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Processo n.º 253/11
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A. foi condenado no Tribunal de Círculo de Loulé pela prática, em coautoria material e concurso real, de dois crimes de passagem de moeda falsa e dois crimes de abuso de confiança, na pena única de seis anos e seis meses de prisão. O julgamento ocorreu sem a presença do arguido, que tem a sua residência em Londres, Reino Unido, e que declarara autorizar que o mesmo decorresse na sua ausência. O seu defensor, oficiosamente nomeado pelo tribunal, esteve presente quer na audiência em que ocorreu a produção da prova, quer naquela em que teve lugar a leitura da sentença e publicação do acórdão, logo depositado na secretaria do tribunal. Nessa mesma data – 28 de abril de 2010 – foi expedida carta ao arguido, recebida em 3 de maio de 2010, com cópia do acórdão. No dia 7 de junho de 2010 o arguido interpôs recurso da sentença condenatória, através de advogado que para esse efeito constituiu, recurso que foi admitido no tribunal recorrido.
Todavia, na Relação de Évora foi proferida decisão sumária a rejeitar o recurso por extemporaneidade. Houve reclamação para a conferência que, por acórdão de 27 de janeiro de 2011, a indeferiu, confirmando a rejeição, por extemporaneidade, do recurso interposto pelo arguido. No que aqui releva, diz o aresto:
“Circunscrevendo o âmbito problemático ao que é estritamente relevante para a presente reclamação, importa decidir se tendo o julgamento decorrido na 1.ª instância na ausência do arguido, residente fora do território nacional, que deu o seu consentimento prévio a que a audiência de julgamento decorresse sem a sua presença, o curso do prazo de interposição de recurso relativamente ao acórdão que o condenou, exige a respetiva notificação, nos termos do art. 113.º, n.º 9 do CPP, ou se basta, para o efeito, a notificação na pessoa do defensor oficioso que lhe foi nomeado e que o patrocinou e esteve presente no julgamento e na audiência de publicação do acórdão. Na segunda hipótese, importa apreciar se o n.º 9 do artigo 113.0 em conjugação com o n.º 4 e 6 do artigo 334.º e o n.º 3 do artigo 373.º do Código de Processo Penal, com essa interpretação, viola o disposto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição.
Por último, se a rejeição do recurso pela Relação, nos termos do n.º 3 do art. 414.º do CPP, depois do mesmo ter sido admitido na 1.ª instância viola o disposto no art. 32.º da CRP ou qualquer outro preceito da Lei Fundamental e da CEDH que o reclamante convoca na sua reclamação.
Sem embargo do respeito pela discordância do arguido em relação à decisão sumária proferida, são de todo inaceitáveis as críticas que a reputam de “claramente apressada e de ainda mais chocante ligeireza na apreciação da questão
De facto, a decisão de que se reclama foi devidamente ponderada e justificada em termos jurisprudenciais e doutrinais, nomeadamente jurisprudência do Tribunal Constitucional, e se estivéssemos perante uma decisão com a dita ligeireza, por certo que não se justificaria tão extenso arrazoado do reclamante para defender uma posição diversa da adotada.
Sem prejuízo do que já foi referido na decisão sumária, impõe-se salientar que o arguido A. foi representado por defensor oficioso durante toda a fase do julgamento, e só veio a constituir mandatário judicial depois da publicação do acórdão na instância recorrida.
No próprio dia da publicação do acórdão foi-lhe dirigida carta registada para o seu domicílio no Reino Unido com vista à sua notificação do teor daquele (fls. 1255), que lhe foi efetivamente entregue em 3 de maio de 2010.
Não está aqui em causa a notificação do acórdão condenatório ao reclamante, cuja omissão – se tivesse acontecido – não constituiria qualquer nulidade, muito menos insuprível (como defende o recorrente – pois, dita-o o art. 118.º, n.º 1 do CPP. só há nulidades nos casos expressamente previstos na lei – e, no caso, a lei não comina a falta dessa notificação como nulidade, pelo que, por exclusão de partes cairia no domínio das irregularidades, dependente de arguição – art. 123º do CPP). o que está verdadeiramente causa é saber se, nos casos em que um arguido, residente fora do território nacional, que deu o seu consentimento à realização do julgamento sem a sua presença e que neste esteve representado por defensor, basta a notificação do acórdão ao defensor, para efeitos de início do prazo de interposição do recurso, considerando-se o arguido notificado, nos termos do n.º 3 do art. 373.º do CPP, ou esse prazo terá de contar-se a partir da data posterior em que o arguido leve conhecimento dele, por lhe ter sido formalmente notificado pelo tribunal recorrido.
É uma questão de interpretação do alcance do n.º 4 do art. 334.º do CPP.
E este tribunal entende que, tendo o arguido, ora reclamante, consentido expressamente que o julgamento se realizasse sem a sua presença, a representação por defensor oficioso “para todos os efeitos possíveis”, de que fala a lei, importa que se considere aquele notificado do acórdão proferido, depois deste ser lido perante o seu defensor, e que o prazo para interposição do recurso comece a correr a partir da leitura desse mesmo acórdão, que foi depositado no mesmo dia em que foi publicado, e não dias depois quando o mesmo foi rececionado pelo arguido por via postal.
No caso, o acórdão foi lido e depositado no dia 28 de abril de 2010, pelo que tendo o recurso sido interposto apenas em 7 de junho de 2010, pelo Exmo. Advogado que veio a constituir, sem que tenha sido invocado justo impedimento, não pode deixar de reputar-se extemporânea essa interposição.
É esse o entendimento defendido no Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, a pág. 833, § 2.º, pelo Professor Pinto de Albuquerque, ob. citada, anotação 6.ª ao art. 334.º do CPP e anotação 13.ª ao art. 373.º do mesmo diploma legal.
Como refere o Prof. Pinto de Albuquerque, ob. citada, a fls. 923, “a decisão de interposição de recurso é, com efeito, uma decisão jurídica, que não só não está reservada pessoalmente ao arguido, como compete obrigatoriamente ao defensor (art. 64, n.º 1, alínea d) e a jurisprudência do TEDH citada na anotação ao artigo 62), pelo que todas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso, estão asseguradas quando se procede à notificação da sentença apenas ao defensor... mesmo que ele não tenha estado na audiência de julgamento, quando dela se ausentou voluntariamente ou foi afastado devido a uma sua conduta voluntária (artigos 325, nºs 4 e 5. e 332. nºs 5 e 6) ou quando pediu que a audiência tivesse lugar na sua ausência (artigo 334, nºs 2 e 4).”
Impõe-se referir ainda que o art. 334.º do CPP foi alterado recentemente pela Lei n.º 26/2010, de 30 de agosto, tendo o n.º 6 e o n.º 7 sofrido alterações que não beliscam a interpretação dada. O legislador apenas quis deixar claro que, fora dos casos previstos no n.º 1 e 2 do art. 334.º. o prazo para interposição do recurso se conta a partir da notificação da sentença ao arguido e que nessa notificação o arguido deve ser expressamente informado do direito a recorrer da sentença (ou do acórdão) e do prazo para o exercício de tal direito.
Assim, o entendimento manifestado na decisão sumária não se afigura violador de qualquer preceito constitucional, nomeadamente do art. 32.º da Lei Fundamental que consagra as garantias do processo criminal.
Reconhece-se que o Tribunal Constitucional não tem tido uma posição de unanimidade nas diversas vezes em que foi confrontado com questões de constitucionalidade respeitantes à relação entre a notificação pessoal ao arguido da sentença criminal condenatória e a garantia constitucional do direito ao recurso em processo penal, como se anota no acórdão do TC n.º 489/2008, de 7 de outubro.
Denominador comum de todas as situações em que a questão se suscitou foi o facto de o arguido se não encontrar presente na audiência em que a decisão condenatória foi lida.
Assim, o Acórdão n.º 59/99 julgou inconstitucional a norma do artigo 113, n.º 5, do CPP (a que corresponde o artigo 113º. n.º 7. na redação da Lei n.º 59/98. de 25 de agosto, com artigo 113º. n.º 9, na redação do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de dezembro), «quando interpretada no sentido de que a decisão condenatória proferida por um tribunal de recurso pode ser notificada apenas ao defensor que ali foi nomeado para substituir o primitivo defensor que, embora convocado, faltou à audiência, na qual também não esteve presente o arguido em virtude de não ter sido, nem dever ser, para ela convocado».
No caso decidido pelo Acórdão n.º 109/99, o arguido não esteve, justificadamente, presente na audiência em que se procedeu à leitura da sentença, mas esteve presente o seu mandatário, pronunciando-se o Tribunal pela não inconstitucionalidade, nessas circunstâncias, da norma que se extrai da leitura conjugada dos artigos 411.º, n.º 1, e 113.º, n.º 5 (atual art. 113º, n.º 9), do CPP.
O Acórdão n.º 378/03 recaiu sobre uma situação em que o arguido foi notificado da data em que viria a ocorrer a leitura da sentença (no termo da audiência de julgamento em que esteve presente). A sentença foi lida no dia designado para o efeito, na presença da defensora oficiosa do arguido. O Tribunal pronunciou-se pela não inconstitucionalidade da norma do artigo 373.º, n.º 3, conjugada com a do artigo 113.º, n.º 7 (atual n.º 9 do mesmo artigo), interpretada no sentido de a sentença lida perante o primitivo defensor nomeado, ou perante advogado constituído, se considerar
No Acórdão n.º 429/03, idêntico juízo de não inconstitucionalidade versou sobre uma situação em que o arguido, tendo estado presente na audiência de produção de prova, na qual foi marcada a data para a leitura da sentença, não compareceu na audiência em que se procedeu a essa leitura, à qual assistiu defensor indicado pelo seu anterior defensor para o substituir
No caso, estamos perante um julgamento que decorreu sem a presença do arguido, ora reclamante, mas com o consentimento deste. Trata-se de uma situação diferente da abordada no aresto n.º 312/05 do TC.
Numa situação com alguma similitude da que nos ocupa, decidiu o TC, no seu aresto n.º 111/2007, “Não julgar inconstitucional a norma derivada dos artigos 113º, n.º 9, 334. º, n.º 6, e 373. º, n.º 3, do Código de Processo Penal interpretados no sentido de que pode ser efetuada por via postal simples, com prova de depósito, para a morada indicada no termo de identidade e residência prestado pelo arguido, a notificação de sentença condenatória proferida na sequência de audiência de julgamento a que o arguido, ciente da data da sua realização, requerera ser dispensado de comparecer, por residir no estrangeiro, sentença que foi notificada ao defensor do arguido, que esteve presente audiência de julgamento e na audiência para leitura da sentença”.
Não pode esquecer-se que o arguido foi notificado da data da realização do julgamento e no próprio dia que estava marcado para a realização deste remeteu ao tribunal declaração de consentimento da efetivação do julgamento na sua ausência. O arguido foi, inclusive, notificado dos contactos, inclusive telefónicos do defensor que lhe foi nomeado e que o patrocinou na fase de julgamento (cf. fls. 1176).
Como se refere no citado acórdão n.º 489/2008. “para ajuizar da efetivação, em suficiente medida, da garantia de recurso consignada no artigo 32.º, n.º 1. o que está fundamentalmente em causa é ponderar a disponibilidade ou não, pelo interessado, de uniu oportunidade real de tomar conhecimento, em tempo oportuno, da sentença condenatória contra si proferida. Para emissão de um tal juízo há que ter em conta os deveres funcionais e deontológicos a que fica sujeito o defensor nomeado e a diligência exigível a quem tem conhecimento de que contra si corre um processo, no termo do qual pode ser sancionado com uma pena privativa de liberdade.”
Quanto ao primeiro vetor, impõe-se dizer que o primitivo defensor, que patrocinou o arguido em julgamento, esteve presente na audiência da leitura do acórdão, tendo a mesma sido depositada na secretaria do tribunal. Fácil lhe seria, em cumprimento de um dever elementar, ao tomar conhecimento da decisão, comunicá-la, em tempo útil, ao seu representado, pois o contacto telefónico deste consta dos autos, sendo certo que nem sequer foi alegado que não tivesse tido conhecimento do acórdão condenatório pelo seu defensor.
Independentemente desse aspeto, o próprio arguido tomou conhecimento da decisão através da notificação que lhe foi remetida pelo tribunal logo após a publicação do acórdão, Que recebeu no 5.º dia posterior a essa data.
Um simples telefonema ao defensor oficioso, cujos contactos lhe foram comunicados pelo Tribunal, permitir-lhe-ia ficar ciente dos motivos fácticos e jurídicos que o levaram a ser considerado como agente de vários ilícitos criminais e da reação, a nível de imposição de penas, que lhe foram aplicadas e das possibilidades de recurso e do prazo de que dispunha para o fazer. Note-se que na notificação do acórdão feita pelo tribunal recorrido não é mencionado qualquer prazo para reagir contra a decisão condenatória ou sequer referida a possibilidade de recurso.
Assim sendo, e tendo em conta que a decisão sobre a eventual utilidade ou conveniência de interpor recurso, em regra, depende mais do conselho do defensor do que, propriamente, de uma ponderação pessoal do arguido, há que concluir que este pode decidir se deve ou não defender-se, interpondo, se quiser, em prazo contado da leitura da sentença que o condene, o respetivo recurso. E pode tomar essa decisão com inteira liberdade, sem precipitações e sem estar pressionado por qualquer urgência, tanto mais que para a reapreciação da prova gravada dispunha de um prazo de 30 dias.
E se houvesse algum contratempo que pusesse em causa uma real possibilidade de exercício do direito ao recurso, o regime processual penal permitia sempre que o arguido invocasse a figura do justo impedimento (artigo 107º, nº 2, do C.P.P.), para que pudesse exercer de modo efetivo aquele seu direito ao recurso, nunca ficando a sua posição de sujeito processual desprotegida.
Se houve negligência da sua parte em constituir mandatário para o representar em sede de recurso, não merece, certamente, tutela ao abrigo das garantias de defesa reconhecidas ao arguido. Estas não dispensam o interessado do ónus de uma conduta ativa de obtenção de uma informação decisiva para a efetivação do direito ao recurso, como componente dessas garantias. Colocado numa situação como a dos autos, de possibilidade eminente de sujeição a uma pena de prisão, um arguido medianamente diligente não se teria desligado do andamento do processo, a ponto de deixar esgotar um prazo bem razoável de interposição de recurso [30 dias + 3 (estes últimos, todos dias úteis)].
Assim, em nosso juízo, nenhuma afronta aos preceitos constitucionais ocorrerá pelo facto de considerar-se que o acórdão foi notificado ao arguido, ora reclamante, no dia da sua leitura, na pessoa do defensor que representou na fase de julgamento e que esteve presente em ambas as audiências, iniciando-se com o depósito o prazo de interposição do recurso daquele acórdão”.
2. É deste acórdão que A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), que lhe foi admitido. No Acórdão 311/2011 fixou-se, como objeto do recurso, a norma retirada do artigo 334.º n.ºs 2 e 4 do Código de Processo Penal com o sentido de «que o arguido se encontra notificado da sentença condenatória na pessoa do defensor oficioso, iniciando-se a partir daí o prazo para a interposição de recurso.»
O recorrente apresentou alegação, concluindo:
A) A interpretação do artº 334.º n.º 2 e n.º 4 do Código de Processo Penal, doravante CPP no sentido de entender que o arguido que consentiu que o julgamento se realizasse na sua ausência, se considera representado para todos os efeitos possíveis, pelo defensor, inclusivamente para efeitos de notificação de sentença condenatória, iniciando-se o prazo para interposição de recurso, com a notificação ao defensor, viola os mais elementares direitos e garantia de defesa do arguido, constitucionalmente consagrados nos artigo 20º, 29º, 32º, 202º e 205º da Constituição da República Portuguesa.
B) É inconstitucional o critério normativo aplicado na decisão recorrida, segundo o qual a garantia de acesso ao recurso se basta só com a contagem do prazo para a sua interposição a partir na notificação do conteúdo decisório do Acórdão ao defensor.
C) Tal entendimento, traduz um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido, e dele decorre violação “do princípio das garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso”.
D) Com efeito, e salvo douto entendimento em contrário, a não admissão do recurso, constitui grave violação dos princípios constitucionais que impõe ao processo criminal assegurar todas as garantias de defesa do arguido, concretamente o que se dispõe no artigo 20.º, 29.º, 32º, 202º e 205º da CRP e até o que se dispõe no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
E) O ora recorrente/arguido, entende, salvo o devido respeito por opinião em contrário que aquele critério, ao considerar irrelevante o efetivo conhecimento do conteúdo decisório de uma decisão judicial, sobretudo uma decisão que aplica uma pena privativa da liberdade, não cumpre, não assegura plenamente a garantia efetiva de direito ao recurso consagrada no artigo 320 n.º 1 da Lei Fundamental Portuguesa.
E) Alicerçam-se os, Exmos. Senhores Juízes relatores (na senda do que já havia sido decidido pelo Exmo. Sr. Juiz relator que decidiu rejeitar o recurso), para fundamentar a sua decisão, na tese minimalista e minoritária, que defende não ser inconstitucional a “fixação do inicio do prazo para interpor recurso da sentença no dia da leitura da sentença condenatória se o mandatário do arguido esteve presente, mas o arguido não esteve presente justificadamente (..)“, in Comentário do Código Processo Penal – 2.ª edição atualizada – Paulo Pinto de Albuquerque.
G) Contudo, e salvo o devido respeito, não atentou a Conferencia do Tribunal da Relação de Évora, na existência de mais duas teses, as quais têm sido maioritariamente adotadas pelo Tribunal Constitucional.
H) Aqueles que defendem a primeira, ou seja a tese compromissória, fazem uma interpretação conforme à Constituição do novo regime do CPP no sentido de que o início do prazo de interposição do recurso da sentença deve ser notificado apenas no dia da notificação pessoal da sentença condenatória ao arguido ausente na audiência de julgamento e na leitura da sentença, independentemente dos motivos que determinaram a ausência e se os mesmos são ou não justificados”. In Comentário do Código Processo Penal – 2ª edição atualizada – Paulo Pinto de Albuquerque.
I) Nesta senda, veja-se a titulo de exemplo o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 312/2005, que decidiu “interpretar as normas do n.º 1 do artigo 411º e do n.º 5 do artigo 333º do Código de Processo Penal no sentido de que o prazo para interposição de recurso da decisão condenatória do arguido ausente se conta a partir da notificação pessoal e não do depósito na secretaria,
J) Por seu turno, a tese maximalista, defende que “não são constitucionalmente admissíveis a fixação do inicio do prazo para interposição de recurso da decisão condenatória com a notificação ao defensor, independentemente da notificação pessoal ao arguido (…)” in Comentário do Código Processo Penal – 2.ª edição atualizada – Paulo Pinto de Albuquerque.
K) Com efeito, postula esta teoria que nos processos de natureza criminal, “o início do prazo de interposição e motivação do recurso depende sempre, (“em qualquer caso”) de o arguido ter tido “conhecimento efetivo” da decisão e da “oportunidade do arguido poder perante esse conhecimento desse conteúdo, decidir ponderadamente sobre o exercício do direito ao recurso”, devendo para esse efeito o arguido ser sempre notificado pessoalmente daquela decisão. Portanto, tenha o arguido estado na audiência de julgamento ou não, ele deve ser notificado da sentença lida na sua ausência.” in Comentário do Código Processo Penal – 2º edição atualizada – Paulo Pinto de Albuquerque.
L) Na realidade, “dispensar a notificação de decisões condenatórias ficticiamente publicadas sem que os Réus delas tomem conhecimento, fazendo correr o prazo de recurso sem que estes os suspeitassem sequer, eis o que a todas as luzes se afigura incompatível com o princípio geral contido no n.º1. do artigo 32º da Constituição da Republica Portuguesa, pois os interessados veem-se assim privados de lançarem mão de uma instância de recurso.” Acórdão do Tribunal Constitucional n. º 199/86
M) A douta decisão não atentou ao regime das notificações consagrado no artigo 113º do Código de Processo Penal
N) Entende este douto tribunal que “tendo o arguido, consentido em que o mesmo se realizasse sem a sua presença, a representação por defensor oficioso para todos os efeitos possíveis de que fala a lei, importa que se considere aquele notificado do Acórdão proferido, depois deste ser lido perante o seu defensor, e que o prazo de interposição de recurso comece a correr a partir da leitura desse mesmo Acórdão, que foi depositado no mesmo dia em que foi publicado e não dias depois quando o mesmo foi rececionado pelo arguido via postal”.
O) Está o Recorrente/arguido em crer, e sempre salvo douta opinião, que o Tribunal fez uma interpretação errónea do artigo 334.º n.º 2 conjugado com o artigo 113º.
P) Dispõe o artigo 334º n.º 2 que o arguido pode recorrer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência.
Q) Estabelecendo o n.º 4 que, sempre que a audiência tiver lugar na ausência do arguido, este é representado para todos os efeitos possíveis pelo defensor.
R) Contudo não se pode esquecer que existem direitos pessoalmente reservados ao arguido e que só pelo arguido podem ser exercidos
S) Entende o arguido, que só com a notificação da sentença/acórdão é que tem um conhecimento cabal do seu conteúdo e só nessa altura pode, ponderadamente decidir se deve ou não recorrer.
T) Pelo que não se afigura conforme à Constituição o entendimento de que o prazo para a interposição de recurso corra antes da notificação da sentença ao arguido,
U) Tanto mais que, o n.º 9 do artigo 113º da C.P.P consagra a obrigatoriedade de notificação da sentença, sendo que tal omissão constitui nulidade insuprível.
V) O objetivo do legislador ao alargar o leque dos motivos pelos quais o julgamento pode ser realizado na ausência do arguido, não foi, salvo melhor entendimento coartar os direitos de defesa do arguido constitucionalmente consagrados.
W) Como se depreende do referido preceito legal, existem momentos e atos processuais que o legislador impôs que fossem notificados pessoalmente aos arguidos, sem prejuízo de igual notificação aos seus advogados ou defensores.
X) Veja-se aliás o entendimento de Paulo Pinto de Albuquerque in comentário do Código Processo Penal – 2ª edição atualizada – pág. 289 onde refere no ponto 6. da anotação ao artº 113º que: refere” O artº 113º resolve também uma outra questão: a do critério da notificação dos advogados. A lei estabelece três situações diferentes: a) Decisões relativas à acusação, à decisão instrutória, à designação do dia para julgamento, e à sentença, medidas de coação e de garantia patrimonial, pedido de indemnização civil: elas devem ser feitas aos sujeitos processuais por ela visados e aos respetivos advogados, valendo a data da última notificação (ou a do sujeito ou do seu advogado) como termo inicial de qualquer prazo para a prática de ato processual subsequente. b) Todas as demais decisões que visem o arguido, assistente ou parte civil representada por advogado: elas devem ser notificadas aos advogados dos sujeitos processuais por ela visados (por exemplo, a notificação para pagar a taxa de justiça devida pela interposição de recurso só tem de ser feita ao advogado, como conclui o acórdão do TRP de 30.06.2004 n Cj XXXIX, 3, 221) c)Todas as demais decisões que visem o arguido ou a parte civil não representada por advogado: elas devem ser notificadas aos próprios visados.
Y) Parece esquecer-se o Tribunal a quo, que o Código de Processo Penal presentemente impõe um regime obrigatório de notificação ao arguido da Sentença – artº 113º no do Cód de Proc. Penal, regime das notificações este bem distinto da matéria da representação na ausência.
ALIÁS,
A) bem andou o Tribunal Judicial de Loulé que, cumprindo o que determina aquele artigo 113º nº 9 do CPP, procedeu à notificação do Acórdão ao arguido, em 28 de abril de 2010, ( fls 1255) que lhe foi entregue em 3 de maio de 2010
B) E essa imposição de notificação pessoal aos arguidos visa sobretudo salvaguardar a garantia de dar conhecimento efetivo aos arguidos para não lesar o exercício do seu direito de defesa, constitucionalmente consagrado no artigo 32º n.º 1 da CRP, pelo menos nos momentos e atos mais significativos cujo desconhecimento efetivo poderia resultar na preterição dessa garantia fundamental.
C) O legislador impôs a obrigatoriedade da notificação da sentença ao arguido, independentemente de este ter sido ou não julgado na ausência, como pressuposto indispensável, para assegurar de uma forma efetiva e real, o respeito pelo direito ao recurso, constitucionalmente garantido no artigo 32.º n.º 1 da Lei Fundamental.
D) Não pode ter acolhimento, por ser inconstitucional, o entendimento de que o arguido “foi representado para todos os efeitos possíveis pelo seu Exmo. Defensor nomeado”, uma vez que, e não obstante todos os deveres deontológicos que sobre o defensor recaem que o devem levar a comunicar ao arguido o resultado da sentença, se tal comunicação, não for efetivamente levada a efeito, ficam prejudicados os mais elementares direitos de defesa do arguido.
E) Em tal situação, fica o arguido a desconhecer totalmente as razões quer de facto quer de direito que levaram a que fosse condenado, inclusivamente da pena que lhe foi imposta.
F) Caso assim não fosse, estar-se-ia “a ficcionar uma realidade, já que nada garante que tal conhecimento tenha efetivamente ocorrido” – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6.10.04.
G) Inclusive porque foi aplicado ao arguido uma pena privativa de liberdade.
H) Por força do disposto no n. º6 do artigo 32º da Constituição da Republica Portuguesa, a dispensa da presença do arguido na audiência de julgamento pressupõe que o regime legal estabelecido assegure, em termos bastantes, o direito de defesa do ausente. – artº 113º n.º 9 do CPP.
I) Dispõe nº 9 do artº 113º do Cód. Proc. Penal que As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação do dia para julgamento, e à sentença. (...) as quais, porem, devem igualmente ser notificadas ao advogado e ao seu defensor.
J) A interpretação daquele nº 9 do artº 113º do CPP é clara ao dizer que a Sentença deve igualmente ser notificada ao defensor e advogado, ou seja, para alem da obrigatoriedade ressalvada de notificação ao sujeito processual também deve ser notificado o seu advogado ou defensor.
K) “Não assegura suficientemente as garantias de defesa e de direito ao recurso um regime que se traduzisse em dispensar a notificação da sentença condenatória ao arguido, julgado na sua ausência, bastando-se com a notificação de tal decisão ao respetivo defensor, e contando-se a partir desta a dedução dos subsequentes meios impugnatórios, consentidos no caso de julgamento na ausência” – Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 278/03.
L) “Deveria Tribunal interpretar os preceitos desaplicados na decisão reclamada, como consagrando a necessidade de a decisão condenatória ser notificada ao arguido ausente, de forma a ser-lhe facultado o conhecimento da decisão contra ele proferida, contando-se de tal notificação o prazo para a dedução dos meios impugnatórios legalmente e constitucionalmente consagrados ao ausente” – Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 278/03.
M) Esta exigência legal tem fundamento na necessidade de garantir um efetivo conhecimento do seu conteúdo por parte daquela em ordem a disponibilizar-lhe todos os dados indispensáveis para, em consciência decidir se a impugna ou não.
N) bem andou o Tribunal Judicial de Loulé que, cumprindo o que determina aquele artigo 113º nº 9 do CPP, procedeu à notificação do Acórdão ao arguido, em 28 de abril de 2010, ( fls. 1255) que lhe foi entregue em 3 de maio de 2010.
O) Ora, foi a partir dessa data que o arguido teve conhecimento da decisão condenatória contra si e que se pode afirmar com segurança que o arguido teve conhecimento da sentença e, por isso, só a partir desse momento é que pode decidir livre e sustentadamente que quer recorrer.
P) O Arguido apresentou as suas alegações de Recurso, e, o Tribunal de Loulé admitiu o recurso, e, ao ter o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo admitido o recurso, – fls. 1371 – com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo, Transitou em julgado a sua admissão.
Q) E isto pese embora o disposto no artº 414º nº 3 do CPP, norma esta que, salvo douta opinião em contrário, viola o disposto no artº 32º da constituição, sendo assim de igual forma inconstitucional.
R) Não obstante a possibilidade legal de se proceder à audiência de julgamento do arguido ausente quando o mesmo prestou termo de identidade e residência e se encontra devidamente notificado, atento o disposto nos artigos 196º e 333º, ambos do Cód. Proc. Penal, o arguido ausente deverá ser notificado da decisão condenatória, nos termos do prescrito no art. 113.º n.º 9 do Cód. Proc. Penal.
S) não obstante as “decisões do Tribunal Constitucional tenham sido ora de inconstitucionalidade ora de não inconstitucionalidade, o Tribunal Constitucional atendeu sempre à efetiva possibilidade de exercício de direito ao recurso e ponderou o valor do conhecimento pessoal pelo arguido do conteúdo decisório que o afeta na concretização dessa oportunidade” – Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 476/2004.
T) “(…) o Tribunal Constitucional tem reconhecido um princípio de «oportunidade» de acesso pessoal do arguido ao conteúdo do que foi decidido, em ordem a poder organizar posteriormente a sua defesa (sobre esta linha decisória, cf. o Acórdão n.º 199/86 – Diário da República, II Série, de 25 de agosto de 1986, em que se afirmou perentoriamente
«Dispensar a notificação de decisões condenatórias ficticiamente publicadas sem que os réus delas tomem conhecimento, fazendo correr o prazo de recurso sem que estes os suspeitassem sequer, eis o que a todas as luzes se afigura incompatível com o princípio geral contido no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, pois os interessados veem-se assim privados de lançarem mão de uma instância de recurso»; e ainda o Acórdão n.º 41/96, de 23 de janeiro, inédito, em que se realça que o direito ao recurso exige uma oportunidade efetiva de este ser exercido).”
U) Ora, a interpretação de que o prazo para interpor recurso se inicia com a notificação da sentença ao arguido, independentemente de o mesmo ter consentido que o julgamento se realizasse na ausência, é a única compatível com a Constituição à luz do artigo 32º n.º 1, por só ela garantir efetivamente o direito ao recurso,
Deveria pois ter sido determinado o respetivo recebimento e prosseguimento da demais e normal tramitação processual, tendo em conta a tempestividade da apresentação do recurso por parte do arguido.
Termos em que deverão Vexas julgar inconstitucional o artigo 334.º nº2 e 4 do código de processo penal, na interpretação da referida norma, no sentido de entender que o arguido se encontra notificado da sentença condenatória na pessoa do defensor oficioso, iniciando-se a partir daí o prazo para a interposição do recurso com as demais consequências legais, com o que se fará inteira e sã justiça.
Foram violados os seguintes artigos:
- artigo 334º n.º 2 e 4, 113º nº 9 e artigo 61º do Código de Processo Penal;
- artigos 20.º, 29º, 32º, 202º e 205º da Constituição da República Portuguesa;
3. O recorrido Ministério Público contra-alegou e concluiu:
“Em face de todo o exposto, julga-se de formular, agora, as seguintes conclusões:
O ora recorrente, A., foi, no âmbito dos autos de processo comum nº 359/97.5TBLLE, que correu os seus termos no Tribunal Judicial de Loulé, condenado, por acórdão do mesmo Tribunal, de 28 de abril de 2010, pela prática de dois crimes de passagem de moeda falsa, previstos e punidos pelo art. 265º, nº 1, alínea a) do Código Penal e de dois crimes de abuso de confiança, previstos e punidos pelo art. 205º, nº 1, do mesmo Código, numa pena única de 6 anos e 6 meses de prisão;
Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, mas este tribunal superior, por Acórdão de 27 de janeiro de 2011, rejeitou, por extemporaneidade, o recurso interposto pelo arguido;
Novamente inconformado, entendeu, então, o arguido recorrer para este Tribunal Constitucional, que, inicialmente, pela Decisão Sumária 269/11, de 3 de maio, não tomou conhecimento do objeto do recurso;
Posteriormente, porém, após reclamação para a conferência apresentada pelo arguido, através do Acórdão 311/11, de 5 de julho, decidiu este Tribunal Constitucional dar “deferimento à pretensão, com vista ao conhecimento da alegada inconstitucionalidade do artigo 334º, nºs 2 e 4 do Código de Processo Penal, na interpretação da referida norma, no sentido de entender que o arguido se encontra notificado da sentença condenatória na pessoa do defensor oficioso, iniciando-se a partir daí o prazo para a interposição de recurso”;
No caso dos autos em apreciação, a audiência de julgamento decorreu sem a presença do arguido, que tem a sua residência em Londres, Reino Unido, mas que - por conveniência sua - autorizou expressamente que o julgamento se fizesse na sua ausência;
O arguido esteve sempre representado em julgamento pelo mesmo defensor oficioso, que esteve presente quer na audiência em que decorreu a produção da prova, quer naquela em que teve lugar a publicação do acórdão condenatório, no dia 28 de abril de 2010;
O depósito do Acórdão condenatório, na secretaria do tribunal, teve lugar no mesmo dia;
Ainda nessa mesma data, 28 de abril de 2010, foi expedida carta ao arguido, notificando-o do teor do acórdão, comunicação, essa, que lhe foi entregue em 3 de maio de 2010;
Assim, desde, pelo menos, o dia 3 de maio de 2010, o arguido possuía integral conhecimento do acórdão condenatório, tendo vindo a constituir advogado no dia 17 de maio seguinte, ou seja, 2 semanas antes de se esgotar o prazo para apresentação de eventual recurso;
O arguido havia sido anteriormente notificado dos contactos, incluindo telefónicos, do defensor que lhe foi nomeado e que o patrocinou na fase de julgamento/ conhecimento do acórdão condenatório pelo seu defensor – o arguido poderia sempre, através de um simples telefonema ao referido defensor, ou para a secretaria do tribunal, ter tido acesso ao acórdão condenatório;
Nos termos da jurisprudência deste Tribunal Constitucional, o processo criminal configura-se como um due process of law, devendo considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido;
Se o processo deixa de ser um due process of law, um fair process, viola-se o princípio das garantias de defesa;
O princípio das garantias de defesa é, por outro lado, violado, sempre que ao arguido se não assegura, de modo efetivo, a possibilidade de organizar a sua defesa; dizendo de outro modo: sempre que se lhe não dá oportunidade de apresentar as suas próprias razões e de valorar a sua conduta;
Por outras palavras, o que está fundamentalmente em questão, no caso de um recurso, é ponderar a disponibilidade, ou não, pelo interessado, de uma oportunidade real de tomar conhecimento, em tempo oportuno, da sentença condenatória contra si proferida;
Com efeito, designadamente, se se trata de decidir se deve recorrer-se de uma sentença condenatória, sobremaneira se a pena aplicada foi de prisão, o arguido e o seu defensor têm que ponderar muito bem os prós e os contras da decisão que tomarem;
E isso exige o conhecimento do teor exato da sentença;
E reclama, bem assim, um tempo suficiente para poderem refletir e decidir, em conjunto, pois seria inadmissível que se vissem forçados a fazê-lo precipitadamente;
Estando o defensor do arguido – embora não o próprio arguido - presente na audiência, em que se procede à leitura pública da sentença e ao seu depósito na secretaria do tribunal, pode aí ficar ciente do seu conteúdo;
E, de posse de uma cópia dessa sentença – que a secretaria lhe deve entregar de imediato - pode, nos dias que se seguirem, relê-la, repensá-la, refletir, ponderar e decidir, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma;
Assim sendo, e tendo em conta que a decisão sobre a eventual utilidade ou conveniência de interpor recurso, em regra, depende mais do conselho do defensor do que, propriamente, de uma ponderação pessoal do arguido, há que concluir que este pode decidir se deve ou não defender-se, interpondo, se quiser, em prazo contado da leitura da sentença que o condene, o respetivo recurso;
E pode tomar essa decisão com inteira liberdade, sem precipitações e sem estar pressionado por qualquer urgência;
O processo continua, pois, a ser a due process of law, a fair process;
No caso dos presentes autos, o arguido dispôs de todas as condições para ter acesso ao teor integral da decisão condenatória contra si proferida, bastando que diligenciasse contactar, logo de seguida à data em que bem sabia que tal decisão iria ser proferida, quer o seu defensor (que bem conhecia) quer a própria secretaria judicial;
Aliás, acabou por ter acesso ao respetivo conteúdo, logo no dia 3 de maio de 2010, ou seja, no 5º dia posterior à prolação, e depósito, do acórdão condenatório;
O Tribunal Constitucional atendeu sempre à efetiva possibilidade de exercício do direito ao recurso e ponderou o valor do conhecimento pessoal, pelo arguido, do conteúdo decisório que o afeta na concretização dessa oportunidade;
Se é verdade que, na jurisprudência do Tribunal, se admitiu, por vezes, que o conhecimento do defensor poderia ser bastante, também é certo que nesses casos se entendeu, também, que a comunicação entre o defensor e o arguido seria meio adequado e normal de o arguido tomar conhecimento do conteúdo decisório que lhe respeitava;
E que, de todo o modo, não estava posta em causa, em concreto, a referida oportunidade de o arguido poder, perante o conhecimento desse conteúdo, decidir ponderadamente sobre o exercício do direito ao recurso;
Por outro lado, o defensor que assistiu à leitura e foi notificado da sentença foi o mesmo que participou na audiência de julgamento e acompanhou integralmente a produção da prova;
Assim, como referido no Acórdão 483/10, deste Tribunal, “deve considerar-se assegurada, se não o conhecimento efetivo, a plena cognoscibilidade da decisão condenatória pelo arguido, independentemente da respetiva notificação pessoal, bastando-lhe para o seu conhecimento efetivo que contactasse, logo de seguida à data que bem sabia ser aquela em que a decisão iria ser proferida, quer o seu defensor (que bem conhecia) quer a própria secretaria judicial;
O sistema pode em tais circunstâncias, no funcionamento normal das coisas que não foi ilidido, repousar na presunção de que o arguido se interesse pelo que se passe nesse decisivo transe do processo penal contra si dirigido e que o advogado cumpra o dever deontológico de acertar com ele a opção fundamental quanto à impugnação ou não da decisão”;
Do mesmo modo, “o hipotético e eventual desconhecimento do exato teor da sentença só poderá radicar, neste circunstancialismo, numa grosseira negligência do próprio arguido, que bem sabendo que, em certa data, ia ser publicitada (e lhe ia ser plenamente acessível) o teor de tal sentença, se desinteressou, injustificadamente, do sentido e conteúdo da mesma;
Em tais circunstâncias (notificação da data em que iria ocorrer a leitura da sentença, falta do arguido a essa sessão, presença do defensor constituído, justificação posterior da falta), o arguido que não compareceu no ato de leitura pública da sentença só verá o seu direito ao recurso afetado se for grosseiramente negligente, desinteressando-se totalmente do desfecho do julgamento em que plenamente participou;
Juízo este que se conforta ou pressupõe, de um lado, um mínimo de interesse (ou a irrelevância da indiferença) do arguido perante as decisões judiciais que lhe digam respeito e a presunção do cumprimento dos seus deveres deontológicos por parte do respetivo mandatário judicial.
Mas que assenta também, do outro lado, na pressuposição de que os poderes públicos praticam escrupulosamente os atos processuais no tempo e modo legalmente prescrito, por forma a que esse mínimo de compromisso de cidadania e de diligência profissional se não transformem num encargo desmesurado para obter o conhecimento da decisão e eliminar a incerteza quanto ao exercício dos poderes processuais subsequentes”;
Por todo o exposto ao longo das presentes contra-alegações, crê-se que este Tribunal Constitucional deverá confirmar o Acórdão recorrido, de 27 de janeiro de 2011, do Tribunal da Relação de Évora, que considerou extemporâneo o recurso oportunamente interposto, pelo arguido, para o referido tribunal superior;
E, nesse medida, considerar que não enferma de nenhuma inconstitucionalidade a norma do artigo 334º, nºs 2 e 4 do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual que o arguido se encontra notificado da sentença condenatória na pessoa do defensor oficioso, iniciando-se a partir daí o prazo para a interposição de recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
4. Constitui objeto do recurso a norma do artigo 334.º, n.ºs 2 e 4 do Código de Processo Penal (CPP), na interpretação segundo a qual o arguido se encontra notificado da sentença condenatória na pessoa do defensor oficioso, iniciando-se a partir daí o prazo para a interposição de recurso. O preceito em causa apresenta a seguinte redação:
Artigo 334.º
Audiência na ausência do arguido em casos especiais e de notificação edital
1 – (…)
2 – Sempre que o arguido se encontrar praticamente impossibilitado de comparecer à audiência, nomeadamente por idade, doença grave ou residência no estrangeiro, pode requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência.
3 – (…)
4 – Sempre que a audiência tiver lugar na ausência do arguido, este é representado, para todos os efeitos possíveis, pelo defensor.
O recorrente invoca a violação dos “princípios constitucionais do Estado de Direito Democrático, os mais elementares direitos e garantias de defesa do arguido, constitucionalmente consagrados nos artigos 20.º, 29°, 32°, 202.º e 205° da Constituição da República Portuguesa”.
A análise do presente caso deve, porém, centrar-se no artigo 32.º da Constituição, sede normativa das garantias constitucionais de defesa do arguido em processo penal. No que toca à questão aqui suscitada, essa norma consome a proteção conferida, em geral, pelo artigo 20.º da Constituição, que consagra o direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva. Por outro lado, a convocação do artigo 29.º da Constituição, que estabelece garantias respeitantes à aplicação da lei criminal, nomeadamente o princípio da legalidade e da tipicidade penal e da proibição da retroatividade da lei penal, é imprestável para a análise do caso em presença, já que não está em causa no presente caso nenhuma das dimensões em que se analisa o referido princípio, nem tão-pouco o princípio do non bis in idem ou o direito à revisão de sentença e à indemnização pelos danos sofridos. Por fim, o recorrente não logra ainda fundamentar cabalmente de que forma é que a norma objeto do presente recurso viola o artigo 202.º da Constituição, que diz respeito ao exercício da função jurisdicional pelos tribunais, ou o artigo 205.º, que modela genericamente a executoriedade das decisões judiciais.
5. O artigo 32.º da Constituição fixa as garantias constitucionais do processo criminal. Desde logo, o n.º 1 determina que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”. Tal como afirmam Germano Marques da Silva e Henrique Salinas (in Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, 2ª Edição, Tomo I, Coimbra Editora, 2010), a sua interpretação envolve “como aspetos fundamentais a consideração do arguido como sujeito processual a quem devem ser asseguradas todas as possibilidades de contrariar a acusação, a independência e imparcialidade do juiz ou tribunal e a lealdade do procedimento”. O conteúdo genérico do direito de defesa do arguido foi sintetizado no Acórdão n.º 61/88, devendo considerar-se ilegítimos, “quer eventuais normas processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido”.
No caso em concreto está em causa a invocada violação das referidas garantias em relação ao acesso ao recurso. É jurisprudência assente do Tribunal Constitucional que, por força dos artigos 27.º, 28.º, e 32.º, n.º 1 da Constituição, o acesso a um duplo grau de jurisdição está constitucionalmente consagrado no âmbito do processo penal, no que toca às decisões condenatórias (assim, o as Acórdãos n.º 8/87, 353/91, 610/96 e 30/2001). O direito ao recurso é, assim, encarado como uma concretização das garantias de defesa.
E se é certo que se reconhece que, no domínio da estruturação do sistema legal de recursos, o legislador possui uma ampla margem de liberdade de conformação, a verdade é que o processo penal deve ser estruturado de forma a garantir, quanto a decisões condenatórias, o acesso a um grau de recurso. Como referem Germano Marques da Silva e Henrique Salinas, “no âmbito dentro do qual o Tribunal Constitucional considera que o direito ao recurso é imposto pela Constituição – «decisões condenatórias» e «atos judiciais que, durante o processo, tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido» –, o legislador ordinário deve assegurar a sua efetividade” (op. cit., p. 718).
6. O Tribunal já teve ocasião de afirmar que o direito ao recurso, enquanto garantia de defesa do arguido em processo penal pressupõe o pleno conhecimento do teor da decisão recorrida ou, pelo menos, a possibilidade de o obter.
No Acórdão nº 75/99 (Diário da República, II Série, de 6 de abril de 1999), o Tribunal apreciou a conformidade constitucional da norma do artigo 411º nº 1 do CPP, segundo a qual o prazo para a interposição do recurso se conta a partir da data do depósito da sentença na secretaria, coincidente, no caso então decidido, com a data em que foi proferida a decisão na presença do arguido e do seu defensor. Nesse aresto, o Tribunal Constitucional considerou que “o arguido tem, a partir do momento do depósito da sentença na secretaria, a possibilidade de aceder ao seu texto integral, só a partir desse momento se contando um prazo de 10 dias para interpor o recurso”. O Tribunal Constitucional, sublinhando subsequentemente que o prazo ainda pode ser dilatado face a um qualquer justo impedimento, concluiu que o regime então em apreciação assegura perfeitamente as garantias de defesa do arguido e que é compatível com as exigências constitucionais.
Por seu turno, o Acórdão n.º 483/10 (in Diário da República, de 26-01-2011), o Tribunal não julgou inconstitucionais as normas dos artigos 113.º, n.º 9, e 411.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPP, na interpretação segundo a qual o prazo de interposição do recurso se conta a partir do depósito da sentença na secretaria, quando o arguido tendo estado presente nas várias sessões do julgamento e sabendo da data marcada para a leitura da sentença, faltou a este ato, mas esteve nele representado por mandatário por si constituído (que participou na audiência de julgamento).
No Acórdão n.º 87/03 (in Diário da República, IIª Série, de 23-05-2003), foi julgada inconstitucional a norma do artigo 411.º, n.º 1 do CPP, na interpretação segundo a qual o prazo para interpor recurso de acórdão da Relação, proferido em conferência, nos termos do artigo 419.º, n.º 4 do CPP, e não em audiência, se conta a partir do depósito do acórdão na secretaria, e não da respetiva notificação, numa situação em que nem o recorrente nem o seu defensor tinham conhecimento da data da sua realização, pelo que o Tribunal Constitucional considerou que não lhes era exigível uma diligência que se traduziria no “controlo cego do hipotético dia da tomada de decisão por parte do Tribunal da Relação”.
7. O presente caso tem a ver com o início do prazo para recurso, que começaria a contar-se a partir da publicação do acórdão condenatório (leitura pública e depósito na secretaria), a que corresponderia a notificação da decisão ao defensor oficiosamente nomeado, independentemente da notificação do próprio arguido, numa situação em que o julgamento teve lugar na sua ausência.
O Tribunal já teve oportunidade de se pronunciar sobre casos semelhantes ao que está em causa.
No Acórdão n.º 109/99 (Diário da República, IIª Série, de 15-06-1999), o Tribunal decidiu não julgar inconstitucional a norma decorrente da anterior redação dos artigos 411.º, n.º 1 e 113.º, n.º 5, do CPP, interpretada no sentido de que com o depósito da sentença na secretaria do tribunal, o arguido que, justificadamente, não esteve presente na audiência em que se procedeu à leitura pública da mesma, deve considerar-se notificado do seu teor, para o efeito de, a partir desse momento, se contar o prazo para recorrer da sentença, se, nessa audiência, esteve presente o seu mandatário. Disse o Tribunal:
“O princípio das garantias de defesa é violado toda a vez que ao arguido se não assegura, de modo efetivo, a possibilidade de organizar a sua defesa. Dizendo de outro modo: sempre que se lhe não dá oportunidade de apresentar as suas próprias razões e de valorar a sua conduta (cf. os acórdãos nºs 315/85 e 337/86, publicados no Diário da República, II série, de 12 de abril de 1986, e I série, de 30 de dezembro de 1986, respetivamente).
Ora, quando, designadamente, se trata de decidir se deve recorrer-se de uma sentença condenatória, sobremaneira se a pena aplicada foi de prisão, o arguido e o seu defensor têm que ponderar muito bem os prós e os contras da decisão que tomarem. E isso exige o conhecimento do teor exato da sentença. E reclama, bem assim, um tempo suficiente para poderem refletir e decidir, pois seria inadmissível que se vissem forçados a fazê-lo precipitadamente.
(…)
Importa, pois, avaliar à luz do que se deixa dito a norma que se extrai da leitura conjugada dos artigos 411º, n.º 1, e 113º, n.º 5, do Código de Processo Penal, interpretados por forma a entender que, com o depósito da sentença na secretaria do tribunal, o arguido que, justificadamente, não esteve presente na audiência em que se procedeu à leitura pública da mesma, deve considerar-se notificado do seu teor, para o efeito de, a partir desse momento, se contar o prazo para recorrer da sentença, se, nessa audiência, esteve presente o seu mandatário.
Pergunta-se, então: esta norma importará um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido (são palavras do acórdão n.º 61/88)? Nos dizeres do acórdão n.º 40/84: violará ela aquele núcleo essencial que constitui o cerne do artigo 32º, n.º 1, da Constituição?
A resposta é negativa.
De facto, estando o defensor do arguido presente na audiência, em que se procede à leitura pública da sentença e ao seu depósito na secretaria do tribunal, pode aí ficar ciente do seu conteúdo. E, de posse de uma cópia dessa sentença – que a secretaria lhe deve entregar de imediato – pode, nos dias que se seguirem, relê-la, repensá-la, refletir, ponderar e decidir, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma.
Assim sendo e tendo em conta que a decisão sobre a eventual utilidade ou conveniência de interpor recurso, em regra, depende mais do conselho do defensor do que, propriamente, de uma ponderação pessoal do arguido, há que concluir que este pode decidir se deve ou não defender-se, interpondo, se quiser, em prazo contado da leitura da sentença que o condene, o respetivo recurso. E pode tomar essa decisão com inteira liberdade, sem precipitações e sem estar pressionado por qualquer urgência.'
No Acórdão n.º 378/03 (disponível no site do Tribunal), o Tribunal decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 373º n.º 3 do CPP, conjugada com a do artigo 113.º n.º 7 do mesmo diploma (atual n.º 9 do artigo 113º), ambos na redação resultante da Lei n.º 59/98 de 25 de agosto, interpretada no sentido de a sentença lida perante o primitivo defensor nomeado, ou perante advogado constituído, se considerar notificada ao arguido. Entendeu aí o Tribunal Constitucional, que estando o arguido devidamente representado na leitura da sentença, e na medida em que foi notificado da data da mesma, se podia presumir o seu conhecimento, a coberto dos deveres de representação. Mais referiu:
“[O] argumento de que “o arguido não toma conhecimento pessoal em momento algum da censura penal resultante da condenação e, designadamente, dos termos condicionais em que lhe é concedido o perdão” só poderia valer se se desconsiderassem os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre o defensor do arguido, como, corretamente, se sublinhou nos citados acórdãos n.ºs 59/99 e 109/99. E isto, acrescente-se agora, apenas se se considerasse que o arguido, ciente que estava de ter praticado um facto punível – de resto, no caso concreto, confessado –, e de que a sentença seria proferida em data determinada, revelava em relação a esta indiferença.
Porém, mesmo somadas estas duas condições, ainda daí não resultaria uma violação das garantias de defesa constitucionalmente consagradas, porque delas não resulta que a inércia e a indiferença perante as decisões judiciais possam ser transformadas em vantagens.
(…)
O hipotético e eventual desconhecimento do exato teor da sentença só poderá radicar, neste circunstancialismo, numa grosseira negligência do próprio arguido, que bem sabendo que, em certa data, ia ser publicitada ( e lhe era plenamente acessível) o teor de tal sentença, se desinteressou totalmente (e injustificadamente) do sentido e conteúdo da mesma.
Ora esta eventual negligência e desinteresse não merece, certamente, tutela ao abrigo das garantias de defesa reconhecidas ao arguido”.
Finalmente, no Acórdão n.º 429/03 (Diário da República, IIª Série, de 21-11-2003), idêntico juízo de não inconstitucionalidade foi adotado, numa situação em que o arguido, tendo estado presente na audiência de produção de prova, na qual foi marcada a data para a leitura da sentença, não compareceu na mesma, à qual assistiu defensor indicado pelo seu anterior defensor para o substituir.
8. Em todos os referidos casos, o Tribunal atendeu à efetiva possibilidade de exercício do direito ao recurso e ponderou o valor do conhecimento pelo arguido do conteúdo decisório que o afeta na concretização dessa oportunidade. Assim, o Tribunal tem reconhecido um princípio de “oportunidade” de acesso pessoal do arguido ao conteúdo do que foi decidido, em ordem a poder organizar posteriormente a sua defesa. Esse princípio decorre em particular do Acórdão n.º 545/2006 (Diário da República, IIª Série, de 06-11-2006), que sintetizou a jurisprudência do Tribunal Constitucional na matéria da seguinte forma: “o critério seguido nessa jurisprudência tem sido o de que tal prazo só se pode iniciar quando o arguido (assistido pelo seu defensor), atuando com a diligência devida, ficou em condições de ter acesso ao teor, completo e inteligível, da decisão impugnanda”.
Assim, decorre da jurisprudência do Tribunal, em primeiro lugar, que o efetivo exercício do direito ao recurso pressupõe uma cognoscibilidade da decisão que se pretende impugnar. A cognoscibilidade da decisão condenatória afere-se tendo em conta a possibilidade de o arguido, atuando com a diligência devida, ter acesso efetivo ao conhecimento integral da decisão que se pretende impugnar, o que não exige necessariamente uma notificação pessoal da mesma ao arguido. E a verdade é que no Acórdão n.º 111/2007 (Diário da República, IIª Série, de 20-03-2007), o Tribunal decidiu não julgar inconstitucional a norma derivada dos artigos 113.º, n.º 9, 334.º, n.º 6, e 373.º, n.º 3, do CPP, interpretados no sentido de que pode ser efetuada por via postal simples, com prova de depósito, para a morada indicada no termo de identidade e residência prestado pelo arguido, a notificação de sentença condenatória proferida na sequência de audiência de julgamento a que o arguido, ciente da data da sua realização, requerera ser dispensado de comparecer, por residir no estrangeiro, sentença que foi notificada ao defensor do arguido, que esteve presente na audiência de julgamento e na audiência para leitura da sentença.
Pode considerar-se que, no presente caso, estava assegurado, senão o conhecimento efetivo, pelo menos a cognoscibilidade da decisão condenatória imposto ao arguido, pelo que um eventual e hipotético desconhecimento do exato teor da sentença só poderá radicar numa grosseira negligência do próprio arguido – que não merece certamente tutela ao abrigo das garantias de defesa constitucionalmente fixadas –, ou do defensor, não havendo razão para, nesta matéria de prazo do recurso, se questionarem, do ponto de vista constitucional, as opções do legislador. Conforme se enfatizou no já citado Acórdão n.º 378/2003, a “negligência e desinteresse não merece, certamente, tutela ao abrigo das garantias de defesa reconhecidas ao arguido”. Estas não dispensam o interessado do ónus de uma conduta ativa de obtenção de uma informação decisiva para a efetivação do direito ao recurso, como componente dessas garantias. Colocado numa situação como a dos autos, de possibilidade eminente de sujeição a uma pena de prisão, um arguido medianamente diligente não se teria desligado do andamento do processo. Como afirmou o Tribunal no Acórdão n.º 483/10, “o sistema pode em tais circunstâncias, no funcionamento normal das coisas que não foi ilidido, repousar na presunção de que o arguido se interesse pelo que se passa nesse decisivo transe do processo penal contra si dirigido e que o advogado cumpra o dever deontológico de acertar com ele a opção fundamental quanto à impugnação ou não da decisão”.
Deve, por isso, concluir-se, em suma, que a norma impugnada não viola as garantias de defesa do arguido consagradas no artigo 32.º da CRP.
III – Decisão
9. Nestes termos, o Tribunal decide negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 9 de fevereiro de 2012.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão – Rui Manuel Moura Ramos.