Imprimir acórdão
Processo nº 495/92
1ª Secção Relator: Cons. Tavares da Costa
Acordam, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- A., identificado nos autos, foi autuado pela Polícia Municipal em 10 de Março de 1988 por ter efectuado obras não licenciadas em andar de prédio urbano desta cidade, o que constituía contra-ordenação prevista nos artigos 1º e 2º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), aprovado pelo Decreto-Lei nº 38 382, de 7 de Agosto de 1951, e punível pelo artigo 162º do referido Regulamento, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 463/85, de 4 de Novembro.
Por despacho de 3 de Agosto de 1990, o vereador da Câmara Municipal de Lisboa, com competência delegada, aplicou-lhe a coima de
10.000$00.
Como o arguido não tivesse pago nem impugnado judicialmente a decisão, o representante do Ministério Público (MºPº) junto do Tribunal de Polícia de Lisboa, instaurou-lhe a respectiva execução (processo apenso).
Nesses autos, veio o arguido, em 26 de Maio de 1992, requerer amnistia da contra-ordenação, ao abrigo do disposto na Lei nº 23/91, de
4 de Julho.
Indo os autos com vista ao MºPº, este magistrado, considerando que à data da infracção a norma do citado artigo 162º já fora julgada inconstitucional - por o limite máximo aí previsto ser de
5.000.000$00, quando o Governo apenas podia, sem credencial, sancionar com o limite máximo o previsto no artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82, ou seja,
200.000$00 - promoveu que se declarasse a inconstitucionalidade da norma, no apontado âmbito, e se aplicasse a amnistia prevista no artigo 1º, alínea dd) da Lei nº 23/91.
Então, nos autos principais, o Senhor Juiz, por despacho de 4 de Junho de 1992, julgou inconstitucional, por violação da alínea d) do nº 1 do artigo 168º da Constituição da República (CR), a norma constante do corpo do artigo 162º do RGEU, na redacção do Decreto-Lei nº 463/85, na parte em que comina coimas superiores a 200.000$00, e, assim, considerando que a contra-ordenação em causa é punível com coima com este limite máximo, tendo mais presente a data dos factos e o disposto na alínea dd) do artigo 1º da Lei nº
23/91, declarou extinto, por amnistia, o procedimento contra-ordenacional em apreço e, em consequência, ordenou o arquivamento dos autos principais e dos apensos de execução.
2.- É desta decisão, enquanto recusa, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação da norma do artigo 162º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 463/85, de 4 de Novembro, na parte em que fixa o limite máximo da coima em montante superior ao estabelecido no artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, que vem interposto, pelo Ministério Público, o presente recurso, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Neste Tribunal, apenas o Ministério Público apresentou alegações, concluindo pela confirmação da decisão recorrida, na parte impugnada.
II
1.- Na pendência dos presentes autos, este Tribunal, em plenário, lavrou Acórdão, o nº 329/92, de 20 de Outubro, em que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 162º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, na redacção introduzida pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 463/85, de 4 de Novembro, no segmento em que estabelece, para as coimas nele previstas aplicadas a pessoas singulares, um limite máximo superior ao fixado no regime geral do ilícito de mera ordenação social (artigo 17º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 17 de Outubro), por violação do artigo 168º, nº 1, alínea d), parte final, da Constituição.
2.- Publicado no Diário da República, I Série A, nº 264, de 14 de Novembro de 1992, resta aplicar ao caso vertente tal declaração de inconstitucionalidade.
Com efeito, estão reunidos os dois elementos cuja presença se entende necessária para a concretização e densificação do sentido normativo do conceito de força obrigatória geral: de um lado, vinculação, pelas sentenças do Tribunal Constitucional declarativas de inconstitucionalidade (ou ilegalidade), de todos os órgãos constitucionais, de todos os tribunais e de todas as autoridades (efeitos de vinculação); de outro lado, força de lei das decisões de inconstitucionalidade (ou ilegalidade), o que implica o alargamento da obrigatoriedade das sentenças a todas as pessoas físicas e jurídicas (e não apenas aos poderes públicos) juridicamente afectadas, nos seus limites e obrigações, pela norma declarada inconstitucional (ou ilegal) - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª ed., 2º vol., Coimbra, 1985, págs. 535 e 536).
III
Pelo exposto e em aplicação da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do Acórdão nº
329/92, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se, na parte impugnada, a decisão recorrida.
Lisboa, 3 de Março de 1993
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Vítor Nunes de Almeida
António Vitorino
José Manuel Cardoso da Costa