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Proc. nº 251/90
2ª Secção Rel.: Consº Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I Relatório
1. A. e B. interpuseram reclamação para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional, do despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo que não admitiu um recurso de constitucionalidade por eles interposto oportunamente.
Invocaram, no essencial, a seguinte fundamentação:
- Em 6 de Fevereiro de 1989 os ora reclamantes interpuseram recurso contencioso de anulação de uma deliberação da Câmara Municipal de C., tomada em reunião realizada em 9 de Dezembro do ano antecedente, pela qual foi aprovada por unanimidade a adjudicação definitiva de um lote de terreno à D., no qual os recorrentes haviam construído uma vivenda, demolida em 13 de Abril de 1988 na sequência de deliberações da mesma Câmara Municipal e da Assembleia Municipal de C.;
- O recurso de anulação foi apresentado no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa e os recorrentes ora reclamantes requereram simultaneamente apoio judiciário, com dispensa total de preparos e do prévio pagamento de custas;
- O Ministério Público junto do Tribunal Administrativo do Círculo pronunciou-se no sentido da rejeição do recurso por incompetência absoluta do tribunal e por o acto impugnado ser um acto administrativo não definitivo, promovendo ainda que o pedido de apoio judiciário fosse liminarmente indeferido;
- Os ora reclamantes suscitaram, em 3 de Março de 1989, a questão da inconstitucionalidade deste parecer do Ministério Público, por violação do nº 2 do artigo 20º da Constituição, fazendo-se eco da posição relativa à inconstitucionalidade do diploma que alterou o Código das Custas Judiciais;
- Por decisão proferida em 17 de Março de 1989, a fls.
115 a 117, o Tribunal Administrativo de Círculo indeferiu liminarmente o pedido de concessão de 'assistência judiciária', bem como o recurso, por incompetência em razão da matéria do tribunal;
- Os ora reclamantes recorreram em 5 de Abril de 1989 para o Supremo Tribunal Administrativo dessa decisão 'ilegal e inconstitucional', tendo sustentado em alegações que se mostravam violados os artigos 4º, nº 2, al. f), e 51º, nº 1, al. c), do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril (ETAF) e o nº 2 do artigo 20º da Constituição 'porque ninguém pode dar o que não tem, a não ser que dê a sua própria pobreza';
- Não obstante a posição contraditória entre os representantes do Ministério Público na primeira instância e no S.T.A. sobre a legalidade da decisão de indeferimento liminar de apoio judiciário, argumentou-se 'inveridicamente - o que constitui autêntico ABUSO DE DIREITO por parte do julgador, que excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, de harmonia com o artigo 334º do Código Civil - que não foi formulada conclusão sobre essa matéria [...]', quando é certo que nas conclusões das alegações apresentadas em 26.04.98 se dava como reproduzida conclusão anteriormente apresentada;
Assim sendo, o referido acórdão do S.T.A. é
'nitidamente ilegal e inconstitucional, por violar designadamente o artigo
20º/1 e 2 e o artigo 22º do CRP/2ª Revisão - 1989, e tal inconstitucionalidade ter sido sempre arguida ao longo dos autos, «ex professo» em sede de alegações, além de o ARESTO ter cindido ilegalmente a unidade estrutural/formal e substancial da petição de recurso, omitindo pronúncia sobre os antecedentes e consequentes da deliberação recorrida [...]', razão por que foi dele interposto recurso de constitucionalidade;
- Tal recurso de constitucionalidade não foi admitido pelo relator no S.T.A. por inobservância do disposto nos artigos 70º e 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional;
- Os ora reclamantes entendem que esse fundamento invocado se não verifica, que teria havido omissão de pronúncia 'sobre matéria contida na estrutura formal e substancial da petição de recurso e do próprio Despacho recorrido de 17.3,89', sendo assim o aresto 'nitidamente ilegal e inconstitucional', por violação dos artigos 22º e 268º da Constituição;
- Além disso, e no que toca ao indeferimento do pedido de apoio judiciário, a ilegalidade e a inconstitucionalidade seriam ainda 'mais flagrantes', estando o artigo 26º, nº 2, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 24 de Dezembro, ferido do vício de inconstitucionalidade, não tendo nenhum cidadão a
'garantia de obter o benefício de apoio judiciário, mesmo nos casos de presunção legal de insuficiência económica, como é o caso flagrante dos autos';
- O aresto recorrido 'consubstancia uma situação de grande e gritante injustiça para os recorrentes, ultrapassando tudo o que é razoável, e está ferido do vício da ilegalidade e da inconstitucionalidade, questões que os recorrentes sempre suscitaram ao longo dos autos e que presentemente continuam a arguir'.
Requereram ainda a instrução de reclamação com várias peças processuais discriminadas, as quais constam da certidão de fls. 16 a 64.
2. Por acórdão de fls. 13, proferido em 5 de Julho de
1990, o Supremo Tribunal Administrativo manteve em conferência o despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade 'visto que, como claramente consta do mesmo despacho, não ocorre qualquer dos fundamentos de recurso para aquele Tribunal'.
3. Distribuído o processo, nele teve visto o Exmo. Procurador-Geral Adjunto. No seu parecer, sustenta ser manifesto que esta reclamação não merece deferimento.
4. Foram corridos os restantes vistos legais.
Cumpre apreciar a reclamação.
II Fundamentação
5. Entende-se que esta reclamação deve ser indeferida.
Da análise das peças processuais juntas aos autos resulta que os ora reclamantes jamais suscitaram no processo a inconstitucionalidade de quaisquer normas jurídicas, antes imputando eventuais inconstitucionalidades a actos processuais praticados pelo Ministério Público ou a actos judiciais.
Assim, pode ler-se a fls. 33 que 'o PARECER do M.P. é nitidamente INCONSTITUCIONAL por pretender limitar drasticamente, numa situação de extrema pobreza, o direito de acesso aos Tribunais'. A fls. 41 vº, em alegações apresentadas no agravo interposto para o S.T.A., afirma-se que fica
'assim registado o nosso veemente protesto pelo facto de o despacho recorrido ter pretendido limitar drasticamente, na presente situação de extrema pobreza, o direito de acesso ao Tribunal Superior'. E, nas mesmas alegações, pede-se a revogação do 'depacho/sentença recorrido, porque ilegal e inconstitucional (artigo 20º/2 da Constituição da República Portuguesa)' (a fls,
42). Nas conclusões das alegações, apresentadas no S.T.A. a convite(?) do relator, não se refere qualquer inconstitucionalidade imputada a uma norma jurídica, não se referindo sequer a matéria de apoio judiciário.
Jamais se alude a qualquer inconstitucionalidade de uma norma jurídica. Só no requerimento onde se formula a presente reclamação se refere, no nº 27, que 'o art. 26º-nº 2 da Lei [quer dizer-se Decreto-Lei]
387-B/87, de 24 de Dezembro está ferido do vício de inconstitucionalidade, o que já se arguiu e continua a arguir' (a fls. 7).
No acórdão de fls. 53 a 61, o S.T.A. nega provimento ao recurso, confirmando a decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa quanto à incompetência em razão da matéria dos tribunais administrativos para apreciar o objecto do recurso e, quanto à questão do apoio judiciário, considerou não poder conhecer do recurso em virtude de os recorrentes, nas conclusões das alegações que apresentaram após notificação, terem omitido inteiramente essa matéria, desse modo renunciando de forma tácita à impugnação da decisão do Tribunal de 1ª instância. Neste acórdão acrescenta-se ainda que,
'ainda que assim não fosse, a decisão seria de manter, não por força da disposição legal invocada [na sentença recorrida], que já não vigorava, mas porque o artigo 26º, nº 2, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, impõe o indeferimento liminar do pedido de apoio judiciário quando, como é o caso, for evidente que não pode proceder a pretensão formulada no processo para que aquele é solicitado.' (a fls. 61).
No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade apresentado em 23 de Março de 1990, declaram os ora reclamantes não se conformar com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo por este 'violar designadamente o art. 20º/1 e 2 e art. 22º da Constituição da República Portuguesa - 2ª Revisão/1989', aludindo depois à questão da incompetência em razão de matéria dos tribunais administrativos para conhecer da adjudicação do lote de terreno onde havia sido edificada a vivenda, entretanto demolida e referindo-se a uma unidade de questões litigiosas 'que jamais podia ser cindida', afirmando no final que vêm recorrer para o Tribunal Constitucional do identificado acórdão 'já que a inconstitucionalidade foi sempre arguida ao longo dos autos, designadamente em sede de alegações' (a fls. 62 e vº).
Foi em face deste desenrolar processual que o Conselheiro Relator indeferiu o recurso, afirmando que - independentemente da inobservância pelos recorrentes do vício de indicação da norma ou normas violadoras da Constituição prevista no artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional - o acórdão de que se pretendia recorrer, não fez aplicação (nem deixou de aplicar) norma arguida de inconstitucional 'ou sequer' tinha 'abordado questão desta natureza ou de ilegalidade de normas' (a fls. 63 vº). O indeferimento foi, assim, baseado na não verificação 'das circunstâncias enunciadas no artigo 70º da Lei nº 28/82 (na redacção resultante da Lei nº 85/82 de 7. Set.) como fundamento de recurso para o Tribunal Constitucional'.
Pelo que se referiu, não pode deixar de dar-se razão à posição sufragada no S.T.A., pois nem os recorrentes suscitaram oportunamente a questão de inconstitucionalidade de certa norma jurídica, nem o acórdão de que se pretendia recorrer fez aplicação da norma do artigo 26º do Decreto-Lei nº
387-B/87, a que alude numa afirmação meramente hipotética.
III
6. Nestes termos e pelos fundamentos expostos, indefere-se a presente reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em dez unidades de conta.
Lisboa, 2 de Março de 1993
José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Bravo Serra Mário de Brito Fernando Alves Correia Messias Bento José de Sousa e Brito