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Processo nº 387/94
2ª Secção
Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do
Tribunal Constitucional:
1. Nos presentes autos de recurso contencioso vindos do Supremo Tribunal
de Justiça em que figuram como recorrente A., magistrado judicial, e recorridos
o Conselho Superior da Magistratura e o Ministério Público, tendo presente a
EXPOSIÇÃO do Relator, a qual se dá aqui por reproduzida, e que mereceu inteira
concordância do Ministério Público e do recorrente - apenas acrescentando este
que não pode, 'com base no preceituado no nº 2 do artº 84º da LTC, ser condenado
em custas', na base de que 'não tem qualquer responsabilidade na subida do
processo ao TC, assim como não tem qualquer responsabilidade no facto de o STJ
ter decidido a questão de constitucionalidade em acórdão interlocutório' -,
nada tendo dito o Conselho Superior da Magistratura, e uma vez que o
recorrente, tendo obtido ganho de causa no recurso contencioso, não tem
interesse em dar continuidade ao presente recurso, decide-se não tomar
conhecimento dele.
Vai o recorrente condenado em custas, fixando-se a taxa de justiça em cinco
unidades de conta, porquanto, na perspectiva do disposto no artigo 446º do
Código de Processo Civil, uma vez que tendo interposto recurso, para 'subir após
a decisão que ponha termo ao processo', após a notificação da decisão que lhe
foi favorável, não desistiu desse recurso.
Lisboa, 11 de Janeiro de 1995
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
José de Sousa e Brito
Luís Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa
Processo nº 387/94
2ª Secção
Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
EXPOSIÇÃO
1. A., com os sinais dos autos, magistrado judicial, recorreu
contenciosamente, ao abrigo dos artigos 168º e seguintes do Estatuto dos
Magistrados Judiciais (EMJ), aprovado pelo Decreto-Lei nº 21/85, de 30 de Julho,
para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), da deliberação do Conselho Superior da
Magistratura (CSM), de 30 de Junho de 1992, publicada no Diário da República,
II Série, de 13 de Julho de 1992, que o graduou em 45º lugar no concurso
curricular de acesso àquele Supremo Tribunal, aberto por aviso publicado no
Diário da República, II Série, de 2 de Dezembro de 1991. Recurso que deu origem
aos presentes autos, com a data de 21 de Setembro de 1992.
O recorrente alegou então que a deliberação recorrida não usou do mesmo
critério para a graduação dos recorrentes colocados entre o 24º lugar e aquele
em que ficou posicionado, e que a mesma deve ser substituída por outra que o
gradue no lugar a que se acha com direito e que, segundo o mesmo, é precisamente
o 24º na ordem dos candidatos admitidos.
Entende o recorrente que aquela deliberação enferma dos vícios de violação
de lei, por erro quer nos pressupostos de facto, quer de direito, e, bem assim,
de forma, por falta de fundamentação, pelo que requer a sua anulação.
Contra-alegou o CSM , pugnando pela improcedência do recurso, e, na fase da
resposta do recorrente às contra-alegações da entidade recorrida, veio o mesmo
recorrente arguir a incompetência em razão da matéria do próprio tribunal para
onde interpusera o recurso contencioso, afirmando que 'constato agora que o
Supremo Tribunal de Justiça é materialmente incompetente para conhecer do
presente recurso' (fls. 186).
Tal 'constatação' levou o recorrente a concluir que, atribuindo o artigo
168º, nº 1, do EMJ competência ao STJ para conhecer do recurso das deliberações
do CSM, com a 2ª revisão constitucional aquela norma tornou-se materialmente
inconstitucional por violar o preceito do nº 3 do artigo 214º da Constituição
(CRP).
Na verdade, dada a existência obrigatória de tribunais administrativos
(artigo 211º, nº 1, alínea a), da CRP), compete a estes tribunais, nos termos
daquele preceito, o julgamento dos recursos contenciosos que tenham por objecto
dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e
fiscais - é a razão essencial da tese do recorrente.
O CSM respondeu, dizendo que a excepção de incompetência absoluta invocada
pelo recorrente não procede, sendo competente para a apreciação da matéria o
STJ.
Por sua vez, o STJ, por acórdão de 17 de Fevereiro de 1994, considerou,
entre o mais, improcedente a referida excepção, afirmando:
'A competência material para conhecer do recurso das deliberações do Conselho
Superior da Magistratura é atribuída ao Supremo Tribunal de Justiça pelo art.
168º, nº 1, da Lei 21/85 [Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ)].
Mas - diz o Exmº Desembargador A. -, com a 2ª revisão (Lei Constitucional 1/89,
de 8 de Julho), aquela norma tornou-se materialmente inconstitucional por violar
o preceito do nº 3 do art. 214º da Constituição que, dada a existência
obrigatória de tribunais administrativos (art. 211º, nº1, al. b), do Diploma
Fundamental), comete, sem excepção, a esses tribunais a competência para o
julgamento dos recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios
emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
Não cremos, porém, que a razão esteja do lado do Exmº Recorrente.
E supomos que podemos demonstrá-lo fácil e rapidamente com base nos próprios
textos da Constituição, Diploma a que pertencerão os preceitos a citar e a que
não seja indicada origem.
Com efeito, depois de no art. 206º se proclamar a independência dos tribunais,
de no art. 212º se afirmar que o Supremo Tribunal de Justiça é o órgão superior
da hierarquia dos tribunais judiciais, sem prejuízo da competência própria do
Tribunal Constitucional (sem qualquer referência ao Supremo Tribunal
Administrativo), de no art. 214º proclamar que o Supremo Tribunal Administrativo
é o órgão superior da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais (e não
de outros órgãos da Administração, como é o caso do Conselho Superior da
Magistratura) e de no art. 217º se determinar que o acesso ao Supremo Tribunal
de Justiça se faça por concurso curricular, nos termos que a lei determinar,
culmina-se no art. 219º, nº 1, ao afirmar que a promoção dos juizes dos
tribunais judiciais compete ao Conselho Superior da Magistratura, acrescentando
'nos termos da lei', referência indubitável ao EMJ.
Quer dizer: é a própria Constituição que assume por inteiro o EMJ (Lei 21/85, de
30 de Julho), ao remeter, sem excepcionar qualquer preceito (portanto, também a
norma do art. 168º, nº 1), para a lei ordinária vigente que regule a promoção
dos juízes dos tribunais judiciais.
Ora sendo a Constituição a mandar aplicar determinada lei (pré-existente), é
evidente que essa lei não pode deixar de ser materialmente constitucional.
E, confirmando esta conclusão, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e
Fiscais (Decreto-Lei 129/84, de 27 de Abril, alterado por ratificação, pela
Lei 4/86, de 21 de Março - posterior ao EMJ), no seu art. 24º, al. d), atribui
ao pleno da Secção de Contencioso Administrativo competência para conhecer dos
recursos de actos do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais,
e não do órgão paralelo dos tribunais judiciais (art. 219º, nºs 1 e 2, da
Constituição) - o Conselho Superior da Magistratura.
Nem tem valor o argumento extraído do art. 26º, nº 1, al. d), do ETAF, que
atribui à jurisdição administrativa competência para conhecer dos recursos dos
actos, em matéria administrativa, do Conselho Superior do Ministério Público,
porque, contrariamente à Magistratura Judicial, que é uma magistratura
independente, a Magistratura do Ministério Público, embora autónoma, é
responsável e hierarquicamente subordinada (art. 221º) , não ocorrendo as razões
que estão no fundamento de uma magistratura judicial que se administra a si
própria, como é, constitucionalmente, a portuguesa'.
Inconformado com esta decisão, por continuar 'a sustentar que o referido
artigo 168º , nº 1, viola , na verdade, o artº 214º, nº 3, da Constituição',
dela interpôs o recorrente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto no artigo 70º nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro
(LTC), o presente recurso.
Por despacho do Relator no juízo a quo, de 10 de Março de 1994, o recurso
foi admitido com subida em diferido e sem efeito suspensivo (cfr. fls. 235).
Na sequência da decisão na qual se deu por competente, veio logo o STJ,
por acórdão de 26 de Maio de 1994, a conhecer da questão de fundo, decidindo
'conceder provimento ao recurso e, em consequência, anular os actos de graduação
dos concorrentes ao acesso ao Supremo Tribunal de Justiça constantes da
deliberação do Conselho Superior da Magistratura de 30 de Junho de 1992,
publicada no Diário da República, II Série, de 13/7/92, entre as graduações em
24º (Desembargador B.) e 45º lugares (o Exmº Recorrente), a fim de ser
reformulada, com aplicação ao Exmº Recorrente do mesmo critério usado para a
graduação dos concorrentes nesses referidos lugares, e, assim, vir a ser
graduado no lugar que lhe compete'.
2. O relato feito evidencia que o STJ começou por, num primeiro acórdão, de
17 de Fevereiro de 1994, julgar improcedente a excepção de incompetência
absoluta daquele Tribunal, levantada pelo recorrente, não considerando
inconstitucional a norma arguida de tal vício, e só, posteriormente, num segundo
acórdão, de 26 de Maio de 1994, conheceu da questão de mérito, satisfazendo
integralmente a sua pretensão.
Daí que uma das questões que se coloca, no plano processual, desde já,
neste momento, é a de saber se ainda existe utilidade no conhecimento do
presente recurso, o que se prende com os pressupostos processuais desse recurso,
sendo prioritário dela conhecer.
Essa utilidade liga-se, antes de mais, ao interesse juridicamente
relevante do próprio recorrente, e reflecte-se num segundo momento na sua
própria legitimidade para recorrer.
O 'interesse' pode configurar-se de dois modos: interesse em agir ou
processual e interesse material.
O interesse em agir, para Fernando Luso Soares, 'consiste no facto de o
demandante estar carecido de tutela judicial. O interesse em agir é interesse em
utilizar a máquina judiciária - interesse ou necessidade de recorrer ao processo
(...)'.
E acrescenta aquele Autor, na linha do ensinamento de Manuel Andrade:
'Eis, fundamentalmente, um pressuposto destinado a evitar que se profiram
decisões inúteis ou desnecessárias, isto no que concerne a ambas as partes
(...).
Do interesse em agir se distingue o interesse material. O interesse em agir é
processual, secundário e instrumental em relação ao interesse substancial
primário e tem por objecto a providência solicitada ao tribunal através da qual
se procura ver satisfeito aquele dito primário, lesado pelo comportamento da
contraparte. Logo, o interesse em agir pressupõe a lesão do tal interesse
substancial e a vontade de uma providência para a sua integração (...). Aliás,
isto mostra que este requisito não se destina a garantir a eficácia da sentença:
o que interessa é a sua utilidade; e, não fora ele exigido - seria exercida em
vão a actividade jurisdicional' (Processo Civil de Declaração, Almedina, 1985,
págs.443/444).
Manuel Andrade referia 'uma razão de interesse público':
'Sendo as jurisdições estaduais mantidas a expensas da colectividade, os
particulares só devem ser admitidos a tomar-lhes o tempo e a actividade quando
os seus direitos estejam realmente carecidos de tutela judiciária (Schönke)'
(Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, pág. 82).
Segundo outros Autores (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e
Nora),'O interesse processual consiste na necessidade de usar do processo, de
instaurar ou fazer prosseguir a acção'.
Dizem eles:
'Chamam-lhe os autores italianos interesse em agir e dá-lhe a doutrina
germânica, com maior propriedade, o nome de necessidade de tutela judiciária
(Rechtsschutzbedürfnis).
O autor tem interesse processual, quando a situação de carência, em que se
encontre, necessite da intervenção dos tribunais.
(...).
Relativamente ao autor, tem-se entendido que a necessidade de recorrer às vias
judiciais, como substractum do interesse processual, não tem de ser uma
necessidade absoluta, a única ou a última via aberta para a realização da
pretensão formulada. Mas também não bastará para o efeito a necessidade de
satisfazer um mero capricho (de vindicta sobre o réu) ou o puro interesse
subjectivo (moral, científico ou académico) de obter um pronunciamento judicial.
O interesse processual constitui um requisito a meio termo entre os dois tipos
de situações. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável,
fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção (...) - mas
não mais do que isso. (...).
O interesse processual não se confunde com os restantes pressupostos processuais
(...).
E também se não identifica a legitimidade, embora assente no interesse em
demandar ou em contradizer, com o interesse processual.
O autor pode ser o titular da relação material litigada e ser consequentemente a
pessoa que, em princípio, tem interesse na apreciação jurisdicional dessa
relação e não ter, todavia, em face das circunstâncias concretas que rodeiam a
sua situação, necessidade de recorrer à acção (...). Uma coisa é, de facto, a
titularidade da relação material litigada, base da legitimidade das partes;
outra, substancialmente distinta, a necessidade de lançar mão da demanda, em
que consiste o interesse em agir.
Duas razões ponderosas justificam a relevância do interesse processual, cuja
necessidade transparece em algumas disposições legais.
Pretende-se, por um lado, evitar que as pessoas sejam precipitadamente forçadas
a vir a juízo, para organizarem, sob cominação de uma sanção grave, a defesa dos
seus interesses, numa altura em que a situação da parte contrária o não
justifica.
Procura-se, por outro lado, não sobrecarregar com acções desnecessárias a
actividade dos tribunais, cujo tempo é escasso para acudir a todos os casos em
que é realmente indispensável a intervenção jurisdicional' (Manual de Processo
Civil, 2º ed., Coimbra Editora, 1985, págs 179//182).
É, ainda, José João Baptista (Processo Civil, edições U. L.. 1988,
págs.130/131) que, a propósito do interesse processual (só do autor), e dentro
dos 'pressupostos processuais inominados' escreve:
'[A]lguns processualistas consideram o interesse em agir com autonomia em
relação a outro pressuposto nominado, que é a legitimidade das partes.
O art. 26º do Cód. Proc. Civil tem em vista o interesse na perspectiva da
titularidade do direito. Porém não basta que as partes sejam legítimas na
perspectiva deste artigo.
As partes teriam assim de ter interesse no próprio processo e não apenas no
objecto do processo.
Não basta ao autor invocar e provar que é titular do direito, sendo ainda
preciso, que esse seu direito careça de tutela jurídica.
O interesse em que exista essa tutela jurídica verifica-se quando o direito foi
violado, para que o autor obtenha a sua reintegração; este caso não oferece
dúvidas.'
Por último, Anselmo de Castro, também categorizando o interesse em agir
como pressuposto processual 'autónomo e inominado', escrevia:
'O interesse em agir surge, pois, da necessidade em obter do processo a
protecção do interesse substancial, pelo que pressupõe a lesão de tal interesse
e a idoneidade da providência requerida para a sua reintegração ou tanto quanto
possível integral satisfação.
Temos, portanto, que este requisito não se destina a assegurar a eficácia à
sentença; o que está em jogo é antes a sua utilidade: não fora exigido o
interesse, e a actividade jurisdicional exercer-se-ia em vão' (Lições de
Processo Civil, Almedina, 1964, págs. 806/807).
3. Como acima se deixou transcrito, o recorrente viu a sua pretensão
jurídica satisfeita: o acórdão final do STJ veio dar-lhe razão, mandando anular
parcialmente os actos de graduação dos concorrentes ao acesso ao Supremo
Tribunal de Justiça, em concurso aberto em 1991, de modo a que venha ser
graduado no lugar que lhe compete.
Se por força do interesse processual ou interesse em agir se exige uma
necessidade justificada, razoável, fundada, de usar ou fazer prosseguir a
acção, dir-se-á que , neste momento, o recorrente não tem qualquer necessidade
dessa natureza para fazer prosseguir os presentes autos (falta de um
pressuposto processual relativo às partes ou inominado, como melhor se queira
entender).
Com efeito, o recorrente já viu o seu direito que julgava violado
juridicamente tutelado, ao seu total benefício.
Se, por mera hipótese, o Tribunal Constitucional viesse a conhecer do
recurso e viesse a julgar inconstitucional a norma questionada, bem podia
acontecer que uma futura decisão, proferida por outro tribunal, então, o
tribunal competente em razão da matéria, relativamente à matéria de fundo, lhe
fosse desfavorável.
Não será com certeza esse o interesse do recorrente.
Por outro lado, a ser proferida uma decisão idêntica à que o STJ proferiu,
de nada adiantaria em termos substanciais ao recorrente, e só veria protelada
no tempo a satisfação da sua pretensão, em sede de execução de um julgado
anulatório, como é próprio do contencioso administrativo.
4. Mas, se a falta de interesse juridicamente relevante em continuar a
usar do processo parece óbvia, não deixa de ser questionável a sua própria
legitimidade para interpor o recurso de constitucionalidade.
Com efeito, estabelece o artigo 72º da LTC que podem recorrer para o
Tribunal Constitucional 'as pessoas que , de acordo com a lei reguladora do
processo em que a decisão foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor
recurso' (nº 1, alínea b).
Por sua vez, o artigo 680º do Código de Processo Civil (CPC) dispõe que os
'recursos, exceptuada a oposição de terceiro, só podem ser interpostos por quem,
sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido' (diz Armindo Ribeiro
Mendes que 'é necessário que a parte haja sido afectada ou prejudicada pela
decisão, ou seja, que não haja obtido a decisão mais favorável possível aos seus
interesses' - Recursos em Processo Civil, Lex, 1992, pág. 162).
É um facto que o recorrente, num primeiro momento, ficou vencido, no que
respeita à questão da inconstitucionalidade da norma em causa, e que só em
decisão posterior se tornou vencedor no que toca à questão do mérito do recurso
contencioso.
Todavia, muito bem podia o STJ deixar de se pronunciar sobre a questão da
inconstitucionalidade em decisão interlucotória, como o fez, no acórdão
recorrido, para dela apreciar na decisão final, como processualmente melhor
teria feito.
Não sucedendo assim, mas tendo o recurso subido em diferido, não pode agora
o Tribunal alhear-se do circunstancialismo em que o recorrente se encontra,
neste momento, ou seja, no de parte vencedora.
Na verdade, não se podem ver as duas decisões dissociadas uma da outra,
porque, ao dar-se por competente para conhecer da questão de mérito, o STJ está
implicitamente e de novo a aplicar a norma que em momento anterior não teve por
inconstitucional.
Note-se até que o recorrente nem sequer tinha necessidade de levantar a
questão da inconstitucionalidade, talqualmente fez, antes de proferida a
decisão final, pois trata-se de um daqueles casos em que o Tribunal
Constitucional admite que ela possa ser levantada após a prolação da referida
decisão (cfr. acórdão nº 3, publicado no Diário da República, II Série, de 26 de
Janeiro de 1984).
Ora, não tendo o recorrente ficado vencido, falta-lhe legitimidade para
interpor o presente recurso (falta de um pressuposto processual relativo às
partes).
5. Importa ainda referir, por último, que, apesar do artigo 69º da LTC
estipular que à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional são
subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo Civil, em especial
as respeitantes ao recurso de apelação, no caso dos autos, as normas aplicadas
para determinar o momento da subida do recurso foram as respeitantes ao recurso
de agravo, uma vez que se tratava de um tipo de decisão da qual não era possível
apelar-se (cfr. artigo 733º do CPC).
Aliás, assim o entendeu o recorrente, ao dizer, no seu requerimento de
interposição do presente recurso, que este deveria 'subir após a decisão que
ponha termo ao processo - cfr. artºs 733º e 735º, nºs 1 e 2, do Código de
Processo Civil, ex vi do artº 69º da Lei do Tribunal Constitucional' (cfr. pág.
234 v dos autos).
Ora, convém aqui transcrever o que dispõe o artigo 735º do CPC :
Artigo 735º
(subida diferida)
1. Os agravos não incluídos no artigo anterior sobem com o primeiro recurso que,
depois de eles serem interpostos, haja de subir imediatamente.
2. Se não houver recurso da decisão que ponha termo ao processo, os agravos que
deviam subir com esse recurso ficam sem efeito, salvo se tiverem interesse para
o agravante independentemente daquela decisão. Neste caso, sobem depois de a
decisão transitar em julgado, caso o agravante o requeira no prazo de cinco
dias.
In casu, encontramo-nos perante uma decisão que põe termo ao processo e da
qual não cabe recurso. Só se houvesse algum interesse para o recorrente na
decisão do recurso de constitucionalidade, independentemente daquela decisão,
mas, para isso, necessário se tornaria que tivesse vindo, no prazo de cinco
dias, após o trânsito em julgado, requerer o seu prosseguimento.
Não é esta a situação dos autos: a decisão final transitou em julgado há
muito, e o recorrente nada veio dizer sobre o seu interesse em que o recurso que
intercaladamente havia interposto seguisse os seus termos, para dele se
conhecer.
6. Atento o exposto, e em resumo, dir-se-á que:
a) - o recorrente não tem interesse em dar continuidade ao processo, uma
vez que o direito que considerava violado já não está carecido de tutela
jurídica.
b) - o recorrente não tem legitimidade para recorrer porque não é, a
final, parte vencida no processo.
c) - atento o regime particular de subida do recurso em causa, deveria o
recorrente, caso estivesse interessado no seu prosseguimento, ter vindo
requerê-lo, o que não se verificou.
Tudo isto circunstâncias que, isoladamente ou de forma cumulativa,
determina que se não possa conhecer do recurso de constitucionalidade interposto
pelo recorrente.
7. Ouçam-se as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo
78º-A, nº 1 da LTC.
Lisboa, 8 de Novembro de 1994