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Proc. Nº 216/93 Sec. 1ª Rel. Cons. Vítor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. - A., B. e C. foram autuados no dia 7 de Setembro de
1990, pela prática da infracção prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 88º e 107º do Código do Imposto de Complementar, por, tendo auferido durante o ano de 1986 o rendimento constante do verbete de fls. 4, não apresentaram, até à data da autuação, a declaração do modelo 6.
No Tribunal Tributário de 1ª instância veio a ser proferida uma sentença que determinou o arquivamento parcial dos autos, com fundamento na extinção do procedimento judicial, por prescrição, por se ter entendido que era aplicável ao caso o prazo de prescrição de 1 ano, norma mais favorável, constante do artigo 27º do Decreto-Lei nº 433/82, de 11 de Setembro, aplicável por força do preceituado no artigo 4º, nº 2, do Decreto-Lei nº
20-A/90, de 15 de Janeiro, e também do artigo 2º, nº 4, do Código Penal, tendo em atenção o disposto no artigo 126º deste Código, afastando-se assim o prazo de prescrição de 5 anos fixado quer no artigo 115º do Código do Processo das Contribuições e Impostos (C.P.C.I.), quer no artigo 35º do Decreto-Lei nº
154/91, de 23 de Abril, que aprovou e pôs em vigor o novo Código do Processo Tributário. Quanto ao restante da autuação, a decisão condenou os arguidos no pagamento do imposto em falta e nos juros compensatórios, cujos montantes liquida..
2. - Desta decisão interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA) o representante da Fazenda Nacional.
No STA foi a questão resolvida através de acórdão de 3 de Fevereiro de 1993 que negou provimento ao recurso por entender que são inconstitucionais as normas dos artigos 2º e 5º nº 2, do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, que aprova o novo Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras interpretadas no sentido de impedir a aplicação desse novo regime às infracções praticadas antes da sua entrada em vigor, embora ele seja mais favorável ao arguido.
Desta decisão interpôs o representante do Ministério Público junto do STA recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC - Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro).
Neste Tribunal, o Procurador-Geral Adjunto concluiu as suas alegações da forma que passa a transcrever-se:
'1º - São materialmente inconstitucionais, por violação do artigo 29º, nº 4, da Constituição, as normas constantes dos artigos 2º e 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº
20-A/90, de 15 de Janeiro, enquanto obstam à aplicação retroactiva de lei sancionatória mais favorável;
2º - Termos em que deve ser confirmada a decisão recorrida, na parte impugnada.'
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTOS
3. - A questão que vem posta ao Tribunal é a de saber se os artigos 2º e 5º, nº 2, do Decreto-lei nº 20-A/90 de 15 de Janeiro, na interpretação atrás mencionada, são inconstitucionais por violarem o nº 4 do artigo 29º da CRP.
As normas em apreço têm o seguinte teor:
Artigo 2º
Início da eficácia temporal
As normas, ainda que de natureza processual, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras só se aplicam a factos praticados posteriormente à entrada em vigor de presente diploma.
Artigo 5º
Âmbito da revogação
....................................................
2 - Mantêm-se em vigor as normas de direito contravencional anterior até que haja decisão, com trânsito em julgado, sobre as transgressões praticadas até à data da entrada em vigor do presente diploma.
A norma considerada violada - nº 4 do artigo 29º da CRP
- tem o seguinte teor:
'Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.'
A matéria a que se reporta o presente processo foi já objecto de apreciação neste Tribunal, o qual, pelo Acórdão nº 227/92, in D.R.,II série, de 12 de Setembro de 1992, julgou inconstitucionais as normas dos artigos
2º e 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro por violação do artigo 29º, nº 4, da Constituição da República. E pode dizer-se desde já que não foram trazidos aos autos novos argumentos susceptíveis de levar a uma modificação do sentido daquela decisão.
4. - Com efeito, retomando a fundamentação do Acórdão nº
227/92, o princípio da aplicação retroactiva da lei penal de conteúdo mais favorável apenas se encontra formulado para o domínio penal. No entanto, há-de valer também no domínio do ilícito de mera ordenação social, pelo menos quanto a elementos tão caracterizadores do direito sancionatório como são os que dizem respeito à prescrição e consequente extinção do procedimento judicial, isto tendo em atenção a razão de ser daquele princípio.
No caso dos autos discute-se a questão da aplicabilidade do novo Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, a factos praticados antes da sua entrada em vigor.
Aquele novo Regime Jurídico passou, por um lado, a criminalizar certas condutas lesivas dos interesses da Fazenda Nacional - os crimes fiscais dos artigos 23º a 27º - e, por outro lado, desgraduou em contra-ordenações as restantes transgressões fiscais, quer através da tipificação das respectivas condutas (caso dos artigos 28º a 40º), quer pela equiparação das restantes a contra-ordenações, ao prescrever a sua submissão ao regime destas (cfr. artigo 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 20-A/90).
Estabeleceu, porém, a aplicação das suas normas apenas aos factos criminais ou contra-ordenacionais praticados após a sua entrada em vigor. Consequentemente, os factos anteriormente ocorridos deveriam continuar a ser apreciados e julgados de acordo com as normas em vigor na data da respectiva prática, independentemente de o regime nelas contido ser menos favorável do que aquele que se instituía para o futuro.
As normas desaplicadas no acórdão recorrido com fundamento na respectiva inconstitucionalidade são precisamente aquelas que impediam a aplicação retroactiva do novo Regime na parte mais favorável ao infractor. Ora, sendo assim, a decisão sobre a questão de constitucionalidade não suscita qualquer juízo de censura.
III - DECISÃO
Nos termos que ficam expostos, o Tribunal decide julgar inconstitucionais, por violação do nº 4, do artigo 29º da Constituição, dos artigos 2º e 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, enquanto interpretados no sentido de impedir a aplicação da nova lei, ainda que mais favorável, às infracções que o Regime Jurídico, aprovado por aquele diploma, desgraduou em contra-ordenações e, em consequência, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Lisboa,1994.01.20
Vítor Nunes de Almeida
Maria da Assunção Esteves
Antero Alves Monteiro Dinis
Armindo Ribeiro Mendes
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
José Manuel Cardoso da Costa