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Proc. nº 228/90
2ª Secção Rel.: Consº Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
Relatório
1. A., recorrente neste processo, foi preso preventivamente em 12 de Novembro de 1982. Por acórdão de 24 de Junho de 1983, o Tribunal Colectivo da Comarca de Vila Nova de Famalicão condenou-o na pena de prisão de um ano, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível nos termos do disposto no nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 420/70, de 3 de Setembro. Descontado o tempo de duração da prisão preventiva, foi posto em liberdade em 12 de Novembro de 1983.
O ora recorrente exercia funções, em regime de contrato individual de trabalho, na B., desde 17 de Setembro de 1973. Esta sociedade, recorrida no presente processo, instaurou contra ele processo disciplinar e despediu-o, invocando justa causa, em 11 de Novembro de 1983.
2. Em 17 de Novembro de 1983, o trabalhador requereu a suspensão do despedimento ao Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Famalicão, suscitando, nomeadamente, a questão da inconstitucionalidade material das normas constantes da alínea m) do nº 1 da cláusula 132ª do Contrato Colectivo de Trabalho para o Sector Metalúrgico, publicado no B.T.E., I Série, nº 39, de 22 de Outubro de 1981, e da alínea e) do nº 2 do artigo 23º do Decreto-Lei nº 874/76, de 28 de Dezembro. Sustentou, então, que tais normas seriam inconstitucionais e ilegais por admitirem o despedimento como consequência automática da condenação em pena de prisão, contrariando o disposto no nº 4 do artigo 30º da Constituição e no artigo 65º do Código Penal.
O Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Famalicão indeferiu este requerimento, por sentença de 15 de Dezembro de 1983. O trabalhador interpôs recurso de agravo para o Tribunal da Relação do Porto, continuando a invocar a inconstitucionalidade material das normas precedentemente identificadas.
Admitido este recurso e apresentadas as alegações pelas partes, o Tribunal da Relação do Porto negou-lhe provimento, por acórdão de 14 de Janeiro de 1985.
Baseando-se na aplicação de norma cuja inconstitucionalidade fora arguida, o agravante interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. O Tribunal Constitucional não tomou conhecimento do recurso, por entender que não tinha havido aplicação, com carácter 'definitivo', de norma cuja inconstitucionalidade houvesse sido suscitada durante o processo (Acórdão nº 151/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º vol., p. 351 e ss.).
3. Em 1 de Março de 1984, o recorrente intentou contra a recorrida uma acção de impugnação do despedimento, invocando, de novo, a inconstitucionalidade material da alínea m) do nº 1 da cláusula 132ª do Contrato Colectivo de Trabalho para o Sector Metalúrgico e da alínea e) do nº 2 do artigo 23º do Decreto-Lei nº 874/76. O Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Famalicão julgou improcedente a acção, por sentença de 14 de Abril de 1986.
O trabalhador interpôs recurso de apelação desta sentença para o Tribunal da Relação do Porto, sustentando, mais uma vez, a inconstitucionalidade material das citadas normas. O recurso foi julgado improcedente por acórdão de 29 de Maio de 1989, no âmbito do qual se ponderou - no que respeita à questão de inconstitucionalidade suscitada - o seguinte:
O direito disciplinar constitui uma realidade distinta das normas de direito criminal e nada impede que uma conduta de natureza criminosa possa e deva ser objecto de determinada medida de carácter disciplinar, sempre que o autor desse procedimento seja responsável também disciplinarmente, como sucede no caso dos autos.
...
Não se verifica, assim, o referido vício de inconstitucionalidade.
Em 12 de Junho de 1989, o apelante interpôs recurso de revista deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça. Todavia, o recurso não foi admitido por o valor da causa ser inferior à alçada da relação. Simultânea e subsidiariamente, interpôs o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82. Tal recurso foi admitido por despacho de 1 de Junho de 1990 do Tribunal da Relação do Porto, que determinou que ele subisse imediatamente nos próprios autos, com efeito suspensivo.
4. No Tribunal Constitucional foram apresentadas alegações pelo recorrente e pela recorrida.
O primeiro, após ter opinado que as faltas injustificadas que deu durante o cumprimento da pena de prisão e o consequente despedimento com justa causa foram efeito necessário daquela pena, concluiu assim as suas alegações:
Salvo melhor opinião, a cláusula 132ª do C.C.T. para o sector, conjugada com a alínea e) do nº 2 do artigo 23º do D.L. nº 874/76, de 28 de Dezembro (por manifesto lapso refere-se a alínea a) e a data de 26 de Dezembro), viola o princípio constitucional consagrado no artigo 30º, nº 4, da C.R.P. e no artigo
65º do C.P., pelo que deverá ser julgado inconstitucional por esse Tribunal.
Em consequência, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação a quo deverá ser reformulada, em função da inconstitucionalidade sentenciada.
A segunda, contrariando esta tese, negou a inconstitucionalidade da norma em crise, culminando as suas alegações do seguinte modo:
A) - Não envolve perda de direitos profissionais a consideração como faltas injustificadas das verificadas a partir da prisão efectiva, resultante de decisão condenatória;
B) - O despedimento promovido pela recorrida teve por base faltas injustificadas dadas pelo recorrente e não foi efeito necessário da pena aplicada ao recorrente no processo crime;
C) - Não se pode concluir, como conclui o recorrente, que o despedimento promovido com base em faltas injustificadas (e, maxime, qualquer despedimento) tem o significado de aplicação de uma pena de perda de direitos profissionais;
D) - São constitucionais e legais as normas constantes do nº 1 da cláusula 132 do C.C.T. para o Sector Metalúrgico, bem como da alínea e) do nº 2 do artigo 23º do Decreto-Lei nº 874//76, de 28 de Dezembro (de novo por lapso, menciona-se a data de 26 de Dezembro), pois não violam o disposto do nº 4 do artigo 30º da Constituição da República Portuguesa, nem o artigo 65º do Código Penal Português.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II Fundamentação
A O objecto do recurso
5. No caso sub judicio, o recorrente pretende que a norma constante da alínea m) do nº 1 da cláusula 132ª do Contrato Colectivo de Trabalho para o Sector Metalúrgico, conjugada com a da alínea e) do nº 2 do artigo 23º do Decreto-Lei nº 874/76, padece de inconstitucionalidade material, ao determinar que são injustificadas as faltas dadas durante o cumprimento de pena de prisão.
A assinalada norma da convenção colectiva do trabalho tem o seguinte teor:
Cláusula 132ª
1. - São consideradas faltas justificadas:
...
m) - As dadas por motivo de detenção ou prisão preventiva do trabalhador, enquanto não se verificar a prisão efectiva resultante de decisão condenatória.
Por seu turno, a alínea e) do nº 2 do artigo 23º do Decreto-Lei nº 874/76 determina o seguinte:
Artigo 23º
...
2. - São consideradas faltas justificadas:
...
e) - As motivadas por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto que não seja imputável ao trabalhador, nomeadamente doença, acidente ou cumprimento de obrigações legais, ou a necessidade de prestação de assistência inadiável a membros do seu agregado familiar.
...
Este preceito foi derrogado, nos termos do disposto no nº
2 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 136/85, de 3 de Maio, '... na parte e quanto aos aspectos constantes do presente diploma' (que regula a protecção da maternidade e da paternidade).
6. Objecto do recurso seriam, pois, as normas constantes da cláusula 132ª da convenção colectiva de trabalho, na medida em que qualifica, a contrario sensu, como injustificadas as faltas dadas no cumprimento de pena de prisão, e da alínea e) do nº 2 do artigo 23º do Decreto-Lei nº 874/76, que, como se viu, considera justificadas as faltas dadas por 'motivo não imputável ao trabalhador', precisando depois este conceito através da técnica dos exemplos-padrão.
Poderá perguntar-se que sentido o recorrente pretende dar
à conjugação das duas normas. É que, na verdade, ele sustenta que as faltas originadas pelo cumprimento de pena de prisão se devem a motivo não imputável ao trabalhador (cfr., nomeadamente, a petição inicial da acção de impugnação de despedimento), o que implicaria, na sua perspectiva, a justificação de tais faltas, à luz do disposto na alínea e) do nº 2 do artigo 23º do Decreto-Lei nº
874/76.
A harmonização das duas normas só se afigura viável quando, diferentemente, se concluir que as faltas originadas pelo cumprimento de pena de prisão se devem a motivo imputável ao trabalhador e por isso são injustificadas, extraindo-se dessa qualificação as irrecusáveis consequências de regime (ao nível de retribuição, de contagem de tempo de serviço e, eventualmente, no plano disciplinar). Mas, nessa óptica, não fará sentido sustentar que a alínea e) do nº 2 do artigo 23º do Decreto-Lei nº 874/76 é inconstitucional por qualificar como justificadas 'apenas' as faltas dadas por motivo não imputável ao trabalhador. Não se vislumbra que algum princípio ou norma constitucional imponham ao legislador laboral a qualificação como justificadas de faltas dadas por motivo imputável ao trabalhador, nem o recorrente indica um ou outra.
7. A conjugação normativa promovida pelo recorrente só pode assentar no entendimento de que a alínea e) do nº 2 do artigo 23º do Decreto-Lei nº 874/76 é inconstitucional, quando da sua interpretação resulte a qualificação como injustificadas das faltas dadas no cumprimento de pena de prisão, por o seu motivo ser imputável ao trabalhador e apesar de serem motivadas pelo cumprimento de obrigação legal.
Como já se disse, a norma legal citada dispõe, genericamente, que são justificadas as faltas dadas por (qualquer) motivo não imputável ao trabalhador e inclui um elenco de hipóteses de não imputabilidade, que correspondem a exemplos representativos do conceito geral. Entre eles, conta-se o cumprimento de obrigações legais e não sofre contestação que o cumprimento de pena de prisão constitui cumprimento de obrigação legal. Porém, na óptica do tribunal recorrido, o cumprimento desta obrigação legal não fundamentará a justificação de faltas, por a sua causa (o cometimento do crime) ser imputável ao trabalhador. O tribunal a quo terá, assim, procedido a uma interpretação restritiva do exemplo-padrão, imposta pela própria cláusula geral exemplificada.
Será, então, esta interpretação da norma legal que o recorrente reputa de inconstitucional, em conjugação com a alínea m) do nº 1 da cláusula 132ª do Contrato Colectivo de Trabalho. O recorrente entenderá que a
única interpretação da norma legal que a compatibiliza com a Constituição é a que postula que todas as faltas motivadas pelo cumprimento de obrigações legais
- incluindo aquelas cuja causa é imputável ao trabalhador - são justificadas.
8. Contra o entendimento do Relator do presente processo
- manifestado em declaração de voto junta ao Acórdão nº 172/93, ainda inédito -, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela não sindicabilidade de normas constantes de convenções colectivas de trabalho no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade.
Mantendo-se agora tal orientação, deve concluir-se que o objecto deste processo é exclusivamente constituído pela norma constante da alínea e) do nº. 2 do artigo 23º do Decreto-Lei nº. 874/76, na interpretação dada pelo tribunal a quo - segundo a qual serão injustificadas as faltas dadas no cumprimento de pena de prisão, por se considerar ser esse um motivo imputável ao trabalhador.
9. O recorrente afirma a inconstitucionalidade da norma que constitui o objecto do recurso (a alínea e) do nº 2 do artigo 23º do Decreto-Lei nº 874/76) por entender que ela determina o despedimento com justa causa do trabalhador que haja sido condenado em pena de prisão. É manifesto, contudo, que a norma em apreço não respeita, directamente, a matéria disciplinar.
A norma em crise fornece, apenas, um pressuposto da responsabilidade disciplinar, ao qualificar como injustificadas determinadas faltas. Essa norma foi conjugada, para efeito de responsabilização disciplinar, com a contida na alínea g) do nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 372-A/75, de
16 de Julho, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 841-C/76, de 7 de Dezembro (que vigorava à data em que o despedimento foi decretado):
Artigo 10º
...
2. - Constituirão, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
..... g) - faltas não justificadas ao trabalho que determinem prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano, cinco seguidas ou dez interpoladas;
...
Assim, ao invocar a inconstitucionalidade da norma constante da alínea e) do nº. 2 do artigo 23º. do Decreto-Lei nº. 874/76, por ela acarretar o seu despedimento, o recorrente conjuga-a, implicitamente, com a disposição que se transcreveu. O objecto do recurso é, desta sorte, a alínea e) do nº 2 do artigo 23º do Decreto-Lei nº 874/76, na medida em que fornece o pressuposto para o despedimento com justa causa previsto na alínea g) do nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 372-A/75, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 841-C/76.
B
A alegada violação da norma contida no nº 4 do artigo 30º da Constituição
10. O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado, reiteradamente, pela inconstitucionalidade - por violação do disposto no nº 4 do artigo 30º da Constituição - de normas que impõem a perda de direitos civis, profissionais ou políticos como efeito necessário de uma condenação penal. E a jurisprudência deste tribunal tem entendido que a proibição de efeitos da condenação e de penas acessórias automáticos vale quer estes sejam associados a penas, quer sejam conexionados com a prática de crimes (cfr. os Acórdãos nºs
165/86, 282/86, 255/87, 284/89 e 224/90, publicados no D.R., I Série, de 3 de Junho e de 11 de Novembro de 1986, II Série, de 10 de Agosto de 1987 e de 12 de Junho de 1989, e I Série, de 8 de Agosto de 1990, respectivamente, e, por
último, os Acórdãos nºs 238/92 e 242/92, de 30 de Junho e de 1 de Julho de 1992, respectivamente, ainda inéditos).
Em todos os arestos citados, o Tribunal Constitucional concluiu que o nº 4 do artigo 30º da Constituição obsta a que de uma condenação penal derive, ope legis, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos. No Acórdão nº 249/92, assinalou que o nº 4 do artigo 30º da Constituição pretende assegurar a necessidade e a jurisdicionalidade da pena acessória e garantir a proporcionalidade entre esta pena e o crime, para além de excluir os efeitos infamantes da condenação.
11. O cumprimento de pena de prisão implica, fatalmente, a não prestação de trabalho. E esta prestação é concebível, em si mesma, como a concretização de um direito profissional, na medida em que se integrem, no
âmbito da situação jurídica laboral, um direito de trabalhar e um correspondente dever de ocupação efectiva (cfr. Monteiro Fernandes, 'Uma sentença em questão: existe um direito de trabalhar?', Boletim do A.P.G.T.R.H., nº 1, 2ª Série, 1983, p. 10 e ss.).
A afectação deste direito profissional não pode ser concebida, contudo, como uma decorrência necessária da pena, vedada pelo nº 4 do artigo 30º da Constituição (e pelo artigo 65º do Código Penal). Não está em causa um efeito automático da condenação, estabelecido por lei, mas antes uma inevitável consequência do cumprimento de pena de prisão, derivada da própria natureza desta pena.
12. A norma em crise estabelece, na interpretação dada pelo tribunal recorrido, que as faltas motivadas pelo cumprimento de pena de prisão são injustificadas. Ao fazê-lo, pressupõe que a causa dessas faltas é imputável ao trabalhador e postula o desconto do período de ausência na antiguidade e na retribuição, fornecendo ainda um fundamento de responsabilização disciplinar.
Ora, o direito à retribuição constitui, claramente, um direito profissional, qualificado, aliás, como direito fundamental pela Constituição (alínea a) do nº 1 do artigo 59º). Sem embargo, a perda de retribuição no caso de cumprimento de pena de prisão também não contraria o disposto no nº 4 do artigo 30º da Constituição (e no artigo 65º do Código Penal).
A situação jurídica laboral é classificável como obrigacional, sinalagmática e patrimonial (cfr. Menezes Cordeiro, Da Situação Jurídica Laboral; Perspectivas Dogmáticas do Direito do Trabalho, 1982, p. 5). Essencialmente, a retribuição é a contrapartida do trabalho prestado ( assim o Acórdão nº. 107/92, D.R., II Série, de 15.7.92, p. 6538 ss ;cfr. Monteiro Fernandes), Direito do Trabalho, I, 6ª ed., 1987, p. 331) e a prestação de trabalho é suspensa, de facto, durante o cumprimento da pena de prisão.
É certo que o sinalagma trabalho-retribuição é imperfeito: isso é comprovado pela existência de retribuição de férias e de subsídios de férias e de Natal e até pela previsão de faltas justificadas - não todas (cfr. o artigo 9º do Decreto- -Lei nº 136/85) - que não importam perda de vencimento. Esta realidade normativa explica-se, sobretudo, pela função social do salário (cfr. Menezes Cordeiro, Manual ..., op. cit, p. 720).
Porém, nenhum princípio ou norma constitucional impõem o dever de prestar a retribuição em todos os casos em que é suspensa a prestação de trabalho. Mesmo em situações em que o impedimento do trabalhador decorre do cumprimento de serviço militar ou de serviço cívico obrigatórios, a garantia de não prejuízo na colocação, nos benefícios sociais ou no emprego permanente, conferida pela Constituição (artigo 276º, nº 7), não implica a prestação de vencimento.
13. A norma sub judicio não se limita, todavia, a determinar a perda do vencimento correspondente ao período de prisão efectiva; classifica como injustificadas as faltas dadas, nesse período, pelo trabalhador. E esta qualificação pressupõe, como já se disse, que o motivo de tais faltas é imputável ao trabalhador.
É certo que o trabalhador que cumpre pena de prisão está impossibilitado de prestar trabalho. Mas na origem dessa impossibilidade encontra-se uma sua conduta culposa. À semelhança do que sucede, em direito penal, com as actiones liberae in causa e com os crimes praticados em estado de embriaguez (cfr. os artigos 20º, nº 4, e 282º do Código Penal), o trabalhador coloca-se, culposamente, numa situação de impossibilidade de prestar trabalho. E, neste contexto, não se afigura inconstitucional a norma que classifica como injustificadas as suas posteriores faltas ao serviço: sem ofensa do princípio da essencial dignidade da pessoa humana (artigo 1º da Constituição) - e do princípio da culpa, que dele deriva -, pode formular-se contra o trabalhador um juízo de censura, por ter violado o dever de assiduidade.
Isto não significa, obviamente, que a solução de qualificar como injustificadas as faltas dadas por motivo de cumprimento de pena de prisão seja a única admissível. Seria possível, nessa situação, determinar a suspensão do contrato de trabalho, por impedimento respeitante ao trabalhador. Mas não é esse o regime consagrado pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº
398//83, de 2 de Novembro: o impedimento temporário por facto imputável ao trabalhador só determina a suspensão do contrato de trabalho nos casos previstos na lei e nenhuma norma legal estabelece no caso em apreço, essa suspensão.
14. Ao invocar a inconstitucionalidade da norma sub judicio, o recorrente conjuga-a, implicitamente, com a disposição legal contida na alínea g) do nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 372-A/75, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 841-C/76. Na perspectiva do recorrente, a norma viola o disposto no nº 4 do artigo 30º da Constituição (e no artigo 55º do Código Penal), por acarretar, automaticamente, o despedimento do trabalhador que falte ao serviço durante o cumprimento de pena de prisão.
Ora, não é verdade que do cumprimento de pena de prisão derive, ope legis, o despedimento do trabalhador. Este despedimento pode ser decretado no âmbito do processo disciplinar, que pode ser instaurado pelo empregador. Nem a instauração de processo disciplinar, nem o despedimento são efeitos obrigatórios das faltas injustificadas dadas pelo trabalhador.
Deste modo, a norma contida na alínea e) do nº 2 do artigo
23º do Decreto-Lei nº 874/76 não viola o disposto no nº 4 do artigo 30º da Constituição (e no artigo 55º do Código Penal), visto que não determina o despedimento com justa causa, como consequência necessária do cumprimento de pena de prisão.
III
Decisão
15. Ante o exposto, decide-se não julgar inconstitucional a norma constante da alínea e) do nº 2 do artigo 23º do Decreto-Lei nº 874/76, de 28 de Dezembro, e confirma-se a decisão recorrida, na parte respeitante à questão de inconstitucionalidade suscitada.
Lisboa, 16 de Março de 1993
José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Bravo Serra Mário de Brito Fernando Alves Correia Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa