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Processo n.º 627/2007
Plenário
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que é recorrente A., através do seu acórdão n.º 351/2011, proferido em 12.07.2011, o Tribunal Constitucional decidiu negar provimento ao recurso de constitucionalidade interposto.
Inconformado, veio A. dessa decisão interpor recurso para o Plenário, nos termos do disposto no artigo 79.º-D, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC).
Foi então proferido pela relatora despacho do seguinte teor:
Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-B da LTC, indefere-se o requerido.
Com efeito, o recurso para o Plenário a que se refere o artigo 79.º-D da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe que sobre a mesma norma tenha havido juízos divergentes por qualquer das secções do Tribunal.
Ora, os acórdãos-fundamento indicados pelo recorrente têm por objeto normas distintas das que foram apreciadas no âmbito dos presentes autos, sendo irrelevante, para efeitos de verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso para o Plenário, eventuais semelhanças entre as mesmas.
Notifique imediatamente.
2. Notificado desse despacho, A. veio reclamar para o Plenário, com os seguintes fundamentos:
A., recorrente no processo indicado, reclama para o Plenário do despacho que não admitiu o recurso que interpusera ao abrigo do disposto no art. 79º?D, nº 1, da LTC, fazendo?o nos termos e com os seguintes fundamentos:
O recurso baseou-se no facto de haver divergência entre o decidido no acórdão recorrido e no acórdão nº 516/03.
Outro ponto de divergência surpreende-se no confronto do acórdão impugnado com o acórdão nº 329/91.
No despacho reclamado diz?se que se indefere o requerido porque os acórdãos?fundamento indicados pelo recorrente têm por objeto normas distintas das que foram apreciadas no âmbito dos presentes autos, sendo irrelevante, para efeitos de verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso para o Plenário, eventuais semelhanças entre as mesmas.
Não pode concordar-se com o indeferimento.
No acórdão recorrido julgou-se que as normas contidas nos arts. 202º e 203º do EMP, interpretados e aplicados no sentido de o relatório elaborado no fim da instrução do processo disciplinar não deve ser notificado ao arguido, não violam os arts. 2º, 20º, 32º, nº 10, e 269º, nº 3, todos da Constituição.
A questão de constitucionalidade é a mesma que foi decidida no acórdão nº 516/03, em que se julgou inconstitucional o art. 122º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na referida interpretação.
E refira-se que nem é caso de semelhança de normas. Trata-se da mesma norma inserida em diferentes diplomas legais. De facto, se nos reportarmos ao tempo de vigência do velho Estatuto Judiciário, em que o órgão disciplinar existente era comum às duas magistraturas, fácil é verificar que as normas em causa constavam de um único texto. Portanto, as normas são as mesmas e são aplicáveis em situações idênticas. A única diferença que se vislumbra reside no facto de serem interpretadas e aplicadas por diferentes órgãos disciplinares, o que no caso é irrelevante.
Vejamos a outra questão. O acórdão não conheceu da inconstitucionalidade arguida na al. g) do requerimento de interposição de recurso por entender que as normas indicadas não haviam sido aplicadas pela decisão recorrida.
Verifica-se que o tribunal “a quo” afastou a aplicação de tais normas na interpretação arguida de inconstitucional.
No acórdão nº 329/91, pelo contrário, julgou-se que o tribunal recorrido, numa situação idêntica, havia aplicado a norma arguida de inconstitucional, na sua vertente negativa, ao dizer que ela não era aplicável ao caso, “não havendo nenhuma razão, digo contradição, em dizer?se que, ao julgar inaplicável à situação do réu tal norma, o acórdão recorrido fez dela aplicação”.
Tem sido esta a orientação do Tribunal Constitucional. No acórdão nº 318/90 afirmou?se que, demonstrado que o tribunal recorrido podia e devia conhecer da inconstitucionalidade suscitada, o não conhecimento por parte daquele tribunal deve ser considerado como equivalendo a aplicação implícita da norma, para efeito de recurso de constitucionalidade. No mesmo sentido se decidiu no acórdão nº 176/88.
E referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anot., 4ª ed., vol. II, 2010, p. 949, depois de advertirem que não é necessário que a norma seja aplicada expressamente, bastando a aplicação implícita: “Também são recorríveis decisões que tenham interpretado uma norma num sentido arguido de inconstitucional pelo recorrente, de modo a excluí-la do âmbito da aplicação da norma, pois nesse caso o tribunal ‘aplica’ (embora de forma negativa) a norma na parte impugnada”.
Deve aqui ter-se por referência o acórdão nº 224/05, que admitiu tomar conhecimento de reclamação para a conferência de decisão sumária em que não se tomou conhecimento da inconstitucionalidade, reclamação que foi apreciada pelo Plenário, tendo?se convertido em recurso para uniformização de jurisprudência, em que a questão da admissibilidade nem sequer foi aflorada.
Nestes termos, conclui?se que se verificam os pressupostos legais, pelo que deve:
a) deferir-se a reclamação; e
b) revogar-se e substituir-se o despacho reclamado por outro que admita o recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. No despacho reclamado decidiu-se não admitir o recurso interposto pelo recorrente para o Plenário do Tribunal Constitucional do acórdão n.º 351/2011, proferido em 12.07.2011, através do qual o Tribunal Constitucional decidira negar provimento ao recurso de constitucionalidade interposto.
O fundamento oferecido pelo despacho reclamado para a não admissão do recurso é o da falta de verificação dos pressupostos de admissibilidade do mesmo, designadamente o de sobre a mesma norma ter havido juízos divergentes por qualquer das secções do Tribunal.
Na sua reclamação, o reclamante contesta tal entendimento.
Em primeiro lugar, afirma o reclamante que uma das questões apreciadas pelo acórdão recorrido – as normas contidas nos artigos 202.º e 203.º do Estatuto do Ministério Público, interpretados e aplicados no sentido de o relatório elaborado no fim da instrução do processo disciplinar não dever ser notificado ao arguido – havia sido já apreciada, em sentido divergente, pelo acórdão n.º 516/03.
Em segundo lugar, sustenta o reclamante que, ao decidir não conhecer da inconstitucionalidade arguida na alínea g) do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, com fundamento em não terem as normas aí indicadas sido aplicadas pela decisão recorrida, o acórdão n.º 351/2011 estaria em contradição com o decidido no acórdão n.º 329/91.
Não tem razão o reclamante.
3.1. No que respeita à primeira questão, argumenta o reclamante – na tentativa de demonstrar a identidade de objeto entre os dois arestos – que se trata em qualquer deles da mesma norma, ainda que inserida em diferentes diplomas legais.
Não tem razão o reclamante, pois, como se decidiu no despacho reclamado, é legalmente exigível, para efeitos da verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso para o Plenário, tal como estabelecidos no n.º 1 do artigo 79.º-D da LTC, uma divergência de juízos relativamente à mesma norma, o que, por sua vez, pressupõe uma identidade de objeto.
Ora, no Acórdão nº 516/2003 decidiu o Tribunal julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, a norma do artigo 122.º do Estatuto dos magistrados Judiciais, na interpretação segundo a qual não impõe a comunicação ao arguido do relatório final do instrutor, quando a notificação da acusação do arguido não tenha incluído a indicação das normas tidas por violadas e a natureza da pena que lhe é aplicável, e a decisão final seja no mesmo sentido deste relatório.
Diversamente, no Acórdão n.º 351/2011 o Tribunal decidiu não julgar inconstitucional a norma resultante da leitura conjugada dos artigos 202.º e 203.º do Estatuto do Ministério Público, interpretada no sentido de o relatório elaborado no fim da instrução do processo disciplinar não dever ser notificada ao arguido antes da decisão final.
É assim claro, conforme se disse no ponto 6 da fundamentação do Acórdão n.º 351/2011, que não existe identidade entre a norma que nele esteve em juízo e aquela outra que foi julgada inconstitucional no Acórdão n.º 516/2003.
Tanto basta para que se conclua que se não encontram, in casu e quanto a esta questão, reunidos os pressupostos de admissão do recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, nos termos do disposto pelo artigo 79.º-D da Lei nº 28/82, de 15 de novembro.
3.2. No que respeita à segunda questão, é manifesto que o que o reclamante verdadeiramente pretende controverter é o juízo concretamente efetuado sobre a não verificação do pressuposto de efetiva aplicação pela decisão recorrida (proferida pelo Tribunal a quo) da norma questionada.
Com efeito, os arestos que invoca têm em comum o facto de neles se ter entendido que as normas neles apreciadas haviam sido implicitamente aplicadas pelas decisões recorridas, pelo que seria ainda de considerar verificado esse pressuposto de admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
Sucede que o poder jurisdicional para apreciar tal questão se esgotou com a prolação do acórdão n.º 351/2011.
Para que o Tribunal, em sede de recurso para o Plenário, pudesse reapreciar tal questão seria necessário que se verificasse uma divergência de juízos relativamente a uma mesma norma, o que, relativamente a esta segunda questão, não é sequer alegado muito menos demonstrado pelo reclamante.
III – Decisão
4. Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando o despacho reclamado.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 17 de janeiro de 2012.- Maria Lúcia Amaral – J. Cunha Barbosa – Maria João Antunes – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão – João Cura Mariano – Ana Maria Guerra Martins – Catarina Sarmento e Castro – Joaquim de Sousa Ribeiro – Vítor Gomes – Carlos Pamplona de Oliveira – Rui Manuel Moura Ramos.