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Proc. nº 75/92
1ª Secção Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A., casado, ferroviário, residente na Avenida ------------------, ----, ----,
-------------, intentou, em 22 de Agosto de 1990, acção de condenação com processo sumário no Tribunal de Trabalho de Lisboa contra a sua entidade patronal, “B., E.P.”, com sede em Lisboa, pedindo a declaração de nulidade ou a anulação da sanção disciplinar de 6 dias de suspensão com perda de antiguidade e vencimento que lhe fora aplicada pela demandada.
A acção foi contestada, foi marcada tentativa de conciliação, não tendo comparecido o mandatário da ré na data indicada, 23 de Maio de 1991. Foi então marcada data de julgamento (15 de Janeiro de 1992).
Através do requerimento de fls. 52, apresentado em 11 de Outubro de 1991, a demandada B. veio, 'à cautela, nos termos e para os efeitos da al. b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro [...] e tendo em conta o nº 2 do mesmo artigo, suscitar a inconstitucionalidade da al. ii) do art. 1º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho (Lei da Amnistia)', afirmando que não cabia recurso ordinário de decisão que viesse eventualmente a aplicar a norma amnistiadora. Invocou como fundamentos da pretendida inconstitucionalidade a 'violação, entre outras disposições da Lei Fundamental, dos seus arts. 62º, nº
1, 81º, al. c), 82º, nº 2, e, fundamentalmente, pela violação do princípio de igualdade expressamente consagrado no art. 13º'.
Em 28 de Outubro de 1991, o autor veio requerer a aplicação da norma amnistiadora à sua situação, devendo ser considerada amnistiada a infracção disciplinar, com todas as consequências legais. Notificado também do requerimento da ré, o autor veio sustentar que a norma amnistiadora não sofria de qualquer inconstitucionalidade (requerimento de fls.
56).
Na audiência de julgamento, o Senhor Juiz do 4º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, começou por apreciar a questão de inconstitucionalidade suscitada, após ter dado a palavra aos advogados das partes sobre esta matéria. E decidiu absolver a ré da instância por entender amnistiada a infracção disciplinar, visto que a norma amnistiadora não se mostrava, em sua opinião, inquinada pelo vício de inconstitucionalidade, não se achando nomeadamente violado o princípio da igualdade (a fls. 59 vº -60).
Deste despacho interpôs recurso para o Tribunal Constitucional a demandada B., o qual foi admitido por despacho de fls. 66.
2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional, nele tendo apresentado alegações recorrente e recorrido. A recorrente formulou nessas alegações as seguintes conclusões, reproduzindo as elaboradas pelo Prof. Doutor José Manuel Sérvulo Correia em parecer jurídico junto pela recorrente aos autos.
'1. É compatível com a natureza das pessoas colectivas a aplicação às mesmas do princípio constitucional de igualdade.
2. Em âmbito exterior ao exercício de poderes de autoridade por elas próprias e
à sua sujeição ao poder organizatório do Estado, podem as empresas públicas ser titulares de direitos fundamentais e, designadamente, do direito fundamental à igualdade de tratamento.
3. Podem assim as empresas públicas invocar a inconstitucionalidade dos preceitos legais que arbitrariamente as discriminem em relação às empresas privadas.
4. Na medida em que o instituto do poder disciplinar, configurado pelas mesmas normas jurídicas, existe tanto no ordenamento jurídico das empresas públicas
(salvo poucas excepções entre as quais não figura a recorrente) como no das empresas privadas, é legítimo comparar o tratamento dado (e não dado) a ambas os tipos de empresas pela alínea ii) do art. 1º da Lei 23/91, de 4 de Julho.
5 A vigência em ambos os tipos de empresas do mesmo poder disciplinar e a verificação da identidade da relação funcional, nas empresas de ambos esses tipos, entre o poder disciplinar e a execução dos direitos contratuais de organização e coordenação da empresa mostra que as situações jurídicas disciplinares de umas e outras empresas são iguais no essencial.
6. Deste modo, a alínea ii) do art. 1º da lei 23/91 tratou desigualmente situações juridicamente qualificáveis como iguais.
7. E não se encontra qualquer base material em que possa fundar-se um juízo de razoabilidade favorável a tal desigualdade de tratamento.
8. O fim geral da Lei 23/91 não só não impunha como até foi contrariado pela diferenciação de tratamento entre os trabalhadores de empresas públicas e privadas.
9. Tudo indica que tal discriminação terá sido motivada pela convicção de que o legislador disporia de maior legitimidade para coarctar o poder disciplinar dos
órgãos de gestão das empresas públicas do que o das administrações e gerências das empresas privadas.
10. Mas tal convicção não corresponde à realidade do nosso sistema jurídico, que proporciona às empresas públicas uma garantia institucional que inclui a liberdade de direcção e gestão (no quadro das orientações genéricas da tutela) e a igualdade de condições concorrenciais com as empresas privadas.
11. E ainda que a aludida motivação da diferenciação de tratamento tivesse sido legítima, a disparidade dos tratamentos normativos sempre continuaria a pecar pelo carácter desproporcionado da sua extrema amplitude em face da proximidade jurídico - material das situações reguladas'. (a fls. 69 vº a 70 vº).
O recorrido, por seu turno, sustentou a plena conformidade constitucional da norma amnistiadora, chamando a atenção para a circunstância de o Estado ser o detentor único do capital social das empresas públicas e de nada impedir que o 'através de uma lei de Amnistia, abdicar do
«ius puniendi» nas empresas de que é exclusivo titular, em relação a infracções disciplinares ocorridas até determinada data' (a fls. 101 vº).
3. Foram corridos os vistos legais.
Cumpre apreciar o objecto do pedido.
II
4. Constitui objecto deste recurso a alínea ii) do art. 1º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho, com o seguinte teor:
'Desde que praticados até 25 de Abril de 1991, inclusive, são amnistiados:
-------------------------------------------------
ii) As infracções disciplinares cometidas por trabalhadores de empresas públicas ou de capitais públicos, salvo quando constituam ilícito penal não amnistiado pela presente lei ou hajam sido despedidos por decisão definitiva e transitada'.
A questão posta ao Tribunal Constitucional é a de saber se a norma em causa é ou não conforme à Constituição, nomeadamente quando confrontada com os seus arts. 13º, 62º, nº 1, 81º, alínea c), e 82º, nº 2.
Ora, sobre esta questão e a propósito de uma relação laboral de que era parte o ora recorrente, foram tirados, por unanimidade, pelo Tribunal Constitucional dois acórdãos, em processos avocados ao plenário deste mesmo Tribunal nos termos do art. 79º-A da Lei do Tribunal Constitucional, nos quais se julgou não inconstitucional a transcrita norma (importa no caso referir em especial o Acórdão nº 152/93, publicado no Diário da República, II Série, nº
63, Suplemento de 16 de Março de 1993). Dada a jurisprudência assim firmada, em caso idêntico ao dos autos, mantém-se o teor da mesma, remetendo-se de forma integral para os fundamentos e conteúdo decisório daquele aresto, que aqui se dão por reproduzidos.
III
5. Nestes termos, decide o Tribunal Constitucional julgar improcedente o presente recurso, confirmando em consequência o despacho recorrido.
Lisboa, 30 de Março de 1993
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Vítor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
José Manuel Cardoso da Costa