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Proc. nº 240/89
1ª Secção Rel. Cons.: Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, A. deduziu contra o juiz do processo nº 8845, do 14º Juízo, incidente de suspeição com o fundamento de 'inimizade grave', previsto na norma do artigo 127º, nº 1, alínea g) do Código de Processo Penal. Emitiram-se as guias para o pagamento dos preparos do incidente no valor de Esc. 1.580$00 e o processo foi remetido ao Tribunal da Relação de Lisboa.
Em despacho de 6 de Junho de 1988, o Presidente desse Tribunal julgou improcedente a suspeição e condenou o requerente em custas pelo incidente. O processo foi depois remetido ao 14º Juízo Cível da Comarca de Lisboa e o montante global das custas ali fixado em Esc. 20.254$00, correspondendo a Esc. 18.300$00 de taxa de justiça e Esc. 3.334$00 de despesas de procuradoria. Desse montante deduziu-se a quantia de Esc. 1.580$00, relativa aos preparos. Mas o requerente reclamou da conta. Assim:
'1º O valor do incidente em causa é, naturalmente, e nos termos do art. 313º, nº 1 do C.P.C., o da acção, ou seja, de Esc. 2.200.000$00 (dois milhões duzentos mil escudos)
2º A tal valor, e por se tratar de incidente, corresponde, nos termos do art. 43º, nº 1 das alterações ao C.C.J., se fossem aplicáveis, a taxa de justiça de 1/4 da tabela anexa, ou seja, de Esc. 18.500$00.
3º A decisão do Sr. Juiz Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa fixou o regime de custas da presente questão estabelecendo 'custas pelo requerente do incidente', sem mais.
4º O requerente pagou o preparo inicial de Esc. 1.580$00, o qual obviamente teria de ser deduzido daquele valor de Esc. 18.500$00, num valor final de Esc. 16.920$00.
5º Tudo isto, como é evidente, sem prejuízo da patente inconstitucionalidade - que aqui se argui para todos os devidos e legais efeitos
- das já citadas alterações ao CCJ, quer pela violação do princípio da não denegação de justiça por motivos económicos que a elevação brutal do valor das custas implica (como foi expressamente invocado no pedido de declaração de inconstitucionalidade formulado pelo Senhor Provedor de Justiça), quer pela violação dos princípios da estabilidade e segurança jurídicas, consistente em se mandar aplicar uma lei nova, muito mais gravosa que a anterior por referência não ao momento da decisão sobre eles proferida, penalizando assim o cidadão com a demora da Administração, de cerca de um ano a decidir o incidente, na presente questão !
Termos em que, deve, por inconstitucionalidade do Decreto-Lei
387-D/87, de 29/12 e em particular do seu art. 6º, e bem assim do art. 5º, nºs.
1 e 2 do Dec. Lei 92/88, de 17/3, ser aplicado o anterior regime de custas, vigente à data da intentação do incidente, ou - acaso, por absurdo, assim se não entenda - deve a conta ser reformulada tendo em atenção os valores ora indicados na presente reclamação'.
O senhor juiz desatendeu esta reclamação, em despacho de 3 de Maio de 1989. Assim:
'O Autor veio reclamar da conta, alegando em síntese que a taxa de justiça, nos termos do artº 43º, nº 1 do C.C.J. é de 18.500$00. Que pagou de preparo inicial a quantia de 1.580$00, o qual deduzido daria um valor final de
16.920$00.
Mais alega que as alterações entretanto introduzidas ao Código das Custas Judiciais são inconstitucionais, pela violação do princípio da não denegação de justiça por motivos económicos, e ainda pela violação dos princípios da estabilidade e segurança jurídicas.
Conclui pela aplicação do anterior regime de custas, e se assim se não entender reformulação da conta de acordo com os valores atrás referidos.
Ouvido o senhor secretário nos termos do disposto no artº 139º, nº
1 do já citado diploma, vem o mesmo dizer que a quantia em dívida na conta reclamada, é de 20.254$00, existindo uma diferença para a quantia que o reclamante diz ter de pagar, de 3.334$00.
Que a dita diferença de 3.334$00, é o quantitativo referente à Procuradoria, contada nos termos dos nºs. 2 e 3 do artº 85º, do Cód. das Custas Judiciais.
O Digno Magistrado do MºPº, entende que a conta foi elaborada na forma correcta.
Cumpre decidir:
1 - Quanto à diferença rectificada pelo reclamante, pois entende dever pagar 16.920$00 e não 20.254$00 a mesma refere-se como diz o senhor secretário, ao quantitativo atribuído a título de procuradoria, nos termos do que dispõe o artº 85º do Cod. das Custas Judiciais, e o que o reclamante, talvez por lapso, não teve na devida conta.
Assim, sobre esta parte, nada de incorrecto se verifica, tendo o senhor secretário procedido à elaboração da conta, de acordo com as normas em vigor.
2 - Quanto à arguida inconstitucionalidade pela violação do princípio da não denegação da justiça por motivos económicos, parece-nos carecer de razão o reclamante, já que as pessoas ou entidades que não reunam capacidade económica, sempre poderão lançar mão do instituto do apoio judiciário.
Quanto à violação do princípio da estabilidade e segurança jurídicas, também não entendemos que tal princípio tenha sido violado, já que se trata de alterações de carácter adjectivo, que sempre se tem vindo a entender ser a sua aplicação imediata'.
O autor interpôs então recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, invocando as normas dos artigos 69º, 70º, nº 1, alínea b), e nº
2, 72º, nº 1, alínea b), e nº 2, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Em alegações, concluiu:
'1º A aplicação, por força do artº 6º, do novo regime de custas constante do Dec.-Lei 387-D/87, entrado em vigor a partir de 1.1.88, a processos ou incidentes deduzidos antes dessa data é, desde logo, violadora do 'direito à segurança' consagrado no artº 27º, nº 1 da C.R.P..
2º É que com isso, e sem que qualquer interesse de ordem pública possa para tal ser invocado, se atinge e se altera as condições em que se processou e foi decidido o recurso aos Tribunais por parte dos cidadãos.
3º E é também violadora do princípio da igualdade, consagrado no artº 13º do C.R.P., porquanto significaria a possibilidade de aplicação a dois cidadãos na mesmíssima situação de regimes completamente distintos, unicamente em função de factores totalmente estranhos àqueles.
4º Por outro lado, ao regulamentar as condições de acesso e exercício do direito fundamental consagrado no artº 20º do C.R.P., para mais instrumental de defesa dos outros direitos fundamentais, ao legislar sob matéria do sistema fiscal e ao regular questões da competência dos tribunais e do MºPº e do estatuto dos respectivos magistrados, esse Dec. Lei do Governo só o poderia fazer mediante autorização legislativa, nos termos do artº 201º, nº
1, al. b) da mesma C.R.P. e invocando-a expressamente.
5º Porém, a autorização conferida pela Lei nº 37/87 de 12.12 - e pelo Dec.Lei 387-D/87 invocado - refere-se tão somente à abolição do imposto de selo, e não abrange tais matérias.
6º Tal diploma está, pois, irremediavelmente ferido de inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto não só no já citado artº 201º, nº 1, al. b), como também do artº 168º, nº 1, al. b), q) e i), também da C.R.P..
7º E isto independentemente de se considerar que a chamada taxa de justiça seria uma verdadeira taxa, (que não é), pois seria sempre a organização do sistema fiscal e o arrecadar de receitas para o Estado que estaria aí em causa.
8º O Dec.-Lei 387-D/87, desde logo, na sua concepção grosseiramente economicista, viola grosseiramente o direito de acesso ao Direito e aos Tribunais pois que este não é uma simples prestação de serviço, onerosa, e que sinalagmaticamente exige uma retribuição (ou preço) em troca.
9º O mesmo Dec. Lei 387-D/87, ao aumentar drasticamente nas suas tabelas anexas não apenas o custo final dos processos, como também e sobretudo o montante dos preparos (nos termos do artº 98º), ao desincentivar as reclamações e tudo o que agora passou a ser considerado pelo seu artº 43º como incidente tributável, e sobretudo os recursos, tornados verdadeiramente incomportáveis, viola clara e ostensivamente o artº 20º, nº 1 do C.R.P..
10º Nem é o invocado mecanismo do apoio judiciário que permite salvar o diploma dessa inconstitucionalidade material, porquanto não se pode impôr à generalidade dos cidadãos titulares de um tal direito fundamental a situação de terem de suportar os ónus, os riscos e os encargos de um tal mecanismo que aliás de excepcional, passaria a regra!
11º O Dec. Lei 387-D/87 é, todo ele, organicamente inconstitucional, por violação dos artºs. 201º, nº 1, al. b) e 168º, nº 1 al. b), q) e i) da C.R.P..
12º O artº 6º do mesmo Dec. Lei 387-D/87 se e ao determinar a sua própria aplicação mesmo a causas e incidentes intentados e prosseguidos antes da data da sua entrada em vigor (1.1.88) é materialmente inconstitucional, por violação dos artºs. 13º e 27º do C.R.P..
13º As tabelas anexas a que se referem os artºs. 16º e 98º do Dec. Lei 387-D/87, os artigos 98º e 43º, são materialmente inconstitucionais por violação do artº 20º do C.R.P..'.
II - As normas e a fundamentação
1 - O recorrente deduziu o incidente de suspeição em 22 de Outubro de 1987 e pagou o preparo inicial de 1.580$00. Já vimos que a decisão do Presidente da Relação de Lisboa, de 6 de Junho de 1988, julgou improcedente aquela suspeição e que a conta de custas foi depois elaborada com referência às normas do Decreto-Lei nº 387-D/87, de 29 de Dezembro, que começara a vigorar em
1 de Janeiro de 1988 [cf. o artigo 6º, nº 1, do mesmo decreto-lei, e o artigo
único da Lei nº 17/87, de 1 de Junho].
Essas normas são as do artigo 16º e tabela anexa [taxa de justiça nos tribunais de comarca] e do artigo 43º e tabela anexa [incidentes] [não há nenhuma norma neste novo regime a impor o pagamento de procuradoria em incidentes].
Na reclamação da conta, o recorrente arguiu a inconstitucionalidade de todo o Decreto-Lei nº 387-D/87, de 29 de Dezembro, e referiu, em particular, as normas do artigo 6º desse decreto-lei e, bem assim, do artigo 5º, nºs. 1 e 2, do Decreto-Lei nº 92/88, de 17 de Março, sobre o início de vigência e aplicação às acções cíveis pendentes do novo regime das custas. O senhor juiz indeferira, porém, aquela reclamação, sustentando a validade das normas impugnadas.
O objecto do recurso delimita-se, assim, nas normas aplicadas na decisão recorrida e que são: as dos artigos 6º, nº 1, 16º e 43º, do Decreto-Lei nº 387-D/87, de 29 de Dezembro, e a do artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 92/88, de 17 de Março. Dispõem assim:
As normas do Decreto-Lei nº 387-D/87:
Artigo 6º
'1 - O presente diploma entra em vigor na data da entrada em vigor do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro' [é o dia 1 de Janeiro de 1988 e com este momento se haverá de articular o enunciado do artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 92/88, de 17 de Março, que o constitui em referência de aplicação do novo regime de custas às acções cíveis pendentes].
Artigo 16º
'Taxa devida nos tribunais de comarca
Nos tribunais de comarca, as taxas de justiça devidas pelos processos cíveis, incluindo os inventários que sejam ou passem a facultativos, falências, insolvências, recursos de revisão e de oposição de terceiro, são as constantes da tabela anexa, calculadas sobre o valor da causa'.
Tabela Anexa
Valor Taxa de justiça
(inclusive) x 1000$ até x 1000$
2300.............................................74
Artigo 43º
'.......
1 - Os incidentes da nulidade, esclarecimento e reforma das decisões, as reclamações contra a especificação e o questionário e os demais incidentes e actos não abrangidos no artigo anterior que, devendo ser tributados, não estejam especialmente previstos neste código estão igualmente sujeitos à taxa de justiça estabelecida no artigo anterior'.
[remete-se, ali, para tabela anexa]
As normas do Decreto-Lei nº 92/88, de 17 de Março:
Artigo 5º
'1 - O Decreto-Lei nº 387-D/87, de 29 de Dezembro, aplica-se às acções cíveis pendentes em 1 de Janeiro de 1988' [o nº 2 determina, a seguir, que 'cada uma das contas deve ser efectuada de harmonia com a lei vigente à data em que foi proferida a respectiva decisão sobre a condenação das custas].
2 - Em processo de fiscalização abstracta, que conduziu ao Acórdão nº 467/91 [D.R., II Série, de 2-4-1992], o Tribunal Constitucional confrontou já o novo regime das custas com a garantia fundamental do acesso aos tribunais, consagrada no artigo 20º, nº 1, da Constituição. Sublinhando que esta garantia é uma concretização do princípio do Estado de direito, a que assiste uma dimensão de defesa (defesa dos direitos através dos tribunais) e uma dimensão de prestação (dever de o Estado assegurar na realidade os meios efectivos de acesso à justiça) e que o legislador tem aí uma vinculação positiva ao princípio da igualdade, afirmou essencialmente: (...) a norma do artigo 20º, nº 1, da Constituição, não contém um imperativo de gratuitidade da justiça. É evidente, neste plano, um espaço de conformação do legislador a que não é estranha a dimensão de prestação assinalada ao princípio fundamental do acesso aos tribunais. Mas esse espaço de conformação tem os limites que são dados pela irredutível dimensão de defesa da tutela jurisdicional dos direitos, postulando soluções legislativas que assegurem um acesso igual e efectivo aos tribunais. Então, o princípio da proporcionalidade vem aqui 'alicerçar um controlo juídico-constitucional da liberdade de conformação do legislador e situar constitucionalmente o espaço de prognose legislativa' (J. J. Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, 1982, p. 274).
O asseguramento da garantia do acesso aos tribunais subentende uma programação racional e constitucionalmente adequada dos custos da justiça: o legislador não pode adoptar soluções de tal modo onerosas que impeçam o cidadão médio de aceder à justiça. Além disso, vinculado que está aos princípios da universalidade e da igualdade, haverá ainda de assegurar às pessoas economicamente carenciadas formas de apoio que viabilizem a tutela jurisdicional dos seus direitos.
O Decreto-Lei nº 387-D/87, de 29 de Dezembro [...] consagra um sistema de acesso ao direito e aos tribunais destinado a 'promover que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos' (artigo 1º, nº 1). 'A protecção jurídica reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário', o qual 'compreende a dispensa, total ou parcial, de preparos e do pagamento de custas, ou o seu diferimento, assim como o pagamento dos serviços do advogado ou solicitador' (artigos 6º e
15º).
O apoio judiciário substituiu o clássico instituto da assistência judiciária (cf. a Lei nº 7/70, de 9 de Junho, e o Decreto-Lei nº
562/70, de 18 de Novembro). Destina-se às 'pessoas singulares que demonstrem não dispor de meios económicos bastantes para suportar os honorários dos profissionais forenses, devidos por efeito da prestação dos seus serviços, e para custear, total ou parcialmente, os encargos normais de uma causa judicial'
(cf. o artigo 7º, nº 1, do mesmo Decreto-Lei nº 387-D/87).
Não sendo gratuita a justiça, e instituindo a lei um sistema de apoio judiciário capaz de garantir o acesso aos tribunais dos cidadãos com insuficiência de meios económicos, há que ponderar se a solução legal sobre custas, aqui em apreço, realiza ou não, relativamente aos cidadãos com capacidade contributiva média, o imperativo da norma do artigo 20º, nº 1, da Constituição.
Um julgamento de constitucionalidade pressupõe ainda uma avaliação do 'equilíbrio interno' do sistema legal das custas judiciais, não sendo indiferente a existência ou inexistência de uma desproporção das custas à luz de um critério de comparação dos diferentes processos. [...]
A análise da questão de constitucionalidade deste quadro normativo (o que foi criado pela nova redacção do Código das Custas Judiciais em virtude da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 387-D/87) não poderá ser determinada por uma perspectiva utilitarista que deixe entrever como critério de base uma ideia de funcionalização do preço da justiça à racionalização dos serviços de justiça. É que a garantia de acesso aos tribunais configura-se como irredutível posição jurídica subjectiva fundamental. Recorrendo à conhecida distinção de Dworkin, dir-se-á que aqui está em causa uma questão de princípio
(principle) e não uma questão de política (policy); quer dizer, está em causa a tutela dos direitos individuais fundamentais (...) e não a questão da optimização dos serviços de justiça, mediante a introdução de um coeficiente de custos como critério de maximização da eficiência (...).
A vinculação jurídico-constitucional do legislador haverá, então, de se 'apurar através dos princípios constitucionais constitutivos'
(Gomes Canotilho, Constituição Dirigente..., cit., p. 275) e da garantia fundamental da tutela jurisdicional dos direitos.
Um juízo sobre a proporcionalidade da decisão legislativa deverá ter presentes a articulação das normas do Código das Custas Judiciais com o instituto do apoio judiciário e a ideia de causalidade como fundamento da responsabilidade por custas.
Na verdade, as taxas de justiça são a 'contrapartida' da prestação de um serviço público vinculado à garantia fundamental do acesso aos tribunais.
A inexistência de um princípio geral de gratuitidade da justiça vai precisamente ligada aos limites objectivos da dimensão prestacional da garantia consagrada no artigo 20º, nº 1, da Constituição, e à ideia de equivalência de encargos que proscreve a transferência da responsabilidade individual dos sujeitos processuais para a comunidade.
É, pois, de considerar o facto de a obrigação de custas impender sobre os sujeitos que lhe dão causa (cf. o Código de Processo Civil, artigo
446º, nº 1, e o Código de Processo Penal, artigos 513º, 515º e 520º) e ainda o facto de o vencedor, em processo civil, não ter de liquidar as custas da responsabilidade exclusiva do vencido para efeitos de execução ou de remessa do processo para outro tribunal e ver diminuído o grau de contribuição dos seus preparos na liquidação das custas da responsabilidade do vencido (cf. o artigo
116º do Código das Custas Judiciais).
Por outro lado, os montantes das taxas de justiça, quer em processo penal quer em processo civil (aqui, quando confrontados com os valores das causas) não se mostram incomportáveis para a capacidade contributiva do cidadão médio, de modo que não inibem o acesso à justiça, mesmo nos casos de maior incerteza sobre o resultado do processo. [...]
Não é pois possível, neste plano da fiscalização abstracta da constitucionalidade, assinalar às alterações introduzidas no Código das Custas Judiciais uma desproporção intolerável, susceptível de violar o princípio do acesso à justiça, fora dos quadros do instituto do apoio judiciário.
Mas se, ainda assim, a alteração verificada no Código das Custas Judiciais em resultado da redacção dada pelo Decreto-Lei nº 387-D/87 viesse onerar, de forma discriminatória, determinados processos com relação a outros, então poderia ter lugar um julgamento de inconstitucionalidade. Mas não é isso que se verifica. Não há nenhuma incidência especialmente onerosa em qualquer acto ou forma de processo.
As normas em apreço apresentam aquele 'equilíbrio interno ao sistema' necessário à observância dos princípios da proporcionalidade e da não discriminação.
Conclui-se, pois, que o legislador não ultrapassou o seu 'espaço de livre conformação'. As normas do Código das Custas Judiciais, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei nº 387-D/87, são conformes à Constituição, designadamente aos seus artigos 20º e 13º e aos princípios que lhes subjazem, o do Estado de direito, o da universalidade e o da igualdade.
Este julgamento - que aqui se reitera - não incidia sobre a norma do artigo 6º, nº 1 [início de vigência], do Decreto-Lei nº 387-D/87, de 29 de Dezembro, que então se não inscrevia no objecto do pedido. Mas do seu próprio enunciado - que põe em marcha a efectividade de outras normas daquele decreto-lei - resulta que também ela se ordena ao parâmetro constitucional da garantia de acesso aos tribunais.
3 - E, no entanto, as normas aqui em apreço haverão ainda de ser confrontadas com outros lugares da Constituição. Lembremos que o recorrente as impugna também com fundamento em que elas são organicamente inconstitucionais e em que a sua aplicação a processos pendentes afronta o princípio da igualdade e a confiança no Direito que é exigida pela Constituição.
3.1 - O Decreto-Lei nº 387-D/87 foi emitido em sequência da autorização parlamentar contida na Lei nº 37/87, de 12 de Dezembro. Esta autorização, segundo o artigo 1º da mesma lei, era relativa à competência para estatuir a abolição do imposto do selo nos processos forenses. É verdade, pois, que afora esta matéria, o Governo exerceu uma competência legislativa que considerou própria. Segundo a alegação do recorrente, o Decreto-Lei nº 387-D/87 afrontaria por isso as normas do artigo 201º, nº 1, alínea b), e do artigo 168º, nº 1, alíneas b), q) e i), da Constituição. Estaria a legislar sobre as condições de exercício de um direito fundamental, sobre os impostos e o sistema fiscal e ainda sobre competência dos tribunais e do Ministério Público. Mas não
é assim !
Desde logo, não se trata aí da regulação das condições de exercício de um direito fundamental. As custas, como se afirmou no Acórdão nº
467/91 (cit.) são a 'contrapartida' da prestação de um serviço público vinculado
à garantia do acesso aos tribunais. Elas têm uma existência jurídica inextrincavelmente ligada aos limites objectivos da dimensão prestacional daquela garantia e à ideia de equivalência de encargos que proscreve a transferência da responsabilidade individual dos sujeitos processuais para a comunidade.
Na determinação legal do pagamento de custas subentra pois uma lógica de causalidade e imputabilidade da lide (Betti) que é estranha à ideia de condições de exercício e regras de procedimento de um direito fundamental.
Não se trata também no Decreto-Lei nº 387-D/87 de regular matéria do sistema fiscal. Lembremos, a propósito, o que se afirmou nos Acórdãos nºs.
412/89, 307/90 e 42/92 [D.R., II Série, de 15 de Setembro de 1989, 4 de Março de
1991 e de 11 de Junho de 1992]. O que se chamara de imposto de justiça 'não tem a natureza de um imposto, mas sim, verdadeiramente de uma taxa'. O que está em causa é 'a prestação, ao menos em parte, de contrapartida pela utilização do
'serviço de justiça' e não a arrecadação de receitas para o Estado como modo de lhe proporcionar os meios financeiros necessários à prossecução dos seus encargos gerais, como é o caso dos impostos.
Finalmente quanto ao fundamento de inconstitucionalidade orgânica, não se trata ainda no mesmo decreto-lei de regular a competência dos Tribunais e do Ministério Público. Essa competência, como a propósito das mesmas normas se afirmou no Acórdão nº 49/92 (cit.) é criada e regulada pelas leis de processo, pelos estatutos dos seus magistrados e pelas leis orgânicas. Não são as normas sobre custas que conferem ao juiz o poder de as fixar.
Do que se conclui pela inexistência de inconstitucionalidade orgânica das normas impugnadas.
3.2 - A questão de constitucionalidade é ainda suscitada na perspectiva particular das normas do artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 387-D/87
[início de vigência] e do artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 92/88, de 17 de Março [aplicação às acções cíveis pendentes], com referência aos princípios da igualdade e da segurança jurídica, consagrados na Constituição [respectivamente nos artigos 13º e 2º e não, quanto à segurança jurídica, no artigo 27º, nº 1, como, eventualmente por lapso, aduz o recorrente].
Afirma-se, a esse propósito, que a aplicação do novo regime do Decreto-Lei nº 387-D/87 por aquele modo determinada implica que acções ou incidentes iniciados num mesmo momento, mas julgados em momentos diferentes, venham a ter custas desiguais, conforme a decisão do tribunal seja proferida antes ou depois da nova legislação.
Dir-se-á, desde logo, na perspectiva do princípio da igualdade, que as normas do artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 387-D/87, e do artigo 5º, nº
1, do Decreto-Lei nº 92/88, de 17 de Março, não afrontam a Constituição. É que, aquela diferença não se funda então em arbítrio do legislador. A obrigação do pagamento de custas só nasce no momento da condenação e se esta é proferida no domínio da lei nova não tem aqui que ser relacionada com outra que nasça no domínio da lei antiga. Porque o princípio da igualdade não opera diacronicamente. Sendo embora um princípio materialmente conformador, ele não obsta à dinâmica da lei nem à sua fundamentação democrática.
3.3. - Consideremos, finalmente, o princípio da segurança jurídica que o recorrente diz que é posto em causa com as normas do artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 387-D/87, e do artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 92/88.
Para um certo entendimento, que é o da ora relatora, na metódica jurídico-constitucional o princípio da segurança jurídica não se autonomiza do problema da observância das normas da Constituição que garantem posições subjectivas fundamentais. É que a confiança no Direito que constitui um desiderato do artigo 2º da Constituição não significa uma proibição da
'auto-revisibilidade' do legislador. Aquela confiança combina-se, antes, com o princípio democrático em forma de a liberdade da lei se realizar nos limites da conservação das situações jurídicas fundamentalmente tuteladas.
As normas em apreço só estariam em confronto com aquele princípio constitucional se do sistema de aplicação que delas se deriva resultasse uma obrigação de custas que em si mesma se mostrasse objectivamente capaz de pôr em causa o direito de acesso ao tribunal. Foi assim que, em dado passo, se afirmou na declaração de voto aposta ao Acórdão nº 161/93, D.R., II Série, de
10-04-1993: 'A protecção da confiança não pode aferir-se na relação linear que se estabelece entre o preço antes previsto para as custas e aquele que se prevê
(e paga) no momento em que nasce a respectiva obrigação: o valor da causa é ainda um dado imprescindível. E aqui subentra toda a argumentação do Acórdão nº
467/91 (...) que não declarou a inconstitucionalidade das normas do Código das Custas Judiciais, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei nº 387-D/87, e afirmou, designadamente, a conformidade dessas normas aos artigos 20º e 13º da Constituição. Não é possível falar de arbitrariedade, desestabilização de expectativas ou desproporção relevante aí onde não está posto em causa o direito ao tribunal (ou a permanecer no tribunal)'.
Mas não é este o entendimento por que a maioria do Tribunal Constitucional vem procedendo ao controlo de normas com referência ao princípio constitucional da segurança jurídica [cf., sobre as custas, os Acórdãos nºs.
307/90, 339/90, 352/91, 49/92 e 161/93, D.R., II Série, de 4 de Março de 1991,
17 de Junho de 1991, 17 de Dezembro de 1991, 11 de Junho de 1992 e 10 de Abril de 1993]. O Tribunal vem autonomizando metodicamente a indagação da observância daquele princípio, estabelecendo quanto a este problema das custas uma comparação entre o valor que a parte conjecturou quanto à obrigação de custas no momento em que tomou a decisão de litigar [que constitui também base dessa decisão] e o valor que depois paga em resultado da alteração da lei, entretanto produzida.
E se na diferença se reconhece um valor desproporcionado, capaz de defraudar as expectativas com que se tomou a iniciativa do processo, então o Tribunal considera que o princípio da segurança jurídica está a ser posto em causa.
Mas não é isso que acontece no caso em apreço: o recorrente [que pagou os preparos do incidente de suspeição no domínio da lei antiga] foi depois condenado no pagamento de Esc. 18.500$00 em taxa de justiça calculada nos termos do novo regime [Decreto-Lei nº 387-D/87, artigo 16º e tabela anexa, e artigo 43º e tabela anexa].
Se a conta fosse elaborada nos termos em que o determinava a lei em vigor à data da interposição da acção, a mesma taxa (então designada imposto) teria o valor de Esc. 10.500$00, ao que acresceria o imposto de selo, no valor de Esc. 1.680$00 [cf. Decreto-Lei nº 49 213, de 29-08-1969, artigo 16º e tabela anexa, e ainda o artigo 6º, nº 2, na redacção do Decreto-Lei nº 38/86, de 6 Setembro, sobre encargos adicionais].
A diferença assim resultante - de aproximadamente Esc. 6.000$00, significando um acréscimo de cerca de 50 % - não é de tal modo desproporcionada que permita concluir pela inconstitucionalidade das normas dos artigos 6º, nº
1, do Decreto-Lei nº 387-D/87, de 29 de Dezembro, do artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 92/88, de 17 de Março, com referência ao princípio da protecção da confiança que decorre do artigo 2º da Constituição.
Conclui-se, pois, no sentido da não inconstitucionalidade das normas impugnadas, dos artigos 6º, nº 1, 16º e tabela anexa, 43º e tabela anexa, do Decreto-Lei nº 387-D/87, de 29 de Dezembro, e do artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 92/88, de 17 de Março, no segmento em que foram aplicadas na situação concreta.
III - A decisão
Nestes termos, nega-se provimento ao recurso e, em consequência, confirma-se o despacho recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade.
Lisboa, 22 de Março de 1994
Maria da Assunção Esteves
Antero Alves Monteiro Dinis
Vítor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa