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Processo n.º 810/2011
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator no Tribunal Constitucional decidiu sumariamente não conhecer do recurso de constitucionalidade interposto, nos presentes autos, por A., por visar a apreciação da inconstitucionalidade de norma que não foi aplicada como fundamento da decisão recorrida.
O recorrente, inconformado, dela reclama, invocando, no essencial, que suscitou perante o Tribunal recorrido a inconstitucionalidade da norma que constitui objeto do recurso, o que «é condição sine qua non para que se possa verificar o pressuposto da aplicação dessa norma, com o sentido alegadamente inconstitucional, como critério de decisão da causa», pelo que, encontrando-se esgotadas as possibilidades de interposição do recurso ordinário, estão reunidos todos os pressupostos processuais de que depende o prosseguimento do recurso.
O Ministério Público pugna, em resposta, pela manutenção do julgado, pelo fundamento que o determinou.
2. Cumpre apreciar e decidir.
Embora os enuncie como pressupostos autónomos do recurso de constitucionalidade, parece sustentar o reclamante que da observância do ónus de suscitação necessariamente decorre a aplicação, pelo tribunal recorrido, da norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada.
Assim, a seu ver, tendo suscitado perante o Tribunal da Relação de Guimarães, na arguição de nulidade indeferida pelo acórdão recorrido, a inconstitucionalidade da norma do artigo 412.º, nºs. 3 e 4, do Código de Processo Penal (CPP), quando interpretada no sentido da «falta de indicação concreta das passagens em que funda a sua impugnação levar à rejeição liminar do recurso interposto pelo arguido quanto à impugnação da matéria de facto, sem formulação de convite ao aperfeiçoamento dessa mesma indicação das concretas passagens a que alude o n.º 4 do artigo 412.º do CPP», há que concluir que aquela norma, na dimensão normativa sindicada, foi aplicada como critério normativo da decisão.
Não lhe assiste, porém, razão.
Com efeito, uma coisa é o ónus que recai sobre o recorrente de suscitar perante o tribunal recorrido a precisa questão de inconstitucionalidade normativa que sujeita à reapreciação do Tribunal Constitucional (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC); outra a exigência, que é um pressuposto autónomo e cumulativo do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do primeiro dos citados normativos legais, de que a norma que a parte/recorrente reputa inconstitucional e, como tal, pretende ver declarada, tenha sido aplicada como efetivo fundamento jurídico da decisão recorrida.
No primeiro caso, estamos perante uma condição de legitimidade do recorrente, pois que só a parte que tenha observado um tal ónus legal, nos precisos termos processualmente definidos, pode interpor o recurso; no segundo caso, trata-se de um pressuposto objetivo do recurso, assente na ideia essencial de que este, para operar modificação de julgado, deve ter por objeto a norma que determinou o sentido da decisão recorrida.
Não curando agora de saber se o reclamante tem ou não legitimidade para interpor o presente recurso, pois que não foi esse o fundamento da decisão em reclamação, o que importa reapreciar é o juízo sumário de inutilidade que determinou o não conhecimento do recurso.
Ora, sendo inquestionável que a utilidade do recurso depende da efetiva adoção, pelo tribunal recorrido, do critério normativo cuja inconstitucionalidade se pretende ver declarada, apenas se justificaria conhecer do objeto do recurso se a norma do artigo 412.º, nºs. 3 e 4, do CPP, na interpretação normativa sindicada, tivesse determinado o indeferimento, pelo acórdão recorrido, da arguição de nulidade deduzida pelo ora reclamante.
Não foi o caso.
Com efeito, o que ditou o indeferimento da arguição de nulidade deduzida, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, pelo ora reclamante, foi a simples consideração de que o acórdão visado não padecia de um tal vício pois que «não deixou de se pronunciar sobre alguma questão que devesse conhecer nem conheceu questões que não lhe cabia apreciar, tendo explicitado a razão pela qual rejeitou o recurso, por extemporaneidade».
Por outro lado, ao referenciar o preceito ora sindicado, o acórdão recorrido em nenhum momento dele extraiu o entendimento, posto em crise no presente recurso de constitucionalidade, segundo o qual a falta de indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação da matéria de facto exigida pelo n.º 4 do artigo 412.º do CPP determina a rejeição liminar do respetivo recurso, sem prévio convite ao aperfeiçoamento; o que se sustentou, ao invés, reafirmando o que o acórdão visado com a arguição de nulidade já havia explicitado, foi que o arguido verdadeiramente não impugnou a matéria de facto com base na reapreciação da prova gravada mas apenas na insuficiência da matéria de facto para a decisão, pelo que nenhum sentido tinha o reclamado convite ao aperfeiçoamento, «o qual só pode ocorrer se o recurso tiver por fundamento a supra referida reapreciação da prova gravada».
Assim, não tendo o acórdão recorrido aplicado a norma que constitui objeto do presente recurso, na dimensão normativa sindicada, afigura-se efetivamente inútil o seu conhecimento, tal como sumariamente decidido.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 11 de janeiro de 2012.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.