Imprimir acórdão
Proc. nº 728/92
Cons. Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I Relatório:
1. A. interpôs, no Tribunal Administrativo do Círculo de
Coimbra, recurso contencioso de anulação do despacho da CAIXA GERAL DE
APOSENTAÇÕES, de 7 de Maio de 1990, que decidiu um pedido de contagem de tempo
de serviço para efeitos de aposentação, por si formulado, em termos que ele
considerou desfavoráveis.
O recurso foi, no entanto, rejeitado, com fundamento na
sua manifesta ilegalidade, decorrente do facto de o acto impugnado não ser
definitivo, pois só se tornará tal aquando da atribuição do direito à pensão.
2. Inconformado, interpôs recurso jurisdicional da
respectiva decisão para a 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo.
Alegou, inter alia, que o artigo 25º, nº 1, da Lei de
Processo nos Tribunais Administrativos, interpretado como o foi pela decisão do
juiz da 1ª instância, é inconstitucional, por violação do nº 4 do artigo 268º da
Constituição (versão de 1989), pois que - disse - este normativo suprimiu 'os
requisitos tradicionais de definitividade e da executoriedade para a
admissibilidade do recurso contencioso'.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 16 de
Junho de 1992, negou provimento ao recurso.
3. É deste acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
que vem o presente recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, a fim de ser apreciada e decidida a
questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 25º, nº 1, da Lei de
Processo nos Tribunais Administrativos, na interpretação que ela recebeu no
acórdão recorrido.
Neste Tribunal, o recorrente concluiu as suas alegações
do modo que segue:
A) - A fixação do tempo de serviço para efeitos de aposentação pela Caixa de
Aposentações em processo de contagem prévia nos termos do artigo 34º, nº 1, a),
do Estatuto da Aposentação constitui um acto administrativo que lesa os direitos
do recorrente.
B) - Com efeito, não é indiferente a atribuição de 23 anos, 1 mês e 11 dias de
serviço ou a atribuição de 18 anos e 6 dias relativamente ao mesmo período de
tempo de serviço.
C) - A existência dum processo de contagem prévia tem justificação em si mesmo,
não carecendo da instauração subsequente e imediata dum processo de aposentação.
D) - O teor literal do artigo 34º, 2 do Estatuto tem de ser corrigido
hermeneuticamente com os elementos sistemático, teleológico e histórico da
interpretação.
E) - Através duma interpretação que vá além da letra da lei conclui-se que o
acto de fixação da contagem do tempo de serviço em processo prévio constitui um
acto administrativo justificativo da abertura ao recurso contencioso.
F) - Deste modo, o acto administrativo recorrido, preenchendo todos os
requisitos à admissibilidade do recurso contencioso tem total acolhimento no
texto constitucional, no seu artigo 268º, 4.
G) - A douta sentença recorrida, ao entender que só há recurso contencioso de
actos administrativos definitivos de acordo com a redacção do artigo 25º, 1 da
LPTA violou o artigo 268º, 4 da CRP uma vez que este apenas exige para o recurso
contencioso que haja um acto administrativo ilegal lesivo dos interesses e
direitos dos particulares.
H) - Resumindo e concluindo, a douta sentença recorrida violou os artigos 34º,2
do Estatuto da Aposentação, os artigos 25º, 1 da LPTA, e os artigos 18º, 1, 20º,
1, 207º, e 268º, 4 todos da CRP.
Termos em que deve ser julgado inconstitucional o artigo 25º, 1 da LPTA na
interpretação que lhe foi dada pelo tribunal recorrido [...].
A recorrida - depois de afirmar que, 'do nº 1 do artigo
25º da LPTA, numa interpretação conforme com o disposto no artigo 268º, nº 4, da
Constituição', se extrai que 'só dos actos verticalmente definitivos cabe
recurso contencioso'; e que, 'ainda que se admitisse que, após a revisão
constitucional de 1989, passou a haver recurso directo de anulação dos actos
horizontalmente não definitivos, desde que lesivos de direitos ou interesses
legalmente protegidos, nunca caberia tal recurso do acto de que se trata neste
processo, uma vez que o mesmo, em si, não lesou os direitos do recorrente' -
terminou dizendo que 'o artigo 25º, nº 1, da LPTA não contraria o nº 4 do artigo
268º da Constituição [...]'.
4. Corridos os vistos, cumpre decidir a questão de saber
se o artigo 25º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, tal
como foi interpretado pelo acórdão recorrido, é (ou não) inconstitucional, por
violação do nº 4 do artigo 268º da Constituição da República .
É o que vai ver-se.
II. Fundamentos:
5. A norma aqui sub iudicio - artigo 25º, nº 1, da Lei
de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de
Julho) - preceitua como segue:
Artigo 25º. (Actos recorríveis)
1. Só é admissível recurso dos actos definitivos e executórios.
O Supremo Tribunal Administrativo entendeu que este
artigo 25º, nº 1 (interpretado no sentido de considerar irrecorríveis
contenciosamente os despachos da Caixa Geral de Aposentações que decidam,
desfavoravelmente às pretensões dos interessados, os pedidos de contagem prévia
de tempo de serviço para efeitos de aposentação) não viola aquele preceito
constitucional.
É que - disse - tais actos não definem 'em termos
definitivos a concreta situação do recorrente atinente à contagem do seu tempo
de serviço', não constituindo, por isso, a 'última decisão' ou a 'última palavra
em tal domínio'.
E acrescentou:
Deste modo e sem embargo de a decisão relativa à contagem prévia representar a
prática pela entidade da cúpula hierárquica respectiva de um acto insusceptível
de impugnação administrativa necessária, acto esse que representa a resolução de
um incidente autónomo relacionado com o objectivo mediato da pretensão do
interessado - e como tal possa ser qualificada como definitiva - já por seu
turno no que concerne ao conteúdo ou essência do acto, esse qualificativo lhe
não pode caber, já que o mesmo foi pela própria lei transferido para a
'definição final (inovatória) da situação jurídica concreta do interessado' -
conf., neste sentido, o acórdão desta Secção de 15-3-90, in Rec. 27.191, entre
outros.
Com essa faculdade de modificação, a operar a todo o tempo, e até ser proferida
a resolução final 'o legislador mostra claramente que a decisão não é a última
palavra da Administração, nem condiciona ou vincula no aspecto que considera
(tempo de serviço) a resolução a proferir no processo de aposentação, de que nem
sequer é acto pressuposto' - conf. acórdão citado.
A falta de definitividade material de tal acto não prejudica, porém, nem de
forma alguma preclude a garantia, constitucionalmente consagrada do direito ao
recurso contencioso - art. 268º, nº 4, da CRP - a interpor oportunamente da
'resolução final' do processo de aposentação e no qual poderá então invocar
todas e quaisquer ilegalidades e/ou irregularidades que inquinem os pressupostos
em que haja assentado tal 'resolução final'.
Ao cabo e ao resto, o Supremo Tribunal Administrativo
entendeu que o acto de contagem prévia do tempo de serviço para efeitos de
aposentação, representando, embora, a resolução final de um incidente autónomo
(o processo de contagem prévia), não constitui, no processo de aposentação, a
última palavra (a última decisão) quanto a essa contagem, por isso que não
define, em termos definitivos, a concreta situação jurídica do interessado no
tocante ao tempo de serviço relevante para o aludido efeito. E, sendo assim,
entendeu que esse acto não é lesivo de 'direitos ou interesses legalmente
protegidos' do interessado - condição, esta última, necessária para que,
constitucionalmente, tenha que haver recurso contencioso.
6. O processo de aposentação - que se inicia 'com base
em requerimento do interessado ou em comunicação dos serviços de que o mesmo
dependa' (cf. artigo 84º, nº 1, do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo
Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro) - conclui-se com a prolação de uma
resolução final 'sobre o direito à pensão de aposentação e sobre o montante
desta, regulando definitivamente a situação do interessado' (cf. artigo 97º, nº
1, do referido Estatuto).
O montante da pensão (mensal) de aposentação varia 'em
função da remuneração mensal e do número de anos de serviço do subscritor' (cf.
artigo 46º do Estatuto), sendo que este pode requerer, 'em processo de contagem
prévia, até ser instaurado o processo de aposentação', 'a contagem prévia de
tempo de serviço, para efeitos de [...] aposentação' (cf. artigo 34º, nº 1, do
Estatuto).
As resoluções tomadas neste processo de contagem prévia
são - como se acentua no nº 2 do artigo 34º do Estatuto - preparatórias da
aludida resolução final (a resolução prevista no nº 1 do artigo 97º citado). E
mais: conforme preceitua esse nº 2 daquele artigo 34º, essas resoluções podem,
nessa resolução final (e, mesmo, antes dela), ser revistas 'nos termos da alínea
a) do nº 1 do artigo 101º' (ou seja, 'quando, por facto não imputável ao
interessado, tenha havido falta de apresentação, em devido tempo, de elementos
relevantes'); e podem, bem assim, ser 'revogadas ou reformadas com base em
ilegalidade ou modificação da lei'.
As resoluções, proferidas no processo de contagem prévia
de tempo de serviço para efeitos de aposentação, não constituem, assim, a última
palavra da Administração sobre o tempo de serviço relevante para o efeito de
fixação da respectiva pensão: como se viu já, mesmo quanto a esse tempo de
serviço, a situação jurídica do interessado só fica definida, com carácter
definitivo, quando a administração da Caixa proferir a resolução final do
processo de aposentação (cf. o nº 1 do citado artigo 97º). Daí, pois, que o acto
recorrido em nada prejudique o interessado: de um lado, pode ele sempre obter,
mais tarde, a contagem de tempo acrescido; de outro, pode requerer a
aposentação, ainda que, de acordo com a contagem prévia que lhe fora feita, tal
não fosse ainda legalmente admissível; finalmente, nesta última hipótese, se a
aposentação lhe for recusada, poderá ele impugnar contenciosamente o respectivo
acto com base em quaisquer fundamentos de ilegalidade, mesmo que reportados ao
acto de contagem prévia de tempo de serviço.
7. Pergunta-se, então: o artigo 25º, nº 1, da Lei de
Processo nos Tribunais Administrativos, interpretado como foi pelo acórdão
recorrido (ou seja: por forma a considerar contenciosamente irrecorrível a
resolução da Caixa que decidiu desfavoravelmente ao recorrente o pedido, por si
formulado, de contagem prévia de tempo de serviço, para efeitos de aposentação),
violará o artigo 268º, nº 4, da Constituição da República?
Adianta-se, desde já, que a resposta a esta pergunta é
negativa.
O artigo 268º, nº 4, da Constituição da República, após
a 2ª Revisão Constitucional (Lei nº 1/89, de 8 de Julho), dispõe como segue:
4. É garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em
ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua
forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
Comparando este preceito com o do nº 3 do mesmo artigo
268º, na versão de 1982 (a que ele corresponde), verifica-se que, nele, se
eliminou o inciso 'definitivos e executórios' que constava da redacção de 1982.
Ou seja: a 'definitividade' e a 'executoriedade' do acto administrativo deixaram
de ser pressupostos da sua impugnação contenciosa.
A propósito dessa eliminação, ROGÉRIO EHRHARDT SOARES -
depois de referir que houve quem visse aí a intenção de alargar o recurso
contencioso a todos os actos administrativos, mesmo que não 'definitivos e
executórios' - pondera:
Ora parece-me bem que não há motivo para alarmes, porque do que se tratou foi de
dar uma formulação mais correcta e consequente ao texto constitucional.
Primeiro, conseguindo uma expressão mais perfeita do princípio da
accionabilidade. Segundo, expurgando do texto expressões que nos textos
anteriores seriam menos felizes, ou porque eram pleonásticas, ou porque
porventura aparecessem como injustificadamente limitativas do sentido que sempre
se quis impor à garantia constitucional da accionabilidade. (Cf. 'O Acto
Administrativo', Scientia Iuridica, tomo XXXIX, 1990, páginas 25 e seguintes).
De sua parte, J.J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA
(Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, página
939) escrevem, a propósito:
Diferentemente do que acontecia com a anterior redacção do nº 4, o acto
administrativo susceptível de recurso não carece de ser 'definitivo' e
'executório'. Interessa, porém, esclarecer o alcance jurídico‑constitucional da
eliminação da definitividade e executoriedade do acto como pressuposto do
recurso jurisdicional. Em primeiro lugar, poder-se-ia dizer que a Constituição
não fez mais do que purificar o conceito de acto administrativo susceptível de
recurso, pois as dimensões de definitividade e executoriedade já há algum tempo
tinham deixado de ser consideradas dimensões imprescindíveis do acto
contenciosamente impugnável. O que se exige, porém, é que se trate de um
verdadeiro acto administrativo, ou seja, decisão de autoridade tomada no uso de
poderes jurídico- administrativos com vista à produção de efeitos jurídicos
externos sobre determinado caso concreto.
Também ANTÓNIO VITORINO - que interveio na 2ª Revisão
Constitucional - se pronunciou sobre o abandono da referência a 'actos
administrativos e executórios'. Escreveu ele:
No novo nº 4 abandonou-se a referência a 'actos administrativos definitivos e
executórios' passando a estabelecer-se mais genericamente que o recurso
contencioso cabe de quaisquer actos administrativos, desde que eles lesem
direitos ou interesses legalmente protegidos. A solução encontrada pretende
ultrapassar algumas dificuldades geradas pelas diferentes interpretações das
características de executoriedade e definitividade do acto administrativo
expressas abundantemente quer na doutrina quer na jurisprudência, pretendendo
assim não excluir do contencioso administrativo actos que, embora de
qualificação duvidosa, efectivamente produzam o resultado que se pretende
reprimir: afectem direitos ou interesses legalmente protegidos. E também nesta
inovação se pode reconhecer uma assinalável preocupação de comprometer de forma
mais decisiva o contencioso administrativo numa via de ductilização das suas
formas processuais tendo em vista a preocupação de garantir os direitos e
interesses legalmente protegidos dos administrados contra os actos
administrativos que, independentemente da forma, os lesem ou afectem. (cf. o
Prefácio à Constituição da República Portuguesa, AAFDL, Lisboa, 1989, páginas
XCIV a XCV).
Um outro interveniente na 2ª Revisão Constitucional -
JOSÉ MAGALHÃES -pronunciou-se sobre o tema em análise do modo que segue:
Ampliação da possibilidade de recurso contencioso contra actos ilegais (mesmo
que não definitivos e não executórios) lesivos de direitos ou (o que é também
novo) interesses legalmente protegidos (268º/4). Quebra-se assim a histórica
barreira formalista que impediu durante anos os administrados de atacarem um
acto claramente ilegal, antes de a Administração ter concluído as 'fases
preparatórias' e antes de ao mesmo ser conferido carácter executório. (cf.
Dicionário da Revisão Constitucional, Lisboa, 1989, página 20).
De registar são também as seguintes palavras de RUI
MACHETE, proferidas durante os trabalhos parlamentares:
Isto é, faz-se recair directamente a recorribilidade do acto na circunstância de
ele lesar os direitos ou interesses legalmente protegidos. Isto não é uma
modificação tão substancial como à primeira vista parece, mas o que se pretende
é evitar algo, que foi muito nítido na jurisprudência do Supremo Tribunal
Administrativo, e também um pouco na dogmática portuguesa, mas sobretudo na
jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, e que foi o de, ao formalizar
excessivamente as características da definitividade e da executoriedade do acto,
como nessa altura se entendia, acabar por diminuir as garantias de defesa do
administrado, reduzindo as possibilidades de recurso contencioso. Isto é, ao
aceitar que o acto definitivo e executório é um tipo rigorosamente definido por
notas de carácter formal, veio-se a excluir a recorribilidade em relação a actos
que não obedeciam a esse tipo assim rigorosamente definido [...] (cf. Diário da
Assembleia da República, II, nº 55-RC, de 7 de Novembro de 1988, página 1740):
Prosseguindo, pois.
A garantia de recurso contencioso - disse este Tribunal
no seu acórdão nº 39/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 11º, página
233; Boletim do Ministério da Justiça, nº 374, página 114; O Direito, ano 121º,
1989, IV, página 791; Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,
volume XXIX, 1988, página 459; e Anuário da Administração Pública, ano VI, tomo
I, 1988, página 291), retomando o que já antes havia afirmado, entre outros, no
acórdão nº 86/84 - 'tem por conteúdo a possibilidade de acesso aos tribunais
para defesa dos direitos. O que se quer é 'fazer valer de forma expressa para os
actos administrativos definitivos e executórios [...] a doutrina geral
consignada pela primeira parte do artigo 20º, quando dispõe que a todos é
assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e
interesses legítimos [...]''. Garante-se aí aos interessados a possibilidade de
impugnação dos actos administrativos viciados.
A garantia do recurso contencioso visa, pois, a
invalidação de actos administrativos ilegais que sejam lesivos de direitos ou
interesses legalmente protegidos do interessado.
O recurso contencioso pressupõe, assim, a existência de
um verdadeiro acto administrativo. E este é - nas palavras de ROGÉRIO E. SOARES
(loc. cit.) - 'um acto de autoridade que produz efeitos externos', 'um acto da
Administração [que] define a situação jurídica de terceiros' (cf. também, do
Autor citado, Direito Administrativo, lições policopiadas, Coimbra, 1978, página
76).
É justamente porque o acto administrativo é uma decisão
de autoridade com efeitos externos sobre determinado caso concreto que os actos
internos (por exemplo, os pareceres) e os actos preparatórios não são
contenciosamente recorríveis.
Como acentuam J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA
(Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, página
939), nos actos internos e nos actos preparatórios, 'não existem efeitos
externos ou existem apenas efeitos prodómicos de um acto procedimental que só se
torna acto decisório através do acto conclusivo do procedimento'. Só assim não
será - dizem os mesmos Autores -, quando tais actos sejam, de per si, 'idóneos
para produzir efeitos imediatamente lesivos (e, por conseguinte, efeitos
externos)': neste caso, com efeito, eles 'têm já efeitos próprios de um acto
administrativo', e, por isso, são contenciosamente impugnáveis.
Para poder recorrer-se contenciosamente - a mais do que
tratar-se de um acto administrativo (no sentido que se deixou apontado) -
necessário é ainda, como se viu já, que esse acto seja lesivo de 'direitos ou
interesses legalmente protegidos' do interessado, ou seja, que produza uma
ofensa de uma sua situação (ou posição) jurídica subjectiva de natureza
substantiva.
'Não basta assim - diz ROGÉRIO E. SOARES, loc. cit.,
página 34 - que o acto seja um daqueles que pela sua natureza concretiza um
comando perturbador da ordem jurídica, é preciso que o seu estado de virulência
seja actual, não apenas potencial'.
O recurso contencioso é, com efeito - como também
sublinham J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República
Portuguesa Anotada, página 941) - 'um meio de defesa de posições jurídicas
subjectivas', 'substantivamente caracterizadas'.
8. Do que vem de dizer-se decorre que, quer a eliminação
do inciso 'definitivos e executórios', que constava do nº 3 do artigo 268º da
Constituição, na versão de 1982, tenha significado apenas uma purificação do
conceito de acto administrativo susceptível de ser contenciosamente impugnado
('uma [sua] formulação mais correcta e consequente'), quer tenha um alcance
diverso, uma coisa é certa. E é esta : o que a garantia constitucional da
accionabilidade dos actos administrativos ilegais procura assegurar é que haja
sempre a possibilidade de sindicar judicialmente, com fundamento na sua
ilegalidade, todo e qualquer acto de autoridade que produza ofensa de situações
juridicamente reconhecidas (isto é, que tenha efeitos externos). Mas, do domínio
do contencioso de anulação, há-de, no entanto, 'excluir-se todo e qualquer acto
que não esteja a concretizar lesões, todo o acto que no procedimento serve
apenas actos de primeira grandeza' (ROGÉRIO E. SOARES, loc. cit., página 32).
A este propósito, já antes da 1ª Revisão Constitucional,
A. BARBOSA DE MELO, J.M. CARDOSO DA COSTA e J.C. VIEIRA DE ANDRADE (Estudo e
Projecto de Revisão da Constituição, Coimbra, 1981, página 291) - que, ao
tratarem do direito ao recurso contencioso (artigo 237º), não faziam qualquer
referência à definitividade ou executoriedade do acto - escreveram:
Deixa de fazer-se referência à categoria de 'actos definitivos e executórios',
não tanto (não só) em virtude das críticas que dogmaticamente lhe podem (com
justiça) ser dirigidas, mas por levar a uma interpretação restritiva ou
deformante da garantia contenciosa em causa.
O princípio constitucional que importa consagrar é o da sindicabilidade de toda
a actividade administrativa que afecte os direitos ou interesses legalmente
protegidos dos administrados.
E mais adiante:
A garantia funciona, assim, sempre que haja uma lesão efectiva dos direitos ou
interesses dos administrados, ficando proibida à lei a exclusão de certos actos
ou categorias de actos do seu âmbito ou a limitação abusiva, injustificada ou
desproporcionada deste.
O sentido da garantia constitucional de recurso
contencioso contra actos administrativos ilegais é, portanto, esta: ali onde
haja um acto da Administração que defina a situação jurídica de terceiros,
causando-lhe lesão efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente
protegidos, existe o direito de impugná-lo contenciosamente, com fundamento em
ilegalidade. Tal direito de impugnação contenciosa já não existe, se o acto da
Administração não produz efeitos externos ou produz uma lesão de direitos ou
interesses apenas potencial.
9. Pois bem: in casu, o que, justamente, acontece é que
o acto de que se interpôs recurso contencioso de anulação (a saber: a resolução
proferida no processo de contagem prévia do tempo de serviço para efeitos de
aposentação) não representa a última palavra da Administração na matéria: ela
pode vir a ser revista, revogada ou reformada, maxime, na resolução final que
vier a ser proferida no processo de aposentação (cf. supra, 6).
Sendo isto assim (isto é, não tendo a resolução
recorrida definido a situação jurídica do interessado, no que concerne ao tempo
de serviço relevante para efeitos do cálculo da pensão de aposentação, com
carácter definitivo), não causou ela lesão efectiva do respectivo direito. Essa
lesão, a existir, é meramente potencial.
Deste modo, mesmo não podendo recorrer-se
contenciosamente dessa resolução, não se viola a garantia constitucional da
accionabilidade dos actos administrativos ilegais.
Conclui-se assim que o artigo 25º, nº 1, da Lei de
Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho),
interpretado como o foi pelo acórdão recorrido (isto é: interpretado no sentido
de considerar irrecorríveis contenciosamente as resoluções da Caixa Geral de
Aposentações, que decidam, desfavoravelmente às pretensões dos interessados, os
pedidos de contagem prévia de tempo de serviço para efeitos de aposentação), não
viola o artigo 268º, nº 4, da Constituição, nem qualquer outro preceito ou
princípio constitucional.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o
acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de inconstitucionalidade.
Lisboa, 11 de Janeiro de 1995
Messias Bento
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
José de Sousa e Brito
Luís Nunes de Almeida
Guilherme da Fonseca (vencido, conforme declaração de voto junta).
José Manuel Cardoso da Costa
Processo nº 728/92
2ª Secção
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido, pois concederia provimento ao recurso,
revogando-se o acórdão recorrido, para ser reformado de acordo com o juízo de
inconstitucionalidade do artigo 25º, nº 1, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de
Julho (LPTA), na interpretação que lhe teria sido dada pelo acórdão, isto é,
'interpretado no sentido de considerar irrecorríveis contenciosamente as
resoluções da Caixa Geral de Aposentações, que decidam, desfavoravelmente às
pretensões dos interessados os pedidos de contagem prévia de tempo de serviço,
para efeitos de aposentação', por quanto tal interpretação seria violadora do
artigo 268º, nº 4, da Constituição.
Em síntese, e aceitando que se trata de um
controlo normativo e não, como aparenta ser, um controlo de acto
administrativo, caso em que não haveria lugar ao conhecimento do recurso de
constitucionalidade, alinharia, para alcançar aquele juízo de
inconstitucionalidade material, as seguintes considerações:
1. Partindo da afirmação do acórdão de que 'a
garantia constitucional da accionabilidade dos actos administrativos ilegais
procura assegurar (...) que haja sempre a possibilidade de sindicar
judicialmente, com fundamento na sua ilegalidade, todo e qualquer acto de
autoridade que produza ofensa de situações juridicamente reconhecidas (isto é,
que tenha efeitos externos)', e que merece a minha inteira adesão, entendo,
todavia, que dela não foram extraídas todas as virtualidades que a actual
redacção do nº 4 do artigo 268º da Constituição, após a revisão de 1989, permite
atingir.
2. Pode-se ser tentado a dizer que, a partir da
nova redacção deste texto constitucional, passaram a ser passíveis de recurso
contencioso todos os actos proferidos pela Administração, no uso do seu poder
administrativo, precisamente porque, ao contrário do preceituado no nº 3, do
artigo 268º, da Constituição, antes da revisão, deixou de se fazer referência
àqueles requisitos da definitividade e da executoriedade.
Contudo, não é assim. Basta atentar em que o novo
texto contém uma precisão que não constava da anterior redacção e que se traduz
na exigência de que os actos administrativos a impugnar pelos interessados lesem
os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
Assim, enquanto a redacção anterior permitia aos
interessados o recurso contencioso contra quaisquer actos administrativos
definitivos e executórios, o actual preceito consente-o em relação a quaisquer
actos administrativos que lesem os seus direitos ou interesses.
Importa, por isso, analisar o que são esses actos
administrativos, na óptica que aqui importa dos actos definidores de uma
relação jurídico-administrativa.
Segundo se colhe das actas dos trabalhos da
Comissão Eventual da Revisão Constitucional, as alterações introduzidas não
são tão substanciais como à primeira vista poderia parecer, mas são
suficientemente substanciais para permitirem uma nova leitura do acto
administrativo. Pretendeu-se fundamentalmente evitar aquilo que se referiu
como a excessiva formalização das características da definitividade e
executoriedade dos actos administrativos a que se deixaram conduzir a dogmática
portuguesa e sobretudo o Supremo Tribunal Administrativo, a qual acabava por
reduzir as garantias de defesa dos administrados. 'Exasperação formalista' lhe
chamou o presidente da Comissão - cfr. Diário da Assembleia da República, II
série, nº 55 R.C., pág 740, e nº 94-R.C., pág 2738.
Pelos termos da discussão travada na Comissão de
Revisão, facilmente se alcança que os constituintes foram sensíveis às criticas
aceradas que alguns administrativistas dirigiam, e bem, à conceptualização dos
requisitos da definitividade e da executoriedade dos actos administrativos, com
particular relevo para Rogério Soares - vide Lições de Direito Administrativo
ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra de 1977/1978, maxime págs. 73 a 76 e 171 a 191, e
Enciclopédia Polis, 1, págs 102 a 106. Vide também Sérvulo Correia, Noções de
Direito Administrativo, vol. I, págs. 290 e seguintes, 310 e seguintes e 318 e
seguintes.
Considera Rogério Soares, fundamentalmente no que
toca à definitividade, que não faz sentido distinguir entre actos definitivos e
não definitivos, porquanto a característica de definitividade, salvo aquilo que
se designa por definitividade vertical (traduzida no facto de o acto ter sido
ou não proferido pelo órgão de topo da hierarquia), ou é característica dos
próprios actos administrativos ou não tem significado. Quer ele aludir aos
requisitos da definitividade horizontal e material - e são estes os que importam
in casu - que os autores como Marcelo Caetano e Freitas do Amaral sustentam
serem necessários para a recorribilidade dos actos administrativos - vide
Manual de Direito Administrativo, vol. I, 10ª edição, págs 443 a 447, e Direito
Administrativo, vol. III, págs. 184 e seguintes, respectivamente.
Sem embargo, os trabalhos preparatórios da
revisão constitucional mostram que os constituintes, embora sensíveis às
críticas atrás referidas, não acolheram na totalidade a construção defendida por
Rogério Soares, segundo a qual, na esteira da doutrina alemã, os actos
administrativos são os actos jurídicos com efeitos externos. Segundo tal
concepção, ou construção, um acto jurídico praticado pela Administração, no uso
do seu poder administrativo, será um acto administrativo - e por isso recorrível
- se causar lesão aos direitos ou interesses legítimos dos interessados. Assim,
será desnecessária a referência expressa ao elemento da necessidade de lesão do
interessado, uma vez que tal elemento faz parte do conceito de acto
administrativo. Ora, a verdade é que os constituintes entenderam conveniente
especificar a necessidade de os actos administrativos, para serem recorríveis,
lesarem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Parece,
pois, que se mostrou inclinação pela mais recente construção da doutrina
francesa, segundo a qual são recorríveis as 'decisions faisant grief', os actos
lesivos dos cidadãos - vide Rogério Soares, Polis, pág. 102, e Gomes Canotilho,
Revista de Legislação e Jurisprudência, nº 3790, pág. 20.
3. Posto isto, o que importa saber é se o acto
administrativo em causa da Caixa Geral de Aposentações - e trata-se apenas de
buscar uma qualificação relevante para o controlo normativo de
constitucionalidade - é ou não um acto lesivo dos direitos ou interesses
legalmente protegidos do recorrente.
Contrariamente ao que sustenta o acórdão,
apontando superficialmente para o entendimento de que não causou o acto 'lesão
efectiva do respectivo direito' ('Essa lesão, a existir é meramente potencial'),
parece-me que se verifica a lesão exigida no nº 4 do artigo 268º, como elemento
integrante da legitimidade activa dos interessados para o exercício do direito
ao recurso contencioso.
Na verdade, e como vem reconhecido no acórdão,
trata-se in casu de um procedimento administrativo - 'processo de contagem
prévia' como vem rotulado -, que nada tem a ver com o 'processo de aposentação'
e, por isso mesmo, assume a caracterização de 'incidente autónomo',
talqualmente entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, sendo a decisão dessa
contagem prévia do tempo de serviço o acto final, horizontalmente final, do dito
procedimento administrativo.
A lei - o nº 1 do artigo 34º do Estatuto da
Aposentação referenciado no acórdão - assegura, assim, aos interessados que
conheçam o seu tempo de serviço, e só isso, permitindo-lhes, deste modo, que
controlem a oportunidade para exercerem o direito a aposentação voluntária.
A finalidade de tal procedimento administrativo,
é, pois, a de possibilitar aos interessados um controlo da oportunidade de se
disporem à aposentação, com reflexo na vivência diária, uma vez que se
desligarão do serviço, o que releva, por exemplo, nas situações em que não há
coincidência entre a residência profissional e a residência familiar (pense-se
no funcionário que trabalha nas regiões autónomas e tem a família no continente
ou o inverso).
Consequentemente, a decisão da contagem prévia do
tempo de serviço, pondo fim ao procedimento administrativo, pode ser
desfavorável aos interesses legalmente protegidos do requerente, por haver um
desfasamento, mormente por erro, entre as duas contagens, a dele próprio e a da
Caixa Geral de Aposentações. Desfasamento que pode vir a atingir os projectos
de vida do interessado, que estaria a pensar estar em condições de se aposentar
voluntariamente.
Tanto bastará para ver aí uma lesão desses
interesses, mais do que suficiente para caracterizar a decisão como acto
administrativo, na perspectiva finalistica do acto que pode preencher o
pressuposto processual relativo ao objecto do recurso contencioso.
Nem se diga, como parece ser a tese do acórdão,
que tal decisão é acto instrumental, porque 'não representa a última palavra da
Administração na matéria: ela pode vir a ser revista, revogada ou reformada,
maxime, na resolução final que vier a ser proferida no processo de aposentação',
pois, 'quando o acto instrumental do procedimento não se limita a produzir
efeitos prodrómicos, antes se apresenta com autonomia funcional e com eficácia
lesiva imediata, ele pode e deve ser susceptível de impugnação jurisdicional'
(Gomes Canotilho, Revista citada, nº 3793, pág. 118, referindo ainda noutro
passo: 'Só que, como assinala hoje a doutrina, os actos preparatórios do
procedimento podem não ter efeitos meramente prodrómicos, antes são
susceptíveis de se apresentarem com efeitos imediatamente lesivos de direitos e
interesses legalmente protegidos (cfr., por ex. Nigro, Procedimento
amministrativo e tutela giurisdizionale, in Riv. Dir. Proc. Civ., 1980, p. 252)'
- pág. 117). Não poderia ser, aliás, de outro modo, pois a resolução final de um
processo de aposentação - distinto do procedimento administrativo em causa -
implica necessariamente com o tempo de serviço do interessado.
4. Que a tese aqui defendida encontra hoje eco na
doutrina, é o que ressalta do que se passa a registar:
- para Maria Teresa de Melo Ribeiro, dando
'inteiro aplauso à recente revisão do texto constitucional em 1989 com a
consequente supressão da qualificação dos actos administrativos como
definitivos e executórios da garantia do recurso contencioso', e a propósito da
defesa do tema da inconstitucionalidade do questionado artigo 25º, duas são as
conclusões a retirar da 'supressão do carácter definitivo do acto':
'A primeira conclusão a extrair do nº 4 do artigo 268º da Constituição, é a de
que o legislador constitucional, no seguimento da tendência já evidenciada na
doutrina e na própria legislação ordinária (ETAF), optou pela concepção
restrita do acto administrativo (...). Caso contrário, teríamos de considerar
sindicáveis todos os actos da Administração que só produzem efeitos jurídicos
nas relações interorgânicas ou que não contêm qualquer definição de uma
situação jurídico-administrativa e que por essa razão são insusceptíveis de
causar lesão na esfera jurídica de um particular (...).
A segunda conclusão, e que representa uma modificação substancial do
tradicional modelo administrativo português, consiste na possibilidade de
impugnação imediata de todos os actos administrativos lesivos dos direitos ou
interesse legítimos dos particulares, resultando daí a facultatividade do
recurso hierárquico' (Direito e Justiça, vol. VII, 1993, pág. 221/223)
- para Mário Torres, perguntando 'Que actos são
esses?' (os actos administrativos contenciosamente impugnáveis), a resposta é:
'São todos os actos lesivos, que, mesmo que não sejam definitivos e executórios,
são contenciosamente impugnáveis.
Nesta perspectiva, se a fórmula 'actos administrativos definitivos e
executórios' usada no artigo 25º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais
Administrativos, tiver o sentido tradicional, como me parece que tem, essa
norma será inconstitucional, na medida em que tem um conceito de administrativo
recorrível mais restrito do que o que foi consagrado na segunda revisão
constitucional' (Scientia Juridica, tomo XXXIX, 1990, pág. 48).
- para José Osvaldo Gomes, 'o legislador
constitucional não pode ter querido mudar alguma coisa - não prevê agora a
definitividade e executoriedade - para que tudo ficasse na mesma'.
'Têm assim de se interpretar os normativos constitucionais e legais que garantem
o acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legítimos dos
particulares, de acordo com um critério conforme com uma tutela judicial
efectiva.
É aliás, o que se impõe face à consagração de um Estado de Direito baseado na
garantia da efectivação dos direitos e liberdades fundamentais (v. arts. 2º e
9º/b da CRP), e no princípio da tutela judicial efectiva (v. artigo 205º e
208º/2 da CRP), que impedem qualquer utilização de um critério interpretativo
'contra cives'' (Revista de Direito Público, ano VII, nº 13, pág. 70):
- e o mesmo Autor defende ainda que:
'(...) a tutela judicial efectiva e a garantia do recurso contencioso
constitucionalmente asseguradas resultariam gravemente limitadas no seu alcance
se a admissibilidade do recurso estivesse dependente de uma actual e efectiva
lesão dos direitos e interesses legalmente protegidos.
Sempre que o acto seja potencialmente lesivo ou susceptível de lesar direitos ou
interesses legítimos, está, em meu entender, legitimada a sua impugnação
contenciosa' - pág. 71.
- para J. E. Gonçalves Lopes, com importantes
contributos doutrinais, colocando a pergunta: 'Esta discrepância, 'garantia de
recurso de acto lesivo'/'admissão de recursos só de acto definitivo', leva à
caducidade, por inconstitucionalidade superveniente do citado artº 25º, nº 1,
com a entrada em vigor da lei da II Revisão Constitucional, a Lei Constitucional
nº 1/89, de 8 de Julho, em 7 de Agosto de 1989 (artº 208º da citada Lei)'?, a
resposta é:
'O artº 25º, nº 1, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, verdadeiramente
apenas vem regulamentar a tramitação do recurso contencioso dos actos
administrativos definitivos e executórios, os actos que assumiam o papel de
produtores de efeitos jurídicos, e nos estritos termos do artº 268º, nº 3, I
parte, da Constituição, na versão resultante da revisão constitucional de 1982.
Ao passo que a Constituição, após 1989, vem permitir o recurso contencioso dos
actos lesivos (artº 268º, nº 4), impondo essa permissão contra todas as
entidades públicas (artº 18º, nº 1).
Assim, não nos parece que aqui haja uma sobreposição de segmentos normativos em
atrito.
Na verdade, o artº 268º, nº 4, da Constituição, é imediatamente eficaz e actual,
'por via directa da Constituição e não através da auctoritas interpositio do
legislador', e vincula os tribunais ao conhecimento de eventual recurso
contencioso interposto de acto lesivo.
Por outro lado, decorre do também já acima explanado, que uma das dimensões do
acto administrativo qualificado de 'definitivo' era o traduzir uma lesão
directa e actual de um particular, sentido que agora é constitucionalmente
consagrado.
Daí que estejamos, não no campo da recusa de aplicabilidade de uma norma, mas
sim no da sua interpretação em conformidade com a Constituição, ou seja, uma
interpretação que recupera na norma legal em causa a constitucionalidade 'que ia
na sua normativa intenção'' (Revista de Direito Público, ano VIII, nº 14, pág.
63).
5. Confortado, assim, com a doutrina
administrativista mais recente, e indo ao encontro do que defendi na obra
'Direito Processual Administrativo Contencioso', 2ª ed., pág. 76/79, não me
pareceu ousado acompanhar o recorrente e chegar mesmo a um juízo de
inconstitucionalidade material do artigo 25º, nº 1 do Decreto-Lei nº 267/85, de
16 de Julho (LPTA), na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão.
Guilherme da Fonseca