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Processo nº 600/11
2ª Secção
Relator: Conselheiro José Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., notificada que foi do acórdão, proferido em 16.11.2011, que apreciou e decidiu a reclamação sobre a decisão sumária proferida nos presentes autos, veio apresentar pedido de « …reforma do acórdão nos termos do disposto no art.º 669º, n.º 1- a) CPC …», com os seguintes fundamentos:
(…)
A., recorrente, notificada do acórdão 555/2011, vem pedir a reforma do acórdão nos termos do disposto no art. 669, nº1 a) CPC, nos termos seguintes:
O acórdão reclamado afirma que a recorrente não identificou a dimensão normativa inconstitucional presente na aplicação do Direito ao caso.
Porém, precisamente sob este ponto de vista, dizem os pontos 12 a 15 do pedido de acórdão, tratar-se que a norma ferida de inconstitucionalidade foi identificada nos supostos que levaram à elaboração do aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso de inconstitucionalidade solicitada pelo Tribunal.
A saber:
- contrariedade à norma constitucional de poder …. de confiar … a terceiro, com vista à adopção e rotura do laço natural familiar, onde a lógia do preceito inconstitucional infringido não pode deixar de apontar para o art.º 36 da C.R.P.
4- E poder pretoriano discricionário, mesmo contra a solicitação da família paterna, com quem a criança não convivia.
5- Aliás, é muito claro o nº 16, quando ele se refere que a insuficiência maternal deveria ser preenchida através do dado constitucional de reconhecimento como garantia ou liberdade fundamental da pertença do …. ao cuidado da família paterna.
6- E acrescentou-se: …”que o Juiz tem de respeitar”.
7- Esta é, efectivamente, a dimensão normativa inconstitucional em jogo e perfeitamente explicada na solicitação do acórdão.
8- Explicada num modelo aceitável de desenvolvimento dos termos da interposição de recurso, em que foi citada uma série de artigos da lei mas que impunha, efectivamente, este enquadramento arquitectural lógico-normativo.
9- Por conseguinte, o acórdão, ao ter feito tábua rasa deste ponto de vista que nem sequer discutiu incorreu em erro de apreciação de facto e de direito, que pode remediar ao abrigo da disposição legal de processo invocada como base jurídica da reforma aqui solicitada.
10- Reforma essa que deverá ser no sentido de seguimento do recurso, abrindo via à Justiça, de não ser dado Tratamento diferente aos dois irmãos, o mais velho já entregue à família paterna.
(…)
2. O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional, sobre tal requerimento, veio pronunciar-se, nos seguintes termos:
(…)
1.º
O requerimento apresentado pelo recorrente não é facilmente perceptível.
2.º
Nele, é pedida a reforma do Acórdão n.º 555/2011, invocando-se o artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
3.º
Ora, esta disposição legal respeita ao pedido de esclarecimento e não de reforma.
4.º
O pedido de reforma de sentença está previsto no n.º 2 daquele artigo 669.º, quer na redacção actual do preceito (Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto), quer na anterior.
5.º
Sempre diremos, no entanto, que o douto Acórdão n.º 555/2011, que indeferiu a reclamação da Decisão Sumária n.º 548/2011, é perfeitamente claro e insusceptível de dúvida objectiva, quanto às razões que levaram ao não conhecimento do objecto do recurso.
6.º
Também nos parece evidente que não ocorreu qualquer lapso na determinação da norma aplicável, não se verificando, pois, os requisitos de que depende a reforma da sentença.
7.º
Pelo exposto, deve ser indeferido o que vem requerido.
(…)
3. Em decisão sobre a reclamação da Decisão Sumária elaborada nos presentes autos, veio a ser proferido acórdão do seguinte teor:
(…)
I. Relatório
1. A., melhor identificada nos autos, reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, da decisão sumária proferida pelo relator que decidiu não conhecer das questões de constitucionalidade apontadas no seu requerimento de interposição de recurso.
2. Refutando esta decisão de não conhecimento do objecto do recurso, assim argumentou a reclamante:
“(...)
A., recorrente, vem requerer que seja proferido acórdão pela conferência, em face do despacho liminar de rejeição do recurso, nos termos e com os seguintes fundamentos:
1 - O Exmo. Senhor Conselheiro Relator refere no despacho de rejeição liminar do recurso que a recorrente apresentou do acórdão do STJ de confirmação de outro da 2ª Instância de Évora, tirado no sentido de ser entregue o filho Flávio da reclamante para adopção, repete-se, refere o Exmo. Senhor Conselheiro Relator não ter sido alegada a norma inconstitucional que irá ser objecto da minuta e do pedido.
2 - Escreveu, pura e simplesmente “norma” e não nos disse nem diz o que é que quer que seja “norma”.
3 - Todavia, não é por isso que o despacho do Exmo. Conselheiro Relator não tem um sentido imediatamente apreensível.
4 - E vem-lhe do contexto da escrita.
5 - Pois também vem do contexto da escrita da recorrente qual é a norma que consta do requerimento de interposição de recurso e que terá tido uma interpretação viciosa de inconstitucionalidade, não obstante terem ficado escritos apenas os números dos artigos da lei, onde justamente toma forma essa crítica “norma”, onde vive e tem sentido unívoco como preceito de direito de família vigente.
6 - Com efeito, trata-se aqui de um caso humano lancinante: dois irmãos poderão ser separados para sempre por uma sentença judicial, mas um na mesma situação do outro, contudo de qualidades ambos e meios idênticos às do outro, na família paterna que é de cada um deles.
7 - E famílias paternas que querem promover o convívio fraterna presença da mãe, a recorrente, junto dos infantes.
8 - Mas o Tribunal da Relação de Évora, com confirmação do STJ, persistem no despacho de primeira instância de Flávio para a adopção com corte e esquecimento radical da família de origem; do irmão, desde logo.
9 - Irmão que beneficiou de decisão diferente, para que a prova continuasse e se pudesse, por fim, estimar da melhor solução, se de entrega à família do pai ou a candidato adoptante.
10 - Acontece que persistindo os Serviços na adopção das duas crianças e por fim obtido o momento inaugural da entrega confiante a terceiros no que diz respeito a Flávio, através do encadeado de sentenças de que foi interposto este recurso do acórdão do STJ, o certo é que o processo, no regresso parcial à primeira instância, só se orientou recentemente para a entrega de Leandro, o irmão mais velho, ao pai, porque foi o menor recebido pela Misericórdia de Lisboa, onde a Assistência Social passou, pelo contrário, a recomendar veementemente a imediata entrega da criança à família, elogiada no seu cuidado.
11 - Há pois mistérios em todo este caso... e não se compadecem por certo com a circunstância de poder ser enfrentado formalisticamente o problema do seguimento do recurso de constitucionalidade presente.
12 - Voltando do fio à meada, dizíamos mais acima que a norma a que foi dada interpretação inconstitucional pelas instâncias foi identificada nos supostos reitores da escrita do esclarecimento da solicitação ao recurso de constitucionalidade, requerimento mandado aperfeiçoar já no TC.
13 - E, com efeito o arco legislativo formado pelos preceitos da LPCEP expressamente citados diz respeito ao poder jurisdicional de confiar infante a terceiro, com vista à adopção e rotura do laço natural familiar.
14 - Por isso mesmo é que foi também citada a norma umbrela do art.º 1978 - A CC, que refere, em geral, a base normativa referida.
15 - Ora, o que as instâncias fizeram foi interpretar e aplicar esta base normativa sob o pressuposto de o Tribunal ter um poder discricionário, mesmo contra a solicitação da família (paterna, neste caso), sem qualquer intervalo.
16 - E intervalo que, no entender da recorrente, pelo contrário, deve ser preenchido pelo dado constitucional do reconhecimento como garantia ou liberdade fundamentais da pertença em cuidado à família natural que o juiz tem de respeitar.
17 - Daí a citação dos artºs. 1° e 2°, 18, 36/5 e 6, 67/1 e 2, 68/1 e 2 e 69/1 e 2 CRP: estado constitucional orientado á dignidade humana, com direitos fundamentais de aplicação imediata, reconhecendo o direito e o dever do cuidado dos filhos que não podem ser separados dos pais (salvo quando estes não cumpram os seu deveres para com eles) e em que a família é tida como elemento fundamental da sociedade, em ordem ao desenvolvimento integral das crianças.
18 - Logo, não procede a justificação do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator tanto mais que a subida do recurso nos próprios autos, lhe exige, como para com todo e qualquer acto de efeitos jurídicos, uma interpretação que leve em conta todos os elementos auxiliares que estão no processo e que a própria lei do TC convoca, ao exigir a indicação do recorrente do concreto lugar de escrita prévia do argumento de inconstitucionalidade que vai pretender fazer-se valer.
19 - Ora, todas as considerações que aqui ficaram feitas estão, por claro, e ordenadas, sem qualquer dúvida, na minuta do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora e depois no argumentário apresentado ao STJ.
(...)”.
3. O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional respondeu à reclamação, pugnando pelo seu indeferimento, nos termos que se transcrevem:
“(...)
1º
Porque o requerimento de interposição do recurso para este Tribunal Constitucional não obedecia, minimamente, aos requisitos que a lei exige (artigo 75.º-A, n.º 1, 2 e 3 da LTC), foi o recorrente notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6 da LTC.
2º
Ora, apesar da oportunidade dada à recorrente para suprir deficiências formais do requerimento, esta não cumpriu integralmente.
3.º
Como nos parece evidente, na resposta apresentada não se identifica, como era devido, a dimensão normativa cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada.
4.º
Assim, porque não se encontravam cumpridos os ónus processuais determinantes para que o Tribunal Constitucional pudesse tomar conhecimento do recurso, foi proferida a douta Decisão Sumária n.º 548/2011, que decidiu precisamente nesse sentido.
5.º
Na reclamação da Decisão Sumária, a recorrente nada diz de concreto sobre as razões processuais porque entende que se verificavam os pressupostos de admissibilidade do recurso.
6.º
Aliás, nessa mesma peça processual continua a não se identificar de forma minimamente clara, qual a dimensão normativa em causa, que continua, ainda agora, a ser desconhecida.
(...)”.
II. Fundamentação
5. A decisão reclamada tem o seguinte teor:
“(...)
1. A., melhor identificada nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Outubro de 2010, que negou provimento à revista interposta do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, na parte em que este determinou a confiança do menor Flávio Ivan a instituição com vista a futura adopção.
2. Dado que o requerimento de interposição do recurso – de fls. 1307 –, não continha as indicações exigidas pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º-A, da LTC, foi proferido, já neste Tribunal, o despacho-convite a que se refere n.º 5 do citado preceito, tendo a recorrente respondido nos termos que se transcrevem:
“(...)
- O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 70 da LTC.
- Normas inconstitucionais em estimativa do recurso são, na interpretação que lhes foi dada pelas instâncias:
-Artºs. 3.º/2, 4.º a), e), f), g), h), 34, 35/g), 114/1 da LPCJEP e art.º 1798 –A CC, por violação dos artºs 12-1,18, 36/5 e 6, 67/1 e 2, 68/1 e 2, 69/1 e 2 da CRP
- Esta inconstitucionalidade foi alegada tanto no recurso interposto para o Tribunal da Relação como no interposto para o STJ: Relação – conclusões F) a I). Supremo – conclusões K) e L).
(...)”.
3. O recurso foi admitido pelo tribunal a quo, sendo que tal decisão, em face do disposto no n.º 3 do artigo 76.º da LTC, não vincula o Tribunal Constitucional. Assim, uma vez que o presente caso se enquadra na hipótese delineada no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, passa a decidir-se nos termos e com os seguintes fundamentos.
4. O presente recurso vem interposto ao abrigo da norma do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.
Como é consabido, cabe à recorrente a delimitação do objecto do recurso em termos de indicar clara e adequadamente a norma cuja constitucionalidade deseja ver fiscalizada pelo tribunal, exigência esta expressamente referida no artigo 75.º-A, n.º 1, da LTC.
Na verdade, se é certo que, como este Tribunal tem reiterado, não existe qualquer impedimento a que, ao invés de se controverter a inconstitucionalidade de um preceito legal, se questione apenas um seu segmento ou uma determinada dimensão normativa (cf., entre a abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional, o Acórdão n.º 367/94 – publicado no DR II série, de 7 de Setembro de 1994), também não é menos exacto que, estando em causa a sindicância de um resultado metodológico inferido a partir das disposições legais, deve identificar-se, com precisão, a dimensão ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, não podendo tal identificação reduzir-se a uma mera referência à “interpretação dada”, numa ou mais decisões judiciais, a vários artigos de um diploma legal, sem o seu enunciado ou a sua indicação precisa, não bastando a afirmação de que se pretendem ver fiscalizadas a “aplicação e interpretação dos artigos” ou “a interpretação normativa atribuída pelos tribunais às normas”, sem que se concretizem minimamente as dimensões normativas relevantes para efeito do recurso de constitucionalidade.
Por decorrência dos princípios da autonomia das partes e da auto-responsabilidade processual, não pode essa norma deixar de ser definida pelo recorrente (cf. Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, p. 35), sendo essa definição imprescindível, quer para delimitar os poderes de cognição do Tribunal Constitucional, quer para lhe permitir verificar se estão ou não preenchidos os demais requisitos de admissibilidade do recurso interposto.
Nessa linha, não pode considerar-se que esse ónus seja cumprido quando o recorrente apenas indica pretender ver fiscalizada determinada interpretação normativa dada pelo tribunal a quo a determinados preceitos legais, sem definir, especificadamente, qual é a norma (dimensão normativa) que constitui objecto do recurso de constitucionalidade.
Ora, como é consabido, a identificação da norma, nos termos supra referidos, deve ser efectuada logo no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, uma vez que é aí que se delimita seu objecto. Sem embargo, quando o requerimento não contenha indicação da norma, ou das demais referências exigidas pelo artigo 75.º-A, da LTC, podem ainda as partes proceder a essa indicação na sequência do convite realizado ao abrigo do artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC.
Contudo, in casu, constata-se que a recorrente, mesmo após esse convite, não definiu de modo processualmente adequado quais as normas cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada(s). E, por essa razão, não podem considerar-se cumpridos os ónus processuais determinantes para que o Tribunal Constitucional possa tomar conhecimento do recurso.
5. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade.
(...)”.
6. A presente reclamação não logra abalar os fundamentos da decisão reclamada, que, desse modo, aqui se reiteram.
Como se transcreveu, a decisão posta em crise considerou que a recorrente não identificou a norma cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada porquanto, pretendendo sindicar a interpretação que foi dada pelas instâncias a um conjunto de preceitos, não fez constar do requerimento de interposição de recurso, nem do requerimento em que respondera ao convite formulado nos termos do artigo 75.º-A, da LTC, a concreta dimensão normativa que pretendia submeter a juízo de constitucionalidade.
Relativamente a uma questão análoga, decidiu-se no Acórdão n.º 93/2010, disponível em www.tribunalconstitucional.pt:
“(...)
No recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, o pedido é o de que seja julgado constitucionalmente válida ou inválida uma concreta norma.
Assim sendo, por decorrência dos princípios da autonomia das partes e da auto-responsabilidade processual, não pode essa norma deixar de ser definida pelo recorrente (cf. Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, p. 35).
É a ele que lhe cabe definir a pretensão cuja satisfação procura alcançar, para a situação concreta sob litígio, através da aplicação da norma constitucionalmente sindicada.
Deste modo, não cabendo ao Tribunal Constitucional definir o pedido, não pode igualmente determinar que norma o recorrente pretende ver apreciada.
Esse é, pois, um ónus que cabe ao recorrente satisfazer, num primeiro momento, no requerimento de interposição do recurso, de acordo com o disposto no artigo 75.º-A, n.º 1, da LTC, e, em ultima oportunidade, na resposta ao convite previsto nos n.ºs 5 e 6 do mesmo artigo.
Dizendo respeito à definição do objecto do recurso de constitucionalidade e não aos seus fundamentos, não tem pertinência a convocação das disposições do Código de Processo Civil respeitantes às alegações, suas deficiências e possibilidade de sanação.
A última oportunidade de suprimento do vício de falta de definição da norma constitucionalmente impugnada acontece na resposta ao convite acabado de precisar, momento no qual se limitou, porém, a repetir os termos do requerimento de interposição do recurso.
Ora, o recorrente foi convidado para o efeito, não lhe tendo dado satisfação. Assim sendo, não pode a reclamação ser atendida.
(…)”.
Ora, no caso dos autos, para além das explicitações constantes do citado aresto, transponíveis para o caso sub judicio, e das que integram os fundamentos da decisão sumária, há que acrescentar, como foi referido pelo representante do Ministério Público neste Tribunal, que a recorrente nem na presente reclamação refere de modo claro e perceptível qual a dimensão normativa que pretendia ver apreciada sub species constitutionis.
Por outro lado, acresce ao exposto que a exacta menção da norma, atenta a possibilidade de não existir uma exacta coincidência ou simetria entre a suscitação de uma questão de constitucionalidade e a norma que vem a ser aplicada, constitui uma condição indefectível para que o Tribunal possa verificar se os pressupostos do recurso se encontram preenchidos, designadamente no que tange com a idoneidade do seu objecto e com o seu carácter instrumental.
Nessa linha, não cabe ao Tribunal Constitucional substituir-se aos recorrentes no cumprimento de um ónus processual que lhes é imposto. E não se diga que se trata, in casu, de um encargo desproporcionado ou processualmente intolerável, porquanto a recorrente teve uma dupla oportunidade para o cumprir.
III. Decisão
7. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
(…).
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
4. A requerente pretende, segundo se alcança do seu requerimento, «… a reforma do acórdão nos termos do disposto no artigo 669º, n.º 1, a) do CPC …», com os fundamentos exarados no requerimento por si apresentado.
Dispõe-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 669.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 69.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, que:
« …
1. Pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença:
a) O esclarecimento ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos;
…».
Ora, da leitura do texto do requerimento apresentado pela requerente, não se vê a invocação de qualquer razão que importe a necessidade de prestação de esclarecimento ou demonstre que a decisão reformanda enferme de ambiguidade, o que determinaria, desde logo, a sua improcedência.
Todavia, sempre se dirá que o acórdão reformando é claro quer na sua decisão quer nos seus fundamentos, que aqui, de novo, se transcrevem, nas suas partes essenciais, para que não haja dúvidas quanto à sua clareza.
No acórdão em causa, deixou-se devidamente explicitado que:
(…)
… não é menos exacto que, estando em causa a sindicância de um resultado metodológico inferido a partir das disposições legais, deve identificar-se, com precisão, a dimensão ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, não podendo tal identificação reduzir-se a uma mera referência à “interpretação dada”, numa ou mais decisões judiciais, a vários artigos de um diploma legal, sem o seu enunciado ou a sua indicação precisa, não bastando a afirmação de que se pretendem ver fiscalizadas a “aplicação e interpretação dos artigos” ou “a interpretação normativa atribuída pelos tribunais às normas”, sem que se concretizem minimamente as dimensões normativas relevantes para efeito do recurso de constitucionalidade.
…
Nessa linha, não pode considerar-se que esse ónus seja cumprido quando o recorrente apenas indica pretender ver fiscalizada determinada interpretação normativa dada pelo tribunal a quo a determinados preceitos legais, sem definir, especificadamente, qual é a norma (dimensão normativa) que constitui objecto do recurso de constitucionalidade.
Ora, como é consabido, a identificação da norma, nos termos supra referidos, deve ser efectuada logo no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, uma vez que é aí que se delimita seu objecto.
…
Contudo, in casu, constata-se que a recorrente, mesmo após esse convite, não definiu de modo processualmente adequado quais as normas cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada(s). E, por essa razão, não podem considerar-se cumpridos os ónus processuais determinantes para que o Tribunal Constitucional possa tomar conhecimento do recurso.
…
Como se transcreveu, a decisão posta em crise considerou que a recorrente não identificou a norma cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada porquanto, pretendendo sindicar a interpretação que foi dada pelas instâncias a um conjunto de preceitos, não fez constar do requerimento de interposição de recurso, nem do requerimento em que respondera ao convite formulado nos termos do artigo 75.º-A, da LTC, a concreta dimensão normativa que pretendia submeter a juízo de constitucionalidade.
…
Ora, no caso dos autos, para além das explicitações constantes do citado aresto, transponíveis para o caso sub judicio, e das que integram os fundamentos da decisão sumária, há que acrescentar, como foi referido pelo representante do Ministério Público neste Tribunal, que a recorrente nem na presente reclamação refere de modo claro e perceptível qual a dimensão normativa que pretendia ver apreciada sub species constitutionis.
(...).
Do teor de tal acórdão não se vislumbra, inclusive, qualquer lapso que justifique sequer a sua reforma ao abrigo do disposto no n.º 2 do citado artigo 669.º do Código de Processo Civil.
Aliás, o que se depreende do pedido, ora, apresentado pela requerente é tão só uma manifestação de discordância com o decidido, o que, obviamente, não integra qualquer fundamento dos legalmente previstos e justificativos de qualquer reforma de acórdão, designadamente, o que foi proferido nos presentes autos.
Assim, face ao exposto, improcede a pretensão da requerente.
III. Decisão
5. Nos termos expostos, decide-se indeferir o pedido de reforma de acórdão.
Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) UCs.
Lisboa, 21 de Dezembro de 2011.- J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.