modificação ou a revogação das disposições que
não se mostrem ajustadas aos princípios e soluções do novo Código de Processo
Penal, sem prejuízo da manutenção daquelas que visem garantir o interesse da
celeridade processual própria da regulamentação do exercício da acção penal
pelos crimes de imprensa.
Artigo 3º
Em harmonia com os critérios referidos no artigo anterior, serão
revogados os artigos 38º, 39º, 43º e 49º do Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26 de
Fevereiro, bem como o artigo único da Lei nº 13/78, de 21 de Março, e será dada
nova redacção aos artigos 36º, 37º, 51º, 52º e 68º daquele primeiro diploma'.
Como então se justificou na apresentação da
proposta de lei nº 20/V, pretendeu-se, além do mais, na especificidade do
processo por crimes de imprensa, simplificar e acelerar o seu andamento e,
nomeadamente, reduzir prazos, pelo que se revogou uma norma como a do transcrito
artigo 49º, face à regulamentação dos recursos pela nova lei processual penal em
que se asseguraram os interesses da celeridade na tramitação, e modificou o
artigo 52º essencialmente por razões de adaptação à terminologia da nova lei
processual penal, honrando-se o 'particular interesse da celeridade' ao
estabelecer-se o encurtamento dos prazos normais da lei geral (cfr. a exposição
de motivos da citada proposta de lei in - Diário da Assembleia da República, II
Série, nº 30, de 17/12/87, e intervenção do Secretário de Estado Adjunto do
Ministro da Justiça, in citado Diário, I Série, nº 57, de 2/3/88, pág. 1987).
O Governo, por sua vez, no uso da autorização
legislativa que lhe foi dada pela Lei nº 88/88 e nos termos do artigo 201º, nº
1, alínea b), da Constituição, publicou o Decreto-Lei nº 377/88, de 24 de
Outubro, pelo qual veio a alterar os nºs. 2 e 3 do artigo 52º, nos termos já
transcritos, além de revogar o seu nº 4, de igual modo revogando, por o
considerar inútil ou redundante face ao novo Código de Processo Penal de 1987, o
artigo 49º da Lei de Imprensa, cujo nº 3 dispunha, quanto a recursos:
'3.- Nos tribunais superiores os prazos serão reduzidos a
metade dos estabelecidos na lei geral, mas nenhum será inferior a quarenta e
oito horas, quando naquela não estejam especialmente previstos prazos de menor
duração'.
2.2.2.- A aceleração processual na instrução, lato sensu considerada, e no
julgamento deste tipo de ilícitos penais, não constitui, aliás, originalidade do
período legislativo posterior ao 25 de Abril.
Na verdade, o nº 3 da Base XXXVIII da Lei nº 5/71,
de 5 de Novembro, e o nº 4 do artigo 120º do Decreto-Lei nº 150/72, de 5 de
Maio, diploma que regulamentou essa lei - e para não recorrer, sequer, ao
específico procedimento da lei anterior em vigor, o Decreto nº 12008, de 29 de
Julho de 1926 - prescreviam a natureza urgente dos processos, 'ainda que não
haja réus presos', justificando-se de vário modo a celeridade imprimida, ora
tomando-a como ditada pela urgência na reparação dos prejuízos causados (assim,
M.A. Lopes Rocha, Reflexões sobre a Lei de Imprensa, Lisboa, 1973, pág. 225,
separata do Boletim do Ministério da Justiça, nºs 225 e 226), ora
sublinhando-lhe a manifesta utilidade 'tanto para os arguidos, que podem estar
inocentes e estão afrontados com o processo crime, como para os ofendidos, que
podem estar lesados em seus direitos e têm justificado interesse em verem-se
desagravados o mais rapidamente possível' (como se exprime Manso-Preto,
Anotações à Lei da Imprensa, Coimbra, 1972, pág. 99).
Ocorreu, entretanto, como bem o espelham as
preocupações do legislador de 1975, uma dada rotação axiológica, a implicar
articulação entre a protecção daqueles valores - 'tutela da honra' - com a
necessidade de reforçar o processo de democratização então iniciado de modo a
permitir a liberdade de expressão do pensamento e de informação, que a
dignificação constitucional mais evidenciou ainda, a partir de 1976.
Daqui resulta um frequente conflito, assinalado por
Figueiredo Dias, entre o direito de informação que, em sentido amplo, se recorta
como correspectivo necessário da liberdade de expressão enquanto base de
formação da opinião pública democrática e a tutela efectiva da honra das
pessoas, que a Constituição, centralmente preocupada com a defesa da dignidade
humana (cfr. o seu artigo 2º) não desleixa (cfr., deste autor, 'Direito de
Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Portuguesa' in -
Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 115, pág. 101).
Assim, a ontologia do quadro normativo vigente tem
em conta não só a repercussão que os crimes cometidos através da imprensa
naturalmente adquirem junto das comunidades, nacional ou locais (abstraindo já
dos restantes meios de comunicação social), como a conveniência do julgamento
dos eventuais responsáveis no mais curto espaço de tempo possível.
Como quer que seja, resulta do exposto que,
independentemente do balanceamento sofrido na predominância dos valores
protegidos, sujeito às contingências do devir histórico, constitui tradição
legislativa, nesta área, imprimir aceleração processual mediante expedientes
diversos, tais como a equiparação dos prazos aos dos processos com réus presos
ou o estabelecimento de regras gerais, caso do artigo 49º do texto de 1975,
revogado pelo de 1988, que, na fase dos recursos, reduzia a metade os prazos
processuais.
2.3.- Se as considerações precedentes conduzem ao afastamento da tese
da violação do princípio da igualdade, não se vê, por seu turno, que o
encurtamento dos prazos seja susceptível de bulir com o princípio da presunção
de inocência do arguido.
Com efeito, não só o estatuto de arguido permanece
intocado como a aceleração processual permite um julgamento mais próximo, desse
modo proporcionando que a situação fique apurada mais rapidamente.
O conteúdo significante do princípio não se
conjuga, na verdade, com a argumentação sustentada pelo recorrente segundo a
qual o sacrifício dos princípios processuais gerais, operado pela redução a
metade dos prazos do processo, não só não conduz à aceleração processual como
contraria, na medida da redução, as garantias de defesa.
O princípio da presunção de inocência do arguido,
genericamente consagrado na norma do artigo 32º, nº 2, da CR, contém uma
injunção, dirigida ao legislador ordinário e aos tribunais, para que, dentro do
possível, promovam com celeridade a justiça penal (cfr. acórdão deste Tribunal
nº 353/91, publicado na II Série do Diário da República, de 20 de Dezembro de
1991), pressupondo que a estrutura do processo penal assegura todas as
necessárias garantias práticas de defesa do inocente, 'não havendo razão para
não se considerar inocente quem ainda não foi solene e publicamente julgado
culpado por sentença transitada' (cfr. Germano Marques da Silva - Curso de
Processo Penal, I, Lisboa, 1993, pág. 40).
A esta luz, caberia perguntar como pode o
encurtamento de prazos afectar o 'estado de graça' que a presunção de inocência
implica.
Não é possível, na verdade, apurar o sentido da
invocação daquela norma constitucional, sendo certo que, em qualquer processo,
as partes devem expor claramente os fundamentos por si esgrimidos de modo a que
ao tribunal ad quem sejam explicitamente descritas as razões de discordância com
o julgado (cfr., a este respeito, José Alberto dos Reis, Código de Processo
Civil Anotado, vol. V, Coimbra, 1981, reimpressão, pág. 357; Miguel Teixeira
de Sousa, Sobre a Teoria do Processo Declarativo, Coimbra, 1980, págs. 91 e
segs.).
De qualquer modo, repete-se, aquele princípio
constitucional não é posto em causa pela norma impugnada.
III
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso,
confirmando-se a decisão recorrida, na parte impugnada.
Lisboa, 2 de Fevereiro de 1995
Ass) Alberto Tavares da Costa
Vitor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma (vencida, nos termos da declaração de voto junta)
Luis Nunes de Almeida
Declaração de voto
Votei vencida a decisão constante do presente acórdão
por considerar que o artigo 52º da Lei da Imprensa (com a redacção do
Decreto-Lei nº 377/88, de 24 de Outubro), conjugado com o artigo 411º, nº 1, do
Código de Processo Penal, contraria o disposto no artigo 32º, nºs 1 e 2, da
Constituição.
O princípio da celeridade processual destina-se a
definir rapidamente a situação do arguido - em homenagem à presunção de
inocência - e a promover a eficácia da justiça penal sem diminuir as garantias
de defesa. Ora, o encurtamento substancial dos prazos de recurso (para metade)
afecta as garantias de defesa, que, segundo o nº 2 do artigo 32º, não podem ser
prejudicadas pela celeridade processual, e não é proporcionado à realização de
fins superiores de justiça.
Na realidade, o entendimento de que o encurtamento dos
prazos constitui, no caso em apreço, uma exigência decorrente da tutela da honra
dos ofendidos colide com a exigência de compatibilização entre a celeridade
processual e as garantias de defesa. Este encurtamento é uma restrição objectiva
do direito ao prazo de recurso como garantia de defesa. E, por outro lado, a
intensificação da tutela da honra não torna adequada nem proporcionada, nos
termos do artigo 18º, nº 2, da Constituição, a redução para metade dos prazos
judiciais para o exercício do direito de recurso.
A protecção da honra do ofendido não é um valor superior
à reparação dos danos sociais do crime e ao efeito preventivo-geral das penas em
casos muito mais graves, surgindo desproporcionada uma redução tão drástica dos
prazos de recurso. E a redução dos prazos nem sequer é adequada a obter uma
significativa aceleração do processo penal, cujas principais disfunções e
atrasos se devem, nomeadamente, a situações como a falta reiterada do arguido e
a acumulação de processos.
As) Maria Fernanda Palma