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Procurador-Geral Adjunto, de sua parte, conclui as
alegações como segue:
1º - A norma constante do artigo 3º do Decreto-Lei nº 874/76, de 28 de Dezembro
(versão inicial) não viola o princípio da igualdade, constante do artigo 13º da
Constituição da República Portuguesa, nem nenhuma outra norma ou princípio
constitucional.
2º - Termos em que deverá improceder o presente recurso, confirmando-se a
decisão recorrida.
3. Corridos os vistos, cumpre decidir a questão de saber
se o artigo 3º do Decreto-Lei nº 874/76, de 28 de Dezembro, é ou não
inconstitucional.
II . Fundamentos:
4. Liminarmente, dir-se-á que apenas o artigo 3º do
Decreto-Lei nº 874/76, de 28 de Dezembro, constitui objecto do recurso - e não
também o nº 2 do artigo 2º e o artigo 10º do mesmo diploma legal, 'quando
aplicados em conjugação com o disposto no artigo 3º'.
É certo que, na contestação, a ora recorrente suscitou a
inconstitucionalidade, não apenas do mencionado artigo 3º, mas também a do
artigo 10º, nºs 1 e 2. E verdade é também que, nas alegações, ela voltou a
insistir na inconstitucionalidade deste último normativo. Como verdade é que a
sentença recorrida aplicou ambas as normas.
Simplesmente, 'se a parte dispositiva da sentença
contiver decisões distintas, é [...] lícito ao recorrente restringir o recurso a
qualquer delas, desde que especifique no requerimento a decisão de que recorre'
- dispõe o artigo 684º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Pois foi, como se viu, o que a recorrente fez quando, no
requerimento de interposição, restringiu o recurso à questão da
inconstitucionalidade do artigo 3º do citado Decreto-Lei nº 874/76.
Acresce que, 'nas conclusões da alegação, pode o
recorrente restringir expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso',
como preceitua o nº 3 do mesmo artigo 684º. Não pode, porém, alargar tal
objecto.
Por último, a questão da inconstitucionalidade do nº 2
do artigo 2º só foi suscitada, pela primeira vez, nas alegações de recurso para
este Tribunal - portanto, extemporaneamente, já que o não foi 'durante o
processo'.
Prosseguindo, então.
5. A Lei do Contrato Individual de Trabalho (Decreto‑Lei
nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969) dedicava a secção II do capítulo IV à
questão das férias dos trabalhadores por conta de outrem.
No artigo 55º deste Decreto-Lei nº 49.408 - disposição
que continha os princípios gerais sobre a matéria - dispunha-se que 'o
trabalhador tem direito a gozar férias em virtude de trabalho prestado em cada
ano civil' (nº 1). Acrescenta-se, no nº 2, que 'o direito a férias vence-se no
dia 1 de Janeiro do ano civil subsequente' e, no nº 3, que 'o trabalhador só tem
direito a gozar férias no ano subsequente ao da sua admissão, se naquele tiver
prestado, pelo menos, noventa dias de serviço'.
Diz-se, depois, no nº 4, que, 'cessando o contrato de trabalho, a entidade
patronal pagará ao trabalhador a retribuição correspondente ao período de férias
vencido, salvo se o trabalhador já as tiver gozado, bem como a retribuição
correspondente a um período de férias proporcional ao tempo de serviço prestado
no próprio ano da cessação, a não ser que, neste último caso, o motivo que a
determinou seja o previsto na alínea e) do nº 1 do artigo 27º' (ou seja: que ao
trabalhador tenha sido aplicada a sanção disciplinar de 'despedimento imediato
sem qualquer indemnização ou compensação').
Este normativo (como, de resto, todos os da secção II do
capítulo IV do mencionado Decreto-Lei nº 49.408) foi, entretanto, revogado pelo
Decreto-Lei nº 874/76, de 28 de Dezembro (cf. artigo 31º).
No nº 1 do artigo 2º deste Decreto-Lei nº 874/76,
dispõe‑se que 'os trabalhadores têm direito a um período de férias remuneradas
em cada ano civil', acrescentando-se, no nº 2, que 'o direito a férias
reporta-se ao trabalho prestado no ano civil anterior e não está condicionado à
assiduidade ou efectividade de serviço, sem prejuízo do disposto no nº 2 do
artigo 28º' (ou seja: sem prejuízo de haver lugar a perda de dias de férias em
substituição da perda de retribuição ocasionada por faltas que a impliquem).
Preceitua-se, depois, no nº 3, que 'o direito a férias deve efectivar-se de modo
a possibilitar a recuperação física e psíquica dos trabalhadores e a
assegurar‑lhes as condições mínimas de disponibilidade pessoal, de integração na
vida familiar e de participação social e cultural'. E, por último, diz o nº 4
que 'o direito a férias é irrenunciável e o seu gozo efectivo não pode ser
substituído, fora dos casos expressamente previstos na lei, por qualquer
compensação económica ou outra, ainda que com o acordo do trabalhador'.
O período anual de férias (na versão inicial do
Decreto-Lei nº 874/76) - dizia o nº 1 do artigo 4º - 'não pode ser inferior a 21
nem superior a 30 dias consecutivos'.
A retribuição correspondente ao período de férias -
prescreve o artigo 6º, nº 1 - 'não pode ser inferior à que os trabalhadores
receberiam se estivessem em serviço efectivo e deve ser paga antes do início
daquele serviço'. E, além dessa retribuição, 'os trabalhadores têm direito a um
subsídio de férias de montante igual ao dessa retribuição' (cf. nº2), sendo que,
mesmo quando haja redução do período de férias nos termos do nº 2 do artigo 28º
(já atrás referido), isso 'não implica redução na retribuição ou no subsídio de
férias' (cf. nº 3).
Em regra, 'as férias devem ser gozadas no decurso do ano
civil em que se vencem, não sendo permitido acumular no mesmo ano férias de dois
ou mais anos' (cf. o nº 1 do artigo 7º). Quando, porém, a observância desta
regra 'causar grave prejuízo à empresa ou ao trabalhador e desde que, no
primeiro caso, este der o seu acordo', podem as férias de um ano 'ser gozadas no
1º semestre do ano civil imediato, em acumulação ou não, com férias vencidas
neste'. (cf. nº 2 do artigo 7º).
A acumulação de férias é ainda permitida nos casos
enunciados nas alíneas a) a c) do nº 3 e no nº 4 do mesmo artigo 7º.
'Cessando o contrato de trabalho por qualquer forma, o
trabalhador terá direito a receber a retribuição correspondente a um período de
férias proporcional ao tempo de serviço prestado no ano da cessação, bem como ao
respectivo subsídio' (cf. nº 1 do artigo 10º). E, 'se o contrato cessar antes de
gozado o período de férias vencido no início desse ano, o trabalhador terá ainda
direito a receber a retribuição correspondente a esse período, bem como o
respectivo subsídio' (cf. nº 2 do artigo 10º).
Havendo violação do direito a férias por parte da
entidade patronal, 'o trabalhador receberá, a título de indemnização, o triplo
da retribuição correspondente ao período em falta, que deverá obrigatoriamente
ser gozado no 1º trimestre do ano civil subsequente' (cf. artigo 13º).
A aquisição e o vencimento do direito a férias acham‑se
reguladas no artigo 3º. Este artigo, na sua redacção original (anterior ao
Decreto-Lei nº 397/91, de 16 de Outubro), que é a que aqui está sub iudicio, por
ter sido a que foi aplicada no caso, prescreve como segue:
Artigo 3º (Aquisição do direito a férias)
1. O direito a férias adquire-se com a celebração do contrato de trabalho e
vence-se no dia 1 de Janeiro de cada ano civil, salvo o disposto no número
seguinte.
2. Quando o início do exercício de funções por força de contrato de trabalho
ocorra no 1º semestre do ano civil, o trabalhador terá direito, após o decurso
do período experimental, a um período de férias de 10 dias consecutivos.
Este artigo 3º sofreu, entretanto, como se referiu já,
nova redacção, introduzida pelo Decreto-Lei nº 397/91, de 16 de Outubro. Reza,
agora, assim:
Artigo 3º (Aquisição do direito a férias)
1. O direito a férias adquire-se com a celebração do contrato de trabalho e
vence-se no dia 1 de Janeiro de cada ano civil, salvo o disposto nos números
seguintes:.
2. Quando o início da prestação de trabalho ocorra no 2º semestre do ano civil,
o direito a férias só se vence após o decurso de 6 meses completos de serviço
efectivo.
3. Quando o início da prestação de trabalho ocorrer no 1º semestre do ano civil,
o trabalhador tem direito, após um período de 60 dias de trabalho efectivo, a um
período de férias de 8 dias úteis.
Significa isto que, após a entrada em vigor do
Decreto-Lei nº 397/91, o vencimento das primeiras férias - que ocorrerá no ano
seguinte ao da admissão - fica dependente da prestação de 6 meses completos de
serviço efectivo.
Este regime é mais próximo do que o anterior daquele que
vigora para a função pública. Aqui, o direito a férias - que se vence no dia 1
de Janeiro de cada ano e se reporta, em regra, ao serviço prestado no ano civil
anterior - só se adquire, quando se tem 'mais de 1 ano de serviço efectivo sem
quebra da relação de emprego público' (cf. artigo 2º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei
nº 497/88, de 30 de Dezembro). Mas, se 'o início de funções ocorr[er] até 15 de
Junho, o funcionário ou agente pode gozar antecipadamente, nesse ano civil, 11
dias úteis seguidos de férias, após 6 meses de serviço público' (cf. artigo 3º
do citado Decreto-Lei nº 497/88).
6. O referido artigo 3º do Decreto-Lei nº 874/76, de 28
de Dezembro (na sua redacção primitiva), será, então, inconstitucional - como
pretende a recorrente -, por violar o princípio da igualdade, consagrado no
artigo 13º da Constituição?
Desde já se adianta que a resposta a esta pergunta é
negativa.
O princípio da igualdade - tem-no este Tribunal dito
repetidamente - reclama se trate por igual o que for essencialmente igual e se
dê tratamento diferenciado ao que for diferente, na justa medida da diferença
existente.
Tal princípio não proíbe, pois, que o legislador
estabeleça distinções de tratamento. O que ele veda são, tão‑somente, as
distinções arbitrárias ou irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material
bastante (cf., por todos, o acórdão nº 39/88, publicado nos Acórdãos do Tribunal
Constitucional, volume 11º, página 233, e no Boletim do Ministério da Justiça,
nº 374, página 114).
Dito qual é o sentido e alcance do princípio da
igualdade, não é dispiciendo que aqui se recorde também que, tratando-se de
fiscalização concreta da constitucionalidade, para avaliar da compatibilidade ou
incompatibilidade com a Constituição da solução legal questionada , o Tribunal
não tem por que excogitar todas as possíveis situações de facto a que a norma é
susceptível de aplicar-se; basta que tão-só considere a dimensão normativa com
que o preceito legal em causa foi aplicado no caso sob recurso. De lembrar é
também que o Tribunal só deve julgar inconstitucional uma norma legal, quando
ela se apresentar como não direito porque, de todo, incompatível com as normas
ou princípios da Constituição, e não também no caso em que, eventualmente, ela
seja mau direito.
Feitas estas advertências, há, então, que ver se o
mencionado artigo 3º estabelece alguma distinção de tratamento arbitrária ou
irrazoável (porque carecida de fundamento material) - pressuposto, como se
disse, da alegada violação do princípio da igualdade - ou se tão-só consagra uma
solução que, quanto à sua bondade, é, pelo menos, discutível.
Pois bem: não se vê que os trabalhadores (ou os
empregadores) colocados na mesma situação de facto recebam da norma em apreço
qualquer tratamento discriminatório: todos eles são tratados por igual. A
distinção de tratamento que a norma consente arranca sempre de diferentes
situações de facto em que os trabalhadores (ou empregadores) se encontram. Tal
distinção não é, por isso, arbitrária ou irrazoável, antes tendo fundamento
material.
A isto acresce que nenhuma das hipóteses catastróficas
que a recorrente figura nas suas alegações (cf. as conclusões III, IV, V), se
verifica no caso de que emergiu o recurso.
Por isso, suposto que a norma aqui em apreciação as
cobria (questão que aqui não tem que ser decidida), não era por aí que o
mencionado artigo 3º haveria de ser julgado inconstitucional.
Conclui-se, por isso, que o artigo 3º do Decreto-Lei nº
874/76, de 28 de Novembro - contrariamente ao que pretende a recorrente - não
viola o princípio da igualdade, conquanto contenha uma solução que o legislador
julgou oportuno alterar.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a
sentença recorrida quanto ao julgamento da questão de inconstitucionalidade.
Lisboa, 11 de Janeiro de 1995
Messias Bento
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
José de Sousa e Brito
Luís Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa