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Proc. 452/92 Plenário Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:
I
1. O Procurador-Geral Adjunto em exercício no Tribunal Constitucional veio requerer em 18 de Setembro de 1992, ao abrigo dos arts. 281º, nº 3, da Constituição e 82º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, que este Tribunal apreciasse e declarasse, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do art. 7º, nº 2, do Decreto Regional nº 13/77/M, de 18 de Outubro, que dispõe que o valor da indemnização por remição da colonia, caso não se verifique acordo entre as partes, corresponde ao valor actual do solo considerado para fins agrícolas e por desbravar.
Fundamenta o seu pedido na circunstância de tal norma ter sido julgada inconstitucional, por violação do disposto na alínea q) do art.
167º da versão originária da Constituição, nos Acórdãos nºs. 194/89, 195/89,
273/92 e 274/92 (estando publicados os três primeiros no Diário da República, II Série, nº 112 - Suplemento, de 16 de Maio de 1989 e nº 271, de 23 de Novembro de
1992). Juntou cópia dos quatro acórdãos em causa.
2. Tendo sido notificado o Presidente da Assembleia Legislativa Regional da Madeira nos termos e para os efeitos do art. 54º da Lei do Tribunal Constitucional, não foi recebida qualquer resposta do órgão autor da norma impugnada.
II
3. A norma constante do nº 2 do art. 7º do Decreto Regional nº 13/77/M, de 18 de Outubro, foi julgada inconstitucional em mais de três casos concretos, verificando-se, assim, a situação prevista nos arts. 281º, nº 3, da Constituição e 82º da Lei do Tribunal Constitucional.
Sucede, porém, que a norma cuja declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral é pedida pela entidade requerente se acha revogada desde 1991.
Importa, por isso, decidir previamente se se reveste de interesse jurídico o conhecimento do presente pedido.
4. A Lei nº 62/91, de 13 de Agosto, sobre 'definição dos critérios de fixação da indemnização a atribuir aos senhorios pela remição da propriedade da terra pelos colonos' - lei aprovada pela Assembleia da República sob proposta da Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma da Madeira - passou a regular a matéria de indemnização por remição do solo no seu artigo 1º.
Transcreve-se este artigo:
'1. A efectivação da remição do direito à propriedade do solo pelo colono, prevista no artigo 3º do Decreto Regional nº 13/77/M, de 18 de Outubro, confere ao senhorio direito à indemnização.
2. O valor da indemnização a que se refere o número anterior, caso não se verifique acordo entre as partes, corresponde ao valor actual do solo considerado para fins agrícolas e por desbravar.
3. O valor dos ónus ou encargos que incidam sobre a terra remida, quando constituídos, é deduzido ao montante de indemnização a pagar pelo remitente'.
A norma constante do nº 2 do art. 1º desta Lei nº
62/91 reproduz integralmente a norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver declarada com força obrigatória geral, limitando-se a explicitar que a indemnização em causa é a referida no nº 1 daquele mesmo art. 1º, ou seja, a devida ao senhorio apenas quando o colono exerça a remição do direito à propriedade do solo onde se acham implantadas as benfeitorias. A nova lei não regula outras indemnizações a que a situação de colonia pode dar lugar, nomeadamente a prevista no nº 3 do art. 5º do Decreto Regional nº 13/77/M.
É, assim, manifesta a intenção revogatória do art.
7º, nº 2, do Decreto-Regional nº 13/77/M, por parte do legislador parlamentar nacional. Embora não haja declaração revogatória expressa, a revogação resulta da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior, no que toca à 'definição dos critérios de fixação da indemnização aos senhorios pela remição da propriedade da terra pelos colonos' (cfr. art. 7º, nº 2, in fine, do Código Civil).
A Lei nº 62/91 entrou em vigor no dia 14 de Agosto de
1991 (cfr. o seu artigo 6º), sendo aplicável 'aos processos de remição de colonia que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor' (art. 5º).
5. Perante o que foi referido, resulta claro que a norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver declarada já não vigora no ordenamento regional da Madeira desde 14 de Agosto de 1991.
É certo que vigora hoje naquele ordenamento regional uma norma de teor literal idêntico, emanada da Assembleia da República. Simplesmente, tal circunstância não permite ao Tribunal Constitucional que conheça, por alteração do objecto do processo através de convolação, da questão da eventual inconstitucionalidade do art. 1º, nº 2, da citada Lei nº 62/91. De facto, o princípio do pedido vigora também nos processos de fiscalização abstracta (art. 51º, nºs 1, 2 e 5, da Lei do Tribunal Constitucional), estando excluído que o objecto do processo possa vir a abranger uma nova norma que se limite a reproduzir o texto da norma revogada (cfr. neste sentido e no período anterior à criação do Tribunal Constitucional, o Parecer nº 22/82 da Comissão Constitucional, in Pareceres da Comissão Constitucional, 20º volume, pág. 105:
'efectivamente, no que toca às normas infraconstitucionais, o controlo de constitucionalidade tem de manter-se dentro dos limites que lhe vêm assinalados pelo pedido, não podendo julgar-se ultra petitum. Nesta exacta medida, é possível falar, aqui, num princípio da correspondência entre o requerido e o pronunciado').
6. A circunstância de a norma impugnada estar revogada não implica, por si só, falta de interesse jurídico no conhecimento da questão da sua eventual inconstitucionalidade e respectiva declaração com força obrigatória geral. É pacífica neste ponto a jurisprudência do Tribunal Constitucional (vejam-se, por todos, os Acórdãos nºs 238/88, 415/89, 73/90,
200/90 e 446/91, publicados no Diário da República, II Série, nº 293, de 21 de Dezembro de 1988, nº 213, de 15 de Setembro de 1989, nº 165, de 19 de Julho de
1990, nº 207, de 7 de Setembro do mesmo ano, nº 211, de 12 de Setembro ainda do mesmo ano e nº 78, de 2 de Abril de 1992, respectivamente). Na verdade, uma eventual declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, produzindo efeitos retroactivos, ex tunc (art. 282º, nº 1, da Constituição), sempre poderia tornar útil a fiscalização da constitucionalidade da norma revogada, na medida em que tal norma, enquanto havia estado em vigor, tivesse produzido efeitos medio tempore, que se mantivessem até ao momento em que o Tribunal Constitucional viesse a proferir a sua decisão.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional atrás referida exige que, nos casos de apreciação da inconstitucionalidade de normas revogadas em processos de fiscalização sucessiva, se verifique um interesse
'com conteúdo prático apreciável' que permita justificar o 'accionamento de um mecanismo de índole genérica e abstracta como é a declaração, com força obrigatória geral, de inconstitucionalidade' (formulação contida no Parecer nº
21/81 da Comissão Constitucional, in Pareceres cit., 16º volume, pág. 203; esta formulação é acolhida no Acórdão nº 238/88, atrás citado).
No caso sub judicio nenhum interesse de 'conteúdo prático apreciável' consegue vislumbrar-se para conhecer do objecto do pedido. Na verdade, os acórdãos proferidos em processos de fiscalização concreta que fundamentam o pedido limitaram-se a tratar da questão de inconstitucionalidade por falta de competência do órgão edicente relativamente à norma constante do nº
2 do art. 7º do Decreto Regional nº 13/77/M, considerando que o legislador regional havia violado o disposto na alínea q) do art. 167º da versão original da Constituição, sucedendo que, agora, a norma revogatória consta já de diploma elaborado pelo órgão constitucionalmente tido por competente, sendo aplicável de imediato aos processos pendentes em juízo, por força de disposição de direito transitório contida no mesmo diploma. Cabe acentuar também que a norma revogada só era susceptível de aplicação através de decisão judicial, visto que a sua previsão estabelecia que esse critério de fixação de indemnização só valia para situações litigiosas, isto é, em que não houvesse acordo entre senhorio e colono. Nessa medida, uma eventual declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral nunca poderia afectar as decisões dos tribunais que houvessem aplicado a norma revogada e tivessem entretanto transitado em julgado (art.
282º, nº 3, da Constituição).
Daqui se pode concluir que sempre seria excessivo ou desproporcionado continuar o presente processo até à eventual declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, apenas para contemplar os litígios em que a norma revogada havia sido aplicada por decisão judicial, da qual fora tempestivamente interposto recurso de constitucionalidade. Para tais situações, basta que prossigam os respectivos recursos de constitucionalidade até ser proferida decisão pelo Tribunal Constitucional, não sendo, para tal, indispensável a prossecução do processo de fiscalização abstracta, mais complexo, por não se mostrar que tal seja aconselhado por quaisquer 'valores jurídico-constitucionais relevantes' (formulação retirada do já citado Acórdão nº 238/88).
Pode, por isso, concluir-se que, no caso sub judicio, não exista interesse jurídico relevante na apreciação do pedido.
III
7. Em virtude do exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do nº 2 do artigo 7º do Decreto Regional nº 13/77/M, de 18 de Outubro, em razão da inutilidade do mesmo pedido.
Lisboa, 17 de Fevereiro de 1993
Armindo Ribeiro Mendes
Messias Bento
Antero Alves Monteiro Dinis
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
Mário de Brito
Bravo Serra
Maria da Assunção Esteves
Fernando Alves Correia
José de Sousa e Brito
Vítor Nunes de Almeida
Luís Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa