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Procº nº 240/91
1ª Secção Cons. Rel. Vítor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional:
I- RELATÓRIO:
1. A., B. e C., todos reformados, propuseram perante o Tribunal do Trabalho de Lisboa uma acção com processo ordinário em que demandaram a 'D., EP', representada pela Comissão Liquidatária e o Estado, pedindo o reconhecimento do direito dos autores à pensão complementar de reforma e a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização por incumprimento de obrigações assumidas pela D. e de que o Estado
é co-responsável em virtude da extinção da D. decidida através do Decreto-Lei nº
137/85, de 3 de Maio.
No despacho saneador, veio a ser decidido que o Tribunal do Trabalho não tinha competência em razão da matéria para conhecer da causa, por se entender que, de acordo com o artigo 8º, nº 2 do Decreto-Lei nº 137/85, competente para os termos da causa era o «tribunal comum», entendido como o tribunal de competência genérica, previsto no artigo
45º, nº 1 e 56º, nº 1 da Lei nº 82/77.
2. Os autores interpuseram recurso desta decisão para o Tribunal da Relação que, por acórdão de 9 de Maio de 1990, decidiu confirmar a decisão recorrida, negando provimento ao recurso. Para alcançar esta decisão, a Relação seguiu o seguinte encadeamento argumentativo:
- Segundo o artigo 67º do Código de Processo Civil, os casos não atribuídos a jurisdição especial são da competência do tribunal comum;
- De acordo com as normas de organização judiciária, os tribunais de 1ª instância são de competência genérica e de competência especializada, cabendo àqueles o julgamento das causas não atribuídas a outro tribunal e, dentro dos tribunais de competência especializada, cabe aos tribunais cíveis julgar as acções cíveis que não forem da competência de outros tribunais (artigos 46º, nº 1, 53º e 56º, nº 1, da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro);
- A competência para julgamento das reclamações quanto ao não reconhecimento de créditos ou à não ou má graduação deles pela Comissão Liquidatária cabe ao tribunal comum cível, à semelhança do que sucede com as reclamações, graduações de créditos e julgamento de acções pendentes noutros tribunais (v.g., nos tribunais do trabalho) em processo de falência;
- Sendo os créditos reclamados e graduados pela Comissão Liquidatária de várias espécies, deve adoptar-se na escolha do tribunal competente um critério que permita o conhecimento de todas as espécies de créditos, o que só é possível se esse tribunal for o tribunal cível.
Desta decisão, de novo, recorreram os autores para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que, por acórdão de 27 de Fevereiro de 1991, negou provimento ao recurso e confirmou o acórdão recorrido, com fundamento em argumentação próxima da expendida na decisão recorrida, assente também na interpretação da expressão «tribunal comum» do artigo 8º, nº 2 do Decreto-Lei nº 137/85 no sentido de «tribunal cível de competência genérica».
3. Os autores, tendo arguido em ambas as instâncias a inconstitucionalidade da interpretação dada pelos tribunais recorridos àquele preceito, interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do preceituado no artigo 280º, nº 1, alínea b) da Constituição e nos artigos 69º e 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Admitido o recurso, apresentaram alegações os recorrentes e o Ministério Público recorrido.
Os recorrentes formularam as seguintes conclusões:
'1- No domínio da organização judiciária anterior à Constituição da República Portuguesa de 1976, os tribunais de Trabalho eram Tribunais Especiais, a par de outros com competência para determinadas matérias, como os Tribunais Militares e os Tribunais Administrativos.
2- De harmonia com a Constituição da República de 1976 a categoria dos 'Tribunais comuns' corresponde hoje á ordem dos 'Tribunais Judiciais' na qual passaram a estar integrados os Tribunais de Trabalho (artigos
212 nº 1 da C.R.P. e 85º da L.O.T.J. - Lei 38/77, de 23/12).
3- 'os Tribunais de Trabalho' são eles próprios
'Tribunais Judiciais', e, segundo a Constituição da República Portuguesa, todos os Tribunais Judiciais constituem a primeira categoria dos Tribunais Comuns
(Constituição da República Portuguesa Anotada - 2ª Edição - prof. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Pags 322 V e 323 VII).
4- Ao atribuir ao 'Tribunal Comum' a competência para o conhecimento do recurso das decisões da Comissão Liquidatária o artigo 8º nº 1 da Lei 138/85 de 3/5 visou afastar a competência dos Tribunais Administrativos e atribuir tal competência aos Tribunais Judiciais. Vigoravam já há mais de 8 anos a Constituição da República Portuguesa de 1976 e a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais - ut supra nº 2.
5- São os Tribunais de Trabalho os competentes para a acção por serem Tribunais Judiciais de competência especializada aos quais cabe o conhecimento das questões civis emergentes do contrato de trabalho.
6- Sendo a liquidação e extinção das empresas públicas por acto administrativo ou legislativo não se justifica, ao contrário do que acontece no instituto falimentar, o afastamento das regras de competência especializada.
7- Na interpretação que foi dada pelo S.T.J. e pelas Instâncias ao artigo 8º do Decreto Lei 138/85 tal disposição é organicamente inconstitucional uma vez que ela foi editada pelo Governo, sem a necessária credencial parlamentar, sendo incontestavelmente certo que esta era necessária por se tratar de matéria reservada à Assembleia da República - artigo 168 nº 1 alínea q) da C.R.P. de 1976, então vigente e mantida pela Lei Constitucional nº1 de 1989.
8- É que o conceito normativo de Tribunal Comum tem hoje que ser enquadrado no âmbito do sistema de organização judiciária dos Tribunais introduzido pela Constituição de 1976 e pela Lei 82/77 de 6/12 e a essa luz se deve interpretar o artº 67º nº1 do C.P.C.
A não ser assim, nessa parte, o artº 67º deve ser objecto da declaração de inconstitucionalidade (cf. artºs 277º e segs e 280º da Constituição da República Portuguesa), ut supra nº 5 das Alegações, declaração que em tal hipótese expressamente se requere.
9- A Lei Org. T.J. 82/77 de 6/12 no seu artº 56º dispôs:
'Podem ser criados os seguintes Tribunais de competência especializada: a) - Tribunais Cíveis
...................... f) - Tribunais de Trabalho'
E os Tribunais de Trabalho em matéria Cível têm a competência expressa no artº 66º da referida Lei Orgânica, delas se salientando as alíneas b) e o).
10 - Assim tanto os Tribunais de Trabalho como os Tribunais Cíveis são hoje Tribunais de competência especializada (ut 56º da Lei
82/77 de 6/12, ambos são Tribunais comuns e ambos são Tribunais Judiciais.
11- O Distintíssimo Procurador da República em representação do Estado reconhece e sustenta a competência do Tribunal de trabalho para esta acção e, entendendo igualmente que, na interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal recorrido o artº 8º do D.L. 137/85 de 3 de Maio é organicamente inconstitucional.
12- Nestes termos e nos mais de direito na interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça - e pelas instâncias - deve ser declarado inconstitucional o artº 67º nº 1 do Código de Processo Civil, por violar os artigos 277º e seg. e 280º nº 1 alínea b) e nº 3 alínea c) e ainda os artigos
212º nº 1 da C.R.P. e o artº 85º da L.O.T.J. de 1977 de 6/12, bem como o artº
66º alínea b) e o) da mesma Lei Orgânica vigente à data em que foi publicado o Decreto Lei 138/85 de 3/5. e. em consequência declara-se o Tribunal de Trabalho materialmente competente para apreciar e decidir a presente acção.'
Pelo seu lado, o Procurador-Geral adjunto neste Tribunal concluiu as alegações pela forma seguinte:
'1º É organicamente inconstitucional, por violação do artigo 168º, nº 1, alínea q), da Constituição, a norma constante do nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº
137/85, de 3 de Maio, na parte em que, de acordo com a interpretação acolhida na decisão recorrida, atribui ao tribunal cível competência para apreciar os recursos das decisões da comissão liquidatária da D. que não reconheçam créditos reclamados, mesmo que estes créditos sejam oriundos de relações de trabalho subordinado, pois, desta forma, sem autorização parlamentar, alterou a repartição de competência dos tribunais, matéria reservada à competência legislativa da Assembleia da República;
2º Deve, assim, conceder-se provimento ao recurso, determinando-se a reformulação da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de constitucionalidade.'
Corridos que foram os vistos legais, nada obsta ao conhecimento da questão de constitucionalidade que vem suscitada nos autos e que consiste primo conspectu em saber se a norma do nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 137/85, tal como foi interpretada na decisão recorrida, no sentido de atribuir ao tribunal cível a competência para conhecer os recursos das decisões da comissão liquidatária da D. que não reconheçam créditos reclamados, mesmo que estes créditos tenham origem numa relação laboral, viola a reserva de competência da Assembleia da República, à qual compete, em exclusividade, legislar sobre organização e competência dos tribunais, salvo autorização legislativa conferida ao Governo (artigo 168º, nº
1, alínea q) da Constituição).
Com efeito, embora os recorrentes refiram nas conclusões apresentadas com as alegações que também pretendem que seja declarada a inconstitucionalidade do artigo 67º, nº 1, do Código de Processo Civil, o certo é que esta questão apenas foi suscitada pelos recorrentes nestas alegações, nunca tendo sido referida nos articulados ou em anteriores alegações, pelo que dela se não pode conhecer por a mesma não ter sido suscitada durante o processo, isto é, numa altura em que o tribunal recorrido sobre ela se pudesse ter pronunciado validamente.
II- FUNDAMENTOS:
4. A norma cuja conformidade constitucional vem questionada nos autos é a do nº 1 do artº 8º do Decreto-Lei nº 137/85 de 3 de Maio e tem a seguinte redacção:
'Artigo 8º
1. Os credores cujos créditos não hajam sido reconhecidos pela comissão liquidatária e incluídos no mapa referido no artigo anterior, ou que não hajam sido graduados em conformidade com a lei podem recorrer ao tribunal comum para fazer valer os seus direitos.'
O diploma legal em que esta norma se insere decretou a extinção da 'D., EP' de acordo com o preceituado no artigo 38º do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril (Bases gerais das empresas públicas) que determinou que a liquidação das empresas públicas é da competência do Conselho de Ministros e se faz por decreto referendado, nos termos do estabelecido no artigo 4º do mesmo diploma.
Ao estabelecer as bases gerais das empresas públicas, o legislador regulou desde logo o regime da sua extinção constando o mesmo dos artigos 36º a 45º, com particular destaque para os artigos
41º a 45º.
Assim, decretada a extinção, a personalidade jurídica da empresa apenas se mantém para efeitos de liquidação e até à aprovação final das contas (artigo 41º), devendo o decreto que extinguir a empresa nomear os liquidatários, com poderes para verificar o passivo e liquidar o património da empresa, e fixar um prazo para os credores da empresa poderem reclamar os respectivos créditos, o qual não poderá ser inferior a um mês.
As operações de verificação do passivo constam do artigo 43º do decreto, procurando as normas em causa, após a fixação do prazo de reclamação, realizar a finalidade de publicitação da operação de liquidação, avisando os credores directamente, se forem conhecidos, ou através de anúncios no caso inverso, e impondo a elaboração de uma relação dos créditos reclamados e da respectiva graduação, com a concessão de um prazo para exame e reclamação pelos credores, importando aqui salientar os nºs 4 e 5, que se passam a transcrever:
'4. Os credores cujos créditos não hajam sido reconhecidos pelos liquidatários e incluídos na relação referida no número anterior, ou que não hajam sido graduados em conformidade com a lei, podem recorrer aos tribunais comuns para fazer valer os seus direitos.
5. No caso de o tribunal reconhecer os direitos invocados pelos credores, devem os liquidatários introduzir na relação por eles elaborada as correspondentes alterações.'
Do cotejo destas normas com a norma do nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 137/85, acima transcrita, conclui-se com facilidade que a norma mais recente se limitou a reproduzir, com ligeiras alterações de redacção sem efeito no seu sentido, a norma do diploma que estabeleceu as bases gerais das empresas públicas. Nomeadamente, o decreto extintivo da D. limitou-se a repetir, aplicando-o ao caso concreto, o regime de controlo judicial das reclamações contra as decisões da Comissão Liquidatária, atribuindo a competência para tais decisões ao tribunal comum.
No momento da publicação e início de vigência do Decreto-Lei nº 260/76 ( 8 e 13 de Abril de 1976) não tinha ainda entrado em vigor a Constituição da República de 1976, o que só ocorreu em
25 de Abril desse ano. Assim, a orgânica judiciária então existente assentava em ordens de jurisdição separadas: por um lado, como jurisdição regra, existiam os tribunais judiciais ou tribunais comuns, ao seu lado, como tribunais especiais, dependentes administrativamente do Ministério das Corporações e Previdência Social, os Tribunais do Trabalho e, ainda em diferente ordem e com dependência de diferente Ministério, existiam os Tribunais Administrativos.
Nos termos do que dispunha então
(e continua hoje a dispor) o Código de Processo Civil, ' as causas que não sejam por lei atribuídas a alguma jurisdição especial são da competência do tribunal comum' (artº 66º), sendo que 'o tribunal comum é o civil' (nº 1 do artº 67º) , e que 'a plenitude da jurisdição civil pertence, em primeira instância, ao tribunal de comarca' (nº 2 do mesmo artigo).
Assim, o «tribunal comum», referido no nº 4 do artigo 43º do Decreto-Lei nº 260/76 como sendo o competente para conhecer das reclamações levantadas contra as decisões dos liquidatários de uma empresa pública, não podia deixar de ser entendido como o tribunal cível, que na primeira instância era (e continua a ser) o tribunal de comarca.
Foi, assim, claramente intenção do legislador de 1976 afastar, em tal matéria, a intervenção dos tribunais do trabalho mesmo que tais reclamações tivessem por objecto créditos de origem laboral. Tal entendimento é também reforçado pelo conteúdo da norma do artigo
46º do referido Decreto-Lei nº 260/76, inserida nas ' Disposições diversas e transitórias' e que sob a epígrafe «Tribunais competentes» estabelece o seguinte:
'1. Salvo o disposto nos números seguintes [lapso certamente resultante de qualquer alteração do projecto que devia conter mais de 2 números que são os que o preceito contém], compete aos tribunais judiciais o julgamento de todos os litígios em que seja parte uma empresa pública, incluindo as acções para efectivação de responsabilidade civil por actos dos seus órgãos, bem como a apreciação da responsabilidade civil dos titulares desses órgãos para com a respectiva empresa.
2. São da competência dos tribunais administrativos os julgamentos dos recursos dos actos definitivos e executórios dos órgãos das empresas públicas sujeitos a um regime de direito público, nos termos do nº 2 do artigo 3º, bem como o julgamento das acções sobre validade, interpretação ou execução dos contratos administrativos celebrados por essas mesmas empresas.'
5. Com a Constituição de 1976 e a Lei nº 82/77, de 6 de Dezembro - Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais - os tribunais são repartidos em tribunais judiciais de primeira instância, de segunda instância e o Supremo Tribunal de Justiça, existindo ao lados destes os tribunais militares e o Tribunal de Contas e prevendo-se a possibilidade de existência de tribunais administrativos e fiscais (artigo 212º); na primeira instância previu-se a criação de tribunais de competência específica e de competência especializada, conforme as matérias que lhes competir julgar (artigo
213º), considerando-se que os tribunais de primeira instância são, em regra, os tribunais de comarca, aos quais se equiparam os de competência específica e especializada (214º,nº 1).
Os Tribunais do Trabalho foram introduzidos na nova orgânica judiciária como tribunais judiciais de primeira instância de competência especializada, com competência cível, maxime quanto a
«questões (cíveis) emergentes de relações de trabalho subordinado» e contravencional na área da então designada «jurisdição social», passando a ficar administrativamente dependentes do Ministério da Justiça.
Nesta nova orgânica a repartição de competência em razão da matéria entre os tribunais de competência especializada e os tribunais de competência genérica opera-se pelo método residual: as questões que não forem atribuídas por disposição de lei a outro tribunal são da competência do tribunal de comarca ou, como hoje se diz, do tribunal de competência genérica. Mesmo dentro dos tribunais de competência especializada, aos tribunais cíveis compete preparar e julgar as acções que não estejam atribuídas a outros tribunais (artigos 44º, nº1, 45º, nº 1 e 2, 54º, alínea a), 57º e 65º a 68º da Lei nº 82/77).
6. Se se tiver em conta que a Lei nº 82/77, de 6 de Dezembro visou dar execução ao comando contido no nº 1 do artigo 301º da Constituição (na sua redacção originária) compreender-se-á que a sua edição se repercuta em toda a legislação anterior. Com efeito, determinando aquela disposição constitucional que 'a revisão da legislação vigente sobre a organização dos tribunais e o estatuto dos juízes estará concluída até ao fim da primeira legislatura', a Lei nº 82/77 veio moldar a organização judiciária herdada do antecedente aos valores da nova Lei Fundamental, procedendo a uma repartição de competências entre as várias categorias de tribunais com eficácia revogatória da legislação anterior, ainda que especial. Estamos perante um caso típico de revogação de sistema , na medida em que nesse novo instrumento legislativo se procedeu à determinação tendencialmente exaustiva das várias ordens de jurisdição e, dentro da jurisdição comum nele prevista, se demarcaram, aí exaustivamente, as áreas próprias de intervenção, fora da competência residual dos tribunais de comarca, dos tribunais de competência especializada. A legislação anterior especial ou extravagante não pôde deixar de ser atraída para o âmbito de aplicação da nova disciplina. Nela se subsumiu quando com ela compatível. Foi revogada nos casos em que estabelecia disciplina contrária.
Desta ordem de considerações resulta que à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 137/85 já se encontrava revogada a regra de competência constante do nº 4 do artº 43º do Decreto-Lei nº 260/76.
Sobre esta revogação não se pronuncia o acórdão recorrido. Não deixa no entanto de a pressupor quando se firma na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça segundo a qual 'os Tribunais de Trabalho são de competência especializada conforme resulta dos artºs 56º e 65º da Lei nº 82/77, de 6/12, e, agora, resulta dos artigos 64º e segs. da Lei nº 38/87, de 23/12. E, se aqueles tribunais são de competência especializada, não são para os efeitos do artº 8º do DL nº 137/85 'Tribunais Comuns'. Logo de seguida, continua deste modo a sua argumentação:
' 'O DL 137/85 remete a apreciação dos créditos para o
'Tribunal Comum', não ignorando o legislador qual o sentido que a jurisprudência vem a dar a tal expressão, que não comporta os Tribunais do Trabalho.
A expressão «Tribunal Comum», usada no diploma, exclui da competência dos Tribunais do Trabalho a apreciação da questão a decidir nesta acção.
Não cabe nos poderes de cognição do Tribunal Constitucional sindicar as decisões de outros tribunais sobre a determinação do direito aplicável à resolução do thema decidendum. Mas o que antecede permite constatar que ao artº 8º, nº 1 do Decreto-Lei nº 137/85 foi dada uma interpretação no sentido de que os «tribunais comuns» nele referidos, e aos quais foi cometida a apreciação das reclamações das decisões da Comissão Liquidatária, são os tribunais comuns cíveis de competência genérica, de tal categoria conceitual se excluindo os tribunais do trabalho enquanto tribunais judiciais de competência especializada.
Ora aqui coloca-se já uma questão de constitucionalidade suscitada pelos autores e aqui recorrentes, também sufragada pelo Ministério Público neste Tribunal nas suas alegações. É, com efeito, de suscitar a questão de saber se a norma com a interpretação que lhe foi dada e que conduziu a que tenha sido retirada a uma das espécies de tribunais judiciais competência entretanto atribuída a outra espécie desses tribunais, editada no contexto de sucessão de leis já descrito, poderia ter sido dimanada do Governo sem ser ao abrigo de autorização legislativa.
É esta a questão cuja análise agora se impõe, não sendo relevante neste contexto a alusão contida na decisão recorrida, a fls. 173 vº, de que 'nos termos em que a questão é instaurada, a questão a decidir não emerge propriamente de uma relação de trabalho subordinado' . É que tal asserto surge quando, já firme na conclusão obtida, o Supremo Tribunal de Justiça entende rebater a argumentação dos recorrentes, tal como é denotado pela forma como é introduzido o inciso já acima referido: 'mas, quanto à argumentação dos recorrentes ainda se dirá o seguinte:'. Trata-se de uma consideração adicional reforçativa da conclusão obtida e fundamentada imediatamente antes. Na verdade, ainda no âmbito do encadeamento do discurso fundamentador descrito, a alusão conduz à confirmação da conclusão anterior de que, no caso, se demonstra 'a competência dos tribunais comuns de competência genérica ou seja, dos tribunais comuns cíveis, para a sua apreciação'.
8 - Não cabendo ao Tribunal Constitucional sindicar, conforme já se assinalou, a forma como o Supremo Tribunal de Justiça chegou ao entendimento de que a jurisdição comum competente seria a dos tribunais de competência genérica, decisivo é que esse entendimento pressupõe que o nº 1 do artº 8º do Decreto-Lei nº 137/85 contém uma regra sobre determinação da competência judicial segundo a matéria.
Essa regra exprime uma alteração da situação legal à data da edição da norma em apreciação. Conforme ficou visto, na verdade, as questões relativas aos créditos emergentes das relações jurídico-laborais eram da competência dos Tribunais do Trabalho por força da revogação de sistema operada pela Lei nº 82/77, que revogou o artº 43º, nº 4, do Decreto-Lei nº
260/76.
Tanto basta para se entender que foi exercida competência legislativa através de decreto-lei do Governo. E é jurisprudência uniforme e constante do Tribunal Constitucional que a definição da competência dos tribunais em razão da matéria faz parte da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República. Para atribuir a competência para conhecer dos litígios que constituem a hipótese da norma aos tribunais comuns
(que o acórdão referido interpretou como sendo os tribunais cíveis), retirando-a consequentemente aos tribunais do trabalho, imprescindível teria sido uma autorização legislativa para salvar o Decreto-Lei nº 137/85 da inevitável censura de inconstitucionalidade. Essa autorização não foi requerida nem concedida: a decisão a tomar relativamente à norma do nº 1 do artº 8º desse Decreto-Lei não pode ser senão a de decretar a uma inconstitucionalidade regressiva.
III- DECISÃO:
Nestes termos e pelos fundamentos expostos:
a) Julga-se inconstitucional - por violação da alínea q) do nº 1 do artº 168º da Constituição da República, na versão de 1982 - a norma do nº 1 do artº 8º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, interpretada no sentido de que os tribunais comuns de que aí se fala são os tribunais cíveis quando estejam em causa créditos oriundos de relações laborais.
b) Em consequência, concede-se provimento ao recurso e revoga-se o acórdão recorrido que deve ser reformado em conformidade com o aqui decidido sobre a questão de inconstitucionalidade.
Lisboa,1993.03.30
Vítor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
José Manuel Cardoso da Costa