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Processo nº 97/92
2ª Secção Rel.Cons. Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A. recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo do despacho, de 3 de Junho de 1985, do CHEFE DE ESTADO-MAIOR DA FORÇA AÉREA, que ordenou a sua passagem compulsiva à situação de reserva.
O Supremo Tribunal Administrativo, porém, por acórdão de
6 de Março de 1986, da 1ª Secção, julgou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer do recurso, por tal competência pertencer, nos termos do artigo
120º, nº 1, do Regulamento de Disciplina Militar, aprovado pelo Decreto-Lei nº
142/77, de 9 de Abril, ao Supremo Tribunal Militar.
O recorrente interpôs, então, recurso jurisdicional desse acórdão para o Pleno da dita 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, alegando, inter alia, a inconstitucionalidade do referido artigo 120º, nº 1, do Regulamento de Disciplina Militar.
O Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, no entanto, por acórdão de 11 de Dezembro de 1991, negou provimento ao recurso. Ponderou, para tanto, que, quanto aos recursos interpostos de 'decisões proferidas pelas entidades militares em matéria disciplinar', 'a competência dos tribunais militares está coberta por credencial constitucional', o mesmo acontecendo quanto aos recursos das decisões que, como a que está sob recurso, apliquem sanções estatutárias, por isso que a invocada inconstitucionalidade do artigo 120º, nº 1, do Regulamento de Disciplina Militar não procedia.
2. É deste acórdão, de 11 de Dezembro de 1991, do Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo que vem o presente recurso, com vista à apreciação da inconstitucionalidade da norma do nº 1 do artigo 120º do Regulamento de Disciplina Militar.
Apenas o recorrente apresentou alegações. Nelas, depois de afirmar a inconstitucionalidade do artigo 120º do Regulamento de Disciplina Militar, formulou as seguintes conclusões:
1 - Os tribunais militares, inclusive o Supremo Tribunal Militar, são incompetentes para a apreciação e julgamento de actos definitivos e executórios, quer em matéria disciplinar, quer em matéria estatutária;
2 - O foro disciplinar militar está hoje distribuído, absurdamente, por duas ordens de tribunais, sendo que cabe, segundo o acórdão do TC referido, aos tribunais administrativos de círculo, a competência para a apreciação de actos administrativos, em matéria disciplinar, que não sejam da competência de Chefes de Estado Maior.
3. Corridos os vistos, cumpre decidir. E decidir, desde logo, se deve conhecer-se do recurso.
II. Fundamentos:
4. O recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do nº
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, ou seja, fundado em que o acórdão recorrido aplicou norma (no caso, o nº 1 do artigo 120º do Regulamento de Disciplina Militar) que o recorrente arguira de inconstitucional durante o processo.
Pois bem: não restam dúvidas de que o recorrente, nas alegações de recurso para o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, suscitou a inconstitucionalidade do referido artigo 120º, nº 1. E também não há dúvidas de que o acórdão recorrido não julgou esta norma inconstitucional.
Mas, terá o acórdão recorrido aplicado no julgamento do recurso (ou seja: para decidir que o Supremo Tribunal Administrativo era incompetente, em razão da matéria, para dele conhecer) a norma do referido nº 1 do artigo 120º do Regulamento de Disciplina Militar?
A esta questão há que responder negativamente, como vai ver-se.
O acórdão recorrido, depois de dizer que, no caso, se não está em presença de uma sanção disciplinar, mas antes de uma sanção estatutária de reserva compulsiva, afirma que 'o Supremo Tribunal Militar é competente para conhecer de todas aquelas sanções, quer as disciplinares, quer as estatutárias'. E é-o, porque - diz -, conquanto a Constituição da República, na sua versão originária, apenas atribuísse aos tribunais militares competência em matéria criminal, a revisão de 1982 veio permitir que a lei lhes atribuísse
'competência para a aplicação de medidas disciplinares ' (cf. nº 3 do artigo
218º), e essa possibilidade manteve-se com a revisão de 1989 (cf. artigo 215º, nº 3). Ora - acrescenta -, isso há-de ser entendido como podendo ser 'atribuída aos tribunais militares a competência para apreciar os recursos de decisões proferidas pelas entidades militares em matéria disciplinar'.
E o acórdão recorrido justifica esta conclusão do modo que segue:
É que, se do nº 1 do artigo 120º do Regulamento de Disciplina Militar (redacção do Decreto-Lei nº 226/79, de 21 de Julho) já constava que 'das decisões definitivas e executórias dos Chefes dos Estados-Maiores proferidas em matéria disciplinar cabe recurso contencioso para o Supremo Tribunal Militar, com fundamento em ilegalidade', isso foi reafirmado no nº 4 do artigo 59º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei nº 29/82, de 11 de Dezembro), do seguinte teor: 'Dos actos definitivos e executórios praticados pelos Chefes de Estado-Maiores cabe recurso contencioso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, salvo quanto aos actos praticados em matéria disciplinar ou noutra que, nos termos da Lei, sejam da competência do Supremo Tribunal Militar'. Ora, a simples circunstância de esta Lei ter sido emitida pouco depois da revisão constitucional (Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro), e pelo mesmo órgão de soberania - a Assembleia da República - permite considerar que o mencionado nº 3 do artigo 215º da Constituição não pretendeu afastar a possibilidade de ser atribuída aos tribunais militares competência para apreciar as decisões proferidas pelas entidades militares em matéria disciplinar. Mas, se isto é assim para as sanções disciplinares - ou seja, a competência dos tribunais militares quanto a estas está coberta por credencial constitucional -, o mesmo acontece com as sanções estatutárias.
Significa isto que o acórdão recorrido, para decidir a questão de competência, que constituía objecto do recurso, fez aplicação do artigo 59º, nº 4, da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei nº 29/82, de 11 de Dezembro), e não do artigo 120º, nº 1, do Regulamento de Disciplina Militar, cuja inconstitucionalidade o recorrente havia suscitado.
Não podia, de resto, ser de outro modo, pois, tendo o acto impugnado sido praticado em 3 de Junho de 1985 [portanto, em plena vigência da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei nº 29/82, de 11 de Dezembro)], a única norma que podia ser invocada para determinar o tribunal competente para o recurso (o Supremo Tribunal Administrativo ou, antes, o Supremo Tribunal Militar) era a do mencionado nº 4 do artigo 59º da Lei nº
29/82, de 11 de Dezembro, e não a do nº 1 do artigo 120º do Regulamento de Disciplina Militar.
Tendo a questão da competência sido decidida por aplicação do nº 4 do artigo 59º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, então, de um lado, o que, no acórdão recorrido, se afirma sobre a compatibilidade do artigo 120º, nº 1, do Regulamento de Disciplina Militar com o nº 3 do artigo 215º da Constituição não passa de um obiter dictum; e, de outro, o julgamento da questão de constitucionalidade tendo por objecto esse artigo
120º, nº 1, não poderia nunca ter qualquer efeito útil sobre a decisão dessa questão de competência.
Ora - para além de que se não verifica, no caso, um dos pressupostos do recurso (a saber: o ter sido aplicado o artigo 120º, nº 1, do Regulamento de Disciplina Militar) - para além disso, como tem sido sublinhado em decisões anteriores, os recursos de constitucionalidade desempenham uma função instrumental. Por isso, só se justifica que deles se conheça, quando a decisão a proferir sobre a questão de inconstitucionalidade, que constitui o seu objecto, possa projectar-se utilmente sobre a decisão da questão a propósito da qual se coloca esse problema de inconstitucionalidade.
Decorre do que vem de dizer-se que, no caso - à semelhança do que este Tribunal já decidiu no Acórdão nº 167/92, por publicar - não deve conhecer-se do recurso.
III Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decide-se não conhecer do recurso e condenar o recorrente em custas, fixando-se para tanto a taxa de justiça em quatro unidades de conta.
Lisboa, 8 de Junho de 1993
Messias Bento Fernando Alves Correia Bravo Serra José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa