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Processo n.º 476/11
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, foi interposto recurso pelo Ministério Público, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 e dos artigos 70º, n.º 1, alínea a), e 72º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, do despacho saneador proferido pelo Juiz do Juízo de Execução de Águeda, da Comarca do Baixo Vouga, em 24 de março de 2010 (fls. 56 a 58) que desaplicou a norma extraída do n.º 1 do artigo 814º do Código de Processo Civil (CPC), de acordo com a redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, por violação do principio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP), fundando-se no Acórdão n.º 658/2006, do Tribunal Constitucional.
2. Notificado para tal pela Relatora, o Ministério Público produziu as seguintes alegações:
“(…)
II. Questão prévia
a) A “Oposição à execução”
4. O presente recurso de inconstitucionalidade foi interposto para “s[ubir] imediatamente (…) (fls. 64).
5. Porém, o despacho de 29 de abril de 2010, que recebeu o recurso, ditou que o mesmo “subirá a final (…)” (fls. 68).
Em conformidade, além do mais, designou data para realização da audiência de julgamento (idem).
6. Prosseguiram, pois, os legais trâmites da instância.
Assim, no dia 10 de fevereiro de 2011, teve lugar a audiência de julgamento e foram entregues as respostas (fls. 120 e 121 e 125).
Finalmente, em 16 de março de 2001, foi ditada sentença nos autos (fls. 122 a 124).
7. Ora, na sua “Oposição à execução”, a executada, no que ao caso interessa, deduziu defesa por exceção ? concretamente a exceção perentória do pagamento da quantia exequenda (fls. 9, art. 35.º).
Do que se trata, no fundo, é da dedução de oposição nos termos do artigo 816.º (Fundamentos de oposição à execução baseada noutro título) do Código de Processo Civil. Extravasando, pois, do quadro dos fundamentos de defesa previstos no artigo 814.º (Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença) daquele diploma legal.
8. Do relatório da dita decisão consta “Foi proferido despacho saneador onde se decidiu pela improcedência da exceção perentória da prescrição, decisão essa já transitada em julgado” (fls. 126).
Assim, de imediato procedeu para conhecer da dita “exceção do pagamento da quantia exequenda” (fls. 126, questão de facto, e 128, questão de direito).
Concluiu, no dispositivo, “julg[ando] improcedente a oposição à execução deduzida” (fls. 128).
b) Idem: “inutilidade” da questão de constitucionalidade
9. Ora, como é sua jurisprudência constante, “(…) o Tribunal Constitucional apenas julga, em sede de fiscalização concreta, no uso da competência que lhe é atribuída pela alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, recursos de decisões que tenham recusado com fundamento em inconstitucionalidade a aplicação de uma norma, quando esse julgamento tenha, em face da natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, a virtualidade de produzir efeitos úteis no processo.
Na verdade, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade dispõe de uma peculiar natureza incidental e desempenha uma função instrumental em termos de o conhecimento das questões de constitucionalidade só ser devido nos casos em que a decisão a tomar possa interferir utilmente no julgamento da questão concreta, pois, de contrário, estar-se-ia a decidir uma pura questão teórica ou académica”.
10. Tal doutrina é, de pleno, válida para o caso dos autos. Sendo este um desses casos em que, qualquer que seja o sentido da decisão, a mesma não produzirá “efeitos úteis” no processo a quo.
11. Na verdade, em caso positivo, que julgue inconstitucional a norma do artigo 814.º (Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença) do CPC, o julgado é confirmado na íntegra. Pois que desaplicou a mesma e aplicou, implicitamente, o regime do artigo 816.º do CPC (Fundamentos de oposição à execução baseada noutro título), que prevê fundamentos de oposição que acrescem aos enumerados naquela primeira. E concluiu pela improcedência da defesa contra a pretensão, subjacente ao requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, que assim produzirá o seu efeito executivo típico.
Do mesmo modo, em caso negativo, que não julgue inconstitucional a norma controvertida, paralisada a exceção perentória que a embargava, ficará restabelecida a força executória típica do requerimento de injunção.
12. Portanto, seja qual for o sentido da decisão sobre a “questão de constitucionalidade”, a mesma não terá a virtualidade de determinar a alteração do efeito jurídico e prático do julgado recorrido ? o (pleno) efeito executório do requerimento de injunção.
Sendo certo que, com a decisão de não conhecimento, mais se promoverá o princípio da “economia processual”.” (fls. 139 a 142).
3. Devidamente notificada para o efeito, a recorrida deixou expirar o prazo legal, sem que viessem aos autos apresentar qualquer resposta.
Assim sendo, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Apesar de o recorrente ter requerido que o recurso obrigatório interposto subisse de imediato (fls. 64), o tribunal recorrido viria a considerar que o mesmo apenas deveria subir, diferidamente, após recurso da decisão proferida a final, por aplicação dos artigos 922º-A e 922º-B, n.º 3, ambos do CPC, por aplicação do n.º 1 do artigo 78º da LTC (fls. 68), na medida em que se tratava de mero despacho interlocutório.
Independentemente da bondade desta decisão – que não cabe a este Tribunal, neste momento, apreciar – tem razão o Procurador-Geral Adjunto a exercer funções junto deste Tribunal quando afirma que a prolação de decisão final sobre a oposição à execução esvaziou de sentido qualquer decisão de fundo sobre a questão da inconstitucionalidade normativa que constitui objeto do presente recurso.
Com efeito, se este Tribunal viesse a confirmar o juízo de inconstitucionalidade acolhido no despacho saneador, a realidade jurídico-processual permaneceria intocada, visto que o tribunal recorrido, tendo admitido a dedução de oposição à execução, ao abrigo do artigo 816º do CPC, acabou por julgá-la improcedente, com fundamentos distintos. Por outro lado, caso este Tribunal não viesse a julgar inconstitucional a norma constante do artigo 814º do CPC, o efeito jurídico da decisão seria idêntico, na medida em que sempre se verificaria a improcedência da oposição à execução, por ser inadmissível a invocação de fundamentos distintos dos elencados no n.º 1 daquele preceito legal.
Em suma, qualquer que fosse a decisão tomada por este Tribunal, o tribunal recorrido manteria sempre decisão desfavorável à pretensão deduzida pela executada, pelo que o julgamento do presente recurso carece de qualquer utilidade processual. Assim sendo, e na sequência da jurisprudência consolidada neste Tribunal (ver Acórdão n.º 489/09, disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), não se deve conhecer do objeto do presente recurso.
III – Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se não conhecer do objeto do presente recurso.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 8 de fevereiro de 2012.- Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.