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Proc. nº 110/92
1ª Secção Rel.: Cons. António Vitorino
Acordam, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A. intentou, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, acção comum, com processo sumário, contra a B., (E.P.), tendo em vista obter declaração de nulidade da sanção disciplinar de despedimento que lhe havia sido aplicada, bem como a reintegração no seu posto de trabalho acompanhada do pagamento de todas as quantias a que se achava com direito desde a data do despedimento e até à sua efectiva reintegração, ou, caso assim optasse, pelo pagamento de uma indemnização legalmente devida.
No decurso do processo o mandatário do autor requereu que fosse aplicado o disposto na alínea ii) do artigo 1º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho, e que consequentemente fosse considerada amnistiada a infracção em causa, com todas as consequências legais, designadamente a reintegração do trabalhador na empresa.
A ré B. opôs-se, tendo para tanto invocado a inconstitucionalidade material da aludida norma da Lei da amnistia, por violação dos artigos 13º, 62º, nº 1, 81º, alínea c) e 82º, nº 2, todos da Constituição da República.
O juiz do 3º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, por despacho de 24 de Janeiro de 1992, recusou a aplicação da norma da alínea ii) do artigo 1º da Lei nº 23/91, por a entender materialmente desconforme aos artigos 3º, nº 3, 16º
(por lapso decerto, pois resulta do despacho em causa, que se pretendia referir o artigo 62º) e 13º da Constituição.
2. Deste despacho recorreu para o Tribunal Constitucional o representante do Ministério Público junto do Tribunal de Trabalho de Lisboa, obrigatoriamente, em
4 de Fevereiro de 1992.
Posteriormente, em 6 de Fevereiro de 1992, veio também interpor recurso de constitucionalidade o A..
3. Alegando neste Tribunal, o Procurador-Geral Adjunto concluiu que a parte final da norma em causa ('por decisão definitiva e transitada') se deveria ter por inexistente, pelo que deveriam considerar-se excluídas da amnistia as infracções disciplinares dos trabalhadores das empresas públicas ou de capitais exclusivamente públicos puníveis ou punidas com despedimento e, caso assim se não entendesse, dever-se-ia julgar inconstitucional tal norma, na parte em que amnistia infracções sancionadas com despedimento, por violação do princípio do Estado de direito democrático.
Por seu turno, nas alegações que proferiu, A. concluiu que 'ao decidir como fez o Mº Juiz a quo violou entre outros as seguintes disposições : artº 13º, artº 62º, nº 1, artº 82º, nº 1, artº 87º, nº 2, artº 3º, nº 3, artº 16º, nº 1, artº 277º, nº 1, artº 270º, da C.R.P. e alínea ii) do artº 1º da Lei nº 23/91 de
4 de Julho, pelo que o douto despacho deve ser revogado, declarando-se constitucional e aplicável aos presentes autos a referida alínea ii) do artº 1º da Lei da Amnistia.'
Finalmente a recorrida B.. contra-alegou no sentido de a norma em crise violar o disposto nos artigos 13º, 62º, nº 1, 82º, nº 2 e 87º da Constituição, tendo junto aos autos dois pareceres corroborando a sua tese.
Corridos os vistos legais, passa-se a decidir.
II
1. Constitui objecto do presente recurso a alínea ii) do artigo 1º da Lei nº
23/91, de 4 de Julho, com o seguinte teor:
'Desde que praticados até 25 de Abril de 1991, inclusive, são amnistiados:
ii) As infracções disciplinares cometidas por trabalhadores de empresas públicas ou de capitais públicos, salvo quando constituam ilícito penal não amnistiado pela presente lei ou hajam sido despedidos por decisão definitiva e transitada.'
A questão de constitucionalidade suscitada pelos recursos em apreço reporta-se a matéria que foi objecto de decisão deste Tribunal, em plenário, ao abrigo do disposto no artigo 79º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro (Acórdão nº 153/93, publicado no Diário da República, II Série, de 23 de Março de 1993).
Neste aresto foi apreciada a conformidade da norma em causa à luz dos preceitos constitucionais invocados na decisão ora recorrida, tendo o Tribunal concluído, por unanimidade, que a mesma não enfermava de qualquer dos alegados vícios de inconstitucionalidade.
Atenta a similitude das situações em causa e o sentido e alcance do julgamento de um recurso em plenário, como decorre do disposto no citado artigo 79º-A da Lei nº 28/82, entende o Tribunal dever aplicar ao caso presente a doutrina do Acórdão nº 153/93 e, pela fundamentação dele constante para a qual ora se remete, decide não julgar inconstitucional a norma da alínea ii) do artigo 1º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho.
2. Quanto ao recurso de A., embora a sua pretensão se encontre consumida pela precedente decisão quanto ao recurso do Ministério Público, entende-se que do mesmo se não deve tomar conhecimento, e isto porque não preenche os requisitos de admissibilidade pressupostos pela Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, uma vez que os vícios de inconstitucionalidade nele invocados não são reportados a normas jurídicas mas sim à própria decisão recorrida. Ora, é sabido que objecto do controlo de constitucionalidade são apenas as normas jurídicas e já não outros actos públicos, designadamente decisões judiciais. Razão porque se entende dele não dever tomar conhecimento.
III
Nestes termos, decide-se:
a) Conceder provimento ao recurso do Ministério Público e consequentemente determinar a revogação do despacho recorrido em conformidade com o presente julgamento de não inconstitucionalidade;
b) Não tomar conhecimento do recurso interposto por A., condenando-o em custas e fixando a taxa de justiça devida em 2 UC's.
Lisboa, 25 de Maio de 1993
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Luís Nunes de Almeida