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Proc. nº 2/92 Plenário Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:
I
1. - O Procurador-Geral da República requereu, em 6 de Janeiro de 1992, a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do nº 1 do art. 12º do Decreto-Lei nº
74/78, de 18 de Abril, ao abrigo do disposto no art. 281º, nº 1, alínea a), e nº
2, alínea e), da Constituição da República Portuguesa.
Fundamentou o seu pedido nos seguintes termos:
- O Decreto-Lei nº 48.359, de 27 de Abril de 1968, diploma que promulgou o novo regime de concessão da assistência aos funcionários civis tuberculosos e seus familiares, dispõe que o tempo que os funcionários assistidos estiverem totalmente dispensados do serviço não é contado para o efeito de antiguidade nas respectivas listas, nem como de 'serviço efectivo' quando a lei o exigir para efeitos de promoção ou de concurso [art. 16º, alínea a)];
- Posteriormente, o Decreto-Lei nº 89/77, de 8 de Março - diploma que revogou expressamente a Lei nº 2109, de 24 de Maio de 1961, a qual estabeleceu o regime do afastamento escolar profiláctico em virtude de doenças infecto-contagiosas, entre as quais não se incluía a tuberculose pulmonar - veio permitir o afastamento temporário da frequência escolar e demais actividades desenvolvidas nos estabelecimentos de ensino dos alunos, pessoal docente, administrativo e auxiliar, quando atingidos por doenças transmissíveis, entre estas últimas se contando a tuberculose pulmonar [art. 1º, alínea p)]. O período de afastamento dos indivíduos atingidos por esta doença durará até à apresentação de documento comprovativo de ausência de risco de contágio passado pelos serviços oficiais competentes [art. 3º, alínea p)];
- Sobre o regime desse afastamento, estabelece o art. 9º do Decreto-Lei nº
89/77 que 'não são consideradas para quaisquer efeitos as faltas dadas por motivo de afastamento obrigatório previsto neste decreto-lei'. Verifica-se, assim, deste art. 9º que, com um âmbito de aplicação claramente dirigido ao futuro, as faltas em causa passaram a não ser consideradas para quaisquer efeitos, ou seja, o correspondente tempo passou a ser considerado como de
'serviço efectivo';
- No ano seguinte, o Decreto-Lei nº 74/78, de 18 de Abril, (rectificado na I Série do Diário da República, nº 109, de 12 de Maio de 1978, e alterado, por ratificação, pela Lei nº 56/78, de 27 de Julho) - diploma que estabeleceu as normas relativas ao regime de fases da carreira profissional dos professores efectivos dos ensinos primário, preparatório e secundário - determinou que a carreira profissional dos professores efectivos do ensino primário (entre outros) é expressa pelo acesso progressivo às fases previstas no Decreto-Lei nº
290/75, de 14 de Junho (art. 1º), sendo a prestação de bom e efectivo serviço requisito fundamental para o ingresso nas diferentes fases (arts 4º, 5º e 6º). Por isso, a contagem do tempo de serviço assume particular relevância para esses docentes;
- De harmonia com o art. 7º do Decreto-Lei nº 74/78, o tempo de serviço referido nos arts. 4º, 5º e 6º é contado dia a dia, até perfazer o respectivo número de anos (nº 1), mas ao cômputo final 'são descontados os dias de faltas dadas, a qualquer título, pelo professor' (nº 2), com excepção, entre outras, das faltas dadas por motivo de evicção escolar [nº 3, alínea e)];
- A norma, cuja constitucionalidade é impugnada dispõe que 'a contagem de tempo de serviço prestado anteriormente a 7 de Maio de 1976 é feita com base na legislação então em vigor e produz todos os efeitos dela decorrentes' (art. 12º, nº 1, do Decreto-Lei nº 74/78);
- Por força desta norma, um docente do ensino primário, afastado do serviço por motivo de tuberculose em período anterior a 7 de Maio de 1976, ficará sujeito ao regime do Decreto-Lei nº 48359, consequentemente não contando como tempo de serviço efectivo o período de afastamento. Tal acarreta que, perante um concurso de efectivação ou na atribuição de fases, dois professores com igual tempo de afastamento compulsivo do serviço por motivo de doença infecto - contagiosa serão tratados de forma diferente, consoante a situação de doença se tenha verificado antes ou depois de 7 de Maio de 1976;
- Tal desigualdade de tratamento não se afigura constitucionalmente legítima, por não assentar em fundamento razoável. Valem quanto à mesma as considerações acolhidas pelo Tribunal Constitucional nos seus Acórdãos nºs 203/86 e 12/88, nomeadamente a de que 'o motivo da diferenciação de tratamento normativo é assim simples razão de data, ao acaso escolhido, e, porque de todo em todo arbitrário, insusceptível de postular a diferenciação constante daqueles dois quadros normativos' e a de que 'a identificação deste motivo - mero motivo de datação - com os títulos de não discriminação arrolados no nº 2 do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa é, pela lógica a que obedece, perfeita e total'. (formulações do primeiro daqueles acórdãos);
- Daí a inconstitucionalidade, por idêntica razão, da norma do art. 12º, nº 1, do Decreto-Lei nº 74/78, por violação do princípio constitucional da igualdade, ao estabelecer um limite temporal de forma arbitrária.
2. - Notificado o Primeiro-Ministro, nos termos do art. 54º da Lei do Tribunal Constitucional, para se pronunciar, querendo, sobre este pedido, veio o mesmo a apresentar resposta, na qual conclui pela improcedência das razões invocadas pelo Procurador-Geral da República e sustenta a conformidade constitucional do preceito impugnado.
Do conjunto dos fundamentos desta resposta, importa destacar os seguintes:
- O Decreto-Lei nº 74/78 veio regulamentar o regime de fases da carreira profissional dos professores efectivos dos ensinos primário, preparatório e secundário, após um período em que a atribuição das mesmas esteve suspensa;
- Não parece que se possa considerar de qualquer modo arbitrária a data indicada, nem sobretudo, que tal indicação tenha contribuído para agravar eventuais diferenciações causadas pela sucessão no tempo de regimes legislativos diferentes e pela aplicação do princípio geral de que os factos jurídicos se regem pela lei vigente ao tempo em que ocorrem;
- A apreciação do Decreto-Lei nº 74/78, nomeadamente quanto à solução nele preconizada para a contagem de tempo de serviço relevante para a atribuição de fases aos docentes por ele abrangidos, não pode ser dissociada do contexto em que se inseriu, criado por diplomas legislativos anteriores, e que explica a necessidade de fazer retroagir o sistema nele consignado a 7 de Maio de 1976;
- O sistema de fases foi criado pelo Decreto-Lei nº 290/75, de 14 de Junho, diploma que aboliu, por o considerar inadequado, o sistema de diuturnidades relativo aos agentes de ensino, integrando-os numa série de fases como primeiro passo para a institucionalização duma carreira docente. O art. 12º deste decreto-lei mandava contar, para quaisquer efeitos legais, todo o tempo de serviço docente prestado, antes ou depois da sua entrada em vigor, em qualquer grau ou ramo de ensino oficial, da metrópole ou dos territórios ultramarinos, assim como o tempo correspondente à frequência de estágios pedagógicos e ao exercício do ensino ao abrigo dos acordos de cooperação cultural;
- Outros preceitos do mesmo Decreto-Lei nº 290/75 determinavam que se contasse também como serviço docente para todos os efeitos o tempo que medeava entre a cessação do respectivo provimento e o início de eficácia do seguinte, bem como o resultante da dispensa de serviços concedida a agentes de ensino incapacitados ou diminuídos para o trabalho escolar em aulas;
- O Decreto-Lei nº 330/76, de 7 de Maio, que generalizou a concessão de diuturnidades a todos os trabalhadores da função pública levando em conta todo o tempo de serviço prestado no exercício de funções públicas, previu, em relação aos docentes, a possibilidade de optarem entre o novo regime de diuturnidades e a atribuição das 2ª, 3ª e 4ª fases, a que se refere o mapa anexo ao Decreto-Lei nº 290/75;
- O Decreto-Lei nº 611/76, de 24 de Julho, revogou o art. 4º do Decreto-Lei nº
330/76 e suspendeu, em relação ao pessoal docente em causa, a atribuição de diuturnidades e a atribuição de novas fases, desde que o direito a estas últimas se viesse a efectivar após a publicação do Decreto-Lei nº 330/76, de 7 de Maio. O art. 3º do mesmo diploma legal reconheceu aos docentes o direito de concessão simultânea de fases e diuturnidades, logo que regulamentada a transição de fases contemplada no Decreto-Lei nº 290/75;
- Tal significa que o dia 7 de Maio de 1976 foi a data a partir da qual se suspendeu a concessão de fases aos docentes, ressalvando-se apenas os direitos adquiridos àquela data. É compreensível que o legislador, ao regulamentar a atribuição de fases, estabelecendo uma nova forma de contagem de tempo de serviço - nomeadamente restringindo-o ao serviço prestado após a profissionalização - tenha atribuído eficácia retroactiva a tal regime, com referência ao dia 7 de Maio de 1976, com vista a uma uniformização, reatando essa contagem a partir do momento em que tinha ficado suspensa;
- Daí se conclui que o motivo que determinou a escolha da citada data parece ser lógico e razoável, não se tratando de um limite de tempo estabelecido de forma arbitrária.
3. - Por não haver razões que obstem ao conhecimento do objecto do pedido, passa-se à apreciação do mesmo.
II
4. - A tuberculose, doença infecto-contagiosa conhecida desde a Antiguidade, atingiu o seu ponto mais alto na Europa no final do século XIX e princípio do nosso século, em especial devido aos efeitos da miséria e promiscuidade consequentes da Revolução Industrial. Foi a partir de
1882 - ano em que Robert Koch identificou o agente causal da doença, o bacilo depois conhecido pelo seu nome - que 'ficou estabelecida a sua natureza infecto-contagiosa e foi possível começar a programar a luta contra a doença, baseada em: a) rastreio dos doentes (pela reacção tuberculínica, pela pesquisa do bacilo na expectoração ou por radiorrastreio); b) isolamento dos contagiosos
(sanatórios); c) vacinação pela BCG, após a sua descoberta por Calmette e Guérin.' (Thomé Villar, vocábulo 'Tuberculose-Med.', in VERBO - Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, vol. 18º, Lisboa, 1976, colunas 191-192).
Em Portugal, a assistência aos doentes tuberculosos e a luta contra a chamada 'peste branca' iniciou-se com a Lei de 17 de Agosto de
1899, através da qual foi criado um fundo especial destinado à luta contra a doença. Nesse ano, e sob o patrocínio da Rainha Dona Amélia, foi criada uma nova associação de beneficência, a 'Assistência Nacional aos Tuberculosos', que passou a editar um boletim periódico, a partir de 1906. Esta associação tinha por objecto a construção de hospitais marítimos e sanatórios de montanha, bem como hospitais para tuberculosos e institutos distritais de apoio aos doentes. Sousa Martins foi o grande animador da luta anti-tuberculose desde 1881, tendo Miguel Bombarda proposto em 1889 a criação da 'Liga Nacional contra a Tuberculose', mais virada para a investigação científica, o que veio a acontecer.
Em 1927, foi publicado o Decreto nº 14.192, de 27 de Agosto, que consagrou medidas especiais para os funcionários públicos civis afectados pela doença, reconhecendo-se, no respectivo preâmbulo, que a maior parte destes 'não possui os recursos necessários para o tratamento da doença'. Através deste diploma, o Estado assumiu o dever de prestar assistência a esses funcionários, como já antes o havia feito quanto aos militares do Exército e da Armada (Decretos nºs 3471, de 20 de Outubro de 1917 e 11485, de 8 de Março de
1926). Nos termos do art. 2º do diploma, os funcionários civis tuberculosos tinham direito 'a todos os vencimentos como se estivessem ao serviço', à viagem de ida e regresso para um sanatório adequado ao respectivo tratamento e ao
'pagamento de todas as despesas com o seu tratamento'. Os funcionários não internados tinham direito a um subsídio mensal para alimentação e tratamento. As despesas provenientes da execução do decreto seriam suportadas, numa base mutualista, quer por uma quota mensal descontada nos vencimentos de todo o funcionalismo público em efectividade de serviço ou aposentado, quer por cinquenta por cento da parte que pertencesse ao Estado no rendimento de todos os cofres de emolumentos das Secretarias de Estado e de outras instituições e serviços públicos (art. 5º). Esta legislação sofreu várias vicissitudes na sua execução, em parte devidas à penúria dos recursos afectados às despesas assumidas, vindo o sistema a ser remodelado pelo Decreto-Lei nº 33549, de 23 de Fevereiro de 1944. O preâmbulo deste diploma analisava detalhadamente as causas de ineficácia da assistência prestada aos funcionários tuberculosos. Previram-se no mesmo medidas destinadas a evitar abusos, estabelecendo-se um limite temporal máximo para a situação de ausência do serviço do funcionário assistido (quatro anos seguidos ou interpolados - arts. 4º), a que se seguiria uma aposentação imposta.
Em 1945, foi criado o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos (IANT), no qual se veio a integrar a A.N.T., associação beneficente atrás referida, e reorganizado o serviço de assistência aos tuberculosos do Exército (em 1949, foram reorganizados os serviços de assistência aos militares tuberculosos da Armada).
Em 1950, a Lei nº 2044, de 20 de Julho de 1950, estabeleceu um sistema integrado de luta contra a tuberculose, abrangendo a acção profiláctica, a terapêutica e a recuperadora (sobre esta lei, vejam-se o relatório da respectiva proposta, in Assistência Social - Providências Legislativas, 1940/1950, págs 481 e segs., e o parecer da Câmara Corporativa que sobre ela recaiu, in Pareceres da Câmara Corporativa - V Legislatura, anos de
1949-1950, Lisboa, 1952, págs 223 e segs.) A tuberculose era ainda considerada a
'doença contagiosa que mais desgaste causa nas populações e na economia do País', não obstante os recentes progressos da terapia química, em especial pela utilização da estreptomicina, associada a outros produtos e medicamentos.
No plano dos funcionários civis do Estado afectados pela tuberculose, o regime de concessão de assistência foi remodelado pelo Decreto-Lei nº 40365, de 29 de Outubro de 1955. De harmonia com o preâmbulo do diploma, é afirmado 'o princípio da manutenção para os assistidos de todos os direitos e regalias que não devam considerar-se dependentes do exercício efectivo das suas funções'. À luz deste critério facultava-se-lhes a promoção, desde que as condições legais se verificassem já à data da concessão da assistência, mas esta só se efectuava depois do regresso ao serviço. O período máximo de assistência podia ser prorrogado até ao máximo de cinco anos. No art.
11º deste diploma, estabelecia-se o princípio de que os assistidos mantinham os direitos inerentes ao exercício do cargo, com certas restrições, uma das quais era a que consistia no facto de o tempo em que estivessem totalmente dispensados do serviço não ser contado 'para o efeito de antiguidade nas respectivas listas, nem como de «serviço efectivo»', quando a lei o exigisse para efeitos de promoção ou de concurso (alínea a) do mesmo artigo). O direito à assistência na tuberculose previsto neste diploma foi tornado extensivo aos cônjuges dos servidores do Estado e aos descendentes a cargo dos mesmos pelo Decreto-lei nº
42.953, de 27 de Abril de 1960 (sobre este regime dos funcionários civis tuberculosos, veja-se João Alfaia, Regime Jurídico do Funcionalismo, Lisboa,
1962, págs. 370 a 383). A partir daquele Decreto-Lei nº 40365, os serviços de assistência a estes funcionários passaram da dependência da Direcção-Geral de Assistência para o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos.
Em 1961, foi publicado o Estatuto da Assistência aos Tuberculosos das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei 44.131, de 30 de Dezembro de 1961 (sobre este estatuto e as estruturas orgânicas por ele criadas, veja-se João Alfaia, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, 1º volume, Coimbra, 1965, págs. 509 e seguintes). Os sargentos e praças da Guarda Nacional Republicana e da Guarda Fiscal e seus familiares passaram a ser abrangidos pelos diplomas aplicáveis aos funcionários civis do Estado e seus familiares (artigo
único do Decreto-Lei nº 45462, de 26 de Dezembro de 1963).
Os professores oficiais não tinham qualquer regime específico quando afectados pela tuberculose, sendo abrangidos pela legislação aplicável aos funcionários civis do Estado.
5. - A evolução atrás descrita ajuda a explicar o regime introduzido em 1968 para os funcionários civis do Estado e que ainda hoje vigora. Através do Decreto-Lei nº 48.359, de 27 de Abril de 1968, foi remodelada a Assistência na Tuberculose aos Funcionários Civis e seus familiares
(A.F.C.T.). A A.F.C.T. 'destina-se a efectuar o tratamento e recuperação dos funcionários civis e seus equiparados para efeitos do presente decreto-lei, e respectivos familiares, que sofram de tuberculose em qualquer grau, modalidade ou localização, nos termos estabelecidos por este diploma, bem como a promover a profilaxia da doença entre os seus beneficiários e respectivos agregados familiares, através de radiorrastreio, provas tuberculínicas, vacinação B.C.G. e outros meios julgados convenientes' (art. 1º). Este diploma pretendeu compendiar e clarificar o regime legal constante de diversos diplomas e equiparar as regalias dos funcionários civis e dos funcionários das Forças Armadas. Deixou de ficar sujeito a desconto na remuneração ou pensão do beneficiário o custo da assistência em regime de internamento do servidor (ou dos seus familiares com direito a esse assistência).
Nos termos do art. 13º do Decreto-Lei nº 48359, a A.F.C.T. abrange, para o funcionário beneficiário, 'a dispensa total ou parcial do serviço, quando exigida pelo tratamento ou pelo perigo de contágio'. [alínea a)]. De harmonia com o art. 15º, os servidores, quando assistidos, mantêm o direito à remuneração ou pensão de aposentação. Mantêm igualmente 'os direitos inerentes ao serviço do cargo', embora com algumas restrições:
- 'O tempo que estiverem totalmente dispensados do serviço não é contado para o efeito de antiguidade nas respectivas listas, nem como de «serviço efectivo» quando a lei o exija para efeitos de promoção ou de concurso' [alínea a) do art.
15º];
- 'Só terão direito à promoção que resultar de facto anterior ao seu afastamento do serviço e a mesma apenas se tornará efectiva após o seu regresso'
[alínea b) do art. 15º];
- 'A prestação de provas em concurso dependerá de autorização do director do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos' [alínea c) do art. 15º].
A assistência prevista neste diploma terminará quando o assistido for julgado clinicamente curado ou haja fruído os benefícios durante quatro anos, seguidos ou interpolados (art. 19º). O prazo anterior pode ser prorrogado até um ano, por períodos de seis meses, mediante despacho do director do IANT, sob parecer favorável da junta médica da A.F.C.T. (art. 20º). Ultrapassado o prazo limite sem que o funcionário seja julgado em condições de permanecer ou retomar o serviço, será o mesmo aposentado (art. 21º). Sobre este regime, vejam-se Marcello Caetano, Manual cit., 9º ed., volume II, Coimbra, reimpressão, 1980, com a colaboração do D. Freitas do Amaral, págs. 772-774; João Alfaia, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público,
1º vol., Coimbra, 1985, págs 597 e segs., 2º volume, Coimbra, 1988, págs. 986 e segs., 1257, 1262 e 1265; A.J. Simões de Oliveira, Estatuto da Aposentação Anotado e Comentado, Coimbra, 1973, págs. 75, 113-114).
6. - Pelo Decreto-Lei nº 260/75, de 26 de Maio, o IANT foi integrado na Direcção-Geral de Saúde, sob a designação de Serviço de Luta Antituberculose. A A.F.C.T. não viu alterado o seu regime, estando hoje dependente da Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários, organismo que substituiu aquela Direcção-Geral, tendo sido extinto o Serviço de Luta Antituberculosa. (As competências atribuídas ao director do IANT no art. 16º, alínea c), do Decreto-Lei nº 48359, passaram para a Direcção de Serviços de Tuberculose e Doenças Respiratórias (DSTDR) - cfr. Decreto-Lei nº 74-C/84, de 2 de Março, e Maria Amélia Paninho e Maria da Graça Figueiredo, Faltas e Licenças, Porto, 1988, págs. 22-23).
O disposto no Decreto-Lei nº 48.359 foi expressamente ressalvado pelo art. 48º, nº 3, do Decreto-Lei nº 497/88, de 30 de Dezembro, diploma que contém actualmente o regime jurídico das férias, faltas e licenças dos funcionários e agentes da Administração Pública.
Por outro lado, o art. 22º, alínea f), do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro, considera como um dos requisitos gerais de admissão a concurso no âmbito da função pública o candidato possuir
'a robustez física e o perfil psíquico indispensáveis ao exercício da função e ter cumprido as leis de vacinação obrigatória', deixando de fazer referência ao requisito de 'não sofrer de doença contagiosa, particularmente de tuberculose evolutiva ou contagiosa', como sucedia com o precedente art. 24º, nº 3, al. f), do Decreto-Lei nº 44/84, de 3 de Fevereiro.
7. - Como se refere no requerimento do Procurador-Geral da República, o Decreto-Lei nº 89/77, de 8 de Março, veio regular de novo o afastamento da frequência das actividades escolares por motivo de doenças transmissíveis, revogando a Lei nº 2109, de 24 de Maio de 1961. Nesta
última lei, a tuberculose não se contava entre as doenças infecto-contagiosas por ela abrangidas, o que se pode compreender se se atender ao regime global de combate à tuberculose, constante da Lei nº 2044 acima referida (vejam-se, em especial, as Bases IX, nº 1, alíneas a) e d), XI).
Do preâmbulo do Decreto-Lei nº 89/77 consta a indicação de que, desde 1961, 'se verificaram, na história natural de algumas doenças consideradas na Lei nº 2109, importantes modificações no domínio da prevenção ou terapêutica, susceptíveis de permitir, em alguns casos, o encurtamento dos períodos de afastamento escolar', do mesmo passo que se pondera que 'as actuais condições epidemiológicas tornam necessária a inclusão, nas leis de evicção, de algumas das doenças então consideradas', assim como 'a experiência entretanto colhida aconselha a inclusão de outras doenças não abrangidas na já citada lei'.
É, assim, que o art. 1º impõe que 'serão sempre afastados temporariamente da frequência escolar e demais actividades desenvolvidas nos estabelecimentos de ensino os alunos, pessoal docente, administrativo e auxiliar' quando atingidos pela tuberculose pulmonar (além de outras doenças transmissíveis).
Deve notar-se que parece existir aqui, ao menos aparentemente, certa restrição ao indicar-se o adjectivo 'pulmonar', visto que a tuberculose pode afectar outros órgãos ou partes do corpo humano (todavia, em cerca de 92% a 94% de todos os casos de tuberculose, o bacilo aloja-se nos pulmões; mas podem ser afectados outros órgãos, como os nódulos linfáticos, os ossos, as articulações, as superfícies serosas, os rins, as glândulas supra-renais, a pele, os intestinos, etc.). O período de afastamento prolonga-se
'até à apresentação de documento comprovativo de ausência de risco de contágio passado, pelos serviços oficiais competentes' [art. 3º, alínea p)]. Este diploma prevê um afastamento preventivo, em caso de suspeita de o afastado ser portador de alguma das doenças enumeradas no diploma.
O art. 9º estabelece que não são consideradas as faltas dadas por motivo do afastamento obrigatório previsto neste decreto-lei para quaisquer efeitos (na Lei nº 2109 não se encontrava norma paralela a esta). No que toca às faltas dadas por docentes, parece, pois, que as mesmas deixaram, por força desse artigo, de descontar na 'antiguidade' ou no tempo de 'serviço efectivo'.
8. - Na sequência deste Decreto-Lei nº 89/77 - e em coerência com o disposto no art. 9º do mesmo - a subsequente regulamentação da carreira profissional dos professores efectivos dos ensinos pré-escolar, primário, preparatório e secundário constante do Decreto-Lei nº 74/78, de 18 de Abril, ratificado pela Lei nº 56/78, de 27 de Julho, contemplou as situações de evicção escolar, relativamente aos docentes por ele abrangidos.
Dispôs o art. 7º deste diploma (na redacção resultante da ratificação pela Lei nº 56/78):
'1. - O tempo de serviço referido nos artigos 4º, 5º e 6º do presente diploma é contado dia a dia até perfazer o respectivo número de anos.
2 - Para efeitos do estabelecido no número anterior, ao cômputo final são descontados os dias de faltas dadas, a qualquer título, pelo professor, considerando-se ano completo de serviço o que abrange trezentos e sessenta e cinco dias.
3. - Exceptuam-se ao disposto no número anterior as faltas dadas por motivo de:
a) Parto;
b) Nojo;
c) Casamento;
d) Serviço Oficial;
e) Evicção escolar
f) Doença devidamente comprovada'.
(sublinhado acrescentado)
O mesmo diploma contém uma norma de direito transitório sobre o modo de contagem de tempo de serviço. Trata-se do art. 12º que se transcreve:
'1. - A contagem de tempo de serviço prestado anteriormente a 7 de Maio de 1976
é feita com base na legislação então em vigor e produz todos os efeitos dela decorrentes.
2. - Quando o tempo de serviço prestado, calculado de acordo com as condições fixadas no número anterior, exceder o necessário para a atribuição das fases já concedidas ou requeridas, será o mesmo creditado para efeitos do disposto no presente diploma, sem prejuízo, porém, da aplicação das regras previstas no artigo 7º no que respeita ao tempo que ainda faltar para atribuição de nova fase.
3. - [aditado pelo art. 3º da Lei nº 56/78]. Nos termos do presente diploma e para efeitos de ingresso nas fases, a partir de 7 de Maio de 1976 será contado o tempo de serviço docente após a profissionalização.'
9. - É controvertido no presente processo o sentido da fixação de um certo marco temporal (o dia 7 de Maio de 1976), que separa dois modos diferentes de contagem do tempo de serviço 'efectivo', com base em legislações diversas, vigentes nos períodos de tempo sucessivos em que o docente prestou serviço (não há qualquer alusão, no requerimento e na resposta, ao sentido da restrição na legislação de 1977 e quanto ao regime de evicção, aplicável aos afectados apenas de tuberculose pulmonar).
O Procurador-Geral da República considera arbitrária a fixação desse marco temporal, por ser irrazoável a discriminação resultante do período durante o qual o docente esteve doente, consoante a legislação vigente nesse período (ou as legislações sucessivamente vigentes).
O Primeiro-Ministro, na sua resposta, invocou que a fixação desse marco temporal não era arbitrária, antes se explicando pelas vicissitudes das sucessivas regulamentações legais sobre fases e categorias de vencimento dos docentes da educação pré-escolar e dos ensinos primário, preparatório, secundário e médico, a partir de 1975.
Importa, por isso, analisar tais vicissitudes.
10. - O Decreto-Lei nº 290/75, de 14 de Junho, apresentou-se como uma exigência de uma nova política educacional que visava pôr termo 'á grave situação de atraso cultural a que se encontra confinada grande parte da população do País'. O legislador de 1975 considerou imperioso que se procedesse 'desde já a um reajustamento de categorias de vencimentos do pessoal docente' dos graus de ensino abrangidos.
As alterações em matéria salarial são, assim, explanadas no preâmbulo deste Decreto-Lei nº 290/75:
'É abolido, por se considerar inadequado, o actual sistema de diuturnidades relativo aos agentes de ensino dos sectores abrangidos pelo presente diploma, integrando-se esse pessoal docente numa série de fases, como primeiro passo para a futura institucionalização de uma autêntica carreira.
Às fases 2, 3 e 4 é, respectivamente, aplicado, a título transitório, o regime em vigor para a 1ª, 2ª e 3ª diuturnidades, embora, tão-somente enquanto não vier a ser estabelecida a sua regulamentação própria, em termos de a transição entre elas não ser, sobretudo, função do decurso do tempo, mas sim também de outros requisitos, designadamente atinentes à qualificação profissional [...].
Aproveita-se, além disso, para estabelecer outras providências relativas ao estatuto sócio-económico do pessoal docente que se consideram necessárias e adequadas à natureza e exigência do magistério.
De entre elas, destacam-se as relativas:
a) À contagem, para todos os efeitos legais, do serviço docente prestado no sector oficial, em qualquer grau ou ramo de ensino, eliminando assim algumas graves incongruências e injustiças relativas do regime vigente;
b) Ao incremento da formação dos docentes menos qualificados, designadamente através da criação de cursos a eles destinados'. (sublinhado não constante do texto).
Este importante diploma procedeu à abolição de várias gratificações e subsídios (arts. 1º, nº 2, e 7º), manteve outras gratificações a título transitório (art. 8º, nºs 1 a 3), estabeleceu novas remunerações para certo pessoal do ensino superior (art. 6º), criou uma regra de não diminuição salarial para o futuro (art. 9º), eliminou o sistema de diuturnidades (art.
10º), estabeleceu normas sobre contagem de tempo de serviço, incluindo estágios pedagógicos (art. 12º e 16º) e sobre habilitações próprias para a docência de certas disciplinas (arts. 13º e 14º), atribuição de regalias ao pessoal agregado e provisório, em matéria de faltas e licenças (art. 18º), manutenção de benefícios assistenciais ao pessoal docente que recebesse remuneração total ou parcial durante os meses de férias de Verão (art. 19º), e dispensa de serviço docente ao pessoal reconhecido como incapacitado (art. 20º). A estruturação das fases foi feita a título transitório (art. 11º). Em matéria remuneratória, este decreto-lei teve eficácia retroactiva, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de
1975 (art. 24º). 'Às fases 2, 3 e 4, aplicar-se-á, a título transitório, enquanto não for definida a sua regulamentação própria, o regime correspondente, respectivamente, à 1ª, 2ª e 3ª diuturnidades' (art. 11º, nº 2).
11. - Em 7 de Maio de 1976 foi publicado o Decreto-Lei nº 330/76 que regulamentou a concessão de diuturnidades aos trabalhadores da função pública que ainda não as recebiam, indo ao encontro de uma 'reivindicação generalizadamente formulada' após o 25 de Abril.
Segundo o art. 1º deste diploma, os trabalhadores civis do Estado e das autarquias locais, em efectividade de serviço ou em situação que, nos termos legais, lhes conferisse direito a auferirem vencimento, passaram a ter 'direito a uma diuturnidade de 500$00 por cada cinco anos de serviço, até ao limite de cinco diuturnidades' (art. 1º, nº 1). O art. 3º, nº 1, dispunha, por seu turno, que, para a atribuição das diuturnidades, seria 'levado em conta todo o tempo de serviço prestado no exercício de funções públicas, nos termos da legislação em vigor para efeitos de aposentação, considerando o serviço prestado nos organismos referidos no artigo 2º'. O art. 4º, nº 2, deste diploma previa um regime especial para os docentes abrangidos pelo novo regime remuneratório constante do Decreto-Lei nº 290/75: a possibilidade de os docentes optarem, a título transitório, até ser estabelecida a regulamentação das carreiras docentes, pelas novas diuturnidades, relativamente 'às fases 2, 3 e 4 a que se refere o mapa anexo ao Decreto-Lei nº 290/75, de 14 de Julho' (como estas fases estavam equiparadas, a título transitório, às 1ª, 2ª e 3ª diuturnidades, por força do art. 11º, nº 2, deste último diploma, o legislador considerou, para efeitos estritamente remuneratórios, que os professores podiam optar entre o regime de que beneficiavam há mais de um ano e o instituído pelo Decreto-Lei nº 330/76, 'mediante declaração a apresentar no prazo de trinta dias, a contar da data de publicação do presente diploma').
12. - Logo dois meses depois da publicação do Decreto-Lei nº 330/76, veio a ser suspensa a atribuição de diuturnidades e de novas fases ao pessoal docente abrangido pelo sistema previsto no Decreto-Lei nº
290/75, sendo revogado o nº 2 do art. 4º do Decreto-Lei nº 330/76.
Tais suspensão e revogação foram determinados pelo Decreto-Lei nº 611/76, de 24 de Julho. No preâmbulo deste diploma explicam-se, assim, as medidas tomadas:
'Tal sistema [o consagrado no Decreto-Lei nº 330/76, de opção a título transitório, pelas diuturnidades concedidas ao comum dos funcionários públicos], não atendendo em toda a sua amplitude a diversidade das situações abrangidas e a necessidade de um correcto e actual conhecimento por parte dos interessados das condições determinantes da opção, aliás ainda não fixadas, carece de ser revisto.
Com efeito, para além do respeito que merecem os direitos adquiridos, há que considerar que as fases reguladas para os professores no Decreto-Lei nº 290/75, de 14 de Junho, e as diuturnidades aplicáveis à generalidade dos trabalhadores da função pública, são institutos jurídicos diversos, pelo que não há razão para se comprometer a cumulabilidade das duas figuras, logo que capazmente definida a transição de fases, tarefa já em curso, de colaboração com as estruturas sindicais da classe'.
O diploma começou por revogar, no seu art. 1º, o nº 2 do art. 4º do Decreto-Lei nº 330/76 de 7 de Maio, ou seja, a norma que previa a possibilidade de os docentes optarem pela atribuição das diuturnidades da função pública, a título transitório.
Dispuseram assim os dois outros artigos do diploma:
'Art. 2º - 1. É suspensa a atribuição de diuturnidades ao pessoal docente abrangido pelo sistema de fases previsto no Decreto-Lei nº 290/75, de 14 de Junho.
2. - O disposto no número anterior vigorará até à regulamentação da transição de fases, mantendo-se, contudo, as já atribuídas ou a atribuir, nos termos da legislação em vigor.
3. - Fica igualmente suspensa a atribuição de novas fases desde que o direito às mesmas se venha a efectivar após a publicação do Decreto-Lei nº 330/76, de 7 de Maio.
Art. 3º -[1] Logo que seja regulamentada a transição das fases previstas no Decreto-Lei nº 290/75, de 14 de Junho, serão, além daquelas, atribuídas aos docentes as diuturnidades a que, nos termos do Decreto-Lei nº 330/76, de 7 de Maio, tiverem direito.
2. - O disposto no número precedente produzirá efeitos desde 1 de Abril de
1976'.
A retroacção da atribuição de diuturnidades a 1 de Abril de 1976 tinha em consideração o disposto no art. 5º do citado Decreto-Lei nº 330/76 (de facto, a atribuição das diuturnidades acabou por preceder a regulamentação da transição de fases: o Decreto-Lei nº 81/77, de 4 de Março, veio revogar os arts. 2º e 3º do Decreto-Lei nº 611/76, de 24 de Julho, para obviar a situações de injustiça retributiva docorrentes da circunstância 'de docentes não profissionalizados mas não sujeitos ao regime de «fases»' auferirem vencimentos superiores aos docentes que já se efectivaram nos respectivos quadros'. Este diploma atribuiu, no seu art. 2º, diuturnidades ao pessoal docente contemplado no Decreto-Lei nº 290/75, 'independentemente da situação em que se encontre relativamente ao regime de fases' neste estabelecido, e manteve a suspensão da transição para as 2ª, 3ª e 4ª fases em relação ao pessoal docente
'cujo direito de aquisição seja posterior à entrada em vigor do Decreto-Lei nº
330/76, de 7 de Maio' - art. 3º).
13. - Compreende-se, assim, a relevância da data de 7 de Maio de 1976 para a determinação da sucessão no tempo dos estatutos sobre contagem do tempo de serviço dos professores abrangidos pelo novo regime de fases instituído em 1975, pelo Decreto-Lei nº 290/75.
Essa data foi a escolhida pelo Decreto-Lei nº 611/76 para estatuir o momento a partir do qual ocorria a suspensão da atribuição do novas fases, desde que o direito às mesmas se viesse a efectivar após esse dia
(que foi o da publicação do mencionado Decreto-Lei nº 330/76).
A mesma data veio, por isso, a ser contemplada pelo Decreto-Lei nº 74/78, ao estabelecer, na norma objecto de impugnação de constitucionalidade, que a contagem de tempo de serviço prestado anteriormente a
7 de Maio de 1976 era 'feita com base na legislação então em vigor' e produzia todos os efeitos dela decorrentes. Repare-se que o nº 3 do art. 12º deste diploma (norma aditada pela lei de ratificação parlamentar), estabeleceu que, a partir desse mesmo dia 7 de Maio de 1976 e para efeito de ingresso nas fases, seria contado o tempo de serviço docente após a profissionalização.
Aliás, o Decreto-Lei nº 513-M1/79, de 27 de Dezembro
- que veio a adaptar, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1980, o novo regime de vencimentos da função pública às carreiras docentes dos professores oficiais de educação pré-escolar, do ensino primário, preparatório e secundário, para tal regulamentando (uma vez mais, a título transitório) o regime de fases dessas carreiras e a transição dos professores para as sucessivas fases - reafirmou no seu art. 7º, nº 3 que, 'a partir de 7 de Maio de 1976, inclusive, o tempo de serviço a contar para efeitos de concessão de fases referidas no nº 1
é somente o prestado após a profissionalização'.
Parece ficar, assim, amplamente demonstrada a razão das sucessivas referências, em legislação anterior ou posterior ao diploma que contém a norma impugnada, à data de 7 de Maio de 1976, como momento relevante para operar a sucessão de estatutos dos professores integrados nas carreiras contempladas no Decreto-Lei nº 290/75.
14. - Quando é publicada uma lei nova, esta dispõe em regra para o futuro. Só assim não sucede, quando o legislador atribui efeitos retroactivos à nova regulamentação.
Quando uma lei nova passa a disciplinar para o futuro de forma diversa o conteúdo de certa relação jurídica - no caso concreto, a contagem do tempo de serviço na relação jurídica de emprego público que vincula certas categorias de professores ao Estado - abstraindo do facto gerador dessa relação (acto administrativo de nomeação, contrato, etc.), 'entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor' (art. 12º, in fine, do Código Civil), a menos que a própria lei contenha uma disposição especial de Direito Transitório (no sentido de que os arts. 12º e 13º do Código Civil são preceitos aplicáveis em relação a todas as leis, incluindo as administrativas, e não só às civis, veja-se Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo cit., vol. I, 10º ed., pág. 140; ver também Afonso Rodrigues Queiró, Lições de Direito Administrativo, I, policop., Coimbra, 1976, págs 518 e segs).
No caso do Decreto-Lei nº 74/78, o art. 12º, nº 1, contém uma norma de direito transitório de carácter formal, na medida em que aí se estabelece o momento a partir do qual se aplica a lei nova às situações jurídicas em curso, através da indicação de que a contagem de tempo de serviço prestado anteriormente a 7 de Maio de 1976 'é feita com base na legislação então em vigor e produz todos os efeitos dela decorrentes' (não existe uma norma transitória de natureza material, a criar um estatuto diverso para certos funcionários, com referência a certo momento temporal).
O novo regime de contagem do tempo de serviço é aplicável retroactivamente, mas apenas a partir de 7 de Maio de 1976.
Se não existisse a norma do art. 12º, nº 1, do Decreto-Lei nº 74/78, o intérprete devia considerar que a nova forma de contagem do tempo de serviço só se aplicaria para o futuro (no caso da evicção por doença, poder-se-á sustentar que as faltas dadas não deveriam descontar no tempo de serviço a partir da data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 89/77, de 8 de Março, atento o disposto no seu art. 9º). De facto, tal solução decorreria do critério geral de aplicação das leis no tempo que se acha na parte final do nº 2 do art. 12º do Código Civil (cfr. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1983, págs 231 e segs; Afonso Rodrigues Queiró, Lições, I, págs 520-522).
15. - No caso sub judicio, o legislador estabeleceu a aplicação retroactiva do novo regime de contagem do tempo de serviço a partir de uma certa data (7 de Maio de 1976).
A entidade requerente considerou que a fixação de tal data foi estabelecida de forma arbitrária, criando situações de desigualdade entre professores em efectividade de funções à data fixada no impugnado art.
12º, nº 1, do Decreto-Lei nº 74/78.
Verificar-se-ia, segundo o mesmo requerente, uma daquelas situações violadoras do princípio constitucional da igualdade, análoga a que fora detectada no Acórdão nº 203/86 deste Tribunal:
'... cabe afirmar que a análise detalhada das situações fácticas que subjazem aos quadros normativos definidores da actualização de pensões, conforme estas hajam sido fixadas antes de 1-10-79 ou a partir dessa data, mostra à evidência que não se está perante situações radicalmente diferentes. Antes entre ambas se regista, no seu núcleo fundamental, uma total identificação. O anódino referencial que as separa é simples fronteira no tempo aleatoriamente traçada. As situações são equivalentes e, por isso, não se justifica que uma seja privilegiada em relação à outra sem qualquer base séria.
O motivo da diferenciação de tratamento normativo é assim simples razão da data, ao acaso escolhido, e, porque de todo em todo arbitrário, insusceptível de postular a diferenciação constante daqueles dois quadros normativos. A identificação deste motivo - mero motivo de datação - com os títulos de não discriminação arrolados no nº 2 do art. 13º da CRP é, pela lógica gratuita a que obedece, perfeita e total.' (in Diário da República, II Série, nº 195, de 26 de Agosto de 1986; publicado também em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.,
7º, tomo II, págs 955 e segs).
Pelo que acaba de referir-se, vê-se que as situações, no presente caso e no do Acórdão nº 203/86, são algo diversas: no caso agora analisado, trata-se de uma norma de direito transitório que estabelece que o modo de contagem do tempo de serviço de um funcionário se rege pelas leis sucessivamente em vigor durante um período temporal com termo em certa data e por uma nova lei, com eficácia retroactiva limitada, a partir da mesma data. No caso do Acórdão nº 203/86 (como também no do Acórdão nº 12/88, publicado no Diário da República I, Série, nº 25, de 30 de Janeiro de 1988, através do qual foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art. 2º do Decreto-Lei nº 459/79, de 23 de Novembro, na redacção que lhe fora dada pelo artigo único do Decreto-Lei nº 231/80, de 16 de Julho) considerou-se que a actualização para o futuro de certas pensões por acidente de trabalho ou doenças profissionais, que abrangia apenas as fixadas a partir de um certo limite temporal, criava uma desigualdade arbitrária entre os diferentes pensionistas, sendo a diferenciação estabelecida puramente aleatória, apesar das situações de todos os pensionistas serem equivalentes, não dependendo substancialmente do momento da fixação da pensão.
Aqui, a fixação da fronteira temporal pelo legislador de 1978 não foi arbitrária, nem aleatória. O legislador pretendeu evitar que os professores que tinham visto a atribuição de novas fases suspensa a partir de certo momento, viessem a ser prejudicados pela duração excessiva, e imprevisível no momento da sua determinação, desse período de suspensão, em matéria de contagem do tempo de serviço. Daí que fosse estabelecido que o momento relevante não deveria ser - como se esperaria em condições normais - o momento da entrada em vigor do novo diploma (o Decreto-Lei nº 74/78), mas antes um momento anterior, passado há quase dois anos, o momento a partir do qual viera a ficar suspensa a atribuição de novas fases.
Não existe, pois, uma atitude arbitrária do legislador de 1978. O Tribunal Constitucional não pode censurá-lo pela opção que assumiu na limitação temporal da eficácia retroactiva da nova regulamentação.
Como se escreveu no acórdão nº 39/88 deste Tribunal,
'o princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe isso sim, o arbítrio; ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no º 2 do artigo 13º' (in Diário da República, I Série, nº
52, de 3 de Março de 1988).
E, mais recentemente, teve ocasião o Tribunal - em sede de fiscalização concreta - de chamar a atenção para o facto de que a
'teoria da proibição do arbítrio' 'não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência do controlo judicial. Trata-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou a discricionariedade legislativa'. (Acórdão nº 186/90, in Diário da República, II Série, nº 211, de 12 de Setembro de 1990; no mesmo sentido, vejam-se ainda os Acórdãos nºs. 187/90 e 188/90, ambos publicados neste número e série do Jornal Oficial; na doutrina, refira-se J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5ª ed., Coimbra, 1991, pags. 577-578).
Ora, a limitação da retroactividade do novo regime do Decreto-Lei nº 74/78 à data de 7 de Maio de 1976 não gerou um caso de flagrante e intolerável desigualdade entre funcionários públicos inserido nas mesmas carreiras. Existia um fundamento sério e atendível para a escolha dessa data: a solução legislativa sobre sucessão no tempo de regimes jurídico-administrativos diversos afectando os diferentes funcionários inseridos nas carreiras abrangidas não pode ter-se por ilegítima em tese geral, antes constituindo a solução normal decorrente do critério geral do art. 12º, nº 2, in fine, do Código Civil. Tão-pouco se pode dizer que a retroactividade limitada a um certo momento temporal concreto escolhido pelo legislador não tenha um fundamento razoável (no caso de evicção por doença, o novo regime remontava a 1977). Aliás, o Tribunal Constitucional teve ocasião de sublinhar já que só poderá haver violação do princípio da igualdade quando da fixação do tempo de aplicação de uma norma decorrerem 'tratamentos desiguais para situações iguais e sincrónicas' (Acórdão nº 34/86, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 7º vol., Tomo I, pág. 42), ou seja, que o 'princípio de igualdade não opera diacronicamente' (Acórdão nº
43/88, in Acórdãos cit, 11º vol. pág. 565).
Daí a conclusão de que a norma impugnada não viola o princípio constitucional da igualdade.
III
16. - De harmonia com o exposto e pelas razões indicadas, decide o Tribunal Constitucional não declarar a inconstitucionalidade da norma do nº 1 do art. 12º do Decreto-Lei nº 74/78, de 18 de Abril.
Lisboa, 23 de Abril de 1993
Armindo Ribeiro Mendes Messias Bento António Vitorino Alberto Tavares da Costa Mário de Brito Bravo Serra Maria da Assunção Esteves José de Sousa e Brito Vítor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa