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Proc. nº 193/92
2ª Secção Rel.: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I Relatório
1. A., recorrente no processo nº 206/89, que correu os seus termos na 2ª Secção do Tribunal Constitucional e foi decidido pelo Acórdão nº 235/91 (D.R., II Série, de 20 de Setembro de 1991), requereu, no âmbito desse processo, em 6 de Junho de 1991, ao abrigo do disposto no artigo 669º do Código de Processo Penal de 1929, ao Procurador da República que interpusesse recurso extraordinário para o Supremo Tribunal de Justiça, do Acórdão de 30 de Maio de
1989 do Tribunal da Relação de Lisboa (C.J., XIV, 1989, 3, pp. 168-171). Alegou, para o efeito, a oposição entre este acórdão e o proferido, também pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 30 de Janeiro de 1985 (C.J., X, 1985, 1, pp. 187-189), na interpretação a dar ao artigo 362º do Código Penal ('Ofensa à honra do Presidente da República').
2. Este requerimento foi indeferido, por despacho de 21 de Junho de 1991 do Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa, com os seguintes fundamentos:
a) o requerimento terá sido extemporâneo, por haver já decorrido o prazo de cinco dias, fixado no artigo 651º do Código de Processo Penal de 1929 para a interposição de recurso extraordinário;
b) não haverá oposição entre os citados acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, porque em ambos se atribui prevalência ao interesse público da protecção do respeito devido ao Presidente da República, na interpretação do artigo 362º do Código Penal.
3. Em 2 de Julho de 1991, A. veio, nos termos do artigo
652º do Código de Processo Penal, '... reclamar do obstáculo levantado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, à interposição de recurso para o Tribunal Pleno'. O 'obstáculo' seria, como se depreende dos termos da reclamação, o despacho do Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa, que anteriormente se referiu.
4. Esta reclamação foi indeferida, por acórdão proferido em conferência da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em 26 de Fevereiro de 1991, por os despachos do Ministério Público não serem susceptíveis da reclamação prevista nos artigos 652º do Código de Processo Penal de 1929 e 688º e 689º do Código de Processo Civil (aplicáveis por força do disposto no § único do artigo 1º do mesmo Código de Processo Penal).
5. A. interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, '... ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro ...', por ele ter aplicado '... implicitamente a norma do artigo 669º do Código de Processo Penal de 1929, cuja inconstitucionalidade foi suscitada pelo recorrente na reclamação dirigida a esse Venerando Tribunal e que foi alvo da decisão de que ora se recorre.'
6. O tribunal a quo não admitiu o recurso, por despacho de 12 de Março de 1992, por entender que o acórdão impugnado não aplicou - nem sequer implicitamente - a norma constante do artigo 669º do Código de Processo Penal, limitando-se '... a decidir que os despachos do Ministério Público não são susceptíveis da reclamação prevista no artigo 652º mencionado no Código de Processo Penal e nos artigos 688º e 689º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1º, § único, do Código de Processo Penal de 1929, e, por isso, desatendeu a reclamação ...'.
7. É desta decisão que vem a presente reclamação. O reclamante sustenta nela, em síntese, que '... o despacho do Ministério Público
... pode caber dentro do conceito vago e genérico de decisões dos tribunais' e que o tribunal a quo aplicou 'implicitamente' a norma do artigo 669º do Código de Processo Penal de 1929, embora se tivesse apoiado no preceituado pelo artigo
652º do mesmo código.
Corridos os vistos legais previstos no nº 2 do artigo
77º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com a redacção introduzida pela Lei nº
85/89, de 7 de Setembro, cumpre decidir.
II Fundamentação
8. O artigo 669º do Código de Processo Penal de 1929 - que o reclamante afirma haver sido implicitamente aplicado pelo tribunal a quo - dispõe o seguinte:
'Se qualquer Relação proferir um acórdão que esteja em oposição com outro dessa ou de diversa Relação sobre a mesma matéria de direito e dele não puder interpor-se recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça, deverá o Procurador da República junto de qualquer delas, oficiosamente ou a requerimento da acusação ou da defesa, recorrer extraordinariamente para o Supremo Tribunal de Justiça, a fim de se fixar a jurisprudência.
§ único. O Supremo Tribunal de Justiça decidirá o recurso em tribunal pleno, observando-se, na parte aplicável, o disposto no artigo anterior e seu § único.
9. Ora, este artigo não foi, efectivamente, aplicado pelo tribunal recorrido. A invocada aplicação implícita respeita, evidentemente, ao corpo do artigo e a norma nele contida tem por destinatário o Procurador da República. O que a norma estabelece é o dever de o Procurador da República interpor, em certas circunstâncias, recurso extraordinário para o Supremo Tribunal da Justiça.
10. Do exposto flui, inequivocamente, que o Tribunal da Relação de Lisboa não aplicou, nem explícita nem implicitamente, a norma cuja inconstitucionalidade o reclamante afirma ter arguido. E nem seque o poderia ter feito, uma vez que tal norma tem por destinatário, como se viu, o Ministério Público.
11. Por conseguinte, não cabe, neste caso, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, com a redacção introduzida pela Lei nº 85/89. Não está presente nenhuma decisão que haja aplicado norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada no decurso do processo.
III Decisão
Ante o exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e confirmar o despacho que não admitiu o recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se em dez U.C. a taxa de justiça.
Lisboa, 30 de Março de 1993
José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Messias Bento Mário de Brito Bravo Serra Fernando Alves Correia José Manuel Cardoso da Costa