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Proc. nº 397/93
1ª Secção Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A., com sede em ----------------, veio interpor recurso de anulação, para o Tribunal Fiscal Aduaneiro de Lisboa, do acto de liquidação das imposições incidentes sobre a mercadoria declarada à Alfândega. (uma partida de orelha de porco congelada), por não se conformar com a tributação dos direitos niveladores agrícolas, no montante de 227.672$00, invocando vício de violação de lei e inconstitucionalidade. Alegou que o camião que transportara a mercadoria tinha dado entrada no recinto da Delegação Aduaneira de Alverca em 29 de Janeiro de 1989, a declaração aduaneira (DU) fora entregue nos serviços em 30 do mesmo mês e ano, mas viera apenas a ser aceite em 31 de Janeiro. Ora, em 30 de Janeiro, a Administração Aduaneira não cobrava direitos niveladores na importação de carne de suíno, por os mesmos estarem suspensos, mas passou a cobrá-los no dia seguinte à taxa de 38$70 por quilo (montante que desceu para
35$00 a partir de 1 de Fevereiro de 1989). Segundo a recorrente, os direitos niveladores seriam impostos não criados por lei, não publicitados no jornal oficial, mostrando-se violados, por isso, o art. 106º da Constituição e os princípios constitucionais de certeza e segurança jurídicas, justiça e imparcialidade, nomeadamente o art. 266º da Constituição.
Nas alegações do recurso, a recorrente manteve a sua posição.
O recurso foi julgado improcedente por sentença do Sr. Juiz do 1º Juízo do Tribunal Fiscal Aduaneiro de Lisboa, proferida em 29 de Outubro de 1990, por se considerar que a Portaria nº 283/87, de 7 de Abril, não impunha a publicação no Diário da República dos direitos niveladores cobrados nas importações, bastando a sua publicitação através de aviso do IROMA e, por outro lado, que não tinha ocorrido violação do princípio de legalidade tributária.
Inconformada com esta decisão, veio a recorrente a interpor recurso para o Tribunal Tributário de 2ª Instância, pedindo a respectiva revogação.
Por acórdão proferido em 13 de Outubro de 1992 veio a ser julgado procedente o recurso jurisdicional referido.
Transcreve-se a 'síntese dos fundamentos e decisão' deste acórdão:
'I - Os direitos niveladores agrícolas têm a natureza jurídica (e, portanto, jurídico-constitucional) de direitos aduaneiros especiais, pelo que são impostos alfandegários;
II - O legislador constitucional quando redigiu os arts. 106º e 168º, nº 1, al. i), da Constituição da República, não pensou nos direitos niveladores agrícolas, por essa figura não existir no direito português, pelo que essas normas devem ser interpretadas restritivamente, atendendo ainda às características especiais desses direitos aduaneiros;
III - O nº 2 da Portaria nº 283/87, de 7 de Abril, é inconstitucional por violação do art. 122º, nº 3, da Constituição;
IV - Esta inconstitucionalidade acarreta como sua consequência necessária, por dela depender absolutamente, a inconstitucionalidade do Aviso do IROMA que fixou os direitos niveladores agrícolas sobre a carne de suíno vigentes no dia 31 de Janeiro de 1989;
acordam os juízes do Tribunal Tributário de 2ª instância em:
a) [...]
b) [...]
c) Não aplicar o nº 2 da Portaria nº 283/87, de 7 de Abril, e declarar a sua inconstitucionalidade por violação do art. 122º, nº 3, da Constituição;
d) Não aplicar o Aviso do IROMA que fixou os direitos niveladores para a carne de suíno, que se encontrava em vigor no dia 31.1.89, pelo facto de padecer de inconstitucionalidade derivada;
e) Conceder provimento ao recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida;
f) Conceder provimento ao recurso do acto de liquidação e anular o acto recorrido.' ( a fls. 137 e vº dos autos)
2. Deste acórdão interpôs recurso obrigatório o Ministério Público, nos termos do art. 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Contitucional, o qual foi admitido.
3. Subiram os auto ao Tribunal Constitucional.
A entidade recorrente, nas suas alegações, pediu a confirmação da decisão recorrida, concluindo do seguinte modo:
' 1º É inconstitucional a norma contida no nº 2 da portaria nº 283/87, de 7 de Abril, por violação do disposto no art. 122º, nº 3 da Constituição.
2º Em consequência, é também inconstitucional o Aviso do IROMA, publicado em conformidade com o diploma legal atrás citado, que fixou os direitos niveladores sobre a carne de suíno, vigentes no dia 31 de Janeiro de 1989'. (a fls 165-166 dos autos)
A sociedade recorrida considerou inconstitucionais as normas desaplicadas no acórdão recorrido, bem como normas constantes de diplomas atinentes à organização do mercado de carne de suíno, normas essas que não integram, porém, o objecto do presente recurso.
4. Foram dispensados os vistos legais.
Não se detectam circunstâncias que obstem ao conhecimento do objecto do recurso.
II
5. O acórdão recorrido considerou inconstitucional a seguinte norma da Portaria nº 287/87, de 7 de Abril:
'2º - Competirá à Direcção-Geral das Alfândegas colocar à disposição dos agentes económicos interessados o aviso referido no número anterior [tal número estatui que os montantes dos direitos niveladores e restituições à exportação a aplicar no âmbito das organizações de mercado para vários sectores, entre os quais se conta o da carne de suíno, são divulgados por aviso do Instituto Regulador e Orientador dos Mercados Agrícolas-IROMA à Direcção-Geral das Alfândegas dois dias antes ao da sua entrada em vigor] a partir do dia da entrada em vigor dos direitos niveladores e das restituições à importação'.
Esta portaria foi publicada, no que se refere à organização do mercado do sector de carne de suíno, ao abrigo do art. 9º, nº 3, do Decreto-Lei nº 516/85, de 31 de Dezembro, e veio revogar a exigência constante de anterior portaria, de publicação dos direitos niveladores na 2ª Série do Diário da República, com periodicidade trimestral. Dispunha, de facto, o nº 7º da Portaria nº 63-E/86, de 1 de Março, na redacção introduzida pelo nº 3 da Portaria nº 426-A/86, de 6 de Agosto: 'Os direitos niveladores são calculados de acordo com as regras estabelecidas na presente portaria pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários [organismo substituído em 1987 pelo IROMA], em colaboração com a Direcção-Geral de Concorrência e Preços, e publicados trimestralmente, sob a forma de aviso, na 2ª Série do Diário da República'.
O Tribunal Constitucional teve ocasião de considerar inconstitucional esta norma em várias decisões, achando-se publicados os Acórdãos nºs 70/92 e 194/92 no Diário da República, II Série, nºs 189, de 18 de Agosto de 1992, e 195, de 25 de mesmo mês e ano, respectivamente. Ambos os acórdãos versaram sobre a aplicação de direitos niveladores a importação de carne de bovino, os quis foram apenas divulgados através de difusão pelas delegações aduaneiras do aviso do IROMA. Mas a circunstância de se tratar da importação de outra espécie de carne animal não releva, dado que o nº 1 desta mesma Portaria também contempla os direitos niveladores aplicáveis às importações de carne de suíno, como se viu.
Escreveu-se no primeiro destes acórdãos:
'Dispondo sobre a publicidade dos actos, o artigo 122º da Constituição prescreve no seu nº 3 que «a lei determina as formas de publicidade dos demais actos e as consequências da sua falta», isto depois de, no nº 1, enumerar os actos sujeitos a obrigatória publicação no Diário da República, e, no nº 2, estabelecer a ineficácia jurídica como sanção da falta de publicidade.
Não cabendo a forma de publicidade dos avisos expedidos pelo IROMA em nenhuma das diversas alíneas do nº 1 daquele preceito constitucional, nomeadamente na alínea h) que contempla apenas os decretos regulamentares e os demais decretos dos Ministros da República e os decretos regulamentares regionais, há-de a mesma compreender-se na disciplina do seu nº 3 quando se reporta à forma de publicidade dos demais actos e às consequências da sua falta.
No âmbito destes, hão-de seguramente contar-se os regulamentos e demais actos genéricos dos órgãos e entidades públicas (ou com poderes públicos) não abrangidos nos nºs 1 e 2 do artigo em causa. Será o caso das entidades que integram a administração indirecta do Estado e a administração autónoma
(institutos públicos, associações públicas, etc.); será o caso ainda das convenções colectivas dos trabalhadores (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit, 2º vol., 2ª ed., p. 93).
Deste modo, o aviso do IROMA, enquanto integrado nos «demais actos» a que se refere o artigo 122º, nº 3, haverá de obedecer, quanto à forma da sua publicidade, àquilo que a lei, entendida no sentido de acto legislativo, determinar e não já a uma prescrição contida num regulamento que manifestamente não cabe naquele conteúdo conceitual.
Assim sendo, a norma do nº 2 da Portaria nº 283/87, ao dispor sobre a forma de publicidade dos avisos do IROMA, viola irrecusavelmente o disposto no artigo 122º, nº 3, da Constituição'. (Diário da República cit., pág.
7689-(91).
7. Concluindo-se pela inconstitucionalidade da norma da Portaria nº 283/87, tem de considerar-se que a forma de publicidade do Aviso do IROMA desaplicado nos autos é inidónea, visto não haver lei que tenha estabelecido a forma de publicidade para tais actos normativos.
No acórdão recorrido, considera-se que o Aviso do IROMA que fixou os direitos niveladores a cobrar no dia 31 de Janeiro de 1989 é igualmente inconstitucional, como consequência necessária da inconstitucionalidade da norma que dispensou a respectiva publicação no Diário da República (inconstitucionalidade consequencial). Idêntica posição é tomada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, nas suas alegações.
Entende-se, porém, que não pode falar-se de inconstitucionalidade consequencial do Aviso do IROMA, no caso sub judicio.
De facto, o art. 9º, nº 3, do Decreto-Lei nº 516/85 estabelece que a importação de carne de suíno contemplada no art. 1º do mesmo diploma 'está sujeita à aplicação de direitos niveladores, a regulamentar por portaria conjunta dos ministros com competência nas áreas das finanças, da agricultura, do comércio, da concorrência e dos preços'.
Baseando-se nesta norma habilitadora, o Governo publicou a Portaria nº 63-E/86, de 1 de Março, que veio estabelecer a definição das regras de cálculo regulamentadoras dos critérios estabelecidos naquele Decreto-Lei nº 516/85 e prever que esse cálculo seria efectuado pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários, organismo substituído depois pelo IROMA (nº 7º, redacção introduzida pela Portaria nº 426-A/86, já acima transcrita).
Este Tribunal teve ocasião já de qualificar tal aviso como regulamento administrativo de execução, na sua citada jurisprudência, considerando que a Constituição não veda a atribuição de poderes regulamentares a entes integrados na Administração Indirecta do Estado.
Do que acaba de referir-se tem de concluir-se que os avisos do IROMA podem conter regulamentos constitucionalmente válidos.
Verifica-se, porém, que a publicidade dada a esse regulamento não foi estabelecida por lei, nos termos do art. 122º, nº 3 da Constituição, mas por um regulamento inconstitucional. (cfr. a divulgação constante das tabelas publicadas pela Direcção-Geral das Alfândegas, a fls. 32 e segs. dos autos).
Entende-se, por isso, que devia ter sido publicado o aviso do IROMA no jornal oficial, em obediência à forma normal de publicidade dos actos normativos não previstos no nº 1 do art. 122º da Constituição, quando a lei não tenha disposto diversamente.
Por analogia com o disposto no nº 2 do mesmo art.
122º da Lei Fundamental, conclui-se que o aviso em causa é ineficaz, pelo que se considera que o Tribunal recorrido agiu bem ao recusar aplicá-lo no caso sub judicio.
III
8. Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão recorrido, embora por fundamentação em parte diversa da acolhida neste último.
Lisboa,22 de Março de 1994
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa