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Procº nº 24-A/89 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Em incidentes enxertados no processo em que o Magistrado do Ministério Público junto do 2º Juízo Correccional do Porto requereu o julgamento, em processo correccional, do Dr. J..., com fundamento na autoria material de um crime de difamação e de um crime de injúrias, interpôs este um recurso de constitucionalidade, de que o Tribunal Constitu cional, pelo Acórdão nº 317/90, decidiu não tomar conhecimento.
Inconformado, veio então arguir a nulidade/inexistência daquele aresto, o que, por absoluta falta de fundamento, foi desatendido pelo Acórdão nº
165/91. Ainda insatisfeito, interpôs então pedido de esclarecimento deste aresto, o que levou o Exmº Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal a requerer a tramitação em separado do mesmo, nos termos do artigo 720º do Código de Processo Civil, e a condenação do recorrente como litigante de má-fé. Pelo Acórdão nº 285/91, deste Tribunal, determinou-se o traslado do processo e a sua remessa aos tribunais judiciais, para aí seguir a sua tramitação normal.
2. Notificado desta decisão, veio o recorrente arguir a nulidade da notificação, por ilegibilidade, tendo o relator do processo determinado a sua repetição, em 9 de Julho de 1991, e, em 25 de Setembro de 1991, que o recorrente se pronunciasse sobre o pedido da sua condenação como litigante de má-fé, formulado pelo Ministério Público. Em resposta, juntou o Dr. J... requerimento, entrado a 4 de Outubro do mesmo ano, em que solicita que sobre este último despacho do relator recaia acórdão da conferência, alegando ter, entretanto, interposto recurso para o Pleno do Tribunal Constitucional do referido Acórdão nº 165/91. Ainda que aqui tal questão seja irrelevante, porque o que se pretendia evitar era a baixa do processo - que se consumou e teve o seu desfecho com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 1993, que aplicou ao caso a amnistia aprovada pela Lei nº 23/91, de 4 de Julho -, certo é que nenhum registo se encontra, neste processo, desse invocado recurso para o Pleno do Tribunal Constitucional.
3. Resta, portanto, decidir o pedido de esclarecimento do Acórdão nº
165/91 - que esteve na origem do requerimento do Ministério Público no sentido de se organizar traslado e se notificar o recorrente do pedido de condenação como litigante de má-fé - e decidir este último pedido.
A) Pedido de esclarecimento do Acórdão nº 165/91:
Como sublinhou o Exmº Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal, 'o pedido de esclarecimento carece em absoluto de fundamento, pois o acórdão nº 165/91 é claríssimo: a arguição de nulidade do Acórdão nº 317/90 improcede porque o requerente não indicou qualquer causa que inquinasse aquele aresto de nulidade, antes se limitou a aproveitar a ocasião para manifestar a sua discordância com o decidido'.
De facto, pressuposto para que qualquer das partes possa requerer esclarecimentos da decisão é que esta contenha obscuridades ou ambiguidades: o pedido de aclaração é um incidente estranho ao normal andamento do processo. Ora, a questão que o Acórdão nº 165/91 tinha de decidir era a da invocada nulidade/inexistência do Acórdão nº 317/90 deste Tribunal. Para isso, seria necessário imputar-lhe algum dos vícios elencados nos artigos 668º, nº 1, e
716º, nº 1, do Código de Processo Civil - mas tal não foi feito pelo recorrente, nem poderia ter sido, porquanto se não verificava nenhum. Ao decidir neste sentido, o Acórdão nº 165/91 foi claro, pelo que o pedido de esclarecimento só encontra justificação na estratégia processual do arguido, apostado em evitar o normal desfecho dos processos.
B) Pedido de condenação como litigante de má-fé:
Antes de conhecer deste pedido, importa resolver a questão prévia, suscitada pelo arguido, de obtenção de acórdão da conferência, nos termos do nº
3 do artigo 700º do Código de Processo Civil, sobre o despacho do relator que determinava a sua audição sobre o pedido de condenação como litigante de má-fé, formulado pelo Ministério Público.
Sendo certo que, em princípio, 'o verdadeiro titular do poder jurisdicional nos tribunais superiores é o órgão colegial (conferência) e não um dos seus juízes, mesmo aquele a quem estão confiadas as tarefas de regular os termos do processo e ordenar as diligências necessárias à sua marcha' (cfr. Armindo Ribeiro Mendes, Recurso em Processo Civil, Lex-Edições Jurídicas, Lisboa, 1992, p. 135), a verdade é que a reclamação para a conferência admitida no nº 3 do artigo 700º do Código de Processo Civil está excluída em relação aos despachos de não aceitação dos recursos referidos no nº 1 do artigo 688º do mesmo Código e aos despachos de mero expediente. Estes compreendem, nos termos do nº 2 do artigo 679º do Código de Processo Civil, 'os que se destinam a regular, em harmonia com a lei, os termos do processo'. Ora, na medida em que o despacho do relator se limitou a dar cumprimento ao disposto no nº 6 do artigo
84º da Lei do Tribunal Constitucional, tal despacho é de mero expediente e, portanto, irreclamável para a conferência.
Assim, cabe agora conhecer do pedido formulado pelo Ministério Público sobre a condenação do recorrente como litigante de má-fé, definido este, no nº 2 do artigo 456º do Código de Processo Civil, designadamente, como 'o que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça'. Sobre esta matéria, há jurisprudência do Tribunal Constitucional e até em relação ao mesmo recorrente: no Acórdão nº 5/92, escreveu-se que 'a reiterada assunção, pelo recorrente, de meios processuais reveladores de comportamento intencionalmente entorpecedor da acção da justiça, já devidamente espelhada no acórdão que determinou a devolução do processo e a extracção de traslado, revela com suficiente nitidez um comportamento censurável que mais não representa do que expediente dilatório para adiar o fim do processo e a subsequente responsabilização por custas.
Tal situação integra plenamente o conceito de uso reprovável dos meios processuais, pelo que se entende de deferir o pedido formulado pelo Ministério Público'.
4. Nos termos do nº 5 do artigo 84º da Lei do Tribunal Constitucional, a condenação em multa como litigante de má-fé faz-se nos termos da lei de processo, ou seja, nos termos dos artigos 456º e seguintes do Código de Processo Civil - quanto à definição, conteúdo e regime dessa responsabilidade
- e nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 208º do Código das Custas Judiciais - quanto ao seu montante, uma vez que a previsão de regime especial de custas para o Tribunal Constitucional, contida no nº 4 do artigo 84º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, vale expressamente para os 'números anteriores', mas não para a condenação como litigante de má-fé, prevista nos números subsequentes.
Assim, e tendo em conta o reiterado comportamento do recorrente, tem-se por razoável condená-lo em multa.
5. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) desatender o pedido de esclarecimento do Acórdão nº 165/91, de 24 de Abril de 1991, formulado pelo Dr. J...;
b) condenar o Dr. J..., como litigante de má-fé, na multa de seis Unidades de Conta.
c) condenar este nas custas do incidente, fixando-se a taxa de justiça em seis Unidades de Conta face ao disposto no nº 3 do artigo 84º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e no artigo 18º do Decreto-Lei nº 149-A/83, de 5 de Abril, na redacção do Decreto-Lei nº 72-A/90, de 3 de Março;
Lisboa, 12 de Junho de 1996 Fernando Alves Correia Messias Bento José de Sousa e Brito Luis Nunes de Almeida Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa