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Procº nº 654/92.
2ª Secção. Relator:- Consº BRAVO SERRA.
I
1. Nos autos de recurso contencioso interposto pelo A. visando o despacho de 13 de Janeiro de 1988 proferido pelo Secretário de Estado dos Transportes e Comunicações, foi, pela Subsecção da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, proferido acórdão através do qual se julgou deserto tal recurso.
2. Desse acórdão interpôs o A. recurso jurisdicional para o Pleno da 1ª Secção daquele Supremo Tribunal, tendo o Relator, a dado passo, exarado despacho ordenando a notificação do recorrente para, em dez dias, constituir advogado, sendo o seguinte o seu teor:
'Segundo o Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, o exercício da advocacia fica sempre condicionado à inscrição naquela Ordem (v. art 53, nº 1).
Ao ressalvar os direito adquiridos, o art. 74 do mesmo diploma contemplou os casos de pessoas que, então, exerciam a advocacia e, legalmente, deixaram de o poder fazer. Não é esse, que se mostre, o caso do recorrente.
Não há qualquer inconstitucionalidade pela obrigação daquela inscrição, visto que esta se destina a possibilitar a disciplina duma função com evidente incidência do interesse público.
Assim, notifique o recorrente para, em dez dias, constituir advogado.
.............................................'
3. De tal despacho reclamou o A. para a conferência, apresentando, para tanto requerimento onde, a dada altura, escreveu:
'.............................................
1-Posteriormente ao esclarecimento da questão prévia suscitada pelo Ministério Público, veio o recorrente com o requerimento de fls. e entrada no dia 22 de Março, lembrar da ilegalidade da Ordem dos Advogados ao suspender a sua inscrição como estagiário por este não se haver inscrito como advogado imediatamente após a conclusão do seu estágio, baseando-se, para tanto, no disposto no art. 6º do Regulamento de Inscrição dos Advogados e Advogados Estagiários, o qual se mostra ferido de inconstitucionalidade por ofensa ao estabelecido no art. 46º, nº 1 do art. 51º e nº 2 do art. 290º, todos da CRP, solicitando, por isso, que sendo o tribunal competente em razão da matéria e hierarquia, fosse declarada a nulidade da referida suspensão e em consequência lhe fosse devolvida a sua cédula profissional.
2-Pois bem: apesar do despacho reclamado ser conhecido em 16 de Abril p.p. a verdade é que o Exmo. Relator não se pronunciou sobre o pedido formulado a 22 de Março
Pelo exposto deve revogar-se a decisão contestada e conhecer-se da matéria arguida no requerimento complementar.....................
.............................................'
4. O Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, perante aquele requerimento, tirou, em 9 de Abril de 1992, acórdão por intermédio do qual indeferiu a reclamação.
Ali foi referido:
'.............................................
Apreciando a reclamação, constatamos que ela tem um único fundamento, o de que o despacho reclamado não se pronunciou sobre o requerimento apresentado pelo reclamante, a 22 de Março de 1992, ou seja, o que se encontra a fls. 141 dos autos.
Nesse requerimento são formulados dois pedidos: o de que se decrete a nulidade do acto, da Ordem dos Advogados, que suspendeu a inscrição do recorrente como estagiário; e o de que ('em consequência') se decrete a devolução da sua cédula profissional.
Como fundamento da reclamação dum despacho, essas razões reconduzir-se-ão à arguição da nulidade consistente em omissão de pronúncia.
No entanto, como bem salienta o Digno Magistrado do Ministério Público, não é este processo a sede adequada para se decretar a pretendida nulidade; apenas, caso a alegada ilegalidade existisse e fosse de conhecimento oficioso, seria oficiosamente tomada em conta, na medida em que isso fosse necessário para a decisão da questão que estava pendente e que o despacho reclamado decidiu, ou seja, a da necessidade ou desnecessidade de o recorrente, ora reclamante, constituir advogado. De qualquer modo, nunca, fosse a que título fosse, neste processo (nem em qualquer recurso contencioso) poderia ser ordenada a devolução da cédula profissional.
O requerente fundamentou o pedido de declaração de nulidade do acto que suspendeu a sua inscrição no facto de ter direitos adquiridos e na violação da Constituição (violação que já invocara antes, quando ouvido sobre a necessidade de constituir advogado).
Ora, o despacho reclamado aprecia os dois aspectos; considera que a ressalva dos direitos não se refere ao caso do recorrente; e que não há qualquer inconstitucionalidade na exigência de inscrição na Ordem dos Advogados.
Foi em virtude da solução que deu a essas duas questões que ordenou a notificação do reclamante para constituir advogado.
As questões foram, portanto, consideradas na medida em que tinham que o ser, para a decisão da questão que o despacho se propunha resolver; não houve, assim, quanto a essas matérias, qualquer omissão de pronúncia.
Quanto ao pedido de devolução da cédula profissional, não era admissível qualquer pronúncia, a não ser a que consistisse na declaração de que esse pedido não podia ser conhecido; mas, com esse âmbito, a necessidade ou conveniência da declaração ficara prejudicada pelas conclusões anteriores, que apontavam claramente no sentido de não haver fundamento para qualquer devolução.
A reclamação não aponta validamente, portanto, qualquer nulidade ou ilegalidade do despacho reclamado.
.............................................'
5. Notificado do acórdão de que parte se encontra acima transcrita, o A. atravessou requerimento através do qual dele pretendeu recorrer para o Tribunal Constitucional, dizendo aí:
'A., melhor identificado nos autos acima referenciados, não se conformando com a decisão de fls. 154 e que negou reconhecer a inconformidade constitucional das normas arguidas nos requerimentos de fls. 108, 141 e 144, as quais afrontam, designadamente os termos dos arts. 20º, 13º, 18º, 46º, nº 1 do art. 51º e nº 2 do art. 290º, todos da Lei fundamental, vedando, por um lado o acesso ao direito, fazendo discriminação entre determinada classe de cidadãos e não permite a liberdade de participação em associações de classe, em ordem ao que, de harmonia com as disposições da al. B) do nº 1 do art. 70º e nº 3 do art. 80º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com as redacções seguidamente introduzidas, vem interpor recurso de fiscalização concreta para o Tribunal Constitucional.
.............................................'
6. Perante esse requerimento, o Conselheiro Relator do S.T.A. exarou o seguinte despacho:
'O recorrente interpõe, a fls 159, recurso, para o Tribunal Constitucional, do Acórdão de fls 154, com o fundamento de que essa decisão negou reconhecer a inconformidade constitucional de determinadas normas.
As normas invocadas pelo recorrente como violadas, apontam, no seu entender, no sentido de poder advogar em causa própria.
Foi o despacho de fls 142 que decidiu o contrário e, quanto a esse aspecto, transitou em julgado.
A reclamação desse despacho, julgado pelo Acórdão agora recorrido, não atacou esse aspecto; apenas pretendia que se declarasse a nulidade do acto, da Ordem dos Advogados, que suspendera a inscrição do recorrente como estagiário; e que se decretasse a devolução da sua cédula profissional; o que o Acórdão, agora recorrido, decidiu, foi tão só que esses aspectos ou foram apreciados, ou não tinham que o ser; nada se decidiu quanto à questão resolvida pelo despacho então reclamado porque, nesse domínio e como atrás se diz, houve trânsito em julgado.
Por o Acórdão recorrido não decidir sobre qualquer das matérias referidas no nº 1 do art 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, não recebo o recurso interposto a fls 159.
.............................................'
7. Este despacho motivou o A. a apresentar reclamação para este Tribunal na qual, em síntese, defendeu:
- que ele, reclamante, em requerimentos anteriores ao despacho do Relator do S.T.A. (acima transcrito em 2.) arguiu a inconstitucionalidade do artº 53º do Estatuto da Ordem dos Advogados e do Regulamento de Inscrição de Advogados e Candidatos à Advocacia;
- que, não obstante, aquele mesmo despacho 'não conheceu das inconstitucionalidades observadas' o que motivou a dedução de reclamação para a conferência;
- que no acórdão então tirado foi sustentado o despacho reclamado, não se atendendo 'à suscitação das inconstitucionalidades referenciadas';
- isso, porém, não significa que 'o despacho reclamado transitou em julgado';
- que, '[r]ecusando-se as duas instâncias a decretar a inconstitucionalização das normas consideradas, não pode o Tribunal a quo negar a admissão do recurso de fiscalização concreta para o Venerando Tribunal Constitucional, sob pena de atentar contra as disposições do nº 3 do art. 80º da LOTC e contender com o estabelecido nos arts. 2º, 20º e 206º da CRP'.
8. Submetidos os autos à conferência nos termos e para os efeitos do nº 3 do artº 688º do Código de Processo Civil, foi mantido o despacho ora em reclamação.
Na parte que releva, foi referido no acórdão então proferido:
'.............................................
A questão de inconstitucionalidade que o recorrente vem suscitando
(obrigação de inscrição na Ordem dos Advogados, para exercício da advocacia) foi resolvida no despacho de fls. 142 (...).
Tal como no despacho agora sob reclamação foi considerado, o Acórdão de que o recorrente interpõe o recurso para o Tribunal Constitucional não conheceu de qualquer incostitucionalidade, mas unicamente duma arguida omissão de pronúncia.
O Tribunal Constitucional, se apreciasse o Acórdão de que o recorrente pretende recorrer, nunca poderia conhecer dos aspectos que o recorrente pretende ver discutidos. Não há qualquer obstaculização ao direito a recurso, visto que foi o recorrente que não interpôs recurso da decisão que conheceu da suscitada inconstitucionalidade.
Não incorreu, assim, o despacho reclamado em qualquer ilegalidade.
.............................................'
9. O Ex.mo Representante do Ministério Público neste Tribunal exarou parecer no qual propugnou pelo indeferimento da presente reclamação.
II
1. Conforme se extrai do relato supra efectuado, o recurso pretendido interpor pelo ora reclamante funda-se na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Como deflui daquela disposição legal e, também, da alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição, um tal recurso, tem como pressuposto, desde logo, a aplicação, na decisão recorrida, de norma cuja desconformidade com a Lei Fundamental tenha sido suscitada durante o processo.
2. Mesmo admitindo que o reclamante, designadamente com os requerimentos apresentados no S.T.A em 22 de Março de 1991 e 30 de Abril do mesmo ano (o primeiro referido no segundo e este acima transcrito), tenha suscitado a inconstitucionalidade das normas constantes dos artº 53º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados (e, porventura, também do artº 6º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários) - questão que se não apresenta perfeitamente líquida mas para cuja resolução, o Tribunal não necessita de entrar - o que não suscita qualquer dúvida é que a decisão judicial de que o reclamante pretendeu recorrer para este Tribunal, ou seja, o acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo em 9 de Abril de 1992, atrás parcialmente transcrito, não fez aplicação de qualquer daqueles normativos como suporte do juízo decisório nele ínsito.
Na verdade, aquele aresto limitou-se a apreciar o despacho reclamado do Relator e que pelo agora reclamante era tão só, na reclamação que dirigiu à conferência, arguido como enfermando de omissão de pronúncia.
Concluindo o acórdão do Pleno que tal despacho não padecia do vício que lhe era assacado no requerimento de reclamação para a conferência, apresenta-se límpido que o mesmo não aplicou qualquer das normas cuja inconstitucionalidade - (concede-se) - teria sido suscitada pelo reclamante.
3. Isso basta para que no caso sub specie se tenha de convir que falta um dos requisitos condicionadores do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, justamente, como se disse já, aquele que consiste na aplicação, na decisão pretendida recorrer, de norma cuja desconformidade constitucional haja sido suscitada durante o processo.
III
Termos em que se indefere a presente reclamação, condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta.
Lisboa, 30 de Março de 1993
Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida Mário de Brito José Manuel Cardoso da Costa