Imprimir acórdão
Procº nº 529/92 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. Nos autos de expropriação por utilidade pública, em que figuram como expropriante a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais e como expropriado A., interpôs este recurso do acórdão arbitral, que tinha fixado o montante da indemnização em 831 400$00, para o Tribunal Judicial da Comarca de Silves, propugnando pela sua elevação para 47 150 000$00.
Na pendência deste recurso, arguiu o expropriado a nulidade do relatório de avaliação e das respostas aos quesitos apresentadas pelos peritos maioritários. Tendo a arguição de nulidade sido indeferida por despacho do Mmº Juiz daquele tribunal, de 5 de Setembro de 1990, interpôs o expropriado recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Évora.
Entretanto, em 9 de Outubro de 1990, admitiu aquele magistrado o recurso de agravo, com subida diferida, e lavrou sentença que, concedendo provimento parcial ao recurso da arbitragem, fixou o quantum da indemnização em
1 020 600$00.
2. Desta sentença apelou o expropriado para o Tribunal da Relação de
Évora, sustentando que o valor da indemnização devia ser fixado em, pelo menos,
3 583 400$00 e insistindo na nulidade do relatório de avaliação e das respostas aos quesitos dos peritos maioritários.
O Tribunal da Relação de Évora, por Acórdão de 19 de Março de 1992, negou provimento ao agravo e concedeu provimento parcial à apelação, aumentando o quantitativo da indemnização para 1 416 200$00.
3. Deste aresto interpôs o expropriado recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
(Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), invocando a inconstitucionalidade do artigo
126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, do Título IV do Código das Expropriações de 1976, designadamente dos artigos 27º, nº 2, e 28º, nº 1, bem como dos artigos 61º, 73º, nº 2, face ao artigo 82º, nº 1, todos deste último Código, e dos artigos 523º, 524º e 580º, nº
3, do Código de Processo Civil, 'dado que tais disposições restritivas, no
âmbito das expropriações, impedem inequivocamente que seja paga a justa indemnização', violando, assim, os artigos 12º, nº 1, 13º, nºs. 1 e 2, 18º, nºs
1, 2 e 3, 20º, nº 1, 62º, nº 2, 205º, nº 2, e 207º da Constituição.
No requerimento de interposição do recurso, refere o ora reclamante que a questão da inconstitucionalidade daquelas normas foi suscitada 'durante o processo', em vários momentos, e que o acórdão de que recorre para o Tribunal Constitucional não admite recurso ordinário, 'expressa e claramente quanto à decisão de fundo (apelação) e de modo indirecto quanto ao agravo (art. 83º/4/ do Cód. Expropriações então vigente), pois o recurso para o STJ seria um contra-senso, um ilogismo processual, baseado numa mal compreendida teoria das três instâncias em matéria expropriativa'.
4. O Desembargador Relator, por despacho de 23 de Abril de 1992, não admitiu, porém, o recurso, 'por não se verificar a condição prevista no nº 2 do artigo 70º da Lei nº 28/82 (o prévio esgotamento dos meios ordinários de recurso)'.
Salienta-se nesse despacho que '[...] de acordo com as regras gerais sobre alçadas (cfr. artigo 20º, nº 1, da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro), do acórdão ora impugnado para o Tribunal Constitucional era ainda possível recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça.
Mesmo quanto à decisão desse acórdão que fixou a indemnização era possível tal recurso, face ao disposto no artigo 37º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro - e isto considerando-se, que, quando o acórdão de folhas 229/237 foi tirado, já estava em vigor aquele Código. Como ensina o velho Mestre Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, 1963, pág. 49), 'a nova Lei sobre a admissibilidade dos recursos deve aplicar-se a todas as decisões que venham a ser proferidas nas causas pendentes'.
5. Contra este despacho foi apresentada a presente reclamação. Nela sustenta, em síntese, o reclamante que:
a) No domínio do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, não há recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que fixou a indemnização;
b) Não há também recurso do acórdão da Relação 'que decidiu o agravo, porque este deve seguir a sorte do de apelação, que o absorve por completo, não se aplicando ao caso as regras gerais sobre alçadas;
c) O artigo 37º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, 'não se aplica ao caso dos autos, mas mesmo que se aplicasse jamais poderia fixar um 4º grau de jurisdição, pois seria manifestamente inconstitucional';
d) Verifica-se, portanto, a condição prevista no nº 2 do artigo 70º da Lei nº 28/82 - o prévio esgotamento dos meios ordinários de recurso -, devendo ser admitido o recurso para o Tribunal Constitucional.
6. O Tribunal da Relação de Évora, por Acórdão de 28 de Maio de
1992, manteve o despacho reclamado.
7. O Exmº Procurador-Geral Adjunto em funções no Tribunal Constitucional emitiu parecer no sentido do indeferimento da presente reclamação.
8. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II - Fundamentos.
9. O artigo 70º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional prescreve que 'os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem das decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam'.
Tendo o recurso para este Tribunal sido interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70º da Lei nº 28/82, a resolução da presente reclamação passa pela averiguação da sujeição ou não do Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora, de 19 de Março de 1992, a recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
9.1. No domínio do Código das Expropriações de 1976, era entendimento corrente que só era admitido recurso até ao Tribunal da Relação das decisões do tribunal de comarca que fixavam o valor da indemnização, em recurso das decisões arbitrais (cfr. os artigos 46º, nº 1, 59º, nº 1, e 83º, nº 4, daquele Código), bem como das decisões sobre o valor da reversão dos bens expropriados proferidos pelo juiz da comarca, em recurso da decisão dos árbitros
(cfr. os artigos 111º e seguintes, especialmente o artigo 116º, nº 3, do mesmo Código). Esta solução do Código de 1976 - herdada do Decreto-Lei nº 71/76, de 27 de Janeiro, que rompeu com a regra constante da Lei nº 2063, de 3 de Junho de
1953, segundo a qual, nos processos de expropriação, era admitido recurso para os tribunais superiores, de harmonia com as regras gerais das alçadas (cfr. os artigos 1º, 2º e 8º) - encontrava a sua justificação na necessidade de impedir a criação, no âmbito daquelas matérias, de um regime excepcional de quatro graus de jurisdição, dado a decisão arbitral ter natureza jurisdicional, funcionando os tribunais de comarca como segunda instância judicial [cfr. F. Alves Correia, Formas de Pagamento da Indemnização na Expropriação por Utilidade Pública
(Algumas Questões), Separata do Número Especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra - 'Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Arruda Ferrer Correia' - 1984, Coimbra, 1991, p. 34, nota 19].
Em todas as outras questões suscitadas em processo de expropriação, era entendimento predominante da jurisprudência dos nossos tribunais superiores que se aplicava a regra geral do processo civil sobre a admissão de recursos em função do valor da alçada, já que, fora das matérias acima referidas, não se poderia afirmar que a admissão de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça representava um quarto grau de jurisdição.
Foi neste contexto que surgiu o Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Julho de 1979 (publicado no Diário da República, I Série, de 3 de Novembro de 1979), nos termos do qual 'é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos gerais, o acórdão da relação que, em processo de expropriação por utilidade pública, julgue sobre a forma de pagamento da indemnização fixada'.
9.2. Entretanto, foi publicado um novo Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, o qual, de acordo com o artigo 2º deste diploma legal, entrou em vigor 90 dias após a data da sua publicação.
O artigo 37º do novo Código estatui que 'na falta de acordo sobre o valor global da indemnização, será este fixado por arbitragem, com recurso para os tribunais, de harmonia com a regra geral das alçadas'. Comparando este preceito com o artigo 46º, nº 1, do Código de 1976, verifica-se que naquele foi suprimido o seguinte período final que constava deste último:
'Não haverá, porém, recurso das decisões das Relações para o Supremo Tribunal de Justiça'.
A eliminação da segunda parte do nº 1 do artigo 46º do Código das Expropriações de 1976 significou, na tese do despacho objecto da presente reclamação (o qual veio a ser confirmado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora, de 28 de Maio de 1992), o regresso ao regime anterior ao Decreto-Lei nº
71/76, isto é, ao regime da Lei nº 2063, com o sentido que então lhe foi atribuído pela jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça, o qual consistia na admissibilidade de recurso do acórdão da relação sobre o valor da indemnização para o Supremo tribunal de Justiça, no caso de o consentir a regra das alçadas, ainda que, a atribuir-se natureza jurisdicional à decisão arbitral, tal representasse um quarto grau de jurisdição (cfr., neste sentido, o parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto e L. Perestrelo de Oliveira, Código das Expropriações Anotado, Legislação Complementar, Coimbra, Almedina, 1992, p. 107,
108). [Repare-se que também a norma do nº 3 do artigo 116º do Código das Expropriações de 1976, que dispunha que a decisão do juiz a fixar o valor a restituir na reversão era 'recorrível, nos termos gerais, somente para o Tribunal da Relação' não foi reproduzida no Código das Expropriações de 1991, e isto porque, contrariamente ao Código anterior, o Código novo comete ao juiz do tribunal de comarca a fixação, em primeira instância, do montante a restituir pelo expropriado, no caso de reversão, na falta de acordo das partes].
9.3. Como já foi salientado, o despacho do Desembargador Relator que não admitiu o recurso para este Tribunal, para além de considerar que o artigo
37º do Código das Expropriações de 1991 se aplicava imediatamente ao processo de expropriação pendente no Tribunal da Relação de Évora, entendeu que aquele preceito veio possibilitar o recurso do acórdão da Relação que fixar a indemnização para o Supremo Tribunal de Justiça, nos casos em que o valor da causa for superior à alçada do Tribunal da Relação, como sucede no caso concreto, em que o valor da acusa é de 47 150 000$00.
Ainda que a solução a que chegou o Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Évora - a qual foi sufragada pela conferência - no que tange à admissibilidade no novo Código das Expropriações de recurso dos acórdãos da Relação que fixarem o quantum da indemnização para o Supremo Tribunal de Justiça, nos casos em que o valor da causa exceder a alçada do Tribunal da Relação, não se revele inequívoca (poderia pensar-se, de facto, no silêncio do legislador no exórdio do Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, sobre uma alteração tão significativa do Código das Expropriações de 1976 em matéria de recursos e, bem assim, no artigo 64º, nº 2, do Código de 1991, que refere que a sentença proferida pelo juiz do tribunal de comarca que fixa o montante da indemnização a pagar pela entidade expropriante 'será notificada às partes, podendo dela ser interposto recurso com efeito meramente devolutivo para o tribunal da relação'), é seguro que ela não se afigura como infundada, à luz das disposições do novo Código das Expropriações, nem enferma de qualquer vício de inconstitucionalidade, uma vez que não há nenhuma norma ou princípio constitucional que proíba a existência de um quarto grau de jurisdição no domínio da discussão litigiosa do montante da indemnização por expropriação. A isto acresce que, tal como referiu este Tribunal nos Acórdãos nºs. 279/92
(publicado no Diário da República, II Série, de 23 de Novembro de 1992) e 187/93
(inédito), o despacho do Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Évora diz respeito a uma matéria - a do processo civil - que ultrapassa a função específica de controlo do Tribunal Constitucional, sendo certo que não se conhece jurisprudência em sentido contrário ao daquele despacho.
O despacho objecto da presente reclamação não suscita, assim, qualquer censura por parte deste Tribunal.
III - Decisão.
10. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação, condenando-se o reclamante em custas, para o que se fixa a taxa de justiça em 04 unidades de conta.
Lisboa, 8 de Junho de 1993
Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Messias Bento Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa