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Proc. nº 432/93
1ª Secção
Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Em 29 de Setembro de 1993, foi distribuída no
Tribunal Constitucional reclamação formulada por A., nos termos do nº 4 do art.
76º da Lei do Tribunal Constitucional, relativamente a um despacho do
Conselheiro relator no Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu recurso de
constitucionalidade por aquele interposto do acórdão do mesmo Supremo de 24 de
Fevereiro de 1993, o qual agravou a pena unitária que lhe fora aplicada pelo
Tribunal Colectivo do Círculo de Tomar pela prática de quatro crimes de
sequestro.
O processo de reclamação foi concluso ao relator
o qual, por despacho de fls. 24 (538 dos autos principais), proferido em 6 de
Outubro do mesmo ano, determinou a remessa dos autos, a título devolutivo, ao
Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que o despacho reclamado não havia sido
confirmado ou infirmado pela conferência no Supremo Tribunal de Justiça (art.
688º, nº 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 69º da Lei
do Tribunal Constitucional). Além disso, solicitou o mesmo relator que o Supremo
Tribunal de Justiça determinasse a junção ao apenso de uma cópia das alegações
do recorrente.
2. Recebido o processo no Supremo Tribunal de
Justiça, por despacho do relator de 19 de Outubro de 1993 foi ordenado que se
juntasse ao processo de reclamação cópia das alegações do recorrente, tal como
solicitado.
Foi, depois, a reclamação submetida à
conferência, a qual, por acórdão de fls. 33 (547 dos autos principais),
proferido em 3 de Novembro de 1993, confirmou o despacho do relator de não
admissão do recurso de constitucionalidade.
Porém, certamente por lapso da secretaria do
Supremo Tribunal de Justiça, não foi devolvido o processo ao Tribunal
Constitucional. Depois da notificação do acórdão de fls. 33 ao Ministério
Público e ao reclamante, acha-se a fls. 550 certidão de que o mesmo transitou em
julgado. Em 2 de Dezembro de 1993, foram os autos, incluindo o apenso da
reclamação, remetidos a título definitivo à 1ª Secção do 1º Juízo do Tribunal
Judicial de Tomar (fls. 550).
3. Dado o tempo decorrido sem a devolução do
processo de reclamação, determinou o relator no Tribunal Constitucional à
secretaria que solicitasse informação sobre os autos ao Supremo Tribunal de
Justiça (ofício de 29 de Junho de 1994, a fls. 577). O Supremo Tribunal de
Justiça remeteu esse ofício ao Tribunal de Tomar em 9 de Setembro de 1994.
Após duas insistências do Tribunal Constitucional
(ofícios de fls. 588 e 589, de 8 de Novembro de 1994 e de 22 do mesmo mês e ano)
foram os autos finalmente enviados pelo Tribunal de Tomar ao Tribunal
Constitucional.
4. De harmonia com a reclamação deduzida pelo
referido A., o juiz relator do Supremo Tribunal de Justiça indeferira a admissão
do recurso de constitucionalidade com base no disposto nos arts. 75º-A, nº 2,
76º, nº 2, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, por não
ter sido suscitada durante o processo a inconstitucionalidade de qualquer norma,
e por não ter sido indicada a peça processual em que o recorrente teria
suscitado a questão de inconstitucionalidade. Nesse despacho, o relator afirmara
que não se justificava o convite ao recorrente nos termos do nº 5 do art. 75º -A
da Lei do Tribunal Constitucional, visto se verificar um fundamento que
acarretava o indeferimento do recurso.
Contra este entendimento pronunciou-se o
reclamante na referida reclamação, nos seguintes termos:
'Perante um recurso para o Tribunal Constitucional em que falhe algum destes
requisitos [os previstos nos nºs 1 e 2 do art. 75º -A da Lei do Tribunal
Constitucional], tal como o venerando Juiz Conselheiro constatou em relação ao
recurso agora em causa, estabelece a Lei 85/89, de 7/9, no nº 5 do art. 75º -A
que
«Se o requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos elementos
previstos no presente artigo, o Juiz convidará o requerente a prestar essa
indicação no prazo de cinco dias».
Ora, o que se pretende, pois, é que, nos termos desta disposição,
deveria ter sido concedido um prazo de cinco dias ao reclamante a fim de lhe
permitir suprir a falta de que padecia a sua petição de recurso.
E note-se que a tal facto não obsta o disposto no artigo 76º nº 2
(com a redacção da Lei nº 85/89 de 7/9) [...].
Ao fim e ao cabo, este art. 76º nº 2 funciona subsidiariamente ao
nº 5 do art. 75º -A.
Com efeito, conforme nele se estabelece, o requerimento da
interposição de recurso apenas deve ser indeferido quando, após ter sido dada
oportunidade ao recorrente para suprir a sua falta (no requerimento) nos termos
do nº 5 do art. 75º -A, constatou, mesmo assim, o Venerando Juiz, que tal
requerimento não preenche os requisitos daquele art. 75º' (a fls. 19 a 21 dos
autos; 533 a 535 dos autos principais).
5. O Exmo Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer de
fls. 593 e segs., preconiza o indeferimento da reclamação.
II
6. Da consulta dos autos e com relevo para o
conhecimento da presente reclamação, retira-se o seguinte:
- Da acta de audiência de fls. 437-438, consta que, após a leitura do acórdão
condenatório proferido em 11 de Junho de 1991 pelo Tribunal Colectivo de Tomar,
o arguido, através do seu Patrono, interpôs recurso do mesmo para o Supremo
Tribunal de Justiça, recurso que foi admitido em audiência;
- Através do requerimento de fls. 444, o arguido desistiu do recurso,
alegadamente para poder beneficiar das saídas precárias e da liberdade
condicional a que se julgava com direito, tendo em conta a prisão preventiva por
si já sofrida, a pena aplicada e a expectativa de amnistia. Esta desistência foi
julgada válida no Supremo Tribunal de Justiça (acórdão de fls. 485);
- O processo, porém, subiu ao Supremo, visto o Ministério Público ter interposto
recurso do acórdão condenatório (a fls. 447);
- O arguido apresentou a resposta à motivação do recorrente no Tribunal de
Tomar, não tendo aí suscitado qualquer questão de constitucionalidade (a fls.
454 a 459);
- Houve alegações orais, não constando dos autos a mais leve referência à
suscitação de uma qualquer questão de constitucionalidade, sendo certo que o
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não refere qualquer questão de
constitucionalidade que houvesse de ser resolvida;
- Através do requerimento de fls. 502, o arguido pretendeu interpor recurso de
constitucionalidade, nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do
Tribunal Constitucional, visando impugnar a constitucionalidade do disposto nos
arts. 433º do Código de Processo Penal e 410º, nºs 2 e 3, do mesmo diploma, por
considerar que estas normas contrariavam o disposto no art. 32º da Constituição
('A qualquer cidadão assiste o direito de ver reapreciada a decisão que afecte
interesses seus', tendo a lei penal vindo 'limitar o alcance daquela norma
constitucional ao restringir os poderes de cognição do Supremo Tribunal de
Justiça ao reexame da matéria de direito');
- Por despacho de fls. 506, o requerimento foi indeferido, por não ter sido
'suscitada durante o processo a inconstitucionalidade de qualquer norma', nem se
ter indicado 'a peça processual em que o recorrente suscitou a questão de
inconstitucionalidade'. Na parte final do despacho, refere-se que a segunda das
apontadas falhas 'conduziria ao convite de esclarecimento (nº 5 do artigo 75-A).
Caso não ocorresse a primeira, mas a verificação desta acarreta o
indeferimento'.
7. É manifesto que a presente reclamação não pode
proceder.
De facto, o arguido ora reclamante jamais
suscitou durante o processo a questão da inconstitucionalidade dos arts. 433º e
410º, nº 2 e 3, do Código de Processo Penal, só tendo suscitado tal questão no
requerimento de interposição do recurso. Por outro lado, não invocou qualquer
razão para a suscitação tardia desta questão de constitucionalidade, não
ignorando por certo que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem
admitido, em contados os casos, que possa haver dispensa de tal exigência em
hipóteses excepcionais em que o interessado não tenha tido oportunidade
processual para levantar a questão de constitucionalidade antes de proferida a
decisão (vejam-se, por todos, os casos versados nos Acórdãos nºs 94/88, 479/89,
61/92 e 188/93, publicados os três primeiros no Diário da República, II Série,
nº 193, de 22 de Agosto de 1988, nº 96, de 24 de Abril de 1992 e nº 189 de 18 de
Agosto de 1989, não estando o último ainda publicado).
Ora, como põe em relevo o Exmo Procurador-Geral
Adjunto no seu parecer, o pressuposto de suscitação da questão de
constitucionalidade durante o processo é entendido, pela jurisprudência uniforme
e pacífica do Tribunal Constitucional, 'não num sentido puramente formal, mas
num sentido funcional. O mesmo é dizer, a inconstitucionalidade haverá de
suscitar-se antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a
que respeita, entendimento que decorre do facto de se estar perante um recurso,
o que pressupõe, naturalmente, uma decisão anterior sobre a questão que é
objecto do mesmo recurso' (a fls. 594 dos autos).
O ora reclamante podia ter suscitado a questão de
inconstitucionalidade na resposta à motivação do recurso interposto pelo
Ministério Público ou nas alegações orais apresentadas no Supremo Tribunal de
Justiça, devendo, neste último caso, ter requerido a menção em acta das razões
por que reputava tais normas de inconstitucionais.
Ao não suscitar tal questão em devido tempo,
perdeu o ora reclamante a via do recurso de constitucionalidade, previsto na
alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
8. Por isso, improcede a tese sustentada pelo
mesmo reclamante de que o relator no Supremo Tribunal de Justiça lhe devia ter
concedido o prazo de cinco dias para, querendo, completar o requerimento de
interposição do recurso. Sendo manifestamente inadmissível a interposição deste
recurso, o princípio de economia processual desaconselhava que fosse ordenada a
notificação do ora reclamante nos termos e para os efeitos do nº 5 do art. 75º
-A da Lei do Tribunal Constitucional, quando, logo depois, deveria ser
rejeitado o recurso por falta de pressupostos.
E, como de novo põe em relevo o Exmo
Procurador-Geral Adjunto, na reclamação o ora reclamante teve oportunidade
processual para esclarecer onde havia suscitado durante o processo a questão de
inconstitucionalidade - ou, não o tendo feito, por que motivo poderia esperar
que o Tribunal Constitucional mandasse admitir o recurso - mas nada disse na
matéria, prevalecendo-se apenas da omissão, tida por ilegal, de formulação do
convite previsto no nº 5 daquele art. 75º-A.
Também por este motivo não pode ser deferida a
reclamação.
III
9. Termos em que decide o Tribunal Constitucional
indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de
justiça em 5 (cinco) unidades de conta.
Lisboa, 31 de Janeiro de 1995
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa