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Proc. nº 451/92 Cons. Sousa e Brito
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I Relatório
1 - O Procurador-Geral Adjunto em exercício no Tribunal Constitucional requereu a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 1º, alínea c), 2º, alínea a), na parte em que se refere à 'taxa' prevista na alínea c) do artigo 1º, e 5º do Decreto-Lei nº 75-C/86, de 23 de Abril.
Para fundamentar o seu pedido, o requerente observou que tais normas foram julgadas inconstitucionais, por violação do disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 168º da Constituição, pelos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 387/91, 388/91 e 183/92 (o primeiro e o
último publicados no D.R., II Série, de 2 de Abril e de 18 de Setembro de 1992, respectivamente; o segundo ainda inédito), tendo juntado cópia desses acórdãos.
2 - Notificado para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, ao abrigo do disposto nos artigos 54º e 55º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, o Primeiro-Ministro não apresentou resposta.
II Fundamentação
A O objecto do processo
3 - A alínea c) do artigo 1º do Decreto-Lei nº 75-C/86 contém a seguinte disposição:
'Constituem receita do Instituto dos produtos florestais:
...
c) A taxa de 0,45% sobre o valor total das vendas de pastas químicas;
...'
Por seu turno, a alínea a) do artigo 2º do mesmo diploma legal estabelece o seguinte:
'O Instituto dos Produtos Florestais procederá à liquidação das quantias correspondentes às taxas devidas:
a) Relativamente às taxas a que se referem as alíneas a), b), c), d), e), f) e g) do artigo 1º, com base nos mapas de movimento dos industriais e dos importadores;
...'
Finalmente, o artigo 5º determina que:
'As importâncias liquidadas nos termos do disposto neste Decreto-Lei deverão ser pagas, no prazo de trinta dias a contar da data da guia de depósito emitida, directamente ao Instituto dos Produtos Florestais ou depositadas, dentro do mesmo prazo, na Caixa Geral de Depósitos.'
4 - As normas transcritas foram explicitamente julgadas inconstitucionais, por violação do disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 168º da Constituição, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 183/92, precedentemente citado. Nos Acórdãos nºs 387/91 e 388/91, também já citados, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional '... o Decreto-Lei nº 75-C/86, na parte aqui em apreciação'. E a parte então apreciada era, igualmente, a respeitante às normas transcritas, visto que estava em causa a cobrança da taxa de 0,45% sobre o valor total das vendas de pastas químicas.
Por conseguinte, são objecto do presente processo as normas constantes dos artigos 1º, alínea c), 2º, alínea a), e 5º do Decreto-Lei nº 75-C/86. As duas últimas normas só estão em causa, porém, na parte em que se reportam à taxa prevista na primeira.
B A alegada violação do disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 168º da Constituição
5 - A alínea i) do nº 1 do artigo 168º da Constituição inclui na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República a matéria de criação de impostos e sistema fiscal. E esta norma constitucional terá sido violada pelas normas em crise, como se concluiu nos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 387/91, 388/91 e 183/92.
A circunstância de as normas terem sido julgadas inconstitucionais em três casos concretos- isto é, a circunstância de se verificar o pressuposto do presente pedido não impõe a este Tribunal que declare agora inconstitucionais tais normas (cfr., por todos, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 204/86, D.R., II Série, de 27 de Junho de 1986, e, na doutrina, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, vol. 2º, 2ª ed.,
1991, p. 481, e Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5ª ed., 1991, p. 1092). Impõem-se, por isso, reapreciar a questão.
6 - No Acórdão nº 387/91 entendeu-se que o nº 2 do artigo 15º da Lei nº 40/83, de 13 de Dezembro (Lei do Enquadramento do Orçamento do Estado), '... interpretado no sentido de que a manutenção da vigência do orçamento do ano anterior abrange as autorizações legislativas concedidas ao Governo que incidam sobre matéria fiscal, ofende a regra, resultante da conjugação do nº 3 do artigo 168º da Constituição, na versão de
1982 (as leis de autorização legislativa devem definir a duração da autorização), com os citados artigos 93º e 108º, nº 2, de que tais autorizações só podem ser utilizadas até 31 de Dezembro.'
Ora, sendo inconstitucional tal norma, quando interpretada nos termos indicados, é forçoso concluir - como se fez nos Acórdãos nºs 387/91, 388/91 e 183/92 - que a autorização legislativa contida no nº 1 do artigo 64º da Lei nº 2-B/85, de 28 de Fevereiro (Lei do Orçamento do Estado para 1985), caducou em 31 de Dezembro de 1985. E, assim, tal autorização já caducara quando foi editado o Decreto-Lei nº 75-C/86, que criou a receita do Instituto dos Produtos Florestais agora em discussão.
7 - Os acórdãos do Tribunal Constitucional precedentemente citados tiveram presente que o nº 5 do artigo
168º da Constituição, acrescentado pela 2ª revisão constitucional (Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho) - 'As autorizações concedidas ao Governo na Lei do Orçamento observam o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre matéria fiscal, só caducam no termo do ano económico a que respeitam' - não é aplicável no caso sub judicio (que é anterior à sua entrada em vigor).
De todo o modo, tais acórdãos observam, decisivamente, que '... as razões invocadas para que, em caso de atraso na votação ou aprovação da proposta de orçamento, se mantenha em vigor o Orçamento do ano anterior, como se dispõe no nº 1 do artigo 15º da Lei nº 40/83 - ou seja, os serviços do Estado têm de funcionar sem interrupções, não podendo haver hiatos no desenvolvimento da sua actividade financeira -, não procedem quanto às autorizações legislativas constantes da Lei do Orçamento que incidam sobre matéria fiscal. O atraso na entrada em vigor da nova Lei do Orçamento não impede o Governo de legislar, até 31 de Dezembro, sobre a matéria que foi objecto de autorização legislativa na lei anterior' (cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 387/91, cit.).
Continua agora a entender-se que, no caso dos autos - em que se não discute a manutenção do Orçamento, mas a manutenção de autorização legislativa em matéria fiscal que figura na respectiva lei -, não se pode justificar a inobservância da regra da anualidade. E, consequentemente, as normas em apreço são inconstitucionais, visto que o Decreto-Lei nº 75-C/86, que as integra, foi editado quando já havia caducado a necessária autorização legislativa.
III Decisão
8 - Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide declarar a inconstitucionalidade , com força obrigatória geral, da norma constante da alínea c) do artigo 1º do Decreto-Lei nº 75-C/86, de 23 de Abril, e das normas constantes da alínea a) do artigo 2º e do artigo 5º do mesmo decreto-lei, na parte em que estas últimas se referem à 'taxa' prevista na primeira, por violação do disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 168º da Constituição.
Lisboa, 10 de Março de 1993
José de Sousa e Brito Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Messias Bento Antero Alves Monteiro Dinis António Vitorino Alberto Tavares da Costa Mário de Brito Bravo Serra Maria da Assunção Esteves Luís Nunes de Almeida