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Proc.Nº 69/94 PLENÁRIO Rel. Cons. Vítor Nunes de Almeida
Acordam em sessão plenária no Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1. - O Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores veio requerer, nos termos do nº 2 do artigo 278º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 57º e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro - LTC), a apreciação preventiva da constitucionalidade 'de todas as normas do decreto legislativo regional sobre
«actividade de comércio a retalho exercida de forma não sedentária», especialmente das constantes dos artigos 1º a 9º, e 15º e 16º', do diploma aprovado em 26 de Janeiro de 1994 pela Assembleia Legislativa Regional, sob o nº
1/94 e relativo à «Actividade do Comércio a Retalho» e que lhe fora remetido em
3 de Fevereiro de 1994, para assinatura e publicação.
2. - Fundamenta o requerente o seu pedido na seguinte ordem de considerações:
Os artigos 1º a 9º e 15º e 16º do referido decreto procedem à reprodução do conteúdo de diversos preceitos constantes do Decreto-Lei 122/79, de 8 de Maio, alterado pelos Decretos-Leis 282/85, de 22 de Julho, 283/86, de 5 de Setembro,
399/91, de 16 de Outubro e 252/93, de 14 de Julho, que regulam a 'venda ambulante', e do Decreto-Lei 252/86, de 25 de Agosto, alterado pelo Decreto-Lei
251/93, de 14 de Julho, que regulam a 'actividade de comércio a retalho exercida por feirantes', bem como da Portaria 149/88, de 9 de Março;
Os citados artigos (1º a 9º e 15º e 16º) são inconstitucionais por inexistência de interesse específico, na medida em que repetem o disposto em legislação nacional em vigor, limitando-se, em larguíssima medida, a alterar a sistematização e arrumação das matérias, resultando alguns dos preceitos, que não se limitam à mera reprodução literal, da composição de diversas normas da legislação nacional ou de mera alteração de redacção;
Quanto aos restantes artigos do diploma, não se descortina fundamento suficiente para tratamento diferenciado dos aspectos em que o diploma em apreço se afasta materialmente do regime vertido na legislação nacional, designadamente quanto à substituição da «autorização prévia» e do «cartão de vendedor ambulante e de feirante» pela «notificação à câmara municipal» e pela
«titularidade do lugar de venda»;
A inconstitucionalidade das normas regionais que se limitam a reproduzir - literalmente ou sem alterações relevantes capazes de traduzir qualquer especificidade - normas constantes de leis emanadas dos órgãos de soberania, por falta de interesse específico, uma vez que tal tratamento legislativo não é especial e decorrente da particular configuração da matéria a tratar na Região, tem vindo a ser afirmada em jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, que vem entendendo ser o ordenamento jurídico regional, um ordenamento
(especial) complementar do ordenamento jurídico nacional e não um ordenamento paralelo ou de substituição, não podendo o poder normativo regional pegar em legislação nacional e transformá-la em legislação regional, procedendo como que a uma novação do título ou da fonte dessa legislação (v., por exemplo, o Acórdão nº 333/86, DR, I,19.12.86; Acórdão 246/90, DR, I, 3.8.90; Acórdão nº 92/92, DR, IA,7.4.92; Acórdão nº 256/92, DR, IA,6.8.92);
O facto de a matéria do «comércio interno» constar da alínea bb) do artigo
33º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores como matéria de interesse específico, não obsta, segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, à inconstitucionalidade, pois, tal facto 'constitui mera presunção abstracta, ilidível pela demonstração, caso a caso, de que não se verifica interesse específico segundo o critério material' (V., por exemplo, Acórdão nº 57/85, DR, I,11.4.85; Acórdão nº 164/86, DR,I,7.6.86; Acórdão nº
333/86, DR, I,19.12.86; Acórdão nº 212/92, DR, IA,21.7.92), sendo a ilisão daquela presunção automática sempre que se verifique a repetição de normas emanadas de órgãos de soberania, por ser patente inexistir qualquer exigência de tratamento especial quando, na região, se emite uma norma idêntica a uma norma nacional;
A legislação emanada dos órgãos de soberania, num Estado unitário como é nosso, é imediatamente aplicável - salvo disposição em contrário - a todo o território nacional, pelo que não pode invocar-se a favor da não inconstitucionalidade das normas questionadas, a necessidade de aplicar na região um regime jurídico idêntico ao vigente para os vendedores ambulantes e feirantes a nível nacional, como é o caso, uma vez que o legislador nacional revogou a norma do artigo 17º do Decreto-Lei nº 252/86, de 25 de Agosto, que restringia a sua vigência ao território do continente, substituindo-a por redacção dada pelo Decreto-Lei nº 251/93, de 14 de Julho. No mesmo sentido aponta o artigo 2º do Decreto-Lei nº 399/91, de 16 de Outubro, que atribui à Região a competência para a execução administrativa da legislação sobre a venda ambulante, quando a matéria tiver sido regionalizada, como sucedeu com a
«Fiscalização Económica» (cf. Decreto-Lei nº 126/80, de 17 de Maio).
Também a regionalização da matéria do comércio não atenta contra a aplicação do regime nacional em causa nos Açores, uma vez que ela não significa a atribuição do monopólio do poder administrativo às Regiões em tal matéria. Desde logo, os estatutos autonómicos restringem o poder de execução ao «âmbito da competência dos órgãos regionais» (artigo 73º), mas a Constituição admite que o Estado exerça competências administrativas sobre as regiões autónomas. Neste sentido aponta o Tribunal Constitucional ao afirmar que a alínea g) do nº
1 do artigo 229º (texto actual [da Constituição]) assegura o exercício de um poder executivo próprio aos órgãos regionais, mas não lhe atribui a reserva do exercício desse poder no território das regiões, porquanto o hão-de exercer sem prejuízo da competência do Governo, de acordo com a delimitação material definida no estatuto regional e em lei da República, com respeito pelos princípios constitucionais, não podendo esquecer-se que o «Estado é unitário» e que a autonomia político-administrativa não afecta a integridade da soberania do Estado, sendo o Governo, enquanto órgão de soberania, 'o órgão de condução da política geral do País e o órgão superior da Administração Pública'(artigo
185º).
O facto de a legislação em causa respeitar a matérias autárquicas e de a Constituição conferir às regiões autónomas o exercício de poderes de tutela sobre as autarquias locais não habilita a assembleia regional a emitir a legislação em causa, uma vez que tal tutela consiste na verificação do cumprimento da lei, não se podendo também fazer decorrer de tal poder de tutela qualquer indício ou presunção de existência de interesse específico, a isso se opondo a constatação de que o regime estabelecido para a região não difere do regime existente para qualquer outra autarquia do país.
Relativamente ao artigo 16º do decreto legislativo regional, parece corresponder ao exercício pela assembleia do poder consagrado no artigo 229º, nº
1, alínea p), da Constituição: o poder de definir actos ilícitos de mera ordenação social e respectivas sanções, mas o critério do interesse específico
'aplica-se tanto à competência legislativa genérica das assembleias legislativas regionais (alínea a) do nº 1 do artigo 229º)', como 'se aplica directamente ao poder (...) de definição de actos ilícitos de mera ordenação social '(V. JORGE MIRANDA, Funções, Órgãos e actos do Estado, Lisboa, 1990, p. 236), pois tal definição implica necessariamente o exercício de faculdades legislativas. Não se vendo por que motivo a violação das regras sobre actividade de vendedor ambulante e de feirante possa assumir especial configuração na Região Autónoma dos Açores, tem de se concluir que as alterações que o regime sancionatório em causa introduziu no regime previsto na legislação nacional, não se podem fundar na existência de interesse específico, pelo que sofre também o referido artigo
16º de inconstitucionalidade.
O requerente termina, concluindo que as normas do decreto são inconstitucionais por não introduzirem 'qualquer inovação significativa na ordem jurídica portuguesa e, sendo assim, violam o requisito do interesse específico formulado nos artigos 229º, nº 1, alínea a) e 115º, nº3, da Constituição', pelo que pede a apreciação preventiva da constitucionalidade das normas constantes do decreto sobre 'actividade de comércio a retalho exercido de forma não sedentária', especialmente dos artigos 1º a 9º, 15º e
16º, na parte em que apropriam normas constantes dos Decretos-Leis 122/79, de 8 de Maio, 282/85, de 22 de Julho, 283/86, de 5 de Setembro, 399/91, de 16 de Outubro, 252/93, de 14 de Julho, 252/86, de 25 de Agosto, 251/93, de 14 de Julho e da Portaria nº 149/88, de 9 de Março.
3. - O Presidente da Assembleia Legislativa Regional autora do diploma em apreciação, notificado por intermédio de ofício de 16 de Fevereiro corrente, enviado por meio de «fax», nos termos e para os efeitos do artigo 54º da Lei do Tribunal Constitucional, para responder ao pedido formulado, remeteu a este Tribunal um «fax» com data de 23 de Fevereiro de 1994, com a resposta; mas, tal como resulta da hora de recepção do mesmo, deu ele entrada no Tribunal, pelas 19 horas e 40 minutos, daquele dia, isto é, quando já estava encerrado o respectivo livro de registo, pelo que tal resposta se tem de considerar extemporânea ( o prazo para a resposta terminava pelas 17 horas do dia 23 de Fevereiro corrente), sendo determinada a sua apensação por linha aos autos.
II - FUNDAMENTOS:
4. - Importa, antes de mais, delimitar o âmbito do pedido formulado.
O requerente formula no início do requerimento, o pedido de apreciação da constitucionalidade de todas as normas do decreto questionado, fazendo uma especial referência às normas constantes dos artigos 1º a 9º, 15º e 16º.
Porém, na parte final desse requerimento, o requerente, abrangendo embora no pedido de apreciação preventiva de constitucionalidade todas as normas constantes do referido diploma, e citando, por forma expressa, as acima especialmente referidas, todavia, parece pretender que se aprecie a inconstitucionalidade destas últimas normas apenas
'na parte em que se apropriam de normas constantes dos Decretos-Leis 122/79, de
8 de Maio,282/85, de 22 de Julho, 283/86, de 5 de Setembro, 399/91, de 16 de Outubro, 252/93, de 14 de Julho, 252/86, de 25 de Agosto, 251/93, de 14 de Julho, e da Portaria 149/88, de 9 de Março', permitindo pensar que se não deveriam considerar abrangidas no pedido as normas (ou parte delas) em que não existisse a referida apropriação de legislação nacional.
Entende-se, todavia, que o pedido formulado visa a totalidade das normas constantes do decreto, porquanto a simples referência a vários dos seus preceitos, por forma autonomizada, não permite concluir que tenha havido uma intenção de restringir a apreciação da constitucionalidade apenas a esses preceitos, tanto mais que, na fundamentação, se referem expressamente os 'restantes artigos', invocando quanto a eles a falta de
'fundamento suficiente para tratamento diferenciado da mesma questão'(artigo
4º, do pedido).
Vai, pois, apreciar-se todo o diploma emanado da Assembleia Legislativa Regional do Açores relativo à 'Actividade do comércio a retalho exercida por forma não sedentária por vendedores ambulantes e feirantes'.
5. - O decreto que vem questionado e a que foi atribuído o nº 1/94, estabelece o regime jurídico da actividade comercial de forma não sedentária por vendedores ambulantes e feirantes e é antecedido de um preâmbulo, onde se assinalam as razões de tal legislação e do qual interessa reter o seguinte:
'Na Região Autónoma dos Açores, a venda ambulante, rege-se pelo Decreto Regulamentar Regional nº 13/ 83/A, de 21 de Abril, que estabelece como condição de acesso à actividade a autorização da câmara municipal da área respectiva, titulada pelo cartão de vendedor ambulante, e fixa regras relativas ao exercício da actividade que têm por objectivo delimitar os locais onde não pode ser exercida, impedir a concorrência desleal com o comércio sedentário, defender o consumidor, e assegurar a higiene, em especial dos produtos alimentares.
A actividade de feirante, pelo contrário, está legalmente regulada pelo Decreto-Lei nº 340/82, de 25 de Agosto, quando exercida em mercados municipais. Pese embora a falta de tradição de realização de feiras e mercados, para além dos mercados municipais, entende-se que chegou a altura de colocar ao dispor dos municípios a faculdade de autorização de realização de feiras ou mercados, quando os interesses das populações o aconselhem, tendo em conta os equipamentos comerciais existentes, e com prévia audição das associações representativas dos consumidores, dos comerciante e dos trabalhadores.
Deste modo, as regras relativas ao exercício da actividade de vendedor ambulante - com excepção das respeitantes à localização - são alargadas à actividade de feirante.
No tocante ao acesso à actividade, as regras são diferentes para cada uma destas formas de comércio. Para o exercício da actividade de vendedor ambulante, a autorização prévia da câmara municipal, até agora exigida, é substituída por uma simples notificação em que o interessado informa a câmara municipal que, decorridos 30 dias, iniciará a sua actividade no município, juntando a documentação necessária, nomeadamente o boletim de sanidade, no caso de pretender comercializar produtos alimentares, e a ficha de inscrição no cadastro comercial. Para o exercício da actividade de feirante não se exige qualquer autorização prévia. O comerciante interessado tem apenas de requerer à câmara municipal que lhe seja concedido um lugar de venda em feira ou mercado. Dada a pouca expressão desta forma de comércio nos Açores - ao contrário do que se passa no continente, em que existe uma tradição secular de realização de feiras - não se justifica uma autorização genérica para o exercício da actividade, bastando apenas a titularidade do direito de ocupação de lugar de venda em determinada feira ou mercado.
[...]
Por último, é de referir, no que diz respeito à localização das actividades de vendedor ambulante e de feirante - isto é, restrições, condicionamentos e proibições do exercício das actividades em certos locais e delimitação positiva dos locais onde as actividades podem ser exercidas -, que é atribuído um amplo poder regulamentar aos municípios, o que se justifica por se tratar de matéria que, em obediência ao princípio da descentralização, pode, com vantagem, ser decidida a nível local.'
Constata-se, assim, que o diploma em análise, para além de regulamentar de novo uma matéria que já era regulada por decreto regulamentar regional - a actividade de comércio ambulante - acrescentou a regulamentação da actividade de comércio em feiras e mercados, matéria que é totalmente nova no ordenamento jurídico regional dos Açores.
6. - É a seguinte a estrutura do diploma regional em apreciação: o artigo 1º estabelece o objecto do decreto (a actividade do comércio a retalho exercida de forma não sedentária por vendedores ambulantes e feirantes) e o seu âmbito (aplica-se também à venda, de forma não sedentária, de artigos de artesanato, frutas e produtos hortícolas de produção ou fabrico próprio); o artigo 2º define as actividades às quais o diploma se não aplica; o artigo 3º proíbe o exercício, de forma não sedentária, do comércio por grosso e admite a proibição do comércio a retalho de certos produtos, a definir por portaria; o artigo 4º estabelece os requisitos necessários ao exercício da actividade regulamentada; o artigo 5º delimita os locais onde a actividade pode ser exercida; o artigo 6º fixa os requisitos dos meios utilizados para a venda; o artigo 7º fixa os requisitos exigidos para o transporte, exposição, armazenagem e embalagem de produtos alimentares; o artigo 8º impõe a posse do boletim de sanidade a quantos intervierem no transporte, acondicionamento e venda de produtos alimentares; o artigo 9º estabelece qual a documentação de que devem ser portadores os vendedores ambulantes e feirantes; o artigo 10º fixa as condições de acesso às actividades reguladas; o artigo 11º regula o procedimento que deve ser cumprido para aceder à actividade de vendedor ambulante; o artigo
12º regula idêntico procedimento para acesso à actividade de feirante e o artigo
13º para os mercados municipais; o artigo 14º estabelece que o cadastro dos estabelecimentos comerciais a organizar pela entidade regionalmente competente deve abranger os vendedores ambulantes e os feirantes, determinando qual o procedimento a respeitar para tal efeito; o artigo 15º confere aos municípios o poder de regulamentarem certos aspectos do diploma com audição prévia de determinadas entidades; o artigo 16º estabelece o regime sancionatório para as violações das normas do diploma, as quais são qualificadas como contra-ordenações, passíveis de coimas e de sanções acessórias, sendo a negligência punível; o artigo 17º estabelece o processo das contra-ordenações e as entidades competentes para a aplicação das coimas e das sanções acessórias; o artigo 18º define a entidade com competência fiscalizadora; o artigo 19º estabelece duas disposições transitórias, sobre os cartões de vendedores ambulantes e sobre a inscrição no cadastro dos feirantes que detenham o título de ocupante de mercado municipal; o artigo 20º estabelece a revogação do Decreto Regulamentar Regional nº 13/83/A, de 21 de Abril e o artigo 21º fixa a data da entrada em vigor do diploma.
7. - Uma análise comparativa com a legislação nacional em vigor sobre a matéria do diploma em apreciação permite a detecção das diferenças e semelhanças existentes bem como a fonte de inspiração próxima da normação produzida pela Assembleia Legislativa Regional.
Assim, quanto ao artigo 1º, nº 1, a legislação geral vigente consta dos Decretos-Leis nºs 122/79, de 8 de Maio, quanto aos vendedores ambulantes, e 252/86, de 25 de Agosto, quanto aos feirantes, com alterações de outros diplomas que se irão referindo à medida que forem convocados.. O nº 3 tem por paralelo o artigo 13º daquele primeiro diploma e o artigo 12º do segundo. A definição de vendedor ambulante e feirante foi importada do Decreto-Lei nº
339/85, de 21 de Agosto, embora idêntica definição constasse já do Decreto Regional nº 20/80/A de 27 de Agosto, artigo 2º, alíneas e) e f), entretanto revogado.
No que respeita às várias alíneas do artigo 2º, enquanto as duas primeiras reproduzem o nº 2 do artigo 2º, do Decreto-Lei nº
122/79, a alínea c) corresponde ao artigo 1º, nº 2, do Decreto-Lei nº 252/86. A parte final da alínea c) ressalva duas normas que se reportam ao comércio em mercados municipais (actividade excluída do diploma) mas visando apenas a inscrição no cadastro dos estabelecimentos comerciais.
O nº 1 do artigo 3º corresponde ao artigo 17º do Decreto-Lei nº 251/93, de 14 de Julho, e ao artigo 2º, nº 2, do Decreto-Lei nº
252/93, de 14 de Julho, que dá nova redacção ao artigo 2º, nº 2, do Decreto-Lei
122/79. Por sua vez, o nº 2 corresponde ao artigo 7º do Decreto-Lei nº 122/79 e ao artigo 13º do Decreto-Lei nº 252/86.
Relativamente ao artigo 4º, verifica-se que é uma norma genérica que remete para outros artigos do diploma em apreço. O seu nº 2 tem correspondência no artigo 14º do Decreto-Lei nº 122/79.
Passando ao nº 1 do artigo 5º, respeitante aos locais de exercício da actividade, conclui-se que tem correspondência, com adaptações, no artigo 4º do Decreto-Lei nº 122/79, quanto às alíneas a), b) e c) e com o mesmo artigo conjugado com o preceituado no artigo 18º do diploma, quanto ao corpo do nº 1. Quanto à alínea d) do diploma regional, ela corresponde
à parte final da alínea c) da lei nacional, apenas se quantificando (250 m) a distância em que os vendedores ambulantes podem estar de estabelecimentos comerciais que vendam idênticos produtos. Quanto à alínea e), trata-se de uma cláusula geral que impõe o respeito pelas restrições, condicionamentos ou proibições impostas pelo município quanto ao local do exercício de comércio, pelo que não tem qualquer conteúdo útil.
O nº 2 corresponde ao artigo 2º, nº 1, e ao artigo 3º do Decreto-Lei nº 252/86 com adaptações.
Também se encontram correspondências quanto a todos os números do artigo 6º do diploma regional. Designadamente, entre o seu nº1 e o artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 122/79 (com adaptações) e o artigo 6º do Decreto-Lei nº 252/86. O artigo 10º, nº 2, daquele diploma e o artigo 10º do Decreto-Lei de 1986 encontram correspondência no nº 2 da norma em apreciação. Finalmente, quanto ao seu nº 3, verifica-se corresponder o mesmo à alínea d) do artigo 4º do Decreto-Lei nº 122/79.
Quanto ao artigo 7º do diploma regional, constata-se que os seus quatro primeiros números são a reprodução dos quatro números do artigo 7º do Decreto-Lei nº 252/86, com uma ligeira alteração de redacção quanto
à parte final do nº 1, e tais normas regionais têm ainda uma correspondência adaptada ao diploma de 1979, relativamente aos nºs1 e 2 do artigo 5º [artigo 7º, nº 1 do DLR]; e aos nºs 1, 2 e 4 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 122/79 [artigo
7º, nºs 1 a 4 do DLR].
Quanto ao nº 5 do artigo 7º do diploma regional é disposição nova, mas na medida em que se limita a remeter para normação especial, sem dúvida de âmbito nacional, respeitante ao transporte, exposição, armazenagem e embalagem dos produtos alimentares, não tem relevo autónomo para a matéria dos autos.
A exigência de boletim de sanidade regulada no artigo 8º, não é inovadora. O nº 1 deste artigo corresponde ao artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 122/79 e ao nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 252/86. O nº 2 do artigo 8º do diploma regional foi importado directamente do nº 3 da Portaria nº 149/88, de 9 de Março, emitida ao abrigo do artigo 58º, nº 1, alínea d), do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro. O nº 3 do artigo 8º do diploma regional corresponde ao artigo 6º, nº 2, do Decreto-Lei nº 122/79 e ao artigo 8º, nº 2, do Decreto-Lei nº 252/86, salvo quanto à indicação da entidade competente para proceder à intimação para apresentação à autoridade sanitária.
O artigo 9º do diploma regional respeitante à documentação exigida ao vendedor ambulante e ao feirante no exercício da sua actividade, contém duas disposições parcialmente inovadoras: as alíneas a) e b) do seu nº 1, que impõem a exibição do recibo comprovativo da notificação prévia
à Câmara e da autorização de ocupação do lugar de venda, sendo estes documentos meros substitutos da exigência da legislação nacional do cartão de feirante e de vendedor ambulante.
Na legislação nacional esta exigência constava do artigo 12º do Decreto-Lei nº 122/79, para o vendedor ambulante e do artigo 11º do Decreto-Lei nº 252/86 para o feirante. Constata-se assim que a inovação legislativa resulta, em parte, do que adiante se estabelece nos nºs 1 e 3 do artigo 10º do decreto.
A alínea c) corresponde ao artigo 6º do Decreto-Lei nº 122/79 e ao artigo 8º do Decreto-Lei nº 252/86, enquanto a alínea d) corresponde ao nº 2 do artigo 12º do primeiro daqueles diplomas e ao corpo do nº 1 do artigo 11º do diploma de 1986.
Quanto ao nº 2 deste artigo 9º, tem ele correspondência nas alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 12º do Decreto-Lei nº
122/79 e nas mesmas alíneas do nº 2 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 252/86. Assinalam-se diferenças mínimas:
- a alínea c) do diploma regional limita-se a autonomizar, em relação às normas nacionais correspondentes, a indicação do elemento 'data em que foi efectuada a compra', a qual, naquelas normas, consta da parte final das alíneas b) acima referidas;
- a alínea b) da legislação geral enumera os vários vendedores possíveis, o que é omitido na legislação regional.
O nº 3 corresponde ao artigo 13º in fine do Decreto-Lei nº 122/79 e ao artigo 12º in fine do Decreto-Lei nº 252/86
(feirantes).
As normas constantes dos nºs 1 e 3 do artigo 10º do diploma regional têm natureza parcialmente inovatória: o nº 1 estabelece a condição para o exercício da actividade de vendedor ambulante que é a notificação prévia da Câmara municipal da área (na legislação nacional é exigido o cartão de vendedor ambulante) e o nº 3 exige, para idêntico efeito, a titularidade do direito de ocupação de um lugar de venda em feira ou mercado (a legislação nacional exige o cartão de feirante).
A referência a que a inovação é apenas parcial resulta do facto de o Decreto-Lei nº 340/82, de 25 de Agosto, já prever para os mercados municipais a concessão do «título de ocupante de lugar de mercado»
(artigo 2º).
O nº 2 do artigo 10º tem inteira correspondência nos artigos 18º, nº 1 in fine do Decreto-Lei nº 122/79, quanto aos vendedores ambulantes e no artigo 4º nº 1 in fine, do Decreto-Lei nº 252/86, quanto aos feirantes.
Os artigos 11º, 12º e 13º são de natureza meramente procedimental, sendo portanto instrumentais e desprovidos de autonomia preceptiva. Será dispensável uma análise comparativa por essa razão, que porventura também explicará o motivo pelo qual não são objecto de pedido especificado de apreciação. Cumpre porém referir que o artigo 11º, regulando o procedimento relativo à notificação prévia da câmara municipal, tem inteira correspondência procedimental no artigo 18º, nº 3 do Decreto-Lei nº 122/79, para a obtenção do cartão de vendedor ambulante. Pelo seu lado, o artigo 12º, meramente procedimental quanto ao pedido de ocupação de lugares de venda em feiras, tem inteira correspondência com o artigo 4º, nºs 1 a 7 do Decreto-Lei nº
252/86, sempre com as adaptações derivadas dos diferentes organismos intervenientes por um lado, e títulos a obter, por outro.
Quanto ao artigo 13º, ele é meramente procedimental para a concessão do título de ocupante de mercado municipal - actividade aliás excluída expressamente do regime do presente diploma (cf. artigo 2º, alínea c), primeira parte ) - com vista ao registo cadastral dos estabelecimentos comerciais previsto no artigo 14º.
Quanto ao artigo 14º do diploma regional, determina-se no seu nº 1 que a organização do cadastro dos estabelecimentos comerciais, que compete à Direcção Regional do Comércio, Indústria e Energia, deve abranger os vendedores ambulantes e os feirantes. Esta norma tem correspondência, quanto aos vendedores ambulantes, no nº 10 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 122/79, na redacção do artigo 1º do Decreto-Lei nº 252/86 e quanto aos feirantes, no nº 4 do artigo 4º, do Decreto-Lei nº 252/86 e no nº 2 do artigo 5º do mesmo diploma, na redacção do Decreto-Lei nº 251/93, de 14 de Julho, com a evidente adaptação de ser diferente a entidade a quem devem ser remetidos os elementos para o registo cadastral (Direcção Geral do Comércio, no continente).
O nº 2 do artigo 14º do diploma regional especifica apenas quais os documentos que devem ser remetidos para efeitos do registo cadastral à referida Direcção Regional, bem como o prazo em que tal remessa por parte da câmara municipal deve ocorrer e o momento a partir do qual se conta tal prazo.
O nº 3 da mesma disposição estabelece que os modelos de impressos a que se refere o número anterior são aprovados por despacho dos Secretários Regionais competentes.
Tanto o nº 2 como o nº 3 têm correspondência no artigo 5º do Decreto-Lei nº 252/86, na redacção de 1993, conjugado com a parte final do nº 4 do artigo 4º do mesmo diploma na versão original, com a adaptação da entidade com competência para aprovar o modelo do impresso em causa.
Quanto ao artigo 15º do diploma regional, estabelece ele os poderes regulamentares dos municípios no âmbito deste diploma. Das quatro alíneas que integram o nº 1 do preceito, apenas a alínea c) fixa uma normação diversa da nacional quanto aos horários da actividade de vendedor ambulante (na legislação nacional, tal actividade acompanha a legislação em vigor sobre os períodos de abertura dos estabelecimentos comerciais); as alíneas a) e b) foram importadas do artigo 16º do Decreto-Lei nº 122/79 com algumas modificações mínimas de redacção e a alínea d) foi importada do artigo 14º, nº 1 do Decreto-Lei nº 252/86.
Quanto ao nº 2 do artigo 15º do diploma regional, a sua fonte inspiradora foi certamente a primeira parte do nº 1, do artigo 14º, com a diferença de, no diploma regional, se referir a Câmara de Comércio e Indústria, em vez das associações patronais, estas por sua vez referenciadas na regulamentação nacional.
Quanto ao artigo 16º do diploma regional, estabelece o regime sancionatório para as violações das normas do diploma, utilizando dois tipos de normação: ou fixa ele próprio o montante máximo da coima a aplicar e é apenas nessa parte inovatório, ou recorre ao regime de coimas estabelecido no Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro. Isto quanto ao nº 1. Quanto ao nº 2, estabelece ele a possibilidade de, simultaneamente com a coima, serem aplicadas duas sanções acessórias, a apreensão de objectos utilizados no exercício da actividade e a privação do direito de participação em feiras e mercados durante dois anos.
No nº 3 estabelece que a negligência é sempre punível.
O que se dispõe nestes dois últimos números acaba por não ser mais do que uma adaptação do regime geral em matéria de infracções antieconómicas e contra a saúde pública (cfr. Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, designadamente o artigo 56º e segs.).
O artigo 17º estabelece o processo das contra-ordenações, indicando a entidade competente para a sua investigação e instrução e as entidades que têm competência para aplicação das coimas e das sanções acessórias (Comissão de Aplicação de Coimas em matéria económica quanto
às alíneas a), b), e), f), h), i) e l) do nº 1 e no nº 2 do artigo 16º; Câmaras municipais, quanto às alíneas c), d), g), j), m) e n) do nº 1 e no nº 2 do artigo 16º e nos regulamentos do artigo 15º).
A instituição da Comissão referida no nº 2 constitui aplicação do nº 4 do artigo 52º do Decreto-Lei nº 28/84 citado e tem sequência em legislação regional que não está submetida a apreciação. Entretanto, o nº 1 do artigo 17º e o artigo 18º do diploma regional fazem referência aos serviços competentes para efeitos de investigação e instrução dos processos (o Serviço de Inspecção Económica, criado na Secretaria Regional da Economia pelo Decreto Regulamentar Regional nº 9/90/A de 9 de Março, e hoje dependente da Secretaria Regional da Juventude, Emprego, Comércio, Indústria e Energia, nos termos do Decreto Regulamentar Regional nº 6/93/A de 20 de Março) e às entidades competentes para a fiscalização do disposto no diploma em apreço, normas estas que podem encontrar normas paralelas no artigo 20º do Decreto-Lei nº 122/79, na redacção do Decreto-Lei nº 399/91 e no artigo 16º do Decreto-Lei nº 252/86.
O artigo 19º estabelece normas transitórias para a substituição do cartão de vendedor ambulante e para a remessa dos documentos de inscrição no cadastro dos estabelecimentos comerciais.
O artigo 20º revoga o Decreto Regulamentar Regional nº 13/83/A de 21 de Abril, e o artigo 21º fixa a entrada em vigor do diploma.
8. - É relativamente ao diploma em apreço, que o requerente considera que se verificam os pressupostos que fundamentam um juízo sobre a sua inconstitucionalidade por, designadamente, quanto aos artigos 1º a
9º e 15º e 16º se verificar uma mera reprodução ou recomposição de preceitos legislativos nacionais, que permitiria concluir pela inexistência de interesse específico na emanação de tal legislação regional e, quanto às restantes normas, por falta de fundamento suficiente para um tratamento diferenciado, afirmação esta que, por direitas contas, equivale à afirmação da inexistência, também quanto a tais normas, de interesse específico na sua emissão.
Vejamos, antes de mais, o direito aplicável.
8.1. - O carácter unitário que define constitucionalmente o Estado Português (artigo 6º da Constituição) em nada é afectado pela consagração, na mesma disposição constitucional, da autonomia regional respeitante aos Arquipélagos dos Açores e da Madeira. Efectivamente, a consagração de tal autonomia, mais não faz do que reconhecer a existência de
'características geográficas, económicas, sociais e culturais próprias das duas regiões' (artigo 227º, nº 1 da Constituição).
De acordo com o nº 2 deste último preceito, 'a autonomia das regiões visa a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses', não podendo a autonomia político-administrativa das regiões afectar a integridade da soberania do Estado, devendo o conjunto dos poderes em que se traduz tal autonomia ser exercido no quadro da Constituição (nº 3 do artigo 227º).
Nos termos constantes dos artigos 234º, nº 1 e 115º, nº 1, ambos da Constituição, é à assembleia legislativa regional, enquanto órgão próprio da região autónoma, que a Lei Fundamental atribui competência para elaboração dos actos legislativos sob a forma de decretos legislativos regionais.
Os poderes das regiões autónomas, enquanto pessoas colectivas de direito público, constam do artigo 229º da Constituição e, de acordo com este mesmo preceito, os mesmos são para 'definir nos respectivos Estatutos'. Entre estes poderes, contam-se os de natureza legislativa constantes das alíneas a) a c) do nº 1 daquele artigo 229º.
De acordo com esta alínea a), as assembleias legislativas regionais detêm competência para 'legislar, com respeito da Constituição e das lei gerais da República, em matérias de interesse específico para as regiões que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania'.
E, de acordo com o preceituado no artigo 115º, nº 3 da Constituição, 'os decretos legislativos regionais versam sobre matérias de interesse específico para as respectivas regiões e não reservadas à Assembleia da República ou ao Governo, não podendo dispor contra as leis gerais da República, sem prejuízo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 229º.'.
Em jurisprudência reiterada e uniforme, vem este Tribunal reafirmando que as assembleias legislativas regionais, ao editarem legislação ao abrigo da referida alínea a), devem respeitar os seguintes parâmetros condicionadores daquela competência:
a) as matérias a tratar devem ser matérias de interesse específico da região (parâmetro positivo);
b) tais matérias não podem estar reservadas à competência própria dos órgãos de soberania (parâmetro negativo);
c) ao tratar legislativamente tais matérias, as assembleias legislativas regionais - para além de haverem de obedecer à Constituição - não podem estabelecer disciplina que contrarie «leis gerais da República» (cfr. Acórdão nº 212/92, 'Diário da República', Iª Série, de 21 de Julho de 1992 e jurisprudência aí citada, seguindo-se, no texto, o teor do acórdão).
Os diplomas legislativos regionais que ultrapassem aqueles limites, quer invadindo a competência própria dos órgãos de soberania quer tratando matérias desprovidas de interesse específico, violam as regras de competência; mas, não basta que se trate de matérias não reservadas aos órgãos de soberania nem que se trate de matérias específicas, para o exercício válido do poder legislativo regional: são necessários os dois elementos em simultâneo.
Matérias reservadas à competência própria dos órgãos de soberania, são desde logo, as que constituem a competência própria da Assembleia da República e do Governo, estando, assim, umas e outras, vedadas ao poder legislativo regional.
Mas, como este Tribunal tem vindo a decidir, as matérias reservadas à competência própria dos órgãos de soberania «não se circunscrevem
às que constituem a reserva de competência legislativa da Assembleia da República (artigos 167º e 168º) e do Governo, constante do nº 2 do artigo 201º da lei fundamental». É que, a tal competência se «acham reservadas todas as matérias que reclamem a intervenção do legislador nacional».
Com efeito, «o carácter unitário do Estado e os laços de solidariedade que devem unir todos os portugueses exigem que a legislação sobre matéria com relevo imediato para a generalidade dos cidadãos seja produzida pelos órgãos de soberania (Assembleia da República ou Governo), devendo ser estes a introduzir as especialidades ou derrogações que se mostrem necessárias, designadamente por, no caso, concorrerem interesses insularmente localizados»
(cf., sobre este ponto específico, os Acórdãos nºs 91/84, 164/86 e 326/86, cits.)'.
Desta posição jurisprudencial decorre, assim, que se a matéria objecto da legislação respeita à generalidade dos cidadãos e interessa
às diferentes parcelas do território nacional, mesmo havendo particularidades relativas aos Arquipélagos dos Açores e da Madeira, devem ser os órgãos de soberania a emanar as especificações ou modificações necessárias, pois só assim uma tal legislação respeita a competência própria dos órgãos de soberania.
8.2. - Como se referiu, a competência legislativa regional exige a existência de interesse específico para a região.
Ora, apesar de a Constituição da República não definir nem tipificar o conceito de «interesse específico», a jurisprudência deste Tribunal tem vindo ao longo de diversos arestos (v.g., Acórdãos nºs 42/85,
130/85, 164/86, 333/86, 246/90, publicados, respectivamente, nos Diários da República, Iª Série, de 6 de Abril de 1985,13 de Agosto de 1985,7 de Junho de
1986, 19 de Dezembro de 1986 e 3 de Agosto de 1990 e os quatro primeiros nos
'Acórdãos do Tribunal Constitucional', respectivamente, nos 5º Vol., pág,181;
6ºVol.,pág.7; 7ºVol.,T.I, pág. 219 e.8º Vol.,pág.83), a estabelecer o núcleo central do conjunto de matérias que podem integrar este conceito indeterminado, fixando como critério de orientação interpretativo o seguinte: são matérias de interesse específico as matérias que respeitam exclusivamente às regiões ou que nelas exijam um especial tratamento por ali assumirem uma especial configuração.
Pode, assim, afirmar-se, em geral, que se 'verifica existir um «interesse específico» habilitador de produção legislativa regional naquelas matérias que digam respeito exclusivamente à região ou cujo tratamento numa concreta região justifique um regime especial, em virtude da particular intensidade com que se manifestam os específicos condicionalismos dessa região quanto ao seu tratamento normativo' (cf. António Vitorino, 'Os poderes legislativos das Regiões Autónomas na segunda revisão constitucional', in Legislação, nº 3, Janeiro-Março 92, pág. 29).
Sendo o interesse específico das regiões um parâmetro autónomo de atribuição de competência legislativa (funcionando embora sempre com respeito pela Constituição e pelas leis gerais da República e em matérias não reservadas à competência própria dos órgãos de soberania), não pode deixar de, a este respeito, se considerar o que consta do respectivo Estatuto Político-Administrativo dos Açores (Lei nº 9/87, de 26 de Março).
Efectivamente, a consagração constitucional de um estatuto próprio assenta essencialmente nas características geográficas, económicas, sociais e culturais específicas daquelas regiões, que as particularizam em relação ao todo nacional; porém, também por exigência constitucional, a autonomia regional não pode deixar de visar o 'reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses'
(artigo 227º da Constituição).
Ora, o artigo 33º, alínea bb), do Estatuto da Região Autónoma dos Açores refere como constituindo matéria de interesse específico para a região, o' comércio, interno e externo, e abastecimentos', não podendo deixar de se considerar incluído na referência ao comércio interno, o comércio a retalho não sedentário, actividade que constitui o objecto do diploma em apreciação.
Mas a mera inclusão da matéria regulada no estatuto da região constitui, segundo a jurisprudência do Tribunal, simples presunção abstracta, ilidível, caso a caso, pela demonstração de inexistência de um interesse específico.
Escreveu-se, de facto, no acórdão nº 164/86,já citado:
'daqui [da inclusão no Estatuto], porém não, decorre que a legislação regional haja de ter-se por conforme à Constituição só porque incida sobre matérias elencadas no estatuto como sendo de interesse específico. E isso ainda quando ela não verse matérias reservadas à competência própria dos órgãos de soberania
- o que, como adiante se verá, aqui não sucede - e mesmo que não contrarie as
«leis gerais da República».'
'Uma medida legislativa regional não pode, assim, haver-se como detentora de credencial constitucional bastante tão-só pelo facto de versar matéria que o respectivo estatuto considere como sendo de interesse específico para a região. Necessário será ainda - e sempre - que essa matéria respeite exclusivamente a essa região ou que nela exija um tratamento especial, por aí assumir peculiar configuração [v. os Acórdãos deste Tribunal nºs 42/85,e
57/85(Diário da República, 1ª série, de 6 e 11 de Abril de 1985, respectivamente);v. também o Acórdão nº 91/84, atrás citado (Diário da República,2ª série, de 6 de Outubro de 1984), e a jurisprudência nele referida]'.
9. - Assim , assentes os princípios condicionadores da legislação regional, [a saber, esta legislação só pode versar sobre matérias de interesse específico das regiões, com subordinação às leis gerais da República e não podendo tratar matérias reservadas aos órgãos de soberania], importa agora analisar se o diploma em apreço respeita o referido condicionalismo, com o sentido que a jurisprudência do Tribunal vem adoptando.
10. - Da análise global e comparativa feita no ponto 7. do presente acórdão, resulta que o diploma regional, cuja apreciação de conformidade à Constituição é pedida ao Tribunal, contém, como disposições realmente inovatórias - isto é, que não consistem em mera reprodução ou recomposição de normas anteriores da legislação nacional - apenas as normas dos nºs 1 e 3 do artigo 10º (e esta apenas em parte), que fixam as condições de acesso às actividades de vendedor ambulante e de feirante e a norma do nº 1 do artigo 14º que manda incluir no cadastro dos estabelecimentos comerciais aqueles agentes económicos. A norma do artigo 16º, que estabelece o regime sancionatório, por se inserir no exercício de um poder que a Constituição reconhece expressamente às Regiões Autónomas tem de ser apreciada por forma diferenciada, ficando afastadas do confronto directo com a Lei Fundamental as normas finais de carácter transitório ou revogatório, dada a sua particular natureza.
Assim, detectam-se no diploma em questão, normas que são mera reprodução de normas de diplomas vigentes no continente (artigos 1º a
8º,9º, salvo as alíneas a) e b) do nº 1,10º, nº 2 e 15º); normas de carácter nitidamente procedimental (artigos nºs 11º, 12º, 13º, 14º, nºs 2 e 3, 17º e
18º), disposições total ou parcialmente inovatórias (artigos nº 10º, nºs 1 e 3,
14º, nº 1), o artigo 16º que estabelece o regime sancionatório e ainda as disposições transitórias, revogatórias e de início de vigência (artigos 19º, 20º e 21º).
Vejamos, então, separadamente, cada um dos conjuntos de normas em que o diploma em apreciação se pode agrupar para efeitos de controlo da sua constitucionalidade.
10.1. -As normas dos artigos 1º a 8º, 9º, nº1, alíneas c) e d), nºs 2 e 3, e 15º do diploma.
O diploma em apreciação inclui, nos seus artigos 1º a 8º inclusive, a regulamentação substantiva da actividade do comércio a retalho exercida por forma não sedentária por vendedores ambulantes e por feirantes.
Porém, como resulta, com clareza, da análise comparativa feita no ponto 7 deste acórdão, esta regulamentação não só não integra, no que a estas disposições se refere, qualquer norma inovadora relativamente à legislação nacional vigente no continente, como é manifesto que estes preceitos se limitam a reproduzir ou por forma directa ou por forma compósita, preceitos da legislação nacional sobre a actividade comercial não sedentária exercida por vendedores ambulantes e por feirantes.
Assim, e desde logo, a definição destes agentes foi importada do Decreto-Lei nº 339/85, de 21 de Agosto, que é legislação nacional relativa à classificação dos agentes económicos intervenientes na actividade comercial e que fixa os mecanismos de controle das inibições do exercício de tal actividade.
E dos restantes preceitos ressalta com nitidez, a apropriação, umas vezes directa outras vezes por forma complexa, da regulamentação da venda ambulante e em feiras estabelecida no continente, procurando o legislador regional apenas reunir num só diploma a regulamentação das duas actividades que o legislador nacional tem vindo a tratar separadamente, através de diplomas autónomos.
Pode, assim afirmar-se que, em matéria de regulamentação substantiva da actividade de comércio a retalho exercida por forma não sedentária por vendedores ambulantes e feirantes, existe uma quase total correspondência entre a legislação nacional e a que consta do diploma regional em apreciação, sendo as diferenças registadas apenas as que resultam da necessidade de adaptação das designações das entidades competentes da Região e as que derivam de uma forma diferente de redacção da norma, por o comando que esta contém resultar da fusão de comandos que, na legislação nacional, constam de diferentes normas(v.g., o artigo 5º nº 1).
Ora, este Tribunal já decidiu que quando um diploma regional se limita a reproduzir (literalmente ou sem alterações relevantes capazes de traduzir uma especificidade regional) as normas constantes de um diploma nacional, tal diploma é inconstitucional, por não representar o exercício do poder normativo regional, que pressupõe sempre a existência de um interesse específico (cfr. o Acórdão nº 256/92, entre outros).
Efectivamente, sem curar de saber agora em que consiste o «interesse específico», sempre este Tribunal tem afirmado - e agora o reafirma, de novo -, que a normação regional viola o preceituado na alínea a) do nº 1 do artigo 229º e o nº 3 do artigo 115º, da Constituição, sempre que, ao tratar legislativamente determinada matéria o faça por forma a que não tenha essencialmente em atenção quer os aspectos que se devem considerar exclusivamente ligados à região quer aqueles que devem assumir um particular tratamento derivado da especial configuração que os mesmos revestem na região e que, por isso, imponham um tratamento diferenciado do que lhes é dado no restante território nacional.
Assim, tendo-se concluído que relativamente aos preceitos em análise - artigos 1º a 8º -, o diploma regional mais não faz do que adaptar a legislação nacional sem lhe introduzir qualquer disciplina normativa distinta e que possa obter justificação pela existência na região de qualquer problema específico relativamente às actividades em causa que imponha uma diversa e própria regulamentação, não pode deixar de concluir que não se verifica quanto às normas em causa o requisito da existência de interesse especifico, pelo que se tem de concluir pela inconstitucionalidade das mesmas normas, por violação do artigo 229º, nº1, alínea a) e do artigo 115º, nº 3, ambos da Constituição.
As considerações que acabam de se fazer valem igualmente e por inteiro relativamente às normas dos artigos 9º, nº 1, alíneas c) e d), 2 e
3, 10º, nº 2 e 15º do diploma em apreço, uma vez que também em relação a estas normas se concluiu antes (ponto 7.) que elas mais não são do que meras reproduções de normas oriundas de diplomas nacionais. As alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 9º só não estão aqui abrangidas pelo simples facto de o seu conteúdo estar directamente dependente das normas do artigo 10º, nºs 1 e 3, a tratar seguidamente.
Tem, por isto, de se concluir que as normas dos artigos
1º a 8º, 9º, nº1, alíneas c)e d), nºs 2 e 3, e 15º do diploma legislativo regional sobre o comércio a retalho exercido por forma não sedentária, são inconstitucionais também por violação dos artigos 229º, nº 1, alínea a) e 115º nº 3, da Constituição.
10. 2. - As normas do artigo 10º, nºs 1 e 3.
As normas agora em apreciação estabelecem as condições de acesso ao exercício das actividades de vendedor ambulante e de feirante.
E se a actividade de vendedor ambulante estava já regulada nos Açores, através do Decreto Regulamentar Regional nº 13/83/A, de 21 de Abril, a actividade de feirante, como se referiu, é regulada pela primeira vez na Região, pelo diploma em apreço.
Vejamos, rapidamente, os antecedentes das duas actividades, no continente e nos Açores, para poder situar, por forma inequívoca, o regime que se pretende agora instituir.
10.2.1. - O regime regulador da venda ambulante foi instituído, entre nós, com o Decreto-Lei nº 383/74, de 24 de Agosto, modificado pelo Decreto-Lei nº 289/78, de 16 de Setembro. Este regime legal veio a ser de novo modificado pelo Decreto-Lei nº 122/79, de 8 de Maio, com a finalidade expressa de o fazer conjugar com o Estatuto do Comerciante (aprovado pelo Decreto-Lei nº 247/78, de 22 de Agosto), estando este diploma ainda hoje em vigor com as alterações dos seguintes diplomas: Decretos-Leis nºs 282/85, de 22 de Julho; 283/86, de 5 de Setembro; 399/91, de 16 de Outubro e 252/93, de 14 de Julho.
Nos Açores, a actividade de venda ambulante foi regulada pelo Decreto Regulamentar Regional nº 13/83/A, de 21 de Abril, praticamente decalcado do Decreto-Lei nº122/79, diploma emitido 'no seguimento do disposto no artigo 20º do Decreto-Lei nº 20/80/A, de 27 de Agosto'.
O acesso à actividade de vendedor ambulante estava condicionado nos dois regimes referidos, não só a uma autorização prévia do exercício da actividade bem como a autorização da câmara municipal da área onde se pretendia exercer a actividade, consubstanciada na «titularidade do cartão de vendedor ambulante», a obter e a renovar mediante requerimento.
10.2.2. - No que se refere à actividade de feirante, inexiste na região qualquer regulamentação. Assim, é aplicável o Decreto-Lei nº
340/82, de 25 de Agosto, quando exercido em mercados municipais. Este diploma estabelece como condição de exercício da actividade o «título de ocupante de local em mercado municipal» (artigo 2º), que pode ser concedido pelas câmaras a pessoas singulares e colectivas.
Relativamente à actividade de comércio a retalho exercida por feirantes fora dos mercados municipais, importa referir que o diploma que a regulou a nível nacional - Decreto-Lei nº 252/86, de 25 de Agosto, estabelecia no seu artigo 17º que o mesmo 'vigorará apenas no território do continente'. Porém, o Decreto-Lei nº 251/93, de 14 de Julho, que deu nova redacção a este preceito, eliminou tal limitação, pelo que, a partir do início de vigência deste último diploma, o seu âmbito de vigência abrange as Regiões Autónomas.
Neste regime, também o acesso à actividade estava condicionado à titularidade de um «cartão de feirante», cuja emissão e renovação compete às câmaras municipais.
10.3. - Foi este regime existente, uniforme para os vendedores ambulantes da Região e do continente e para os feirantes, em geral, depois de 19 de Julho de 1993, através do respectivo cartão e para os feirantes de mercados municipais através do título de ocupação de lugar, que o diploma em apreço pretendeu modificar pela forma seguinte.
De acordo com o nº 1 do artigo 10º, o exercício da actividade de vendedor ambulante na Região passa a depender de uma notificação prévia à câmara municipal da respectiva área, formulada por escrito e apresentada ou remetida pelo correio, com aviso de recepção, com pelo menos 30 dias de antecedência em relação ao início da actividade (artigo 11º, nº 1).
Pelo seu lado, de acordo com o nº 3 do mesmo artigo 10º, o exercício da actividade de feirante (o diploma não se aplica aos mercados municipais - artigo 2º, alínea c), primeira parte) depende 'da titularidade do direito de ocupação do lugar de venda em feira ou mercado'. A regulamentação procedimental para realização de ambas as condições de acesso é similar, necessitando apenas a relativa às feiras de uma decisão da câmara, que o procedimento relativo aos vendedores ambulantes dispensa pela sua própria natureza.
Ao fazer-se a comparação dos regimes existentes com o que se propõe, verifica-se que as normas são inovadoras: por um lado, a do nº 1 do artigo 10º é inovadora em relação ao ordenamento regional e continental e a do do nº 3, embora reproduzindo o regime aplicável no artigo 2º do regime previsto no Decreto-Lei nº 340/82, de 25 de Agosto ( para os mercados municipais do continente), pretende generalizar tal regime a todos os feirantes regionais, alterando assim o regime nacional dos feirantes, quanto ao respectivo título - o cartão de feirante.
E a questão que esta dupla inovação suscita é a de saber se ocorre ou vem invocada alguma circunstância singular própria da matéria a regular que, ou por ser exclusiva da Região ou por tal matéria se revestir aqui de uma particular configuração que exija um diverso tratamento, permita afirmar que a normação em análise assenta no interesse específico da região.
E a resposta, no entender do Tribunal não pode deixar de ser negativa.
Efectivamente, nem a matéria em causa - o comércio a retalho exercido de forma não sedentária por vendedores ambulantes e feirantes -
é uma matéria que respeita exclusivamente à Região Autónoma dos Açores, pois respeita manifestamente ao todo nacional, nem parece exigir nesta Região um qualquer particular tratamento decorrente da existência de qualquer problema específico que aqui seja sentido com particular intensidade.
A 'falta de tradição de realização de feiras e mercados' na Região Autónoma dos Açores a que o preâmbulo do diploma faz alusão, poderia, por si só, ser geradora de uma especificidade regional relativamente à realidade económica e social do continente onde as feiras e mercados têm uma longa tradição secular.
Simplesmente, o articulado não traduz, nas diversas soluções que propõe, uma qualquer particular peculiaridade reveladora de que a actividade do comércio a retalho se apresente com configuração suficientemente distintiva em termos de suportar um interesse específico legitimador da sua edição.
De facto, a forma de acesso consubstanciada na obtenção do cartão de feirante ou de vendedor ambulante realiza as mesmas finalidades da modalidade ensaiada no presente diploma, reconhecendo-se embora que o sistema proposto é, pelo menos quanto aos vendedores ambulantes, mais simplificado.
Por outro lado, do próprio preâmbulo do diploma em apreço decorre que, em matéria de feiras e mercados, não existe na região uma qualquer tradição na sua realização, o que tornaria dispensável o cartão de feirante. Mas, também no continente, o cartão de feirante é apenas válido para a
área do município para que é solicitado (artigo 4º, nº 1, do Decreto-Lei nº
252/86), não se podendo argumentar com possíveis dimensões de mercado ou com a dimensão geográfica das ilhas, uma vez que também são diversas, no continente, as áreas de cada município, pelo que não se vê qualquer configuração específica desta matéria que possa fundar a modificação proposta, à excepção das dificuldades notórias de deslocação inter-ilhas em comparação com as existentes no continente. Porém, tais dificuldades em nada relevam, no caso, quanto ao aspecto de fundarem a modificação das condições de acesso às actividades em causa, pois sendo o cartão de feirante e de vendedor ambulante emitido pelos municípios e para a sua área são aqui irrelevantes as dificuldades de deslocação inter-ilhas..
Competindo ao Governo 'a condução da política geral do país' e tendo usado dessa competência para regulamentar a actividade em causa - comércio a retalho dos vendedores ambulantes e feirantes - e não tendo limitado essa actividade legislativa ao continente, os órgãos de poder regional não podem, sem existência de um interesse específico relevante, editar normas que regulem de modo diferente tais matérias.
Em síntese: a ilegitimidade constitucional das normas que se têm estado a analisar decorre do facto de não existir interesse específico capaz de a justificar.
Com efeito, a falta desse interesse revela-se desde logo quando se considera que a legislação existente na região era pura reprodução da legislação nacional.
Quanto aos feirantes, poderia ver-se - como se referiu - a existência de interesse específico no facto de não haver feiras na região, assim se justificando que, ao criá-las, o legislador o faça em termos novos.
Simplesmente, a ser assim, haveria então de surpreender-se nessas normas uma novidade de regime. Isso, porém, não acontece.
Daí o poder concluir-se não existir interesse específico capaz de justificar a edição de uma legislação especial, complementar da legislação nacional, como tem sempre que ser a legislação regional.
Entende-se, por isso, que as normas constantes dos nºs 1 e 3 do artigo 10º do diploma em apreciação, são inconstitucionais por violação do artigo 229º, nº 1, alínea a) e artigo 115º, nº 3, ambos da Constituição.
10.4. - As normas dos artigos 9º, nº 1, alíneas a) e b),
11º, 12º e 13º.
Estas normas são caracteristicamente procedimentais
(caso dos artigos 11º, 12º e 13º) ou de mera aplicação (caso das alíneas do artigo 9º) das normas dos nºs 1 e 3 do artigo 10º.
Assim, uma vez alcançada a conclusão de que as normas substantivas são inconstitucionais, este vício deve alastrar às normas meramente adjectivas ou concretizadoras da disciplina material, independentemente de algumas delas não serem também mais do que reprodução de normas nacionais, também procedimentais, mas reportadas ao título de acesso às actividades em referência próprio da legislação nacional. Devem, pois, as normas agora questionadas ser consideradas consequencialmente inconstitucionais, uma vez que não dispõem de autonomia própria para serem confrontadas com a Lei Fundamental.
10.5. - A norma do artigo 14º do diploma em apreço.
Esta norma, relativa ao cadastro dos estabelecimentos comerciais, estabelece no seu nº 1 que 'o cadastro dos estabelecimentos comerciais organizado pela Direcção Regional do Comércio, Indústria e Energia, abrange os vendedores ambulantes e os feirantes.'
No nº 2 da disposição, determinam-se os documentos que as câmaras municipais devem remeter para a referida Direcção Regional - e o respectivo prazo - no caso dos vendedores ambulantes, dos feirantes e dos ocupantes de lugares em mercados municipais (por imposição dos artigos 11º, nº1, alínea c); 12º,nº 1, alínea c) e 13º do diploma em apreciação).
O nº 3 do preceito estabelece quem detém competência para aprovar os modelos dos impressos a que se refere o número anterior.
Depois de o legislador nacional ter estabelecido a classificação dos agentes económicos intervenientes na actividade comercial e de ter fixado os mecanismos de controle das inibições do exercício da actividade comercial através do Decreto-Lei nº 339/85, de 21 de Agosto, veio a criar, com base na informação sobre os locais em que se exercem as actividades previstas no artigo 1º daquele diploma, o cadastro dos estabelecimentos comerciais, editando o Decreto-Lei nº 277/86, de 4 de Setembro que, nos termos do preceituado no seu artigo 6º, não se aplica aos vendedores ambulantes nem aos feirantes.
O Decreto-Lei nº 277/86 foi modificado pelo Decreto-Lei nº 227/87, de 29 de Maio que prorrogou o prazo de inscrição pelo artigo 1º e com o artigo 2º determinou que 'o Decreto-Lei nº 277/86 vigorará apenas no território do continente'.
Assim, em matéria de cadastro de estabelecimentos comerciais, o legislador nacional restringiu a vigência do respectivo regime legal ao âmbito continental.
O legislador regional, face a este posicionamento legislativo, veio criar através do Decreto Legislativo Regional nº 19/93/A, de
18 de Dezembro, o 'Cadastro dos Estabelecimentos Comerciais da Região Autónoma dos Açores', com o 'objectivo de assegurar o conhecimento do sector do comércio, através da identificação e caracterização dos estabelecimentos comerciais e das formas de comércio neles exercida'.
Resulta do preâmbulo do diploma que se quis aproveitar a instituição deste cadastro para pôr termo ao regime de autorização prévia para o exercício do comércio instituído nos Açores pelo Decreto Regional nº 20/80/A, de
27 de Agosto, uma vez que os objectivos de tal regime podiam ser alcançados por outros meios, designadamente a organização do cadastro. O diploma, depois de regulamentar a matéria, determina no artigo 11º a revogação do referido Decreto Regional nº 20/80/A.
É neste contexto que surge o artigo 14º em apreciação, fazendo incluir no âmbito do cadastro dos estabelecimentos comerciais na Região também os vendedores ambulantes e os feirantes e regulando a remessa dos documentos (impressos de inscrição) pela câmara municipal à entidade competente para organizar o referido cadastro.
Admitindo que o diploma regional que criou o cadastro regional não abrange já a obrigatoriedade de inscrição dos vendedores ambulantes e feirantes - o que não é inteiramente liquido -, o certo é que a norma do artigo 14º não pode subsistir desde que se chegue à conclusão - como acontece, no caso -, de que as normas substantivas que o preceito visa regular devem ser declaradas inconstitucionais.
Efectivamente, a norma em causa não tem razão de ser se tiver de subsistir isoladamente em relação aos restantes preceitos, na medida em que desaparecerem as normas que impõem a obrigação dos agentes económicos em questão de apresentar os documentos relativos à inscrição no cadastro. Julgadas inconstitucionais as normas que impõem tal obrigação, não faz sentido manter uma
única norma relativa ao cadastro dos estabelecimentos em causa, quando não está inteiramente afastada a possibilidade da obrigatoriedade de tal inscrição resultar do diploma regional que regula directamente a instituição do cadastro regional.
Ora, da conclusão extraída no número anterior, resultou a inconstitucionalidade consequencial das normas instrumentais que dependem directamente das normas materiais reguladoras da actividade em causa (artigos
11º, 12º e 13º, do diploma em análise).
Assim sendo, tem também aqui de se concluir, no sentido de que deve ser declarada a inconstitucionalidade consequencial da norma do artigo 14º do diploma legislativo regional em apreciação, por não fazer sentido a sua manutenção isolada das restantes normas do diploma.
10.6. - O artigo 16º do Decreto Legislativo Regional.
Esta norma, conforme resulta com clareza da apreciação do diploma feita no ponto 7., estabelece o regime sancionatório para as violações de diversos comportamentos previstos em diferentes normas do decreto em apreço.
Neste aspecto das coisas, nos termos do preceituado no artigo 229º, nº 1, alínea p), da Constituição, as Regiões dispõem de poderes para 'definir os actos ilícitos de mera ordenação social e respectivas sanções, sem prejuízo do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 168º'.
Assim, a Região, desde que se mantenha dentro dos limites legalmente estabelecidos pelo regime geral das contraordenações, pode estabelecer os ilícitos de mera ordenação e as respectivas sanções, relativamente às matérias sobre que possa legislar.
A Região disporia, assim, de poderes para definir certos actos, dentro da matéria em apreço, como ilícitos, fixando as sanções (coimas e sanções acessórias), no respeito do referido regime geral, desde que sobre ela pudesse legislar por forma constitucionalmente legitima.
Porém, já se concluiu antes (pontos nºs 10.1. a 10.5.) que as normas materiais e que estabelecem o regime substantivo do diploma em apreciação relativo à actividade dos vendedores ambulantes e feirantes têm de ser julgadas inconstitucionais por inexistência de interesse específico o que, de resto, conduz a que elas mais não sejam do que uma apropriação de legislação nacional sobre a matéria.
Para além de que, no caso do artigo 16º do diploma questionado, todas as normas que regulavam actividades cuja violação estava prevista no referido preceito como dando lugar a uma coima ou à aplicação de uma sanção acessória são inconstitucionais, o que significa que a norma que contem a previsão das coimas e das sanções acessórias ficou completamente esvaziada de conteúdo. Por isso, também por aí deixou de ter razão o prever-se uma sanção para comportamentos que deixam de ter qualquer relevância legal.
O que permite concluir que a norma do artigo 16º do diploma apreciando tem também de ser considerada inconstitucional, por violação do artigo 229º, nº 1, alínea a) da Constituição da República.
10.7. - Os artigos 17º, 18º, 19º, 20º e 21º do diploma regional.
E, por razões totalmente idênticas às que foram já antes afirmadas, hão-de ser consideradas consequencialmente inconstitucionais as normas dos artigos 17º (que estabelece o procedimento para aplicação das contraordenações), o artigo 18º (que determina quem tem competência para efectuar a fiscalização das violações previstas no diploma), o artigo 19º
(disposição transitória), o artigo 20º (estabelece a revogação do anterior diploma sobre a matéria) e o artigo 21º (que fixa o início de vigência do diploma questionado).
Com efeito, ou porque a norma é meramente procedimental
(artigo 17º) e por isso inteiramente dependente de norma material considerada inconstitucional ou porque atribui uma competência fiscalizatória sem conteúdo
útil, pois já se concluiu que as normas geradoras de comportamentos susceptíveis de fiscalização devem ser declaradas inconstitucionais (artigo 18º) ou porque se trata de disposições transitórias, revogatórias ou de início de vigência
(artigos 19, 20º e 21º), isto é, sem conteúdo material autónomo, tais normas devem ser declaradas consequencialmente inconstitucionais.
III - DECISÃO:
Nestes termos e, tendo em atenção tudo quanto fica exposto, o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade de todas as normas do Decreto, aprovado na sessão de 26 de Janeiro de 1994, pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores sobre 'a actividade de comércio a retalho exercida por forma não sedentária' por violação do artigo 229º, nº 1, alínea a) e do artigo 115º, nº 3, ambos da Constituição da República Portuguesa.
Lisboa, 1994.03.15
Vítor Nunes de Almeida
Messias Bento
José de Sousa e Brito
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Fernando Alves Correia
Alberto Tavares da Costa
Guilherme da Fonseca
Maria da Assunção Esteves (subscrevi a tese do acórdão com fundamento na susência de interesse específico das matérias reguladas, e já não com o fundamento na não inscrição em relação à Lei Geral da República)
Bravo Serra (vencido, nos termos da declaração de voto junta)
Luís Nunes de Almeida(vencido, pelas razões constantes da declaração de voto do Ex.mº Consº Bravo Serra, que inteiramente subscrevo)
José Manuel Cardoso da Costa (Continuo a entender que a mera reprodução, em diploma regional, de uma regulamentação nacional constitui um índice seguro de ausência do 'interesse específico', que è pressuposto da competência Legislativa Regional. Mas, no caso, não é inteiramente isso - a mera e integral reprodução duma disciplina nacional preexistente - que ocorre, pelo que a ausência de interesse específico haveria de decorrer da própria natureza da matéria: ora, não me convenci, com a segurança que seria necessária de que tal sucedesse)
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei vencido quanto à decisão tomada no aresto a que a presente declaração se encontra apensa.
Na esteira de diversas declarações de voto que tenho produzido em acórdãos lavrados por este Tribunal e em que é aflorada a questão do poder legislativo regional (cfr., verbi gratia, a declaração de voto apendiculada ao Acórdão nº 220/92 no Diário da República, 1ª Série, de 28 de Julho de 1992), continuo a não poder subscrever o entendimento que o mesmo Tribunal tem seguido no sentido de considerar que o conceito de matérias
'reservadas à competência própria dos órgãos de soberania' não se circunscreve
àquelas que constituem reserva legislativa da Assembleia da República e do Governo e como tais se encontram elencadas nos artigos 167º, 168º e 201º, nº 2, da mesma Lei Fundamental, e isso porque em tal conceito - segundo a maioria deste órgão ao qual compete a fiscalização concentrada da constitucionalidade das normas - se haverão de compreender também aquelas matérias relacionadas com assuntos de relevo nacional que o carácter unitário do Estado exige que sejam tratadas legislativamente pelos órgãos legiferantes da República.
Disse já noutras ocasiões, e reitero-o agora, que uma tal postura do Tribunal não só não tem, a meu ver, qualquer suporte no texto da Constituição, como ainda, e decorrentemente, representa uma profunda constrição da autonomia política e administrativa regional que, creio, não foi querida pelo legislador constituinte.
Sendo assim, torna-se claro que, na minha perspectiva, o poder legislativo regional somente está condicionado, por um lado, pelo respeito das regras e princípios constantes da Constituição e da normação contida em leis gerais da República ou em normação editada sobre matérias que a Constituição, expressamente, reserva à Assembleia da República e ao Governo e, por outro, pela exigência de um interesse específico regional, ou seja, quando em causa estiverem matérias que exclusivamente respeitem às Regiões ou nelas exijam um especial tratamento atentas as realidades ali existentes.
2. Nesta visão das coisas, o que haveria, então, de apurar no caso submetido à apreciação do Tribunal era:
(a) se a matéria tratada no Decreto em apreço contende com qualquer norma ou princípio ínsitos na Constituição;
(b) se a normação vigente (designadamente a referida no petitório) se inclui em alguma matéria que a Constituição expressamente considera como da reserva legislativa dos órgãos de soberania;
(c) se essa normação (in casu editada pelo Governo) assume as características que presidem ao conceito de lei geral da República e, na afirmativa, se os preceitos do Decreto sub specie são dela desrespeitadores;
(d) se não existem pecularidades na Região Autónoma dos Açores justificadores da edição de tais preceitos, vistos estes na globalidade do contexto em que se inserem.
Nenhum passo do Acórdão agora lavrado aponta, minimamente que seja, no sentido de as normas contidas no Decreto aprovado pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores em 26 de Janeiro de 1994 contrariarem materialmente normas ou princípios constitucionais, igualmente nunca se efectuando qualquer excurso de onde se extraia que a normação emanada do Governo e ali citada seja de considerar como se podendo integrar no conceito de lei geral da República.
E neste ponto, a meu ver, bem.
No fundo, a razão de ser da decisão tomada ancorou-se, pois, na circunstância de, por uma banda, representando os artigos 1º a 8º do Decreto uma quase total reprodução (por forma directa ou compósita e, num ou noutro, havendo apenas alterações ou adaptações de pormenor) de preceitos da legislação vigente sobre a actividade comercial não sedentária exercida por vendedores ambulantes e por feirantes, não se poder falar na existência de um interesse específico da Região Autónoma dos Açores justificador da adopção de legislação que, na óptica da maioria dos subscritores desse Acórdão, em praticamente nada difere da já existente.
Por outra banda, o Acórdão, reconhecendo que, relativamente aos preceitos contidos artº 10º do Decreto, aí existem inovações e prescrições diversas da legislação oriunda do Governo, conclui, porém, que também aqui inexiste qualquer circunstância singular própria da matéria a regular que, por ser exclusiva da Região ou que ali possa assumir particular configuração, justifique um tratamento diverso tal como o que se pretende regular através dessas inovações.
3. Não posso, todavia, acompanhar um tal raciocínio.
Começando pela matéria contida no artº 10º do Decreto, cumpre-me realçar que só um total desconhecimento da realidade açoreana pode justificar as asserções que, a propósito deste ponto, são tecidas no Acórdão.
Efectivamente, a Região Autónoma dos Açores apresenta características geográficas (dispersão do território por grande número de ilhas
- o que, desde logo, por exemplo, dificulta a deslocação entre elas de vendedores ambulantes -, algumas das quais têm um só concelho e, referentemente
às que dispõem mais do que um, é sempre o seu número limitado) económicas (com um comércio sedentário menos evoluído e com menor capacidade do que o em regra é deparável no Continente), culturais (naquela Região não existem feiras e mercados como aqueles que abundantemente se verificam no território continental) e sociais, que, limpidamente em meu entender, justificam que, no que concerne a um eventual desiderato de incrementar a venda ambulante ou de implantar uma forma de comércio específico como seja o realizado mediante feiras e mercados e a reger por uma determinada ordem não baseada em costumes de há muito consolidados, o legislador regional adopte soluções diversas daquelas que regem o desenvolvimento dessas actividades no território continental.
4. É evidente que estas considerações, se se podem aplicar sem reservas à normação regional constante do Decreto em apreciação que seja inovatória ou diferente da legislação vigente, já o não serão de per si no que tange àqueloutra que não se não apresente patentemente como inovatória, diversa ou adaptativa (e que seria o caso dos falados artigos 1º a 8º).
Porém, e sem que pretenda aqui dilucidar a questão de saber se, verdadeiramente, a normação regente da actividade comercial não sedentária exercida por vendedores ambulantes e por feirantes tem uma inequívoca vocação de aplicação a todo o território nacional (incluindo, pois, as Regiões) e que, como tal, foi querida pelo legislador da República - questão da qual, muito legitimamente, se pode duvidar - estou em crer, quer dando-se resposta negativa a esse questão, quer dando-se resposta positiva, que os preceitos do Decreto em causa que, directa ou compositamente ou apenas com introdução de modificações ou adaptações de pormenor, estatuem de sorte semelhante à daquela normação, visam tão somente dar um enquadramento às disposições que, substancialmente, estabelecem disciplina diferente da dos diplomas da República e que, como acima concluí, são justificadas pela especificidade regional açoreana.
Vale isto por dizer que, na minha óptica, o que verdadeiramente interessa na apreciação de um diploma oriundo do poder legislativo regional, em casos como o sub iudicio e para se aferir se o mesmo contém disciplina que o interesse específico legitima e que não ofende o comando da alínea a) do nº 1 do artigo 229º da Constituição, é a questão de saber se o que realmente releva nesse diploma são os preceitos que estabelecem aquela disciplina e não uma análise pontual de outras disposições inseridas que, eventualmente, se perspectivem como reprodução em menor ou menor grau de legislação já vigente e emanada dos órgãos legiferantes da República, mas que a sistemática legislativa pode aconselhar como meio de enquadramento daqueles primeiros preceitos.
Em face deste posicionamento, e porque, como deixei dito, sou do entendimento de que o Decreto em apreciação contém normação - diversa da legislação que versa sobre a matéria e foi editada pelo Governo da República - que é perfeitamente justificada pelas especificidades deparadas na Região Autónoma dos Açores e que não desrespeita as Constituição ou leis gerais da República, mesmo que admitisse que aquela legislação tinha vocação de aplicação a todo o território nacional, tenho como seguro que não é pela circunstância de o mencionado Decreto conter, eventualmente, disposições que são análogas às constantes da citada legislação que a mesma, no seu conspecto global, deixa de possuir credencial de especificidade bastante que a torne insolvente perante os parâmetros que defluem da alínea a) do nº 1 do artº 229º do Diploma Fundamental.
Estas, em súmula, as razões que, brevitatis causa, me levaram a votar pela não pronúncia de inconstitucionalidade da normação incluída no sindicado Decreto.
Bravo Serra