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Processo nº 622/93 Eleitoral Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:
1. No processo eleitoral de candidatura à Câmara Municipal de Benavente, o Mmº Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Benavente, proferiu, com a data de 19 de Outubro de 1993, um despacho, 'ao abrigo do estatuído no art. 21º, 1 do citado DL nº 701-B/76' de 29 de Setembro, a rejeitar, por inelegível, o 'candidato A., nº 2 da lista de candidaturas do PS à C. M. de Benavente, porque exerce a profissão de funcionário de justiça não pode ser eleito para os órgãos do poder local, visto o disposto no art. nº 4º,
1, a) do DL 701-B/76, de 29 de Set.'.
2. Deste despacho apresentou em tempo reclamação o mandatário da lista do Partido Socialista, B., contestando, no essencial, que o candidato em causa, sendo 'efectivamente funcionário judicial', não se encontra, porém, 'sujeito à inelegibilidade prevista no artº. 4º, nº 1, alínea (a) do D.L. nº 701-B/76, de 29 de Setembro (Lei Eleitoral para os Órgãos das Autarquias Locais)', porque exerce funções no Tribunal Judicial de Alenquer, cuja área de jurisdição não é coincidente com a do Tribunal Judicial de Benavente, devendo
'ser admitida a respectiva candidatura'.
3. Cumprida a tramitação processual prevista no artigo 23º, nº 3, do citado Decreto-Lei nº 701-B/76, proferiu o Mmº Juiz a decisão final, com a data de 29 de Outubro de 1993, desatendendo, no que aqui importa, a 'reclamação apresentada' e mantendo 'o despacho de fls. 9 dos presentes autos' (o despacho identificado em 1).
Isto, porque, fundamentalmente, aderindo-se à jurisprudência deste Tribunal Constitucional de 1985 (Acórdãos nºs 225/85,
226/85 e 256/85), no 'caso em presença, as funções que exerce o candidato em causa podem influir sobre o eleitorado pois que aquele, residindo em Benavente a cuja Câmara Municipal pretende ser eleito, exerce a sua actividade em Tribunal sediado a curta distância deste concelho' ('o perigo da benevolência do eleitor não deixa pois, de se fazer sentir neste caso' acrescenta ainda o julgador).
4. De tal decisão final veio recorrer em tempo o mesmo mandatário do Partido Socialista, reeditando os argumentos da reclamação e concluindo que o 'despacho do Meretíssimo Juiz de Direito da Comarca de Benavente violou o disposto nos artigos 18º. nº 2 e 3 e 50º. nº 3 da Constituição da República Portuguesa' e, por isso, deve 'ser revogado'.
5. Admitido o recurso, por despacho do Mmº Juiz de
5 de Novembro, cumpre agora decidir.
Sobre a mesma matéria questionada nestes autos - a inelegibilidade estabelecida no artigo 4º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº
701-B/76, de 29 de Setembro, relativamente a um funcionário de justiça candidato a eleição para câmara municipal - teve já este Tribunal Constitucional oportunidade de estabelecer jurisprudência no sentido de que, não sendo o candidato funcionário de justiça na comarca onde se situa o órgão autárquico a cuja eleição é candidato, não vale quanto a ele aquela inelegibilidade.
'Assim, no caso dos funcionários de justiça, que como a causa de inelegibilidade era, na jurisprudência deste Tribunal, a defesa de independência da função judicial, tem de se concluir que, face à parte final do nº 3 do artigo 50º da Constituição da República Portuguesa, deixa este fundamento de ser credencial constitucional bastante para continuar a fundamentar tal inelegibilidade. De facto, não poderá mais dizer-se que, para garantir a isenção e a independência de um autarca no exercício das respectivas funções, se torna necessário criar (ou manter) uma inelegibilidade para os funcionários de justiça. Já, porém, no que toca à defesa de liberdade de escolha dos eleitores - o outro parâmetro constitucional para esta matéria -, essa inelegibilidade, como quer que se entenda em geral, não terá credencial constitucional ao menos quando se trate de uma inelegibilidade que exceda o âmbito territorial da ou das autarquias compreendidas na área de jurisdição do tribunal em que o funcionário de justiça (com o sentido antes definido) exerça funções. Na verdade, do que, com efeito, se trata é de atalhar ao perigo de se influenciar os eleitores por virtude do cargo que se desempenha, pois que, de outro modo, se iriam colocar os candidatos numa posição desigual perante os eleitores: o candidato comum contava apenas, para influenciar os eleitores, com a força das ideias que defende e a do seu próprio prestígio pessoal, ao passo que quem desempenha determinados cargos contaria ainda com o peso da influência decorrente da própria função. Numa palavra, trata-se de impedir a captatio benevolentiae dos eleitores. Ora, neste último caso se encontrarão os funcionários de justiça - expressão que, repete-se, há-de ser entendida como abarcando o secretário dos tribunais superiores e os funcionários hoje compreendidos na categoria de oficiais de justiça, tal como já antes se explicitara, quando se candidatem a órgãos autárquicos sediados dentro da área de jurisdição do tribunal onde exercem funções'.
É esta a argumentação do Acórdão nº 528/89, publicado no D.R. II Série, nº. 68, de 22 de Março de 1990, que aqui se acolhe.
No presente caso, o candidato A. não é funcionário de justiça na comarca de Benavente, não valendo, assim, quanto a ele a inelegibilidade de que se socorreu o Mmº Juiz a quo.
6. Termos em que, DECIDINDO, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, declara-se elegível para a Câmara Municipal de Benavente o candidato do Partido Socialista A..
Lisboa, 10 de Novembro de 1993
Guilherme da Fonseca Maria da Assunção Esteves Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes Luís Nunes de Almeida Vítor Nunes de Almeida Messias Bento Antero Alves Monteiro António Vitorino Bravo Serra (vencido pelas razões constantes da declaração de voto apendiculada ao Acordão nº 528/89) Alberto Tavares da Costa (vencido nos termos da declaração aposta ao Acordão nº
528/89) José Manuel Cardoso da Costa (vencido, conforme declaração junta ao Acordão nº
528/89)