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Procº nº 724/92.
2ª Secção. Relator:- Consº BRAVO SERRA.
Nos presente autos de recurso vindos do Supremo Tribunal Administrativo em que são, recorrente, A. e, recorridos, a Câmara Municipal de B. e outros, concordando-se no essencial com a exposição prévia de fls. 238 a
248, elaborada pelo relator e que aqui se dá por integralmente reproduzida, acorda-se em não tomar conhecimento do objecto do recurso e em condenar o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta.
Lisboa, 30 de Março de 1993
Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Messias Bento Mário de Brito José Manuel Cardoso da Costa
Procº nº 724/92.
I
1. A. requereu ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a suspensão de eficácia da deliberação da Câmara Municipal de B. tomada em 21 de Maio de 1992, deliberação essa que revogou uma sua outra anterior deliberação, datada de 6 de Fevereiro do mesmo ano, e pela qual havia sido aprovado o projecto e licenciada a construção, num prédio urbano sito em
---------, -----------, de um edifício destinado a oficina de transformação de mármores.
Fundamentou o ora recorrente o seu petitório, além do mais, nas circunstâncias de a deliberação cuja eficácia desejava ver suspensa ser ilegal, injusta, causar-lhe prejuízos irreparáveis ou, pelo menos, de difícil reparação, e que da pretendida suspensão não derivaria qualquer lesão, e muito menos grave, para o interesse público, concluindo, assim, que, no caso, se encontravam reunidos os requisitos constantes das alíneas a), b) e c) do nº 1 do artº 76º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho.
2. Respondeu ao pedido a Câmara Municipal de B., defendendo não se encontrarem, in casu, preenchidos, cumulativamente, os requisitos acima aludidos, pelo que a desejada suspensão não devia ser decretada. Porque o petitório fez referência a determinados requeridos particulares, alguns deles, depois de notificados, igualmente vieram oferecer resposta, defendendo também, inter alia, não se verificar a existência de tais requisitos.
3. Por decisão tomada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 13 de Julho de 1992, foi o pedido indeferido com base em que se não verificava o requisito constante da alínea a) do nº 1 do artº 76º da L.P.T.A., por isso que, na óptica daquela decisão, os prejuízos eventualmente decorrentes da deliberação de 21 de Maio de 1992 da Câmara Municipal de B. - e que teriam de ser reais e efectivos - não se afiguravam como consequência directa, imediata e necessária da respectiva execução, razão pela qual não podiam ser vistos como irreparáveis ou de difícil reparação.
4. Desta decisão recorreu o A. para o Supremo Tribunal Administrativo, concluindo a alegação que produziu do seguinte jeito:
'1ª A aliás douta sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no art.
668º/1/b) e d) do Cód. de Proc. Civil, pois:
a) Carece absolutamente de fundamentação de facto, já que não é admissível a fundamentação por remissão para outras peças processuais, e mesmo que o fosse, não constam de tais peças os factos que justificam o indeferimento da peticionada suspensão por não verificação do requisito do art. 76º/1/a) da LPTA;
b) Não conheceu de questões que devia conhecer na medida em que não se pronunciou sobre os factos alegados como causa de pedir no requerimento de suspensão;
2ª A execução do acto requerido afecta a actividade industrial do recorrente, implicando mesmo a sua falência a curto prazo, pelo que se encontra preenchido o requisito positivo da alínea a) do nº 1 do art. 76º do Dec.-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (L.P.T.A.);
3ª A aliás douta sentença recorrida ao indeferir o pedido de suspensão de eficácia com fundamento na não verificação de tal requisito positivo viola, por errada interpretação e aplicação, o art. 76º/1/a) do Dec.-Lei nº 267/85;
4ª A suspensão da eficácia do acto requerido não determina qualquer lesão do interesse público, e muito menos uma lesão grave, pelo que se encontra preenchido o requisito negativo da alínea b) do nº 1 do art. 76º do Dec.-Lei nº
267/85 (L.P.T.A.), pelo que deve ser concedida a requerida suspensão de eficácia;
5ª O art. 76º/1/b) do Dec.-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (L.P.T.A.), com a interpretação que lhe foi dada na aliás douta sentença recorrida é inconstitucional por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado nos arts. 20º e 268º, nºs 4 e 5 da Constituição'.
5. O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 1 de Outuro de 1992, negou provimento ao recurso.
Para alcançar um tal juízo decisório, aquele aresto, por um lado, concluiu não enfermar a sentença recorrida da alegada nulidade e, por outro, quanto ao fundo, referiu:
'.............................................
Alega ainda o recorrente que 'a anulação do acto requerido afecta a actividade industrial dele - recorrente - implicando mesmo a sua falência a curto prazo, pelo que se encontra preenchido o requisito positivo da alínea a) do nº 1 do art. 76º do Dec.-Lei nº 267/85'. Mas também neste aspecto - que se refere ao fundo da questão - o recorrente não tem razão. Na verdade, não parece que a falência - que é meramente hipotética - decorra do acto administrativo cuja suspensão de eficácia vem requerida.
Para a verificação do requisito a que alude a alínea a) do nº 1 do art. 76º da L.P.T.A., é indispensável que entre a execução do acto e os prejuízos ocorra um nexo de causalidade, apreciado nos termos da doutrina da causalidade adequada, o que implica que os prejuízos devam ser emergentes daquela execução.
É, porém, óbvio que a paralização da actividade do requerente - se vier a verificar-se - decorre do encerramento pela Delegação Regional de Saúde e Energia de Lisboa e Vale do Tejo da oficina que o requerente alega possuir em
-----------------. Não emerge, portanto, do acto recorrido, que consiste na não autorização da construção de uma nova oficina de transformação de mármores.
Não ocorre, assim, no caso dos autos, entre a execução do acto e os prejuízos, o nexo de causalidade exigido na alínea a) do nº 1 do artº 76º da L.P.T.A. Aliás, nem sequer se verifica, entre os actos em confronto, identidade de sujeitos, uma vez que o encerramento da oficina sita em
---------------------- foi decretado pela Delegação Regional de Indústria e Energia de Lisboa e Vale do Tejo e não pela autoridade requerida.
Pelo exposto, não tendo o requerente alegado outros factos donde possa concluir-se que a execução do acto causa, em termos de causalidade adequada, prejuízos de difícil reparação, não pode ter-se por verificado o requisito a que alude a alínea a) do nº 1 do artº 76º da L.P.T.A.
Alega, finalmente, o recorrente que 'o art. 76º, nº 1, alínea b)
[escreveu-se «a)», mas por manifesto lapso de escrita - ver conclusões 4ª e 5ª da alegação do recorrente, acima transcritas] da L.P.T.A., com a interpretação que lhe foi dada na sentença recorrida, é inconstitucional por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado nos arts.º 20º e 268, nº.s 4 e 5, da Constituição'.
A questão não foi suscitada ou discutida no T.A.C., o que a não tornaria insusceptível de ser apreciada em sede de recurso. Na verdade, - como se vê das Alegações de recurso do ora recorrente - o preceito legal que se alega que está ferido de inconstitucionalidade por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva é o da alínea b) do nº 1 do artº 76º do Dec.-Lei nº
267/85, de 16 de Julho. Ora, a sentença recorrida, para indeferir o pedido de suspensão de eficácia deduzido pelo ora recorrente, baseou-se na alínea a) do nº
1 do citado artigo e não na alínea b). O pedido foi indeferido por 'o requerente não ter alegado factos donde se possa concluir da probabilidade de verificação de prejuízos de difícil reparação'; não por a suspensão determinar grave lesão do interesse público.
Não se vê, aliás, que a exigência constante da alínea a), consistente em que a execução do acto cause provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente, viole o direito à tutela jurisdicional efectiva.
.............................................'
6. Não se conformando com o aresto de que parte imediatamente atrás ficou transcrita, atravessou nos autos o recorrente requerimento através do qual manifestou a sua vontade de o impugnar por intermédio de recurso para este Tribunal, 'com o fundamento na inconstitucionalidade do artigo 76º/1 do D.L. 267/ /85, de 16 de Julho, por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva (arts. 18º, 20º e 268/4 e 5 da Constituição)'.
7. Tal recurso veio a ser admitido por despacho de 19 de Outubro de 1992 proferido pelo Conselheiro Relator do S.T.A.
II
1. Não obstante este último despacho, e porque o mesmo não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82), entende-se que o presente recurso não devia ter sido admitido.
Na verdade,
2. Dúvidas não se oferecem em como o recurso de que agora se cura foi intentado ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/82, ou seja, tendo em vista solicitar a este Tribunal a apreciação da inconstitucionalidade de uma norma, aplicada na decisão proferida pelo tribunal recorrido - na presente hipótese o Supremo Tribunal Administrativo - , inconstitucionalidade essa que haja sido suscitada durante o processo.
Conforme tem sido jurisprudência constante e uniforme do Tribunal Constitucional, o recurso a que se reporta aquela alínea a) [e convocando-se ainda o que se estatiu no nº 2 do citado artº 70º e nos artigos
72º, nº 1, alínea b), 75º e 75º-A] há-de obedecer aos seguintes requisitos:
(1) existência de decisão de um tribunal;
(2) que nessa decisão tenha sido aplicada uma norma;
(3) que essa norma tenha servido de suporte ao juízo decisório do tribunal de que se recorre;
(4) que o recorrente tenha suscitado no processo, em regra até à prolação da decisão do tribunal a quo, a inconstitucionalidade da norma aí aplicada;
(5) que da decisão não caiba recurso ordinário, quer por a lei o não prever, quer por já se haverem esgotado todos os que, no caso, cabiam;
(6) que o recorrente tenha, de harmonia com a lei do processo em que a decisão foi proferida, legitimidade para da mesma interpor o recurso;
(7) que o recurso seja interposto em oito dias, quer contados da notificação da decisão pretendida recorrer, quer contados da decisão definitiva que, na hipótese de se ter interposto recurso ordinário da decisão recorrenda, o não admitiu com fundamento na sua irrecorribilidade;
(8) finalmente, que o requerimento de interposição obedeça aos items consagrados nos números 1 e 2 do falado artº 75º-A.
3. Ora, no caso, e como limpidamente deflui das transcrições acima efectuadas, o agora recorrente, antes da prolação do acórdão do S.T.A., apenas suscitou a inconstituciona- lidade da norma contida na alínea b) do nº 1 do artº 76º da L.P.T.A., como, aliás, o reconheceu expressamente aquele acórdão.
Por outra banda, é igualmente nítido que aquele Alto Tribunal, para o juízo conducente à decisão que tomou, não convocou, minimamente que fosse, a disposição ínsita na mencionada alínea (antes, pelo contrário, expressis verbis afastou a sua aplicação).
Efectivamente, o que naquele aresto se decidiu foi que não se encontrava alegada factualidade de onde se extraísse que a execução da deliberação cuja suspensão de eficácia se desejava ver decretada iria, em termos de causalidade adequada, causar ao então requerente prejuízos de difícil reparação.
4. Isto significa, em rectas contas, que o que o S.T.A. fez foi aplicar a norma constante da alínea a) do nº 1 do artº 76º da L.P.T.A., interpretando-a no sentido de a mesma exigir um nexo de causalidade adequada entre o acto administrativo questionado e o provável prejuízo de difícil reparação, quer para o requerente, quer para os interesses que ele defendesse ou viesse a defender no recurso.
Pois bem.
O artº 76º, nº 1, da L.P.T.A. contém, como é óbvio, vários segmentos normativos. De entre estes, o recorrente somente impugnou a inconstitucionalidade daquele que se encontra na alínea b), isto é, a exigência de que a suspensão da eficácia do acto não determine grave lesão do interesse público. A conformidade constitucional da referida alínea a), em nenhum passo das várias intervenções processuais que o ora recorrente teve nos autos, antes de tirado o acórdão pretendido censurar, foi alguma vez questionada.
E nem se diga que, afinal, o recorrente pretendeu suscitar a inconstitucionalidade de todos os segmentos da norma do nº 1 do artº
76º, por isso que foi a todo esse número 1 que ele se reportou no requerimento de interposição de recurso.
Um tal raciocínio, desde logo, cairia pela base ao se atentar que, como se disse já, o recorrente impugnou expressamente, e só, a compatibilidade constitucional da alínea b) do nº 1 do artº 76º. A isso acresce que, como tem sido defendido por este Tribunal (cfr., por entre muitos, os Acórdão números 339/86, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8º vol., 629 e segs, e 38/90, ainda inédito), não é tempestivo suscitar-se pela primeira vez a questão de inconstitucionalidade no requerimento de interposição de recurso.
III
Em face do exposto, entende-se não se dever conhecer do recurso, motivo pelo qual é efectuada, ao abrigo do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº
28/82, a presente exposição.
Cumpra-se a parte final deste dispositivo.
Lisboa, 17 de Dezembro de 1992. Bravo Serra