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Processo n.º 801/11
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Notificada do acórdão proferido no Supremo Tribunal de Justiça em 22 de setembro de 2011, A. veio ao processo interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º, da Lei nº 28/82, de 15 de novembro (LTC), pretendendo «ver apreciada a inconstitucionalidade do n.º 4 do artigo 198º do C. P. Civil, com a interpretação com que foi aplicada na decisão da 2.ª instância». Esclarece que o referido preceito foi interpretado «no sentido de entender que o prazo de 5 dias para deduzir a oposição à execução não restringe, nem prejudica, o direito de defesa da executada/oponente, o que viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição». Acrescenta que a questão da inconstitucionalidade foi «expressamente suscitada nas alegações e conclusões do recurso de revista».
2. Na Decisão Sumária n.º 609/11, proferida no processo ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional LTC), o relator decidiu, porém, não conhecer do recurso. Contra essa decisão reclama agora a recorrente nos seguintes termos:
[...] A decisão sumária sob reclamação, considerou que o que a recorrente questiona é o julgamento da Relação do Porto de que nada ocorrera que tivesse prejudicado a sua posição processual e não a norma que lhe está subjacente.
Por não tipificar a norma jurídica que possa estar subjacente ao entendimento daquele tribunal, de que “o prazo de 5 dias para deduzir a oposição à execução não restringe, nem prejudica, o direito de defesa da executada/oponente”.
Concluindo que a norma que a recorrente elege como objeto do recurso não apresenta essa natureza e que por isso, o recurso não poderá prosseguir.
Salvo o devido respeito, a decisão sob reclamação carece de qualquer razão, visto que, o recurso de inconstitucionalidade interposto pela recorrente, tem por objeto a norma do artigo 198.º n.º 4, do C. P. Civil, a qual foi aplicada e interpretada pelo Tribunal da Relação do Porto e na qual o mesmo, se baseou para considerar que não tinha sido restringido ou suprimido o seu direito de defesa, não devendo, por causa dessa norma, a citação ser repetida, antes considerar-se, mesmo que ocorram eventuais nulidades, sanada.
Com efeito, conforme consta no sétimo e oitavo parágrafo da página 13 do acórdão, o Tribunal da Relação do Porto afirmou textualmente o seguinte:
“Quando é certo que a inclusão do n.º 4 no art. 198.º do CPC visa precisamente garantir que o regime instituído seja utilizado para realizar o seu escopo, qual seja, de evitar a restrição ou supressão do direito de defesa.”
“E apesar de todos os restantes argumentos, o tribunal deve centrar a sua preocupação precisamente neste normativo, constituindo o fulcro de toda a decisão sobre a eventual nulidade de uma citação, isto é, desde que sejam e se mostrem garantidas todas as regras para proporcionar uma defesa adequada e total dos direitos das partes, a citação não deve ser repetida, devendo antes considerar-se, mesmo que ocorram eventuais nulidades, sanada.”
Assim, foi com base no n.º 4 do artigo 198.º, do C. P. Civil, que o Tribunal da Relação do Porto considerou que o direito de defesa da executada/oponente não foi restringido, nem prejudicado, e que por isso, a citação não devia ser repetida, devendo antes considerar-se, mesmo que ocorram eventuais nulidades, sanada.
Porquanto, diz o referido tribunal dever centrar a sua preocupação precisamente nesse normativo, o qual constitui o fulcro de toda a decisão sobre a eventual nulidade de uma citação.
Desse modo, o n.º 4 do artigo 198.º, do C. P. Civil, constituiu a «ratio decidendi» da decisão da Relação do Porto, para considerar que a defesa da executada não foi prejudicada e não declarar a nulidade da citação da execução.
Daí que, a recorrente tenha elegido corretamente a norma do n.º 4 do artigo 198.º, do C. P. Civil, como objeto do recurso da constitucionalidade.
Acresce que, quer no recurso de apelação, quer no recurso de revista, ou seja, durante o processo, a recorrente sempre suscitou a inconstitucionalidade da aplicação e interpretação efetuada pelo tribunal ao n.º 4 do artigo 198.º, do C. P. Civil, por violar o artigo 13.º da Constituição.
Em virtude de semelhante interpretação, ter prejudicado e privado a recorrente de poder exercer o direito de oposição à execução no prazo legal de 20 dias, nos termos do artigo 813.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, num claro tratamento desigual perante todos e quaisquer outros executados.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser atendida a presente reclamação e, em consequência, revogar-se a decisão sumária, prosseguindo os demais termos do recurso.
Respondeu o recorrido, ora reclamado, B., S.A. nos seguintes termos:
1. Da decisão proferida na 1.ª instância que julgou improcedente a arguição da nulidade da citação, veio a Executada A., ora Recorrente, recorrer para o Tribunal da Relação, alegando que o n.º 4 do artigo 198.º do CPC prejudicou o seu direito de defesa, concluindo pela sua inconstitucionalidade, em virtude da violação do princípio da igualdade.
2. Por sua vez, o Tribunal da Relação do Porto entendeu que a Recorrente não alego” qualquer facto que fundamentasse o prejuízo causado, considerando sanada a eventual falta ou regularidade de qualquer ato por força da intervenção da interessada, do seu direito de defesa e do pleno uso do princípio do contraditório, nos termos do artigo 3.º do CPC.
3. Acresce que, a Executada recorreu ainda para o Supremo Tribunal de Justiça, que entendeu que a alegada nulidade da citação e consequente aplicação do n.º 4 do artigo 198.º do CPC ficou definitivamente julgada no acórdão da Relação.
4. Veio então a Executada interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, com vista a ver apreciada a inconstitucionalidade do n.º 4 do artigo 198.º do CPC na interpretação aplicada pelo Tribunal da Relação e na recusa da sua apreciação pelo Tribunal de Justiça, por violar o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição.
5. Sucede que, no entendimento do Exequente, não caberá, com o devido respeito pelo entendimento contrário, ao Tribunal Constitucional apreciar o recurso apresentado pela Executada, uma vez que o fundamento que lhe serve de base não tem por base o escopo vertido na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LCT.
6. Porquanto, o que a Executada/Recorrente visa, em sede da recurso para o Tribunal Constitucional, é, tão-somente, sindicar o juízo do Tribunal recorrido e não a norma que lhe está subjacente, uma vez que, o que se questiona é apenas o conteúdo da decisão do Tribunal da Relação que considerou que não existiu um facto que prejudicasse a posição processual da Executada.
7. Ora, como bem se compreenderá, este fundamento não poderá ser objeto de recurso de inconstitucionalidade.
8. O entendimento ora exposto pelo Exequente/Recorrido foi também o entendimento defendido pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Relator que proferiu a decisão sumária n.º 609/2011.
9. Na reclamação para conferência apresentada pela Recorrente, veio a mesma reiterar que pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação efetuada pelo Tribunal ao n.º 4 do artigo 198.º do CPC.
Face a tudo quanto se acaba de expor, e tendo em conta o fundamento que a recorrente escolhe como objeto de recurso, entende o aqui Exequente/Recorrido que o recurso apresentado não deverá prosseguir, o que se espera e requer.
3. A Decisão Sumária em reclamação apresenta os seguintes fundamentos:
[...] O recurso previsto na citada alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC tem caráter normativo, pelo que o seu objeto constitui a norma jurídica aplicada na decisão recorrida como sua ratio decidendi. Não cabe, em suma, ao Tribunal Constitucional sindicar, ao abrigo da aludida alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, a própria decisão do tribunal comum, quer quanto à matéria de facto selecionada, quer quanto às suas ponderações jurídicas, incluindo as respeitantes à escolha do direito aplicável.
Acontece que a decisão recorrida, o acórdão proferido no Supremo Tribunal de Justiça em 22 de setembro de 2011, não aplicou a norma que a recorrente pretende ver aqui questionada – o n.º 4 do artigo 198º do Código de Processo Civil –, por entender que tal matéria teria ficado definitivamente julgada no acórdão da Relação por força do disposto nos artigos 922º e 923º do Código de Processo Civil, na versão aplicável. Não é, por isso, possível impugnar, para este efeito, tal aresto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
A questão foi, no entanto, efetivamente tratada no acórdão proferido na Relação do Porto em 7 de fevereiro de 2011, tribunal perante o qual a recorrente invocara a nulidade da citação, sob a alegação de que a norma (o n.º 4 do artigo 198º do Código de Processo Civil) prejudicara o direito de defesa da executada, e seria inconstitucional por violar o princípio da igualdade. Sobre o assunto, decidiu a Relação:
[... ]Independentemente de se averiguar se o cumprimento do art. 143º n.º 1 e 2 do CPC – quando se praticam os atos –, foi ou não cumprido, o certo é que a oponente deduziu oposição, ainda em tempo.
Alega que ficou apenas com 5 dias para deduzir oposição quando tinha 20 dias do art. 813º n.º 1 do CPC.
Porém, não alega nenhum facto do qual se possa depreender ter surgido para a oponente qualquer engulho que lhe dificultasse, por essa falta de prazo, uma oposição total e completa, que a sua defesa tivesse sido prejudicada.
Quando é certo que a inclusão do n.º 4 no art. 198º do CPC visa precisamente garantir que o regime instituído seja utilizado para realizar o seu escopo, qual seja, de evitar a restrição ou supressão do direito de defesa.
E apesar de todos os restantes argumentos, o tribunal deve centrar a sua preocupação precisamente neste normativo, constituindo o fulcro de toda a decisão sobre a eventual nulidade de uma citação, isto é, desde que sejam e se mostrem garantidas todas as regras para proporcionar uma defesa adequada e total dos direitos das partes, a citação não deve ser repetida, devendo antes considerar-se, mesmo que ocorram eventuais nulidades, sanada.
E nem se fale na violação de qualquer norma da nossa Constituição, concretamente do artigo 2º ou 205º, na medida em que a eventual falta ou irregularidade de qualquer ato foi sanado por intervenção do próprio interessado e o seu direito de defesa – princípio geral principal a ser observado –, foi totalmente cumprido.
A oponente sanou e supriu, ela própria, qualquer sobra de inconstitucionalidade, usando o princípio do contraditório – art. 3.º do CPC –, na sua plenitude.[...]
Daqui se retira que a Relação do Porto, conhecendo desta matéria, entendeu que a recorrente não alegara «nenhum facto» do qual decorresse prejuízo. Concluiu, por isso, que deveria dar por sanada qualquer irregularidade que porventura houvesse ocorrido, naquele âmbito.
Ora, perante o que fica dito, e tendo em linha de conta que o preceito legal onde a recorrente coloca a norma que pretende ver sindicada (o n.º 4 do artigo 198º do Código de Processo Civil) permite ao tribunal deferir a arguição de nulidade «se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado», é essencial sublinhar que a recorrente visa sindicar o juízo do tribunal recorrido, e não a norma que lhe está subjacente. Na verdade, a proposição segundo a qual «o prazo de 5 dias para deduzir a oposição à execução não restringe, nem prejudica, o direito de defesa da executada/oponente» constitui uma crítica dirigida à própria decisão do tribunal, mas não tipifica a norma jurídica que porventura possa estar subjacente a esse entendimento. Em suma: o que, por esta via, verdadeiramente a recorrente questiona é o julgamento da Relação do Porto de que nada ocorrera que tivesse prejudicado a sua posição processual, fórmula que não coloca o critério normativo subjacente no lugar do objeto do recurso de inconstitucionalidade.
É, por isso, de concluir que a 'norma' que a recorrente elege como objeto do recurso não apresenta essa natureza, razão pela qual o presente recurso não poderá prosseguir. [...]
4. Cumpre decidir.
Não assiste razão à reclamante. Na verdade, o preceito de onde resulta a norma que a reclamante pretende impugnar tem a seguinte redação:
ARTIGO 198.º
Nulidade da citação
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 195.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.
2 - O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo.
3 - Se a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares.
4 - A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.
Recorde-se que a reclamante pretende ver apreciada a inconstitucionalidade do n.º 4, com o sentido de que «o prazo de 5 dias para deduzir a oposição à execução não restringe, nem prejudica, o direito de defesa da executada/oponente, o que viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição». Ora, bastará confrontar esta pretensão com o teor literal do preceito para se compreender que a reclamante quer, no recurso, sindicar a solução concreta do caso e não a norma aplicada. Explicando melhor: a reclamante não aponta nenhum vício de inconstitucionalidade à determinação normativa nos termos da qual a arguição da nulidade da citação só será atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado; o que sustenta, porém, é que seria inconstitucional o entendimento de que, no caso, não fora restringido, nem prejudicado, o direito de defesa da executada/oponente. Visa, por isso, fazer inverter o sentido do julgamento concreto da questão, sem, no entanto, questionar a norma aplicada.
É esta a razão pela qual se concluiu que a 'norma' que a recorrente elege como objeto do recurso não tem, na verdade, natureza normativa, e, constituindo a própria decisão recorrida, não pode ser objeto do recurso previsto na citada alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC. Ora, tal entendimento é aqui totalmente de manter, pelas razões já expostas.
5. Indefere-se, em consequência, a reclamação, mantendo a Decisão Sumária reclamada.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 5 de janeiro de 2012.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.