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Procº nº 338/91 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. Nos autos de expropriação urgente por utilidade pública de uma parcela de terreno com a área de 1.340m2, inscrita na matriz predial urbana de -------------------, sob o artigo -------------, que
é constituída, para além de duas partes sobrantes, uma com 90m2 e outra com
420m2, pela parcela nº --------- do mapa de expropriações para a construção da variante à E.N. nº ----, ---------------, acesso norte à --------------------, e em que é expropriante a Junta Autónoma das Estradas, os expropriados A. e mulher, B., C. e D., proprietários da parcela expropriada, e E., arrendatária comercial, interpuseram recurso para o Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra contra a decisão arbitral que fixara os valores das indemnizações em 3 557
000$00 e 531 375$00, devidas, respectivamente, aos proprietários da parcela expropriada e à arrendatária.
2. No requerimento de interposição do recurso, a arrendatária, depois de suscitar a inconstitucionalidade, por violação dos artigos 62º, nº1, e 13º da Constituição, da norma do artigo 1115º, nº2, do Código Civil - preceito utilizado na decisão arbitral para o apuramento do montante indemnizatório -, sustentou que o quantum da indemnização
deveria ascender a 28 600 000$00.
Por sua vez, os proprietários da parcela expropriada reputaram de inconstitucional a norma do artigo 33º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, por violação do artigo 62º, nº 2, da Lei Fundamental, e sustentaram que o valor do terreno expropriado, que se situa em aglomerado urbano, devia ser computado em 20 100 000$00.
3. Realizada a avaliação, consideraram os peritos nomeados que o valor do terreno expropriado, segundo o critério estabelecido no artigo 33º, nº 1, do Código das Expropriações de 1976, devia ser fixado em 6 651 900$00, e que a indemnização a atribuir à arrendatária devia ser calculada em 2 662 879$00.
Todavia, em face da suscitação pelos expropriados da questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 33º, nº 1, do Código das Expropriações de 1976, ordenou o Mmº Juiz do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, por despacho de 21 de Janeiro de 1991, a realização de nova avaliação, precisando que os critérios a utilizar na determinação do valor do terreno expropriado deveriam ser os constantes da Lei nº 2030, de 22 de Junho de 1948.
Em resultado da segunda avaliação, dois dos peritos designados pelo juiz e os peritos designados pelos expropriados e pela expropriante atribuíram ao prédio expropriado o valor de 7 000 000$00 e fixaram o valor da indemnização devida à arrendatária em 2 732 499$00, enquanto o terceiro perito designado pelo juiz avaliou o prédio expropriado em 13 400
000$00 e calculou o montante da indemnização devida à arrendatária em 11 020
550$00.
4. Por sentença de 3 de Maio de 1991, o Mmº Juiz do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, depois de considerar que o artigo 1115º, nº 2, do Código Civil foi revogado pelo artigo
36º, nº 3, do Código das Expropriações de 1976, fixou, com fundamento neste
último preceito, o valor da indemnização devida à arrendatária em 8 636 924$00; e, após recusar a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma do nº 1 do artigo 33º do Código das Expropriações então vigente, imputando-lhe a violação dos artigos 62º, nº 2, e 13º da Constituição, determinou que o montante da indemnização a atribuir aos proprietários expropriados fosse de 10 200
000$00.
Para fundamentar o juízo de inconstitucionalidade que lhe mereceu a mencionada norma, escreveu, em determinado passo daquele aresto, o juiz a quo:
'Dispõe o artº. 33º do mesmo diploma que o valor dos terrenos situados em aglomerado será calculado nos termos dos artºs. 27º e 28º mas não poderá exceder, em qualquer caso, o valor de 15% do custo provável da construção que neles seja possível, determinado nos termos das várias alíneas do seu nº 1.
E foi com escrupuloso respeito por este normativo que tanto os srs. árbitros como os srs. peritos fizeram o cálculo do valor do terreno para efeitos da expropriação com a diferença essencial de que os primeiros consideraram o índice de área permitida para a construção de 0,3 e os segundos o índice de 0,6 aumentando, consequentemente, o montante indemnizatório a atribuir aos expropriados proprietários.
Chegamos, assim, à primeira questão:
a) Será que o limite de 15% sobre o valor provável de construção permitida constitui uma fórmula para se alcançar o valor real e corrente do bem expropriado a fim de determinar a indemnização justa, como pretende a expropriante, ou tão-só um critério restritivo e, por conseguinte, impeditivo de se atingir aquele valor, como defendem os proprietários?
Já Alves Correia, citado pelos expropriados, na ob. cit., a pág. 133 a 135, punha em crise a constitucionalidade deste artigo no confronto com os artºs. 13º e 62º da Constituição da República Portuguesa; aí refere: Embora estas disposições (artigos 30º, nº 1 e 33º) tenham como finalidade principal uma louvável luta contra a especulação nos preços dos terrenos para construção, somos de opinião que estes sistemas de limitação da indemnização violam um princípio que consideramos fundamental nas relações entre os particulares e os poderes públicos e indissociável do próprio Estado de direito que é o 'princípio da igualdade perante os encargos públicos'. Os particulares cujos terrenos sejam expropriados e que recebam uma indemnização que fique aquém do valor real e corrente do bem suportam um sacrifício superior ao daqueles cujos terrenos não foram objecto de expropriação. Aquele princípio de igualdade só não será violado se a indemnização por expropriação corresponder sempre ao valor real ou valor de mercado do bem expropriado.
Acaba este autor concluindo que as normas de indemnização do Código das Expropriações se desviam do critério do valor real ou de mercado do bem expropriado, com especial destaque para o artº. 33º que estabelece um limite quantitativo meramente arbitrário ao montante indemnizatório, brigando com o conceito de justa indemnização do artº 62º, nº 2 da C.R.P..
No mesmo sentido segue o Dr. Osvaldo Gomes no comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 341/86, publicado na Rev. Ord. Advogados, ano 47, p.
127.
Com muita pertinência apresenta-se ainda a consideração que é feita, a este propósito, por João Cancela de Abreu, in 'Revista O Direito', ano 120, 1988, III-IV vol. p. 543 e segs., quando diz, particularizando o caso dos concelhos limítrofes de Lisboa: é injusto e irreal fixar-se em 15% do custo da construção possível o máximo do valor a atribuir ao terreno situado dentro do aglomerado urbano, como pretende o art. 33º do Código das Expropriações, sabendo-se que hoje o preço do terreno para construção atinge já os dois mil contos por fogo, para edifícios de tipo médio.
E é também este o entendimento que subscrevemos.
Efectivamente, consideramos que esta disposição estabelece limites artificiais ao cálculo do valor do terreno que podem levar a resultado francamente divergente do almejado valor real e corrente dos bens expropriados, valor esse expurgado de qualquer factor de especulação, que a Constituição manda atribuir como justa indemnização.
Em concreto, a percentagem de 15% a que se refere o nº 1 do preceito em apreço não pode deixar de ser visto como um limite rígido e arbitrário, incompatível com a tarefa de fixação da justa indemnização imposta pelo artº 62º do Texto Fundamental e, por outro lado, permitindo limitar o valor da indemnização aquém do seu justo montante, o que implica a obrigação de o expropriado contribuir mais para a cobertura dos encargos públicos do que aquilo que é legalmente exigível a qualquer outro cidadão, desrespeita igualmente o estatuído no art. 13º da Constituição. Concluindo, o artº 33º do Código das Expropriações não se coaduna, nem com o disposto no artº 13º nem com o disposto no art. 62º, nº 2, ambos da Constituição da República Portuguesa'.
5. Deste aresto interpôs o Ministério Público obrigatoriamente o presente recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 280º, nº 1, alínea a), e nº 3, da Constituição e dos artigos
70º, nº 1, alínea a), e 72º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº
28/82, de 15 de Novembro), e cujo objecto consiste na questão da constitucionalidade da norma do nº 1 do artigo 33º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, enquanto estabelece como limite para o valor dos terrenos situados em aglomerado urbano 15% do valor do custo provável da construção que neles seja possível erigir.
6. A Exmª Procuradora-Geral Adjunta em funções neste Tribunal conclui as suas alegações do modo como segue:
1º. É inconstitucional, por violação dos artigos 62º, nº 2, e 13º, nº 1, da Constituição, a norma do nº 1 do artigo 33º do Código das Expropriações
(Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro), na medida em que o critério de valorização nela fixado conduz a uma indemnização manifestamente desproporcionada ao prejuízo sofrido pelo expropriado.
2º. Deve, assim, confirmar-se a decisão recorrida, na parte impugnada.
Por sua vez, os recorridos expressam, nas suas alegações, a sua concordância com os fundamentos e a decisão da sentença recorrida e defendem igualmente a inconstitucionalidade da norma do nº
1 do artigo 33º do Código das Expropriações de 1976.
7. Corridos os vistos legais, cumpre, então, apreciar e decidir a questão de saber se a norma do nº 1 do artigo 33º do Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro), na parte em que fixa para o valor dos terrenos expropriados situados em aglomerado urbano um tecto de 15% do custo provável da construção que neles seja possível implantar, é (ou não) inconstitucional.
II - Fundamentos.
8. O Código das Expropriações de 1976, depois de estabelecer, no artigo 27º, nº 2, como critério geral da indemnização o 'valor real dos bens expropriados' e de determinar, no artigo 28º, nº 1, que a indemnização visa ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, o qual se mede 'pelo valor real e corrente dos bens expropriados', estatuía, no artigo 33º, nº 1, o seguinte:
'1. O valor dos terrenos situados em aglomerado urbano será calculado nos termos dos artigos 27º e 28º, mas não poderá exceder, em qualquer caso, o valor de 15% do custo provável da construção que neles seja possível, determinado nos termos seguintes:
a) Calcula-se primeiramente o volume e o tipo de construção ou construções que será possível erigir no terreno, num aproveitamento economicamente normal, no estado actual, em face do desenvolvimento local e dos regulamentos em vigor, não devendo ter-se em conta, para o efeito, quaisquer projectos, planos ou estudos que por alguma forma alterem essa possibilidade; b) Apura-se em seguida o custo provável da construção, sem o terreno, pelo custo médio correspondente ao tipo de construção e à região;
c) Se o custo da construção dever ser sensivelmente agravado pelas especiais condições do local, a importância do acréscimo daí resultante será abatida ao valor máximo a atribuir ao terreno'.
2 ........................................
3.........................................
O preceito transcrito determina que a indemnização por expropriação de terrenos situados em aglomerado urbano - isto
é, de terrenos integrados em 'núcleo de edificações autorizadas e respectiva
área envolvente, possuindo vias públicas pavimentadas e que seja servido por rede de abastecimento domiciliário de água e de drenagem de esgoto, sendo o seu perímetro definido pelos pontos distanciados 50m das vias públicas onde terminam aquelas infra-estruturas urbanísticas' [cfr. o artigo 62º, nº 1, do Decreto-Lei nº 794/76, de 5 de Novembro (Lei dos Solos), aplicável ex vi do artigo 131º do Código das Expropriações] é medida pelo seu valor real e corrente, mas não pode ultrapassar, em caso algum, o quantitativo correspondente a 15% do custo provável da construção que neles seja possível efectuar, determinado nos termos das suas alíneas a), b) e c).
Infringirá esta disposição, que coloca uma barreira percentual ao quantitativo máximo da indemnização por expropriação de terrenos situados em aglomerado urbano, o princípio da 'justa indemnização', inserto no artigo 62º, nº 2, da Constituição, e o princípio da igualdade, condensado no artigo 13º, nº 1, também da Constituição?
Adiantar-se-á, desde já, que sim. Vejamos porquê.
9. O artigo 62º, nº 2, da Lei Fundamental, ao estabelecer que a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento de 'justa indemnização',consagra claramente o princípio da indemnização como um pressuposto de legitimidade do acto expropriativo (cfr. F. Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra, 1982, p.
120-122 e 156-162) ou, por outras palavras, como 'um elemento integrante do próprio acto de expropriação' (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol., I, 2ª Ed., Coimbra, Coimbra Editora,
1984, p. 337. Cfr. também F. Alves Correia, Formas de Pagamento da Indemnização na Expropriação por Utilidade Pública - Algumas Questões, Separata do Número Especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 'Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Arruda Ferrer Correia', 1984, Coimbra, 1991, p. 15,16, nota 4).
Aquele preceito constitucional determina que a indemnização por expropriação deve ser justa, mas não define qualquer critério indemnizatório de aplicação directa e objectiva, nem contém qualquer indicação sobre o método ou mecanismo de avaliação do prejuízo derivado da expropriação. É este um problema de técnica legislativa, cuja escolha foi deixada pela Constituição ao legislador ordinário (cfr. F. Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, Almedina, 1990, p.
532,546).
Apesar disso, a expressão 'justa indemnização', inserta no artigo 62º, nº 2, da Lei Fundamental, não pode ser considerada como uma fórmula vazia. É, antes, uma fórmula carregada de sentido, na qual podem ser colhidos importantes limites à discricionaridade do legislador ordinário.
10. Em obra recente, F. Alves Correia
(cfr. O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, cit., p. 532 e ss.) defende que o conceito constitucional de 'justa indemnização' leva implicado três ideias: a proibição de uma indemnização meramente nominal, irrisória ou simbólica; o respeito pelo princípio da igualdade de encargos; e a consideração do interesse público da expropriação.
Atendo-nos apenas à primeira e à segunda dimensões - aquelas que têm a ver com o princípio da justiça da indemnização visto na direcção do expropriado -, dir-se-á, com o autor referido, que no conceito de justa indemnização vai implícito o sentido de que devem ser rejeitados por inconstitucionais os critérios conducentes a uma indemnização meramente nominal (blösse Nominalentschädigung), a uma indemnização puramente irrisória ou simbólica ou a uma indemnização simplesmente aparente. Estar-se-á perante uma indemnização meramente simbólica quando, por exemplo, a lei, baseando-se num critério abstracto, que não faça qualquer referência ao bem a expropriar e ao seu valor segundo o seu destino económico, permite indemnizações que não se traduzem numa compensação adequada do dano infligido ao expropriado.
Além disso, no conceito de justa indemnização vai implicada necessariamente a observância do princípio da igualdade, na sua manifestação de igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos. Uma indemnização justa (na perspectiva do expropriado) será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja equitativamente repartida entre todos os cidadãos.
Segundo o autor citado, o princípio da igualdade, como elemento normativo inderrogável que deve presidir à definição dos critérios de indemnização por expropriação, desdobra-se em duas dimensões ou em dois níveis fundamentais de comparação: o princípio da igualdade no âmbito relação interna e o princípio da igualdade no domínio da relação externa da expropriação.
No campo da relação interna da expropriação, confrontam-se as regras de indemnização aplicáveis às diferentes expropriações. Neste domínio, o princípio da igualdade impõe ao legislador, na definição de regras de indemnização por expropriação, um limite inderrogável: não pode fixar critérios de indemnização que variem de acordo com os fins públicos específicos das expropriações (v.g. critérios de indemnização diferentes para as expropriações de imóveis destinados à abertura de vias férreas, ao rasgo de auto-estradas, à execução dos planos urbanísticos, etc.), com os seus objectos (v.g. critérios diferenciados de indemnização para as expropriações de imóveis e móveis, prédios rústicos e prédios urbanos, solos agrícolas e solos urbanizados, etc.) e com o procedimento a que elas se subordinam. O princípio da igualdade não permite que particulares colocados numa situação idêntica recebam indemnizações quantitativamente diversas ou que sejam fixados critérios distintos de indemnização que tratem alguns expropriados mais favoravelmente do que outros grupos de expropriados. Aquele princípio obriga o legislador a estabelecer critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação.
No domínio da relação externa da expropriação, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada num montante tal que impeça um tratamento desigual entre os dois grupos. A observância do 'princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos' na expropriação por utilidade pública exige que esta seja acompanhada de uma indemnização integral
(volle Entschädigung) ou de uma compensação integral do dano infligido ao expropriado. Aquele princípio impõe que a indemnização por expropriação possua um 'carácter reequilibrador' em benefício do sujeito expropriado, objectivo que só será atingido se a indemnização se traduzir numa 'compensação séria e adequada' ou, noutros termos, numa compensação integral do dano suportado pelo particular.
Na perspectiva de F. Alves Correia, o critério mais adequado ou mais apto para alcançar uma compensação integral do sacrifício patrimonial infligido ao expropriado e para garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto, é o do valor de mercado (Verkehrswert), também denominado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo.
Com a expressão 'valor de mercado normativamente entendido', designa o autor que se vem citando 'o valor de mercado normal ou habitual', não especulativo, isto é, um valor que se afasta,
às vezes substancialmente, do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura, já que está sujeito, frequentes vezes, a correcções, as quais são ditadas por exigências da justiça. Uma boa parte destas manifesta-se em reduções que são impostas pela especial ponderação do interesse público que a expropriação serve, como a eliminação dos elementos de valorização puramente especulativos e das mais-valias ou aumentos de valor ocorridos no bem expropriado, em especial nos terrenos, que tenham a sua origem em gastos ou em despesas feitas pela colectividade. Mas, noutros casos, aquelas traduzem-se em majorações, devido à natureza dos danos provocados pelo acto expropriativo (para mais desenvolvimentos, cfr. F. Alves Correia, O Plano Urbanístico, cit., p. 550 e ss.).
11. Também o Tribunal Constitucional vem densificando, em variados arestos, o conceito de 'justa indemnização' do artigo 62º, nº 2, da Constituição.
Assim, no Acórdão nº 131/88 (publicado no Diário da República, I Série, nº 148, de 29 de Junho de 1988) - no qual foi declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do nº 1 do artigo 30º do Código das Expropriações de 1976,depois de esta mesma norma ter sido julgada inconstitucional, em quatro casos concretos, pelos Acórdãos nºs.
341/86, 442/87, 3/88 e 5/88 -, escreveu-se que 'a Constituição ..., embora estabelecendo que a indemnização há-de ser justa, não define um concreto critério indemnizatório, mas é evidente que os critérios definidos por lei têm de respeitar os princípios materiais da Constituição (igualdade, proporcionalidade), não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem requisitado ou expropriado (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada,
2ª ed., revista e ampliada, 1º vol., p. 331)'.
Por sua vez, no Acórdão nº 52/90
(publicado no Diário da República, I Série, nº 75, de 30 de Março de 1990) - aresto que declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma do nº
2 do artigo 30º do Código das Expropriações de 1976, em processo de repetição do julgado, após a mesma norma ter sido julgada inconstitucional, em três casos concretos, através dos Acórdãos nºs 109/88, 381/89 e 420/89 -, ponderou o Tribunal:
'Em termos gerais, deve entender-se que a justa indemnização há-de corresponder ao valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a transferência do bem que lhe pertencia para outra esfera dominial lhe acarreta, devendo ter-se em atenção a necessidade de respeitar o princípio da equivalência de valores: nem a indemnização pode ser tão reduzida que o seu montante a torne irrisória ou meramente simbólica, nem, por outro lado, nela deve atender-se a quaisquer valores especulativos ou ficcionados, por forma a distorcer (positiva ou negativamente) a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação'.
E um pouco mais adiante:
'O pagamento da justa indemnização, para além de ser uma exigência constitucional da expropriação, é também a concretização do princípio do Estado de direito democrático, nos termos do qual se torna obrigatório indemnizar os actos lesivos de direitos ou causadores de danos.
Tal indemnização tem como medida o prejuízo que para o expropriado resulta da expropriação. E, se esta indemnização
`não pode estar sujeita ou condicionada por factores especulativos, por, muitas vezes, artificialmente criados, sempre deverá representar e traduzir uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado' (v. o Acórdão nº 381/89)'.
12. Alcançada a conclusão de que a
'justa indemnização' de que fala o artigo 62º, nº 2, da Constituição implica a garantia ao expropriado de uma compensação plena da perda patrimonial suportada, de modo que o sacrifício que lhe foi imposto pela expropriação seja suportado por todos os cidadãos e não apenas por ele, está o Tribunal em condições de afirmar que a norma do nº 1 do artigo 33º do Código das Expropriações de 1976,ao dispor que o valor dos terrenos situados em aglomerado urbano não poderá exceder, em qualquer caso, o valor de 15% do custo provável da construção que neles seja possível erigir, estabelece um limite tal à indemnização que põe em causa, em algumas situações, o princípio da 'justa indemnização'. Com efeito, aquela norma, na medida em que fixa um tecto percentual inultrapassável ao quantitativo da indemnização por expropriação de terrenos situados em aglomerado urbano, impedirá algumas vezes que o dano patrimonial infligido ao expropriado seja integralmente ressarcido, obstando, assim, a que seja atingida a meta almejada de uma indemnização justa.
Refira-se, a este propósito, que a contradição entre a norma do artigo 33º, nº 1, do Código das Expropriações de
1976 e o artigo 62º, nº 2, da Constituição vem sendo salientada pela doutrina. Assim, já há alguns anos, F. Alves Correia escreveu que era 'lícito colocar a questão de saber se as normas de indemnização constantes do Código das Expropriações que se desviam do critério do valor real ou de mercado do bem expropriado, com especial destaque para o artigo 33º, que estabelece um limite quantitativo totalmente arbitrário ao montante da indemnização, não brigarão com o conceito de justa indemnização do artigo 62º, nº 2, da Constituição' (cfr. As Garantias, cit., p. 134). E, mais recentemente, o mesmo autor opinou no sentido de que 'não parece haver dúvidas de que o critério de determinação do valor dos terrenos situados em aglomerados urbanos constante daquele artigo é inconstitucional, já que, ao introduzir um limite máximo para a indemnização totalmente arbitrário, correspondente ao valor de 15% do custo provável da construção que neles seja possível erigir, não atende a todos os elementos caracterizadores do valor real e corrente do bem expropriado e viola frontalmente o princípio da igualdade de encargos, ao impor aos proprietários destes terrenos um sacrifício que não é integralmente compensado pela indemnização' [cfr. O Plano Urbanístico, cit., p. 545, nota 147. No mesmo sentido, propugnando pela inconstitucionalidade do artigo 33º, nºs 1, 2 e 3 do Código das Expropriações de 1976, cfr. J. Osvaldo Gomes, Anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 341/86, in Revista da Ordem dos Advogados, 47 (1987), p. 124-126].
Deve, pois, concluir-se que a norma do nº 1 do artigo 33º do Código das Expropriações infringe o conceito de 'justa indemnização', inserto no artigo 62º, nº 2, da Lei Fundamental - infracção esta, convém esclarecê-lo, que encontra o seu fundamento não na opção legislativa da referência do valor do terreno situado em aglomerado urbano ao custo provável da construção que nele seja possível implantar, tendo em conta o seu normal destino edificatório, mas antes na fixação ao quantum da indemnização de um máximo percentual igual para todos os casos, rigoroso e inultrapassável.
13. Uma vez adquirido que a norma do nº
1 do artigo 33º do Código das Expropriações, na medida em que estabelece um limite máximo para a indemnização por expropriação de terrenos situados em aglomerado urbano, briga com o conceito constitucional de 'justa indemnização', inserto no artigo 62º, nº2, da Lei Fundamental, facilmente se adivinha que ela viola também o princípio da igualdade, condensado no artigo 13º, nº 1, da Constituição, tanto na relação interna como na relação externa da expropriação.
Com efeito, ao nível da relação interna da expropriação, isto é, comparando a posição jurídica dos vários sujeitos expropriados, verifica-se que aqueles que são indemnizados de acordo com os
índices valorativos constantes do nº 1 do artigo 33º do Código das Expropriações de 1976 são colocados numa situação de desfavor, sem fundamento razoável ou material bastante, em confronto com os expropriados cuja indemnização é calculada com base no critério geral do valor real e corrente do bem, a que se referem os artigos 27º, nº 2, e 28º, nº 1, do mesmo Código.
Como salientou este Tribunal, no seu Acórdão nº 109/88 (publicado no Diário da República, II Série, nº 202, de 1 de Setembro de 1988),a propósito da apreciação da constitu- cionalidade das normas dos nºs 1 e 2 do artigo 30º do Código das Expropriações de 1976 - doutrina que pode ser aplicada, mutatis mutandis, à norma do nº 1 do artigo 33º do mesmo Código -, não há qualquer razão de peso 'que possa justificar que em regra se atenda ao valor real e corrente dos prédios expropriados e que nas situações particulares dos nºs 1 e 2 do artigo 30º do Código das Expropriações se considere, em muitos casos, um valor abaixo do real e corrente'. 'De facto - acrescenta o mesmo aresto - a situação dos expropriados sujeitos à regra geral é em tudo equivalente à situação das expropriados sujeitos às regras dos nºs 1 e 2 do artigo 30º: em todos os casos foram privados de um bem que lhes pertencia por acto de autoridade e em todos eles lhes cabe o direito à correlativa indemnização. Não existe, pois, base séria susceptível de legitimar que a primeira situação seja privilegiada em relação às demais. Pela lógica gratuita a que obedece a discriminação apontada, não se pode .... deixar de ter por ofensivas do disposto no artigo 13º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa as normas dos nºs 1 e 2 do artigo 30º do Código das Expropriações'.
Por outro lado, no nível da relação externa da expropriação, ou seja, realizando uma análise comparativa da situação jurídico - patrimonial dos proprietários expropriados e não expropriados, conclui-se que o particular atingido por um acto expropriativo ao qual seja atribuída uma indemnização calculada com base no artigo 33º, nº 1, do Código das Expropriações de 1976 não vê, em certos casos, o seu prejuízo patrimonial total ou integralmente compensado, pelo que suporta, desse modo, sem fundamento razoável, um dano ou um sacrifício patrimonial não exigido aos sujeitos não expropriados.
A norma do nº 1 do artigo 33º do Código das Expropriações de 1976 implica, assim, uma violação do princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, princípio este que constitui uma dimensão do conceito constitucional de 'justa indemnização' por expropriação
(cfr. o Acórdão nº 108/92, in Diário da República, II Série, nº 161, de 15 de Julho de 1992).
De tudo o que vem de expor-se conclui-se que a norma do artigo 33º, nº 1, do Código das Expropriações
(aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro), no segmento em que determina que o valor dos terrenos situados em aglomerado urbano não poderá exceder, em qualquer caso, o valor de 15% do custo provável da construção que neles seja possível erigir, viola os artigos 62º, nº 2, e 13º, nº 1, da Constituição.
14. Importa, por fim, salientar que o Código das Expropriações de 1976 foi recentemente substituído por um novo Código, aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, e dele já não consta uma norma de conteúdo idêntico à do artigo 33º, nº 1, do Código anterior. De facto, o novo Código das Expropriações subdivide o solo, para efeito do cálculo da indemnização por expropriação, em solo apto para a construção e para outros fins. O nº 1 do artigo 25º refere que o valor do solo apto para a construção calcula-se em função do valor da construção nele existente ou, quando for caso disso, do valor provável daquela que nele seja possível efectuar de acordo com as leis e regulamentos em vigor, num aproveitamento economicamente normal, à data da declaração de utilidade pública, devendo ter-se em conta a localização e a qualidade ambiental. O nº 2 da mesma disposição legal determina que, num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corres- ponder a 10% do valor da construção, no caso de dispor apenas de acesso rodoviário, sem pavimento em calçada, betuminoso ou equivalente, mas o nº 3 do mesmo preceito estabelece vários acréscimos percentuais - que no seu total podem ascender até aos 34% -, com base em determinados índices valorativos do terreno e tendo em atenção as características específicas de cada caso concreto (cfr. sobre o assunto F. Alves Correia, Código das Expropriações e Outra Legislação Sobre Expropriações por Utilidade Pública, Introdução, Lisboa, Aequitas/Diário de Notícias,1992, p. 21,
22).
De todo o modo, aquela ocorrência - a revogação do artigo 33º, nº 1, do Código das Expropriações de 1976 - não tem qualquer repercussão no caso sub judicio, já que a norma cuja aplicação foi recusada, com fundamento em inconstitucionalidade, na sentença recorrida foi a do nº 1 do artigo 33º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº
845/76, de 11 de Dezembro.
III - Decisão.
15. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Julgar inconstitucional a norma do nº 1 do artigo 33º do Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei nº
845/76, de 11 de Dezembro), na parte em que determina que o valor dos terrenos situados em aglomerado urbano não poderá exceder, em qualquer caso, o valor de
15% do custo provável da construção que neles seja possível erigir, por violação dos artigos 62º, nº2, e 13º, nº 1, da Constituição;
b) Negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida, na parte impugnada.
Lisboa,16 Março de 1993
Fernando Alves Correia Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Bravo Serra
Mário de Brito (vencido, nos termos da declaração de voto junta)
Pronunciei-me no sentido da não inconstitucionalidade da norma em questão, na linha das considerações que expus nas declarações de voto que fiz nos Acórdãos nºs. 131/88 e 52/90. José Manuel Moreira Cardoso da Costa