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Procº nº 301/96.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. B..., veio solicitar, junto do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, a suspensão da eficácia do despacho de 26 de Maio de 1995, proferido pelo Governador Civil de Braga, despacho por intermédio do qual foi, dado o elevado nível sonoro emitido pelo estabelecimento denominado L..., sito na Póvoa de Lanhoso, indeferido o respectivo funcionamento para além das 22 e até às 2 horas seguintes, período esse que tinha sido requerido e até então - ou seja, desde Março de 1993 - vinha a ser praticado.
Por sentença prolatada em 4 de Agosto de 1995, foi o pedido indeferido, com fundamento, em síntese, na circunstância de a peticionada suspensão de eficácia ser 'de molde a gerar grave prejuízo para o interesse público, contrariando pois o disposto no artigo 76º/1/h) da L.P.T.A.'.
Não se conformando com o decidido, recorreu o B... para o Supremo Tribunal Administrativo, sendo que, na alegação que nesse recurso produziu, não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade referentemente a normas jurídicas.
Aquele Alto Tribunal, por acórdão de 30 de Novembro de
1995, negou provimento ao recurso jurisdicional, o que fez, essencialmente, com base na seguinte argumentação:-
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3.3. O deferimento da suspensão depende, porém, da verificação cumulativa dos requisitos elencados nas três alíneas do n.º 1 do artigo 76.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
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O interesse público cuja lesão, se grave, inviabiliza o deferimento do pedido de suspensão de eficácia dos actos administrativos não se confunde com os interesses específicos de que são titulares entidades públicas, antes abrange todos os bens e interesses, mesmo que directamente respeitantes a determinado grupo de particulares, cuja prossecução e defesa incumbe às entidades públicas. Assim, os valores da ordem e tranquilidade públicas, da segurança da circulação e dos edifícios, da higiene e salubridade públicas, não deixam de ser qualificáveis como interesses públicos pelo facto de os seus directos e imediatos beneficiários serem os particulares.
Assumem, nestes termos, relevância como interesses públicos os valores relacionados com a tranquilidade pública que se traduzem na garantia do repouso e do sossego das pessoas, que, como elementos integrantes do direito fundamental à integridade pessoal, moral e física (artigo 25.º, n.º 1, da Constituição) e do direito à saúde (artigo 64.º da Constituição), às autoridades públicas incumbe assegurar.
Nesta perspectiva, não poderia deixar de ser considerada como gravemente lesiva do interesse público a suspensão da eficácia requerida pela recorrente, que se traduziria na persistência de uma situação de reiterada violação do direito de repouso dos moradores do prédio onde se situa o estabelecimento em causa (entre os quais jovens em idade escolar), que teriam de continuar a suportar diariamente, até às 2H00, ruídos que largamente excedem o máximo legalmente tolerado (na última medição, atingiu-se o valor de 14,9 dB(A) quando o máximo admissível é de 10 db(A)).
Concluindo-se, como se concluiu, pela não verificação do requisito da alínea b) do n.º 1 do artigo 76.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, torna-se desnecessário, atento o carácter cumulativo dos requisitos de concessão da suspensão de eficácia, apreciar a ocorrência dos restantes, designadamente o da existência de prejuízos de difícil reparação para a recorrente.
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2. Notificado do acórdão de que parte acima se encontra transcrita, veio o B... apresentar um requerimento através do qual, embora invocando o artº 668º do Código de Processo Civil, requeria 'a revogação' de tal aresto.
O S.T.A., por acórdão de 11 de Janeiro de 1996, admitindo estar-se perante uma arguição de nulidade, indeferiu a mesma.
Apresentou a então recorrente requerimento por meio do qual pretendeu recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão de 30 de Novembro de 1995, requerimento esse que, a convite do Relator do S.T.A., veio a ser esclarecido por um outro do seguinte teor:-
'I
-A Recorrente, como se verifica das suas alegações, invocou três tipos de inconstitucionali dade:
a) Inconstitucionalidade por omissão: tão só para os efeitos limitados do nº 2, do art. 283 da Constituição.
b) 1ª inconstitucionalidade por acção: a do Dec.Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, nomeadamente do nº 3, do art. 4º, enquanto atribui ao Governador Civil funções de polícia, assim como da totalidade do Regulamento Policial do Distrito de Braga (que foi elaborado ao abrigo do §1º do art. 408º do Cód. Administrativo, na redacção do Dec. Lei nº 103/84, de 30 de Março- estes igualmente inconstitucionais, por razões semelhantes). De facto, aquele Dec. Lei viola o disposto no art. 291. nº 3 da Constituição, que redefiniu os poderes, transitórios, do Governador Civil, não lhe reconhecendo poderes de polícia.
c) 2ª inconstitucionalidade por acção: o Dec. Lei nº 252/92 foi proferido ao abrigo da al. a) nº 1, do art. 201º da Constituição - 'matérias não reservadas à Assembleia da República', o que não é o caso dos autos.
- Nesta parte, pode dizer-se que todo o Dec. Lei nº 252/92 padece de inconstitucionalidade orgânica: porque as suas matérias são da competência da assembleia da República,
- umas não delegáveis no Governo (art. 167º),
- enquanto outras, embora delegáveis, tal delegação não ocorreu (art. 168º).
- Por isso, nesta parte, foi violado o disposto nas alíneas l) e n), do art. 167º, assim como das alíneas b), c) e d), do nº 1, do art. 168º, ambos da Constituição. II
- A Recorrente levantou a questão da inconstitucionalidade na sua petição inicial (capítulos II, III e IV).
- esta questão, que é de apreciação oficiosa, não foi objecto de qualquer apreciação tanto na 1ª, como na 2ª instâncias: daí que restasse à Recorrente a possibilidade de recurso para o tribunal Constitucional, tão só para efeito de apreciar das mesmas questões ora referidas em esclarecimento'.
3. O Relator do S.T.A., por despacho de 9 de Fevereiro de 1996, não admitiu o recurso, fundamentalmente estribado nas circunstâncias de, por um lado, a inconstitucionalidade por omissão não poder 'ser suscitada em processos de fiscalização concreta de constitucionalidade, mas apenas em sede de fiscalização abstracta e pelas entidades taxativamente elencadas no nº 1 do artigo 283º da Constituição' e, por outro, no que se referia às normas que a então recorrente pretendia que o Tribunal Constitucional apreciasse, porque o acórdão intentado censurar não as aplicou, limitando-se, antes, 'a aplicar a norma do artigo 76º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos'.
É deste despacho que vem interposta a vertente reclamação 'para o PRESIDENTE DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (art. 668º do C. Proc. Civil)', referindo a reclamante que '[n]ão é curial afirmar-se que as normas referidas, invocadas pelo Recorrente, não foram aplicadas no acórdão recorrido', acrescentando:
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4 - QUE FIQUE CLARO: entendemos que é ilegítima a invocação de que a questão das normas inconstitucionais só possa ser apreciada quando foi apreciado o mérito do recurso contencioso.
-O ACTO ADMINISTRATIVO É O MESMO, tanto quando se pede a suspensão da sua eficácia, como quando se pede a sua anulação.
- Se a Sentença do T.A.C. e o Douto Acórdão do S.T.A. não apreciaram a questão de inconstitucionalidade dos poderes 'legais' invocados pelo Governador Civil de Braga, deveriam tê-lo feito: se tal acto pode vir a ser anulado por ter sido praticado ao abrigo de uma lei inconstitucional, NADA impedirá, TUDO impondo que veja, desde logo, declarada tal inconstitucionalidade em fase de procedimento cautelar.
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O Supremo Tribunal Administrativo, por acordão de 29 de Fevereiro de 1996, manteve o despacho reclamado.
O Ex.mo Representante do Ministério Público aqui em funções, tendo tido «vista» dos autos, pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
II
1. Adiante-se desde já que a presente reclamação não tem razão de ser.
Efectivamente, como à saciedade resulta das abundantes transcrições supra efectuadas, de um lado, aquando do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, a ora reclamante não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade e, de outro, sem que a esse respeito qualquer dúvida possa ser colocada, o acórdão de 30 de Novembro de 1995, pretendido impugnar, não convocou, como suporte normativo para a decisão nele ínsita, qualquer das normas que a mesma reclamante questionou tão somente aquando da elaboração do petitório de suspensão de eficácia. Convocou, isso sim e tão somente, a norma constante do nº 1 do artº 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos numa dupla vertente: de uma banda, que para se alcançar a suspensão da eficácia dos actos administrativos, mister é que estejam cumulativamente verificados os requisitos previstos nas suas alíneas a) a c); de outra que, in casu, porque se não verificava a existência do requisito vertido na alínea b), possível não seria o decretamento da providência.
Teve, aliás, o aresto desejado recorrer o cuidado de afirmar que, concluindo-se pela não verificação desse requisito, se tornava desnecessário apreciar se os restantes, no caso sub specie, tinham existência.
2. Não competiria, de qualquer modo, a este Tribunal - mais a mais situando-se, como se situa, numa espécie processual como a presente
- sindicar o aresto que se quis pôr sob censura no tocante a aquilatar se deveria ou não, numa providência de suspensão de eficácia, ter apreciado da
«ilegalidade» do suspendendo acto («ilegalidade» essa consubstanciada no exercício de poderes conferidos por nomas desconformes com a Constituição), mesmo que tivesse concluído que faltava um requisito daqueles cuja cumulativa ocorrência se exige para o decretamento da providência.
Na realidade, o que agora releva - tratando-se de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa fundado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, - é saber se, de uma parte, quem pretende recorrer suscitou, antes e perante o tribunal que proferiu a decisão a impugnar, a incompatibilidade com a Lei Fundamental de determinada ou determinadas normas e, de outra, se houve aplicação (no sentido de razão decisória) dessa ou dessas normas nessa mesma decisão.
Ora, como já se deixou dito, nenhum destes pressupostos se revela no presente caso, pelo que uma só consequência pode ser tirada: - a de se não encontrarem reunidos os pressupostos de recurso ancorado na dita alínea b) do nº 1 do artº 70º.
3. Pelo que tange à pela reclamante denominada
'inconstitucionalidade por omissão' (que, afinal, veio a reconhecer não ser
'pertinente'), as razões aduzidas no despacho sob reclamação e no acórdão que o confirmou são sobejamente suficientes para se não admitir um recurso de fiscalização concreta nela estribado.
De facto, naquela espécie de recursos não é possível a pronúncia por este Tribunal com vista às apreciação e verificação desse eventual
«vício», enquanto tal, pois que as mesmas unicamente podem ter lugar nos termos do artigo 283º do Diploma Básico.
De onde, também por aqui, falece a reclamação.
III
Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se a reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta.
Lisboa, 12 de Junho de 1996
Bravo Serra Luis Nunes de Almeida Messias Bento Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa