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Processo nº 99/92
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- A., identificado nos autos, propôs, em 16 de Fevereiro de 1990, acção declarativa com processo sumário emergente de contrato individual de trabalho contra “B., E.P.”, com sede em Lisboa, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, pedindo a declaração judicial de nulidade da sanção disciplinar de doze dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição, que lhe foi aplicada no processo disciplinar instaurado pela entidade patronal
(processo nº ---/--/--/------ - decisão do Conselho de Gerência de 18 de Janeiro de 1990).
À acção atribuiu o valor de 19.827$60.
A demandada contestou oportunamente, pedindo a absolvição do pedido.
Na fase processual subsequente - e enquanto se aguardavam documentos hospitalares com vista à formulação dos quesitos relativos a exame médico - a ré veio, por requerimento de 16 de Outubro de 1991, nos termos e para os efeitos do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e tendo em conta o nº 2 do mesmo artigo, suscitar a inconstitucionalidade da alínea ii) do artigo 1º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho, considerando-a violadora, entre outras disposições da Lei Fundamental, dos artigos 62º, nº 1, 81º, alínea c), 82º, nº 2, e, fundamentalmente, do princípio da igualdade expressamente consagrado no artigo 13º da Constituição da República (CR).
Em momento processual considerado oportuno pela Senhora Juíza, a 22 de Janeiro de 1992, decidiu esta não ser inconstitucional a norma em causa pelo que, aplicando-a, declarou amnistiada a infracção de que o autor foi acusado, verificados que estão os respectivos pressupostos.
2.- Não se conformamdo com o assim decidido, recorreu a ré B. para o Tribunal Constitucional, nos termos das disposições já por si antecipadamente, por cautela, invocadas.
Admitido o recurso, apresentaram ambas as partes as respectivas alegações.
A B., que juntou pareceres do Professor Doutor Sérvulo Correia e do Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier, formulou as seguintes conclusões:
' I- Sendo embora a recorrente uma empresa pública, o estatuto do seu pessoal é um estatuto de direito privado, da mesma natureza, portanto, que os das empresas privadas, pelo que os trabalhadores da B. têm um regime jurídico-laboral igual ao das empresas privadas.
II- A disposição da alínea ii) do artº. 1º da Lei nº 23/91 estabelece um tratamento desigual para os trabalhadores das empresas privadas e das empresas públicas tratando, assim, desigualmente, situações jurídicas disciplinares que, no essencial, são iguais.
III- A norma em apreço, viola, consequentemente, o princípio da igualdade consignado no artº. 13º da Constituição da República Portuguesa. Além disso
IV- A discriminação que nela se faz, representa uma clara intromissão do Estado nos poderes disciplinares dos órgãos de gestão de empresas públicas, que pertencem ao âmbito dos seus direitos privados - como resulta claramente, no caso da recorrente, do disposto no artº 22º do seus Estatutos. Ora,
V- Devendo o Estado assegurar ao sector público - que tem existência constitucionalmente garantida e não se confunde com o próprio Estado
- uma gestão eficaz e coerente - para esse efeito se tem optado pela aplicação nesse domínio de regras de direito privado - a aplicação daquela norma implicaria a supressão de direitos privados da recorrente, que a inibiriam de uma gestão eficaz, afectando os interesses públicos que lhes estão confiados e, consequentemente, os interesses particulares dos contribuintes, a aplicação daquela norma está em oposição com o estatuído nos artigos 62, nº 1,
81 al. c) e 87º da Constituição da República Portuguesa.
VI- No caso 'sub judicio' a sanção já foi aplicada e comunicada ao A., tendo-se esgotado todos os meios de impugnação no foro interno da recorrente, pelo que se está em face de uma decisão empresarial definitiva e transitada.
VII- Esta circunstância, por si só, afastaria a aplicação à hipótese dos autos da alínea ii) do artº. 1º da Lei 23/91. De qualquer modo,
VIII- A sua aplicação seria sempre inadmissível, em virtude de essa norma ser materialmente inconstitucional pelas razões expostas'.
Por sua vez, o autor rematou as alegações do seguinte modo:
'a) A Lei nº 23/91 de 4 de Julho é uma lei de Amnistia genérica que entre outras abrange as infracções disciplinares cometidas pelo universo dos trabalhadores das Empresas Públicas até 25 de Abril de 1991, salvo quando constituam ilícito penal não amnistiado.
b) Pelo Estatuto das Empresas Públicas, pela propriedade dos seus meios de produção e pela tutela do Estado face às mesmas, bem como da diferenciação das relações de trabalho de todos quantos aí prestam serviço face
às empresas privadas, a Lei de Amnistia não fere o princípio da igualdade estabelecido no art. 13º da CRP, não sendo portanto discricionária ou arbitrária.
c) A amnistia não atenta contra o direito de propriedade, não expropria o poder disciplinar, nem limita a liberdade da Empresa.
d) A oportunidade e consequências da Lei da Amnistia não constitui fundamento bastante para efeitos da sua ilegitimidade constitucional.
e) A lei em apreço não ofendeu qualquer princípio ou preceito constitucionais, nomeadamente os consagrados nas disposições mencionadas pela recorrente.'
Assim, enquanto a ré pede a revogação do despacho recorrido, o autor considera dever negar-se provimento ao recurso e confirmada a decisão em causa.
3.- Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II
1.- Constitui objecto do presente recurso a questão de constitucionalidade da norma do artigo 1º. alínea ii), da Lei nº 23/91, de 4 de Julho, do seguinte teor:
'Desde que praticados até 25 de Abril de 1991, inclusive, são amnistiados:
------------------------------------
ii) As infracções disciplinares cometidas por trabalhadores de empresas públicas ou de capitais públicos, salvo quando constituam ilícito penal não amnistiado pela presente lei ou hajam sido despedidos por decisão definitiva e transitada;
----------------------------------.'
2.- A norma transcrita já foi objecto de apreciação por este Tribunal, em sessão plenária, em hipótese semelhante à dos presentes autos:
tratava-se, então, de um trabalhador da mesma entidade patronal a quem foi aplicada a sanção disciplinar de três dias de suspensão de trabalho, com perda de retribuição e de antiguidade.
Sobre esse caso, em sede de fiscalização concreta, recaiu o Acórdão nº 152/93, de 3 de Fevereiro último, proferido ao abrigo do disposto no artigo 79º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (aditado pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro), publicado na II Série do Diário da República, de 16 de Março de 1993.
Entende-se ser de reafirmar, no caso sub judicio, a orientação assumida no citado acórdão, para cuja fundamentação se remete.
Para a recorrente, a recusa de aplicação da alínea em causa assentaria, designadamente, na violação do princípio da igualdade, consignado no artigo 13º da CR, ao estabelecer um tratamento desigual para os trabalhadores das empresas públicas e das empresas privadas, concedendo, desse modo, para situações jurídicas disciplinares que, no essencial, são iguais, um regime desigual, bem como na violação do estatuído nos artigos 62º, nº 1, 81º, alínea c), e 87º da Lei Fundamental, na medida em que se repercute negativamente no desempenho de uma gestão eficaz, afectando os interesses públicos que lhe estão confiados e, por consequência, os interesses particulares dos contribuintes.
A verdade é que a opção do legislador de confinar a amnistia das infracções disciplinares laborais aos trabalhadores das empresas públicas ou de capitais públicos não se revela nem arbitrária nem irrazoável, como desenvolvidamente se demonstrou no acórdão citado.
Por seu turno, não se vê, também, como aquela opção pode violar as normas constitucionais por último invocadas: a medida concretizada no preceito normativo em análise respeita, apenas, às empresas públicas ou de capitais públicos, pelo que não se representam convocáveis os artigos 62º, nº 1, e 87º da CR, nem tão pouco a alínea c) do artigo 81º.
Como se escreveu no acórdão para o qual o presente remete, não há qualquer ofensa de garantia da 'propriedade privada' das empresas públicas, seja qual for o sentido que tal expressão possa assumir, considerações estas naturalmente extensíveis às várias normas constitucionais invocadas.
III
Nestes termos, e pelos fundamentos invocados, decide-se negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar o despacho recorrido.
Lisboa, 30 de Março de 1993
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Vítor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa