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Processo n.º 13/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. S.A., interpôs recurso de revista excepcional, invocando as alíneas a) e c), do n.º 1 do artigo 721-A, do Código de Processo Civil, para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa neste processo que havia confirmado a sentença proferida em 1.ª instância pelo Tribunal de Comércio de Lisboa.
O Supremo Tribunal de Justiça não admitiu o recurso de revista excecional por ter considerado não se revelarem verificados os seus pressupostos.
A Recorrente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:
A., S.A., Recorrente nos autos à margem identificados, não se conformando com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de outubro de 2011, do mesmo vem, em tempo, requerer a interposição de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 69.º, 70.º, n.º 1, alínea a) e 72.º, n.º 1, alínea b) da Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15.11, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26.11, pela Lei n.º 85/89, de 07.09, pela Lei n.º 88/95, de 01.09, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26.02).
Para os efeitos do n.º 1 do artigo 75.º-A do mesmo diploma, indica-se que se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade do artigo 721.º-A, n.º 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Civil, na interpretação feita no acórdão recorrido.
O Conselheiro Relator proferiu despacho de não admissão do recurso com os seguintes fundamentos:
“A. SA” vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
Trata-se de recurso interposto do Acórdão do Coletivo/Formação a que se refere o nº 3 do art.721º-A do CPCivil.
Independentemente do disposto no nº 4 daquele preceito, o recurso só seria admissível se impugnada norma, ou segmento, ou interpretação, aplicada no aresto recorrido – art.70º, nº 1, b) da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de novembro).
Ora, este Conclave limita-se a apreciar/decidir a admissibilidade da revista excecional, por aplicação do nº 3 do art. 721º (pressuposto) e art.721º-A, nº 1 e 2 (requisitos e respetiva motivação) do CPCivil.
Não foi suscitada no processo a inconstitucionalidade desses preceitos,”maxime” das alíneas a) e c) do nº 1 do último citado (pedindo-se agora, sem mais, que o TC” aprecie a inconstitucionalidade”) nem recusada a sua aplicação com fundamento em inconstitucionalidade.
Aliás a recorrente não suscitou a inconstitucionalidade da interpretação das normas em apreço sendo que teve oportunidade de o fazer aquando da interposição do recurso pois sabia ser esta a posição do Coletivo, tal como consta dos vários acórdãos citados no recorrido e publicados na base de dados.
Daí que não admita o recurso para o Tribunal Constitucional.”
A Recorrente reclamou desta decisão, invocando o seguinte:
1. O douto despacho reclamado, de 08/11/2011, tem por fundamento que no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/2011, proferido nos autos, de que se pretende recorrer para o Tribunal Constitucional, «(...) este Conclave limita-se a apreciar/decidir a admissibilidade da revista excecional, por aplicação do n.º 3 do art. 721.º (pressuposto) e art. 721.º- A, n.º 1 e 2 (requisitos e respetiva motivação) do CPCivil» e que «Não foi suscitada no processo a inconstitucionalidade desses preceitos (...) nem recusada a sua aplicação com fundamento em inconstitucionalidade».
2. É verdade que a inconstitucionalidade desses preceitos não foi invocada anteriormente.
3. Sucede, porém, que só a partir do próprio acórdão do S.T.J. que não admitiu o recurso de revista excecional é que se suscitou a inconstitucionalidade da interpretação feita, nesse mesmo douto aresto, do preceituado no art.º 721.º-A, n.º 1, a) e c) do C.P.C.
4. Com a devida vénia, a interpretação feita no despacho ora reclamado do art.º 70.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 28/82, de 15/11 não nos parece correta, atentas as circunstâncias concretas do processo, pois, sendo aceite, tomaria impossível – em todos os casos! –, sindicar, em concreto, a constitucionalidade do art.º 721.º-A, n.º 1, a) e c) do C.P.C. e da sua interpretação.
5. Salvo melhor opinião, nunca é materialmente possível invocar a inconstitucionalidade daquela norma e/ou da sua interpretação antes da sua aplicação e, esta, só se verifica com a decisão sobre a admissibilidade do recurso de revista excecional requerido.
6. Só a partir da decisão sobre a admissibilidade desse recurso, proferida ao abrigo no art.º 721.º-A, n.º 1, a) e c) do C.P.C., é que se toma possível suscitar a sua desconformidade constitucional.
7. A interpretação do art.º 70.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 28/82 vertida no, aliás, douto despacho reclamado, está ferida, em si mesma, de inconstitucionalidade, por violar o art.º 280, n.º 1, al. b) da Constituição da República, pois, a ser aceite, as normas do art.º 721.º-A, n.º 1, a) e c) do C.P.C., estariam sempre subtraídas à fiscalização concreta da constitucionalidade, solução que não se afigura ser a pretendida pelo legislador.
8. Salvaguardando sempre o maior respeito por opinião contrária, no caso das normas processuais civis que regem a admissibilidade de recursos jurisdicionais, a invocação da inconstitucionalidade das mesmas deve ser feita (1) no processo e (2) na primeira oportunidade em que for processualmente admissível fazê-lo, sendo esta a melhor interpretação do disposto no art.º 280, n.º 1, al. b) da Constituição da República e no art.º 70.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 28/82, de 15/11.
9. E foi isso que a Recorrente fez: logo que no processo se fez uma interpretação/aplicação do disposto no art.º 721.º-A, n.º 1, a) e c) do C.P.C. que considera inconstitucional (isto , no acórdão do S.T.J. de 19/10/2011), requereu a interposição de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade desse mesmo acórdão.
10. Não o poderia ter feito antes.., pois seria extemporâneo e impertinente.
11. Nestes termos, pede-se que a Conferencia do Tribunal Constitucional julgue procedente a presente reclamação do douto despacho de 08/11/2011, proferido nos autos pelo Venerando Juiz Conselheiro Relator, e, consequentemente, admita o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade (art.ºs 69.º 70.º n.º 1, a) e 72.º, n.º 1, b) da Lei n.º 28/82, de 15/11), determinando-se que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade do art.º 721.º-A, n.º 1, a) e c) do Código de Processo Civil, na interpretação feita no douto acórdão do S.T.J. de 19/10/2011.
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação apresentada.
Fundamentação
A decisão reclamada não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional com fundamento em que a Recorrente, previamente à interposição do recurso, não lhe colocou a questão de constitucionalidade que agora pretende que o Tribunal Constitucional aprecie.
A Recorrente vem alegar que só com a decisão de não admissão de recurso é que foi confrontada com a interpretação cuja constitucionalidade questiona, pelo que não podia anteriormente tê-la suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça.
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge?se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
Por outro lado, tratando?se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Aquele primeiro requisito (suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo excecionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade.
Este requisito visa dar oportunidade a que o tribunal recorrido se pronuncie sobre a questão de constitucionalidade que posteriormente venha a ser colocada ao Tribunal Constitucional, funcionando
Deve-se considerar que não era exigível que o Recorrente tivesse cumprido este ónus, apenas quando a aplicação da norma cuja constitucionalidade é impugnada tenha sido de todo surpreendente, não sendo possível à parte Recorrente ter previsto a sua utilização como ratio decidendi.
Ora, no seu requerimento de interposição de recurso, a Recorrente limitou-se a dizer que pretendia que o Tribunal Constitucional apreciasse a inconstitucionalidade do artigo 721.º-A, n.º 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Civil, na interpretação feita no acórdão recorrido, sem enunciar qual a interpretação questionada.
Este não cumprimento da obrigação processual de indicar com precisão a norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, o qual não foi sequer suprido na reclamação agora apresentada, na qual a Recorrente continua a não enunciar os termos da interpretação impugnada, não permite que se apure que esta não era expectável quando foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Não se verificando, pois, que a Recorrente se encontrava dispensada de cumprir o dever de suscitação prévia da questão de constitucionalidade colocada ao Tribunal Constitucional, consagrado no artigo 72.º, n.º 2, da LTC, revela-se correta a decisão de não admissão do recurso por falta de cumprimento deste requisito essencial ao conhecimento do seu mérito.
Por este motivo deve ser indeferida a reclamação apresentada.
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A. S.A..
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 26 de janeiro de 2012.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.