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Processo n.º 65/12
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, A. reclamou, em 23 de janeiro de 2002 (fls. 2 a 39), ao abrigo do n.º 4 do artigo 76º da Lei do Tribunal Constitucional, do despacho proferido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em 10 de janeiro de 2012 (fls. 95 e 96), que rejeitou recurso de constitucionalidade por si interposto, em 05 de dezembro de 2011 (fls. 89), com fundamento na falta de suscitação processualmente adequada de qualquer questão de inconstitucionalidade e na ausência de identidade entre as interpretações reputadas de inconstitucionais e aquelas que foram efetivamente aplicadas pela decisão recorrida.
2. O ora reclamante foi convidado a aperfeiçoar o referido requerimento de interposição de recurso, por despacho proferido pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em 6 de dezembro de 2011 (fls. 89), tendo o recorrente esclarecido que pretendia interpor recurso ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, relativamente às seguintes interpretações normativas:
i) “A norma extraída do artigo 127. ° do Código de Processo Penal no sentido de que o Tribunal, na apreciação da prova, não está sujeito aos limites decorrentes da plenitude do ordenamento jurídico — e nomeadamente dos limites decorrentes das regras sobre personalidade jurídica e enquadramento fiscal das sociedades, bem como das regras sobre contratação pública de aquisição de serviços — viola o princípio da sujeição do Tribunal à lei, consagrado no artigo 201° da Constituição, bem como viola aquela disposição legal”;
ii) “A norma aplicada pelo Tribunal, extraída da alínea a) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 51. ° do Código Penal, no sentido de que poderia ser Imposto um dever ao Arguido sem que o Tribunal ponderasse se esse dever lhe era razoavelmente exigível e sem que fundamentasse porque é que considera existir essa exigibilidade, viola ostensivamente o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais consagrado no n.º 1 do artigo 205.° da Constituição, bem como viola aquela disposição legal”;
iii) “A norma extraída pelo Tribunal recorrido no sentido de que, apesar da alteração legislativa promovida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, ao artigo 11º do Código Penal que configura uma despenalização do facto relativamente à pessoa singular — ainda assim o sócio-gerente deve ser punido pela prática de um crime decorrente de actividade desenvolvida no exclusivo interesse e por conta da sociedade B. e, além disso, deve ser punido com uma pena de prisão e não com uma pena de multa, constitui violação do princípio da aplicação da lei penal concretamente mais favorável, consagrado no n.º 4 do artigo 29.° da Constituição da República, bem como viola aquela disposição legal”;
iv) “A norma extraída pelo Tribunal do preceituado no artigo 359. ° do Código de Processo Penal, ao abrigo da qual utilizou, para condenar o Arguido, factos não constantes da Pronúncia ou que são substancialmente diversos — nalguns casos, opostos — dos que resultam da mesma peça processual, no sentido de que, nas referidas circunstâncias, não ocorria uma alteração substancial dos factos constantes daquela peça processual, manifestamente viola o princípio da estrutura acusatória do processo penal consagrado no n.º 5 do citado artigo 32º da Constituição, bem como viola aquela disposição legal”;
v) “A norma extraída da alínea a) do n.º 2 do artigo 410. ° do Código de Processo Penal segundo a qual, por insuficiência dos factos para a decisão condenatória, se considere permitida a anulação e repetição do julgamento, a fim de se recolherem novos factos diversos dos descritos na acusação, ou na pronúncia, é manifestamente inconstitucional, por violação do aludido princípio, consagrado na primeira parte do nº 5 do artigo 32.° da Constituição, facto que desde já se invoca.” (fls. 90 e 91)
Face a este aperfeiçoamento, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça voltou a proferir despacho, em 21 de dezembro de 2012 (fls. 92), através do qual convidou o ora reclamante a identificar qual a decisão de que pretendia recorrer, tendo esclarecido que pretendia recorrer do “despacho do Exmo. Conselheiro Presidente deste Supremo Tribunal, que indeferiu a reclamação apresentada ao abrigo do artigo 405.º do Código de Processo Penal” (fls. 93).
3. Em sede de vista, o Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal pronunciou-se nos termos que ora se resumem:
“1. A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de Évora que julgou parcialmente procedente o recurso que havia interposto da decisão que, em 1.ª instância, o havia condenado, em cúmulo, pela prática de onze crimes de burla qualificada, na pena de cinco anos de prisão, suspensa por igual período, mediante o cumprimento de determinadas obrigações.
2. Como o recurso não foi admitido, o arguido reclamou para o senhor Presidente do Supremo tribunal de Justiça, nos termos do artigo 405.º do CPP.
3. O Senhor Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação, pois considerou que, efectivamente, o recurso não era admissível “face ao disposto nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP”.
4. O arguido interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional.
(…)
8. Como resulta, quer da reclamação, quer do douto despacho reclamado – que não admitiu o recurso interposto para este Tribunal – deve entender-se que o recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC e não, ou não só, ao abrigo da alínea f) daquele n.º 1.
9. A decisão recorrida, como se vê do que atrás se disse (n.º 7), é, inequivocamente, a proferida pelo Senhor Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação do despacho que, na Relação, não admitiu o recurso interposto para aquele Supremo Tribunal (nº 3).
10. Ora, essa decisão apenas aplicou e podia ter aplicado, dada a matéria sobre a qual se devia pronunciar, as normas respeitantes à admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal, no caso, os artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP.
11. Portanto, as “normas” que o recorrente identifica no requerimento de interposição do recurso, não foram as aplicadas naquela douta decisão, apenas o poderiam ter sido no acórdão da Relação, que concedeu parcialmente recurso, mas do qual não foi - podendo ter sido - interposto recurso de constitucionalidade.
12. Os Acórdãos do Tribunal Constitucional referidos pelo recorrente (fls. 106), reportam-se a situações diferentes daquelas que se verificam nos presentes autos.
13. Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação” (fls. 102 a 104).
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. No recurso de constitucionalidade, em sede de fiscalização sucessiva concreta, cabe ao recorrente fixar o seu objeto bem como os demais termos.
Ora, por requerimento de fls. 93, o reclamante veio esclarecer que pretendia recorrer do despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que havia indeferido reclamação apresentada ao abrigo do artigo 405º do CPP. Assim sendo, é evidente que a decisão recorrida não aplicou nenhuma das interpretações normativas que constituem objeto do presente recurso, pelo que, nos termos do artigo 79º-C não deve este Tribunal dele conhecer.
Por fim registe-se que, apesar de o reclamante afirmar que interpõe recurso ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da LTC (fls. 90), apenas fixou como objeto questões de “inconstitucionalidade”, não tendo identificado qualquer questão de “ilegalidade em sentido próprio”, pelo que também não se pode conhecer do objeto do recurso, quanto a esta parte.
III – Decisão
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 22 de fevereiro de 2012. – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.