Imprimir acórdão
Processo n.º 842/10
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., B. e C., intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ação administrativa especial contra o Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, pedindo que seja declarado ilegal o despacho do Secretário de Estado do Ordenamento do Território de 8 de janeiro de 2004 que indeferiu o pedido de reversão dos terrenos expropriados em 1949 para a construção do estádio das …, agora afetos a outros fins, devendo a final ser-lhes reconhecido o direito de reversão sobre os citados terrenos. Identificaram como contrainteressados o D., e as sociedades E. S.A., e EI, S.A.
Por decisão de 26 de setembro de 2008, o referido tribunal julgou a ação improcedente; inconformados, os autores interpuseram recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte – que, por acórdão de 1 de outubro de 2010, confirmou a sentença – e, depois, para o Supremo Tribunal Administrativo pedindo revista que não foi, aliás, admitida.
No que aqui releva, diz o aresto proferido no Tribunal Central Administrativo Norte:
“Acerca da constitucionalidade desta norma – art. 5.º, n.º 4, al. a) – já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, aliás, conforme foi decidido no acórdão recorrido, podendo ler-se no acórdão daquele nosso Alto Tribunal, de 2/6/2004, proc. n.º 046991, em dgsi.pt:
“…o despacho contenciosamente impugnado, que indeferiu a pretensão dos recorrentes, baseou-se na cessação do direito de reversão por terem decorrido mais de 20 anos após a adjudicação do prédio expropriado, em conformidade com o disposto nas referidas normas, não sendo estas inconstitucionais.
Estatui o art. 62.º da Constituição da República:
“1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.
Não obstante a Constituição garantir o direito à propriedade privada ela própria prevê a expropriação por utilidade pública com base na lei e mediante indemnização justa. A Constituição não considera, pois, o direito de propriedade um direito intocável ou absoluto. No seu art. 18.º, n.º 2, determina que as restrições aos direitos, liberdades e garantias se devem limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses também constitucionalmente protegidos.
As invocadas normas do Código das Expropriações de 1991 (art. 5.º, n.º 4, al. a) e n.º 6) e do Código das Expropriações de 1999 (art. 5, nº 4, al. a) e n.º 5) não contêm restrições desproporcionadas ao direito de propriedade, pois regulam antes o direito de reversão, consagrado a favor dos expropriados, pelo que os limites impostos a este não são limites diretamente impostos ao direito de propriedade. Tais limites são postulados pela segurança e certeza jurídica, e de forma alguma representam restrições exageradas ou desproporcionadas aos interesses dos expropriados. Ora, tendo a expropriação sido justificada por razões de interesse público, acompanhada de justa indemnização, o ato ablativo foi perfeitamente legal. A não afetação ao fim que determinou a expropriação permite ao expropriado – cfr. o citado art. 5.º do CE9J e do CE99 – reaver o bem desde que o exercício do respetivo direito tenha lugar no prazo e pelo modo previstos na lei, e não tenham decorrido 20 anos após a adjudicação do bem expropriado.
O prazo de 20 anos para que a questão da caducidade da reversão deixe de operar é uma exigência da segurança e estabilidade das relações jurídicas, e de forma alguma viola o disposto no art. 62.º da Constituição, pois também o instituto da usucapião - art. 1287.º do Código Civil – não deixa de aparentemente ser injusto e violador do direito de propriedade e, no entanto, não se pode dizer que afronta aquele normativo constitucional. Tal como a prescrição.
Ora, um dos princípios mais importantes do nosso ordenamento jurídico, por ser um dos que mais contribui para a paz jurídica e social, é o da estabilidade, como se salienta no acórdão deste Pleno de 1/10/2003, Proc. n.º 37 653, mas tal só é possível se se fixar um prazo a partir do qual a relação jurídica se torne certa e definida.
Como se escreveu no sumário deste aresto, in www.dgsi.pt/jsta:
“I - O Código das Expropriações de 1991 aplica -se aos pedidos de reversão feitos após a sua entrada em vigor, ainda que respeitantes a expropriações realizadas ao abrigo de anteriores diplomas legais.
II - Nos termos da al. a) do n.º 4 do art. 5.º do CE/91 o direito de reversão cessa quando tenham decorrido 20 anos sobre a data da adjudicação dos bens expropriados.
III - A cessação de tal direito não configura um ataque ilegal e inconstitucional ao direito de propriedade desde que a expropriação tenha obedecido ao cânones legais e, designadamente, tenha sido paga a justa indemnização.”
No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do Pleno de 5 de junho de 2000, in Proc. nº30 226, ao decidir que o direito de reversão se extingue se não for exercido nos 20 anos subsequentes à adjudicação do prédio à entidade expropriante.”
José Osvaldo Gomes define o direito de reversão, retrocesso eventual OU retroversão, “...como o poder legalmente conferido ao expropriado de readquirir o bem objeto de expropriação, em regra mediante a restituição ao beneficiário da expropriação ou à entidade expropriante da indemnização que lhe foi atribuída ou ouro valor, quando o bem não tenha sido aplicado aos fins indicados no ato de declaração de utilidade pública ou essa aplicação tenha cessado (é o caso dos autos).”, cfr. Expropriações por Utilidade Pública, pág. 397.
Ou seja, logo que ocorra uma expropriação (nos termos legalmente estabelecidos, obviamente) nasce na esfera jurídica do expropriado o direito à reversão dos bens, caso estes não sejam aplicados ao fim a que se destinou a expropriação, art. 5.º, n.º 1, al. a) ou caso tenham cessado as finalidades da expropriação, art. 5.º, n.º 1, b).
Trata-se, assim, de um direito que apesar de já pertencer à esfera jurídica do expropriado se encontra latente, à espera que ocorra alguma daquelas circunstâncias para poder ser exercido.
Não ocorrendo qualquer uma daquelas circunstâncias, dentro do referido prazo de 20 anos, tal direito latente caduca, não podendo mais ser exercido.
Ao contrário do defendido pelos recorrentes, tal direito de reversão não nasce só e apenas quando se verifique qualquer uma das circunstâncias de facto a que alude o art. 5.º, n.º 1, ele nasce com a própria expropriação, e tanto assim é que o mesmo pode ser exercido desde a data da expropriação até ao decurso do prazo de 20 anos, caso dentro desse prazo se verifique alguma das circunstâncias referidas neste artigo (não importa agora aqui tratar do prazo mais curto de 3 anos para o exercício de tal direito).
E nesta medida, é que se pode compatibilizar tal entendimento com a garantia dos direitos que a Constituição reconhece ao expropriado, nomeadamente o direito à propriedade privada.
Efetivamente durante aquele prazo alargado de 20 anos, quis o legislador, que, o expropriado, caso se verificassem as circunstâncias que definiu, pudesse reaver o bem, precisamente em defesa da garantia constitucional da propriedade privada, transformando esse direito de reversão na principal garantia do processo expropriativo, enquanto procedimento justo, enformado pelos princípios da justiça e da proporcionalidade, com vista ao respeito pelos direitos e interesses do expropriado que suporta um custo em benefício da comunidade.
E, afigura-se-nos, que as mesmas razões devem justificar que, após o decurso daquele prazo, tal direito não possa mais ser exercido.
Na verdade, apesar de os recorrentes com isso não concordarem, não há razão para que o beneficiário da expropriação não possa, findo aquele prazo, ter o bem como efetivamente seu, de pleno, sem ter a preocupação de não o afetar a fim diferente, público ou privado, o que pode mesmo ser determinado por razões inerentes à própria evolução das cidades e da vida moderna, como foi o caso.
Assim, as razões de segurança e estabilidade, a que se refere o acórdão citado, devem, decorridos que sejam estes 20 anos, prevalecer sobre os direitos que eram reconhecidos ao expropriado, sem que com isso, se possa concluir existir qualquer violação dos normativos Constitucionais citados.
Por tudo o exposto, acordam os juízes que compõem este TCA Norte, em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida”.
2. É deste acórdão que vem interposto pelos autores A., B. e C. recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro (LTC), para apreciação da conformidade constitucional da norma do artigo 5º n.º 4 alínea a) do Código das Expropriações com o sentido de que o decurso do prazo de 20 anos sobre a data da adjudicação do bem expropriado faz extinguir/caducar o direito de reversão, mesmo nas situações em que o bem expropriado tenha estado adstrito ao fim de utilidade pública que fundamentou a sua expropriação para além desses 20 anos (o que impediu a formação/exercício desse direito nesse prazo) e tenha depois sido afeto a um projeto imobiliário privado vendido no mercado (edifícios destinados a habitação e serviços), norma que violaria o «direito fundamental de propriedade privada», bem como «os princípios do Estado de Direito, da proporcionalidade, da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, da justiça e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, tutelados, entre outros, nos artigos 2º, 13º, 62º e 266º da Constituição.»
3. O recurso foi admitido e os recorrentes alegaram, concluindo:
“1.ª A norma jurídica cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada e que foi efetivamente aplicada na Decisão recorrida é a que resulta do art. 5º, nº 4, a), do Código das Expropriações, interpretada no sentido de impedir os expropriados de exercer, após a sua constituição, num prazo razoável, o seu direito fundamental de reversão dos bens expropriados, com fundamento no decurso do prazo de 20 anos sobre a data da adjudicação dos mesmos à entidade beneficiária da expropriação, mesmo nos casos em que esses bens, durante esse período, estiveram afetos ao fim de utilidade pública que determinou a sua expropriação, sendo posteriormente vendidos no mercado imobiliário para a construção de um projeto imobiliário privado (quanto a este fim de natureza privada, que nada tem a ver com a utilidade pública que determinou a expropriação destes terrenos, cfr. o Facto dado como provado sob a alínea I. no Acórdão recorrido, pág. 19).
Por outras palavras, a interpretação do referido art. 5º, nº 4, a), do Código das Expropriações, que aqui se questiona e se qualifica de inconstitucional, é a que sustenta que o decurso do prazo de 20 anos sobre a data da adjudicação do bem expropriado faz extinguir/caducar definitivamente o direito de reversão, mesmo nas situações em que o bem expropriado tenha estado adstrito ao fim de utilidade pública que fundamentou a sua expropriação para além desses 20 anos (o que impediu a formação/exercício desse direito nesse prazo) e tenha depois sido afeto a um projeto imobiliário privado vendido no mercado (edifícios destinados a habitação e serviços), (i) impedindo o expropriado de exercer o seu direito de reversão num prazo razoável após a verificação dos requisitos legais (mutação funcional do bem), (ii) permitindo à entidade privada beneficiária original da expropriação por utilidade pública a sua venda no mercado imobiliário para a execução de um projeto imobiliário privado (edifícios destinados a habitação e serviços) e (iii) ignorando de todo a posição dos expropriados que tinham sido expropriados e indemnizados por/para um projeto de utilidade pública.
2.ª O acento tónico deste juízo de inconstitucionalidade reside não só no facto de o fim de utilidade pública que fundamentou a expropriação ter desaparecido já depois de decorridos 20 anos sobre a data da adjudicação, mas também, e principalmente, no facto de o bem expropriado se encontrar agora afeto a fins exclusivamente privados (projeto imobiliário).
3.ª Trata-se de uma interpretação normativa inconstitucional, pois, para além do direito fundamental de propriedade privada, ficam violados os princípios do Estado de Direito, da proporcionalidade, da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, da justiça e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, tutelados, entre outros, nos arts. 2º, 13º, 62º e 266º da Constituição. Nestes precisos termos, o Parecer de Direito subscrito pelas Professoras FERNANDA PAULA OLIVEIRA e DULCE LOPES junto aos autos pelos Recorrentes em 15.11.2006.
4.ª A factualidade a ponderar no julgamento do presente recurso de constitucionalidade ficou elencada nas págs. 3-9 das Alegações dos Recorrentes de 08.09.2011, para onde se remete, destacando-se apenas, pela sua maior relevância, os seguintes factos: (i) a propriedade das parcelas expropriadas foi adjudicada ao D. (…) por Sentença de 16.11.1949 e a indemnização atribuída aos Expropriados foi fixada pelo Tribunal em 262.100$00; (ii) As parcelas de terreno expropriadas foram efetivamente adstritas ao fim que determinou a sua expropriação, construindo-se aí o Estádio do D., que funcionou até à construção do novo Estádio do …, em 2004; (iii) Entretanto, em 2002, com a aprovação do Plano de Pormenor das Antas (PPA), as parcelas que haviam sido expropriadas à família dos Recorrentes foram integradas na parcela 2.1 do PPA (para a qual se preveem cerca de 103.512 m2 de construção) e destinadas à construção de um complexo imobiliário composto por edifícios para habitação, comércio e serviços, de natureza privada, a serem comercializados no mercado imobiliário; (iv) esta parcela 2.1 do PPA, incluindo os terrenos expropriados, foram cedidos ao D. (v) entretanto, já tendo conhecimento deste pedido de reversão, o D. negociou e cedeu as parcelas que lhe foram cometidas no âmbito do PPA, incluindo a parcela 2.1, a duas sociedades atualmente integradas no Grupo F. por um valor superior a 17.000.000.000$00 (€84.711.959,18); (vi) já no decurso deste processo judicial, a F. Imobiliária e os seus ativos (onde se incluem os terrenos expropriados aos Recorrentes) foram vendidos a um dos maiores grupos imobiliários espanhóis (G.), num negócio superior a € 500.000.000,00.
Ao contrário do que o Acórdão recorrido pressupõe e indicia, a posição que se tome quanto ao ato/facto constitutivo do direito de reversão na esfera do expropriado (expropriação/adjudicação do bem à expropriante ou alguma das circunstâncias recortadas no art. 50, nº 1, do Código das Expropriações) não colide por qualquer forma com a questão/inconstitucionalidade que se discute no processo: o que importa saber aqui é se o direito de reversão pode ser exercido num prazo razoável após a verificação de alguma das circunstâncias recortadas no art. 50, nº 1, do Código das Expropriações, independentemente de esse direito haver nascido com a expropriação ou com alguma dessas circunstâncias de facto.
Apesar do teor literal da norma em causa, a consideração do direito fundamental de propriedade privada (art. 62º da Constituição) e dos princípios constitucionais conexos, determinam que os expropriados, em determinadas situações, mesmo que já tenham decorrido 20 anos sobre a adjudicação do bem à expropriante, devem dispor de um prazo razoável para requerer a reversão dos bens expropriados. Trata-se de uma interpretação sistemática do Código das Expropriações, por referência às exigências constitucionais nesta matéria. De facto, constitui um absurdo lógico-jurídico conferir um direito fundamental aos expropriados que, quando se verifica a respetiva previsão normativa, isto é, quando pode ser exercido, deixa de o poder ser porque, entretanto (numa altura em que não podia ser exercido), se extinguiu: um direito não se pode extinguir enquanto não puder ser exercido. Assim, a norma deste art. 5º, nº 4, a), do Código das Expropriações, só pode ser entendida como regra geral, isto é, para todas as situações em que o direito de reversão podia ter sido exercido, mas não o foi nesse período de 20 anos; a exceção será constituída por aquele grupo de situações em que esse direito de reversão nunca pode ser exercido durante esse período de 20 anos. Uma interpretação sistemática do Código das Expropriações, em respeito da Constituição, determina que este art. 50, nº 4, a), do Código das Expropriações, seja entendido nos seguintes termos: O direito de reversão cessa quando tenham decorrido 20 anos sobre a data da adjudicação, exceto se nesse período não se tiver verificado alguma das situações descritas no nº 1 deste preceito, caso em que terá que ser exercido nos termos referidos no nº 5 deste preceito.
7.ª Diferente seria a solução se os Expropriados tivessem tido a oportunidade de exercer esse direito e o não tivessem feito, como seria o caso de o bem expropriado nunca ter sido afeto ao fim que determinou a sua expropriação: nessa situação sim, mais do que formar-se na esfera jurídica dos Expropriados, podia desde logo exercer-se o direito de reversão, podendo, aliás, indicar-se com certeza qual a data limite para o exercício do mesmo desde a data da adjudicação dos bens expropriados; nessa situação, o direito de reversão pode ser exercido durante aquele período de 20 anos sobre a data da adjudicação, pelo que bem se compreende que se sancione a inércia dos Expropriados por, durante aquele prazo legal, nada terem feito para inverter essa situação. No entanto, não é essa a situação dos presentes autos, pelo que não pode defender-se aqui a aplicação da mesma tese e solução jurídicas, como pretendeu o Tribunal recorrido, sob pena de violação, entre outros, do próprio princípio da igualdade: deve tratar-se de forma igual o que é igual e diferente o que é diferente.
8.ª O equívoco do Tribunal recorrido prende-se com a distinção que deve, necessariamente, ser feita entre a existência do direito e a possibilidade legal do seu exercício, designadamente para efeitos de caducidade (ou extinção): não obstante se ter entendido que esse direito de reversão nasce na esfera jurídica do expropriado com a própria expropriação e que o mesmo só pode ser exercido caso se verifique alguma das circunstâncias de facto previstas no nº 1 do art. 5º do Código das Expropriações (em articulação com a defesa dos próprios Recorrentes), inexplicavelmente, concluiu-se a final que, em qualquer caso, esse direito só pode ser exercido no prazo de 20 anos sobre a data da adjudicação (independentemente, pois, de se ter verificado ou não uma qualquer daquelas circunstâncias de facto). O que se pergunta é como pode caducar (ou extinguir-se) um direito que, até a esse momento concreto, nem sequer podia ser exercido?!
9.ª Ainda que se entenda que o Código das Expropriações não previu a situação que se nos depara (impossibilidade do exercício do direito de reversão nos 20 anos subsequentes à expropriação pelo facto de o bem expropriado se encontrar cometido ao fim que determinou a sua expropriação) e que, portanto, estamos perante uma lacuna, importa respeitar a metodologia prescrita no art. 10º do CC, recorrer à analogia e concluir o seguinte: por um lado, que o regime da usucapião, por ser estruturalmente distinto da questão que nos ocupa, não pode aqui ser equacionado ou aplicado; por outro, que é o regime da prescrição que mais se aproxima da situação sub judice e que, portanto, deve ser aplicado analogicamente.
9.ª.1 O regime jurídico da usucapião não pode ser transposto para o caso que nos ocupa, pelas seguintes razões: (i) na usucapião o proprietário pode, logo a partir do momento da posse do terceiro, reagir contra essa ocupação e evitar/reverter a situação, enquanto que na reversão o proprietário inicial/expropriado nada pode fazer enquanto o bem expropriado estiver cometido ao fim de utilidade pública que determinou a sua expropriação; ao contrário do proprietário no regime da usucapião, que pode efetivamente evitar esse efeito ablativo do seu direito de propriedade, o proprietário expropriado nada pode fazer se nos 20 anos subsequentes à expropriação o bem é utilizado para o fim que fundamentou a expropriação: não pode impedir a posse da entidade beneficiária da expropriação, nem evitar o decurso do tempo (ii) na usucapião, o prazo de 20 anos funciona como sanção pela inércia do proprietário que, apesar de ter o direito e a possibilidade de alterar a situação jurídica e a ocupação do terceiro, nada fez, enquanto que na reversão, como nos presentes autos, o direito e a possibilidade de o expropriado reverter a situação não se colocam.
9.ª 2 É o regime da prescrição que aqui deve ser aplicado analogicamente: as duas situações são estruturalmente idênticas, devendo atender-se o disposto no art. 306.º, n.º 1, do Código Civil, onde se estabelece a regra de que o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido (suportando de pleno o entendimento dos Recorrentes, ... Prescrição e Caducidade, Anotação aos artigos 296º a 333º do Código Civil (“O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas”), 2008, pág. 63, e o Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, de 05.05.2005, Processo nº 05A3169. Ainda quanto a este regime da prescrição, deverá também atender-se ao prescrito no nº 2 do art. 306º do CC, onde se refere que a prescrição de direitos sujeitos a condição suspensiva ou termo inicial só começa a correr depois de essa condição se verificar ou o termo se vencer.
10.ª Apesar de a solução adotada pelo Tribunal recorrido poder resultar do teor literal da norma sindicada (que não vincula o intérprete), a verdade é que a sua aplicação tout court aos presentes autos encerra as seguintes dimensões inconstitucionais: (a) por um lado, permite que um bem seja expropriado para um determinado fim de utilidade pública e que, decorridos 20 anos sobre a expropriação, possa ser utilizado para qualquer outro fim, de utilidade pública ou privada, designadamente vendido no mercado para a construção de projetos imobiliários privados (é esta, aliás, uma das conclusões a retirar do Acórdão recorrido, onde se afirma que, após o decurso do prazo de 20 anos, é mais do que natural que o beneficiário do bem o tenha como seu, de pleno, podendo, pois, afetá-lo a qualquer fim/destino, de natureza pública ou privada); e (b) por outro lado, impede os expropriados de exercer o seu direito de reversão, pois, quando se verificam os respetivos pressupostos materiais para além desse prazo de 20 anos, o expropriado já não é titular desse direito fundamental (neste sentido, suportando, de pleno, a posição dos Autores, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.11.2007, Processo nº 01095106, www.dgsi.pt).
11.ª Contra a tese dos Recorrentes não valem aqui as exigências da segurança e estabilidade das relações jurídicas, em particular, como é aqui o caso, quando o terreno expropriado vem a ser afeto a um empreendimento imobiliário privado: só se pode falar de certeza e segurança jurídicas enquanto o bem expropriado permanece adstrito ao fim de utilidade pública que determinou a sua expropriação; foi para esse fim que foi expropriado e é para esse fim que se espera que continue a ser utilizado. O que representa um fator de particular incerteza e insegurança jurídica é defender que um bem possa ser expropriado para um determinado fim de utilidade pública e que, decorridos 20 anos sobre a adjudicação, possa ser utilizado para qualquer outro fim, de utilidade pública ou não: a ser assim, perante uma expropriação, os cidadãos nunca saberão se o seu bem vai permanecer ao serviço do interesse público ou se, pelo contrário, aquela expropriação não foi mais do que uma ardilosa estratégia para, a prazo, utilizar o bem para fins puramente privados, favorecendo interessados na respetiva aquisição. Nestes precisos termos, FERNANDA PAULA OLIVEIRA e DULCE LOPES (cfr. págs. 8-10 do Parecer junto aos autos pelos Recorrentes em 15.11.2006).
12.ª E nem se diga que a nova solução edificativa deste terreno resulta de um plano urbanístico (PPA), que o planeamento urbanístico é uma atividade de utilidade pública e que o fim diferente (de natureza pública ou privada) pode mesmo ser determinado por razões inerentes à própria evolução das cidades e da vida moderna, pois: (i) por um lado, as soluções edificativas que o PPA veio conferir aos terrenos expropriados nada têm que ver com qualquer utilidade pública, não se prevendo aí a construção de um hospital, de uma rodovia ou, sequer, para quem assim o entenda, de um estádio de futebol: são edifícios multiusos (habitação e serviços), como quaisquer outros existentes na cidade do Porto, que podiam ser construídos pelos próprios proprietários, sem necessidade da expropriação dos seus terrenos (a este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09.02.2005, Processo nº 030256, www.dgsi.pt) e (ii) por outro lado, aspeto decisivo, importa relembrar que o PPA só visou, pelo menos no que à sua parcela 2.1 diz respeito (onde se integram os terrenos expropriados), servir interesses privados económicos do D. e da empresa D., SAD – Sociedade Anónima Desportiva (cfr. Doc. 7 da Petição Inicial, designadamente os 1º, 2º e último parágrafos da pág. 2, e págs. 8-9).
13.ª A única solução capaz de ultrapassar este juízo de inconstitucionalidade e de permitir uma adequada e efetiva tutela jurisdicional, será a de adotar a interpretação do art. 5º, nº 4, a), do Código das Expropriações, que melhor sirva os direitos fundamentais em causa, neste caso o referido direito a não ser privado do direito fundamental de propriedade privada, senão por causa de utilidade pública atual: desaparecida essa utilidade pública, como no caso que nos ocupa, não pode subsistir a expropriação. Assim, só uma interpretação conforme à Constituição (e interpretação integrativa da lei com a Constituição) permite uma aplicação constitucional da norma sindicada, pelo que, como bem observaram FERNANDA PAULA OLIVEIRA e DULCE LOPES no Parecer junto aos autos (cfr. págs. 14-16), “(...) pensamos ser possível, numa interpretação conforme à Constituição, não julgar integralmente inconstitucional a totalidade do sentido e alcance do mesmo, mas apenas o sentido normativo que viola aqueles referentes jurídicos: o que determina a extinção do direito de reversão após o decurso de 20 anos, nas hipóteses em que, posteriormente, o bem possa ser apenas utilizado para uma finalidade puramente privada”.
14.ª Ao contrário do que se passa na situação em que a uma utilidade pública expropriativa se segue uma outra utilidade pública expropriativa (suscetível de ser objeto de uma outra declaração de utilidade pública expropriativa), nas situações em que o bem vem a ser cometido a uma utilidade privada passa a existir uma nova relação de igualdade a estabelecer entre dois sujeitos privados: neste caso, entre os particulares inicialmente expropriados (para a construção do Estádio das …) e o D.(para além da F. Imobiliária e, agora, a G. Imobiliária, a quem estes terrenos foram entretanto vendidos), enquanto beneficiários do novo estatuto de utilidade privada que o PPA veio a conferir a este Terreno. Esta relação de igualdade (que não existe, sublinhe-se, na situação em que o bem continua adstrito a outra utilidade pública expropriativa) justifica, por si só, uma diferenciação de regime na questão que nos ocupa: caso contrário, sem qualquer fundamento válido, estariam a ser beneficiadas entidades privadas em desfavor de outros particulares, violando-se assim, entre outros, o princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos e o princípio da proibição do enriquecimento sem causa legítima.
15.ª Este entendimento dos Recorrentes que suporta, de pleno, o que aqui se peticiona, resulta aliás em boa medida do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.04.2005, Processo nº 01386102, www.dqsi.pt, e do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24.09.1992, Processo nº 28463, www.dgsi.pt, onde se recusou a aplicação da norma prevista no art. 7.º, n.º 3 do Código das Expropriações de 1976, por se entender que a mesma, ao conduzir à caducidade do direito de reversão independentemente da verificação em concreto do conhecimento pelo Expropriado desse direito e possibilidade de exercício, perpetrava uma violação dos arts. 62º, 20.º, n.º 1, e 268º, n.º 3, da Constituição. Sublinhe-se que este entendimento foi posteriormente acolhido por este Venerando Tribunal Constitucional em sede do recurso interposto do referido aresto jurisprudencial, como se pode verificar pelo Acórdão TC nº 827/96, de 26.06.1996: exatamente com a mesma fundamentação, aquela norma jurídica foi julgada inconstitucional, por violação dos arts. 62.º, nºs. 1 e 2, 20º, nº 1, e 268º, nº 3, da Constituição. Este entendimento foi igualmente sufragado pelo Venerando Conselheiro José da Cruz Rodrigues, na sua Declaração de Voto ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.06.2002, Processo nº 045074, www.dgsi.pt.
16.ª Resta dizer que a situação que nos ocupa não foi ainda decidida/discutida ex professo nos nossos Tribunais Superiores, nem no Supremo Tribunal Administrativo, nem mesmo neste Venerando Tribunal Constitucional: não foi esta a dimensão e questão jurídicas sobre as quais o Supremo Tribunal Administrativo se pronunciou no Acórdão de 02.06.2004, Processo nº 046991 (que fundamentou a Decisão recorrida – cfr. págs. 22-23 do Acórdão recorrido), no Acórdão de 01.10.2003, Processo nº 37653, e no Acórdão de 05.06.2000, também citado no Acórdão recorrido”.
4. As contra interessadas, aqui recorridas, E., S.A. e EI. - S.A. apresentaram contra alegação, concluindo:
“a.) O presente recurso salda-se numa derradeira tentativa de os Recorrentes fazerem vingar o seu entendimento contra legem de que, não obstante as parcelas expropriadas terem permanecido afetas ao fim de utilidade pública que motivou a expropriação por mais de 50 anos após a prática do ato de adjudicação, o direito de reversão poderá sempre e alegadamente constituir-se na esfera jurídica dos expropriados, uma vez finda aquela afetação.
b.) É pelas conclusões da alegação dos Recorrentes que se define o objeto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões que possam ou devam conhecer-se oficiosamente (arts. 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC). Da simples análise das alegações de recurso apresentadas pelos Recorrentes – e conforme é aliás seu hábito – resulta evidente que o ónus que decorre do art. 690.º CPC não foi cumprido, pelo que deverão os mesmos ser convidados a apresentar as conclusões, sob pena de não o fazendo não se conhecer do recurso – cfr. art. 146º, n.º 4 e art. 690.º n.º 4 do CPC, aplicáveis ex vi do disposto no artigo 69.º da LTC.
c.) Ao afirmar que a questão jurídica controvertida nos presentes autos não foi ainda objeto de decisão, pretendem os Recorrentes afastar o entendimento jurisprudencial dominante (desfavorável aos seus interesses);
d.) Pretendem, pois, os Recorrentes que, na medida em que, no caso concreto e ao contrário do que sucedia nos casos julgados nos recursos jurisdicionais referenciados supra, os terrenos expropriados estiveram efetivamente adstritos ao fim de utilidade pública que determinou a sua expropriação, desde a data da respetiva adjudicação em 16 de novembro de 1949 até 2002.
e.) Contudo, ao contrário do pretendido pelos Recorrentes, tal circunstância é perfeitamente irrelevante para efeitos de contagem do prazo de 20 anos legalmente estabelecido para o exercício do direito de reversão, pela simples razão de que, como efetivamente referem os Acórdãos citados, a contagem daquele prazo inicia-se à data da adjudicação do bem expropriado, quer o bem tenha sido adstrito ao fim de utilidade pública subjacente à expropriação, quer não, sem que tal acarrete qualquer inconstitucionalidade;
f.) Em detrimento de uma interpretação alternativa e alegadamente sistemática, ensaiada pelos Recorrentes, o argumento literal de interpretação não é de descurar, ao contrário do que pretendem os Recorrentes, porquanto, tivesse o legislador querido, poderia ter optado por reportar o início da contagem do prazo de 20 anos para o exercício daquele direito a um qualquer outro marco temporal...
g.) Apesar de ter ponderado esta circunstância (cfr. artigo 5º, n.º 1, alínea b.), do CE), em benefício da certeza e da segurança jurídica, o legislador optou, ainda assim, por limitar o exercício do direito de reversão ao prazo de 20 anos contados a partir da data da adjudicação.
h.) Nesta sua derradeira (e espúria) tentativa de fazer vingar um entendimento manifestamente contra legem, vêm os Recorrentes arguir ainda a existência de uma lacuna no CE, no que concerne à possibilidade de exercício do direito de reversão se o bem expropriado for adjudicado a outro fim que não o de utilidade pública, após o termo do prazo de 20 anos legalmente previsto para o efeito.
i.) Ao prever que o direito de reversão pode ser exercido, em determinadas circunstâncias, nos 20 anos subsequentes à data da adjudicação do bem, o artigo 5º, n.º 4, alínea a.) do CE não comporta qualquer lacuna comporta, isso sim, a proibição do direito de reversão ser exercido para além desse prazo.
j.) No que concerne ao direito constitucional de propriedade privada, este encontra-se previsto no n.º 1 do artigo 62.º da CRP: a todos é garantido o direito de propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição, prevendo o n.º 2 do citado preceito constitucional expressamente a possibilidade de privação da propriedade, por requisição ou expropriação por utilidade pública, com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.
k.) A pura inexistência de um direito de reversão de bens expropriados, no caso de os mesmos não serem afetos ao fim a que se destinou a expropriação, pode configurar uma violação do conteúdo fundamental do direito de propriedade privada, O mesmo nunca poderá dizer-se da previsão legal de um prazo para o seu exercício, como sucede in casu.
1.) Em sentido diametralmente oposto ao pretendido pelos Recorrentes, foi já o próprio Tribunal Constitucional que estabeleceu um paralelo entre o prazo para o exercício do direito de reversão e o prazo para a usucapião, concluindo que “foi precisamente em função da importância e do valor desta estabilidade e segurança que o legislador estatuiu que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo mantida por certo lapso de tempo faculta, por regra, a aquisição do direito a cujo exercício aquela atuação corresponde (...) é o chamado instituto da usucapião – artigos 1287.º e ss do Código Civil (...), ou seja, em homenagem àqueles princípios e à necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas a aparência de um direito prolongado lapso de tempo transformava essa aparência em realidade, transformação essa que poderá ocorrer mesmo quando haja má-fé – vd arts. 1294.º 1285.º do Código Civil.
m.) No que concerne ao princípio da proporcionalidade, resulta que o mesmo se encontra perfeitamente acautelado, porquanto é fixado um período suficientemente longo (de 20 anos) durante o qual o mesmo pode constituir-se na esfera jurídica dos expropriados e ser por estes exercido – prazo de cessação, este, igual ao prazo geral de prescrição fixado no artigo 309.º do Código Civil.
n.) Quanto aos princípios da igualdade, da justiça e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, os mesmos foram acautelados mediante o pagamento oportuno, aos expropriados, da justa indemnização.
o.) Inversamente, a possibilidade, aventada pelos Recorrentes, de o direito de reversão ser exercido independentemente de prazo, no caso em que os bens expropriados fossem supervenientemente afetos a fins de direito privado, seria, ela sim, violadora do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança.
p.) O quadro normativo aplicável à data da expropriação em apreço – 1949 – impunha, de forma expressa e inequívoca, a observância de um prazo no exercício do direito de reversão de bens expropriados, pelo que a expectativa que os Recorrentes logram imputar aos então expropriados – de que as parcelas iriam permanecer adstritas a um fim de utilidade pública ad aeternum — nunca poderia considerar-se como legitimamente fundada, atenta a sua incompatibilidade com o quadro normativo (legal) vigente à data da expropriação!
q.) O Contra-Interessado D., por seu lado, e enquanto adjudicatário das parcelas em causa, estava ciente, porque a lei vigente à data da expropriação assim o determinava, de que as parcelas teriam de permanecer adstritas ao fim de utilidade pública que determinava tal expropriação por um período mínimo de 30 anos – sob pena de os expropriados exercerem o seu direito de reversão. Permaneceram por mais de 50 anos!
r.) Não pode, pois, merecer acolhimento o entendimento contra legem por que pugnam os Recorrentes, ao defender a ablação do prazo de 20 anos constante da alínea a.) do n.º 4 do artigo 5.º do CE, em circunstâncias casuisticamente selecionadas.
s.) A “interpretação conforme à Constituição” que os Recorrentes ensaiam nas suas Alegações é, ela sim, manifestamente inconstitucional, porque violadora do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, decorrente do princípio do Estado de Direito, contido no artigo 2.º da CRP.
t.) O Douto Acórdão recorrido deve, pois, ser mantido em toda a sua extensão, não tendo o mesmo aplicado qualquer interpretação inconstitucional da norma controvertida, tal como constante do artigo 5º, n.º 4, alínea a.) do CE.
Nestes termos e nos demais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve a interpretação normativa do artigo, 5.º, n.º 4 alínea a.) do CE, tal como efetuada e aplicada no Acórdão recorrido, ser julgada não inconstitucional, improcedendo totalmente o presente recurso jurisdicional”.
5. O Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, e o D. não apresentaram contra alegações.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
6. O objeto do presente recurso é constituído pelo artigo 5º n.º 4 alínea a) do Código das Expropriações, interpretado no sentido de impedir os expropriados de exercer o direito de reversão dos bens expropriados, com fundamento no decurso do prazo de 20 anos sobre a data da adjudicação dos mesmos à entidade beneficiária da expropriação, mesmo no caso em que esses bens estiveram afetos ao fim de utilidade pública que determinou a sua expropriação, sendo posteriormente vendidos para a construção de um projeto imobiliário privado.
O preceito de onde se extrai a norma objeto do presente recurso apresenta a seguinte redação:
Artigo 5.º
Direito de reversão
(…)
4 — O direito de reversão cessa:
a) Quando tenham decorrido 20 anos sobre a data da adjudicação;
(...)
Invoca o recorrente que a norma é inconstitucional, por violação do direito fundamental de propriedade privada, bem como dos princípios do Estado de Direito, da proporcionalidade, da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, da justiça e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, tutelados, entre outros, nos artigos 2º, 13º, 62º e 266º da Constituição.
7. É útil começar por recordar os contornos do caso concreto.
Na década 1940, o D. requereu ao Ministro das Obras Públicas a expropriação de terrenos nas Antas, Porto, para a construção do parque de jogos. Os bens em questão eram propriedade de familiares dos atuais requerentes do direito de reversão. Em 1 de setembro de 1949, o Ministro deferiu a pretensão do D., tendo proferido despacho de declaração de utilidade pública dos bens a expropriar. A propriedade dos terrenos foi adjudicada ao D., por sentença de 16 de novembro de 1949, sendo a indemnização atribuída aos expropriados paga nos termos definidos nessa mesma sentença. As parcelas de terreno foram adstritas ao fim de utilidade pública mencionado na respetiva declaração e aí foi edificado o estádio do D., o estádio das ….
Com a construção de um novo estádio para a realização do campeonato europeu de futebol chamado Euro 2004, a Assembleia Municipal do Porto aprovou, em 29 de abril de 2002, um plano de pormenor das Antas (PPA), no qual se previa a demolição do estádio das … e a construção, no terreno anteriormente ocupado pelo estádio, de edifícios para habitação, comércio e serviços, a serem comercializados no mercado imobiliário. O plano abrange as parcelas de terreno expropriadas em 1949. Os autores intentaram em 2004 ação destinada a obter a reversão do referido bem, o que lhes foi negado com fundamento no decurso do prazo de vinte anos previsto na norma objeto do presente recurso.
8. O Tribunal já abordou matéria relacionada com o direito de reversão em anteriores ocasiões. A conceção do direito radica-se, todavia, na ideia – que aqui deve ser sublinhada – de que seja qual for o entendimento jurídico constitucional de expropriação que se perfilhe, a expropriação implica a privação de um concreto objeto de propriedade. Através dela, o proprietário é privado de uma concreta posição jurídica, garantida pela Constituição, com base no pressuposto de que a expropriação serve o interesse público e é necessária à realização de um fim de interesse público determinado. Da jurisprudência do Tribunal decorre que a garantia de um direito de reversão não significa que o bem expropriado continua a ser propriedade dos expropriados, ou que a transação esteja sujeita a uma cláusula resolutiva de prossecução dos fins de utilidade pública justificativos do ato expropriativo. E assim é porque a expropriação se configura inequivocamente como um ato extintivo de direitos subjetivos constituído sobre determinados bens (Acórdão n.º 115/88, publicado in Diário da República, IIª Série, de 05-09-1988), pelo que o direito de propriedade não perdura na esfera jurídica do expropriado após a consumação da expropriação.
Conforme se reconhece no Acórdão n.º 827/96 (Diário da República, IIª Série, de 04-03-1998):
“9 – Assim, para além do fundamento que se adote, o direito de reversão é uma exigência constitucional derivada do artigo 62.º, na medida em que exprime uma harmonização valorativa entre o direito subjetivo de propriedade privada, a função social da propriedade privada e a responsabilidade do Estado na proteção e ordenação da propriedade privada, de acordo com os interesses envolvidos. Ora, a não existência de tal direito na ordem jurídica quebraria a harmonia valorativa, privilegiando, injustificadamente, o Estado expropriante que atuasse fora da situação de utilidade pública, e corresponderia até a uma desresponsabilização do Estado contrária ao interesse público.
O direito de reversão, no caso de desvio da finalidade de utilidade pública, fundamenta-se no artigo 62.º da Constituição e o seu não reconhecimento pela lei, no caso de os expropriados serem sujeitos jurídicos privados e o expropriante pessoa jurídica de direito público, é incompatível com aquela norma constitucional. A evolução legislativa entretanto ocorrida veio, aliás, a reconhecer a existência de tal direito (artigo 5.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de novembro), configurando um fortalecimento da proteção da propriedade privada.”
Trata-se, portanto, de um direito subjetivo que é conferido ao anterior proprietário do bem, essencialmente por ser esta a via mais eficaz para garantir a efetiva prossecução do fim de interesse público que fundamentou a expropriação. Na verdade, o expropriado dotado de um tal direito é, por certo, quem se encontra na melhor posição para fiscalizar o cumprimento da afetação do bem àquele fim, e assim evitar a ocorrência de obtenções fraudulentas de bens por via de expropriações infundadas. Tal como admitem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (ob. cit.): “a garantia da propriedade implica o reconhecimento do direito de reversão a favor dos proprietários expropriados, se os bens não forem utilizados ou aplicados ao fim justificativo da expropriação durante um lapso de tempo razoável, pois isso mostra que, afinal, não havia uma necessidade atual da expropriação para a realização do interesse público invocado. Se a expropriação só pode ser justificada pela utilidade pública, então a falta de destinação dos bens expropriados aos fins que a motivaram torna injustificável a expropriação”.
Acontece que o legislador não está impedido de regular o exercício daquele direito tendo em conta o relevo que merece a salvaguarda de outros valores fundamentais, pois a garantia constitucional do direito de reversão não o torna imune à necessidade de ponderação de outros interesses merecedores de proteção. Em particular, nada impõe que o direito de reversão possa ser exercido a qualquer tempo. O Tribunal reconhece, pelo contrário, que a proteção do referido direito não implica “que, por razões de segurança jurídica”, não deva ser estabelecido um prazo para o exercício do direito de reversão (citado Acórdão n.º 827/96). No Acórdão n.º 499/04 (Diário da República, IIª Série, de 30-10-2004) afirmou-se que a configuração do direito não prejudicava o estabelecimento de um prazo de caducidade para o seu exercício.
No primeiro aresto julgou-se inconstitucional a norma ínsita no n.º 3 do artigo 7.º do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76 de 11 de dezembro, que determinava a caducidade do exercício do direito de reversão nos casos em que o prédio expropriado fosse usado para fins diversos daquele que fundamentara a expropriação, independentemente de notificação por parte da Administração sobre o referido novo uso. No entanto, o juízo de inconstitucionalidade não se fundamentou na existência de um prazo de caducidade do exercício do referido direito, mas na circunstância de o prazo para o exercício do referido direito começar a contar independentemente de notificação da Administração sobre o novo uso a dar ao prédio – i.e., a partir de um ato administrativo de que não tinha sido dado conhecimento ao interessado. No segundo dos referidos arestos, Tribunal não julgou inconstitucional a norma do n.º 6 do artigo 5.º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91 de 9 de novembro, interpretada no sentido de o direito de reversão caducar no prazo de dois anos contados a partir do final daquele primeiro prazo, ainda que a Administração não tenha dado conhecimento da sua 'atuação inativa' ao solicitante da reversão, numa situação em que o bem expropriado, por inação pura da Administração, não ter sido, no prazo de dois anos contados desde a sua adjudicação, aplicado ao fim determinante da expropriação. Considerou-se que, por um lado, a entidade expropriante não tinha de notificar o expropriado já que nenhuma atividade diversa da que legitimou a expropriação foi prosseguida pela Administração e, por outro, “decorridos que sejam os dois anos após a expropriação e sem que o bem que dela foi alvo tivesse sido afeto a outro fim que não o que a ditou, o prazo de dois anos concedido a partir daí ao expropriado para solicitar a reversão (…) não se afigura como acentuadamente exíguo ou desproporcionado para um exercício de um tal direito”.
9. Consideram os recorrentes que a norma objeto do presente recurso, que prevê um prazo de vinte anos para a extinção do próprio direito de reversão, é inconstitucional por prever a extinção do direito mesmo nos casos – como o presente – em que esses bens, até à petição de reversão, estiveram afetos ao fim de utilidade pública que determinou a sua expropriação, sendo posteriormente desafetados e vendidos no mercado imobiliário para a construção de um projeto imobiliário privado.
Valem aqui as considerações tecidas nos Acórdãos já referidos quanto à necessidade de ponderação do direito de reversão com outros princípios constitucionais, como sejam o princípio da segurança e da certeza jurídicas. Com o estabelecimento de um limite temporal de vinte anos, findo o qual o direito de reversão se extingue, visa salvaguardar-se o interesse público que corresponde ao fundamento de todos os prazos prescricionais, designadamente quanto à estabilização dos atos jurídicos das entidades públicas, a certeza jurídica e a paz social.
Com efeito, um dos princípios mais relevantes no nosso ordenamento jurídico, por ser um dos que mais contribui para a paz jurídica e social, é o da estabilidade. É ele que, sendo raiz e pressuposto da segurança jurídica, conduz, em inúmeros casos, à consolidação das relações jurídicas existentes e as jurisdifica com caráter definitivo, contribuindo, dessa forma, para a mencionada pacificação. O Tribunal dá acolhimento a esse princípio em inúmeros contextos, ao reconhecer que a estabilidade é um dos valores que mais contribui para a paz jurídica e social.
Foi, de resto, precisamente em função da importância e do valor desta estabilidade que o legislador fez extrair da posse, ou de outros direitos reais de gozo, mantidos por certo lapso de tempo, a aquisição do próprio direito de cujo exercício aquela atuação corresponde, através da consagração do instituto da usucapião (artigos 1287.º e seguintes do Código Civil). É em homenagem àqueles princípios, e à necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas, que a ordem jurídica confere à aparência de um direito, prolongada por determinado lapso de tempo, a virtualidade de se transformar na realidade. Sempre no intuito de preservar os referidos valores da segurança e estabilidade das relações jurídicas, a lei permite que o não exercício de um direito por um determinado lapso de tempo determina a sua prescrição – nos termos dos artigos 298º e 309º, ambos do Código Civil.
É, assim, certo que o prazo de vinte anos de prescrição do direito de reversão se justifica por razões semelhantes às que estão na base dos institutos da prescrição e da usucapião. São razões idênticas às que ditam a previsão dos referidos institutos que estão na base da previsão do prazo de vinte anos para a extinção do direito de reversão.
A segurança e a certeza jurídicas assumem particular relevância no presente contexto, em que estão em causa decisões de entidades públicas respeitantes à disposição dos bens de que são titulares. Para além disto, a salvaguarda do interesse público que obrigatoriamente preside às opções das autoridades públicas, reclama a possibilidade de reafectação dos referidos bens a necessidades públicas novas, supervenientes, transcorrido que seja um prazo razoável. Por fim, há que reconhecer que a configuração e utilidade da propriedade de bens imóveis se altera com o decurso do tempo, como o demonstra a mutação das classificações dos solos, o que reclama que a sua titularidade se estabilize definitivamente ao fim de um prazo razoável. Neste contexto, merecem também proteção os valores que justificam os princípios da confiança e da boa fé, à sombra dos quais se criaram na ordem jurídica novas posições de que podem ser titulares entidades públicas ou privadas.
Todos estes interesses justificam a conformação do direito de reversão ligado ao decurso de um determinado lapso de tempo, findo o qual o direito se extingue.
10. O artigo 5º n.º 4 alínea a) do Código das Expropriações fixa um prazo de vinte anos, findo o qual o direito de reversão se extingue. A verdade é que tal prazo não se afigura desproporcionado ou irrazoável. Ele corresponde, aliás, ao prazo ordinário da prescrição previsto no artigo 309.º do Código Civil. Não se vislumbra, aliás, motivo algum que dite que o direito de reversão mereça uma imprescritibilidade superior a outros direitos que se podem ter também como decorrências de direitos fundamentais. O prazo de vinte anos é, de resto, o prazo máximo para a usucapião de bens imóveis (artigo 1296.º do Código Civil).
Ao lançar mão deste prazo, empregue com efeitos semelhantes em outros locais da ordem jurídica, o legislador acabou por adotar o período de tempo – juridicamente relevante – de maior dimensão, previsto no sistema, aplicando-o ao direito que vigora na esfera jurídica dos expropriados. Não é, a todas as luzes, um prazo desproporcionada ou irrazoavelmente exíguo, tendo em conta que as razões de segurança e estabilidade se fazem sentir com particular intensidade no âmbito da propriedade imobiliária.
As considerações até agora tecidas não são invalidadas pelo facto de a entidade beneficiária da expropriação ter dado aos bens expropriados o fim de utilidade pública que determinou a sua expropriação durante os referidos vinte anos e só posteriormente os ter desafetado e vendido no mercado imobiliário.
Com efeito, à luz dos princípios da certeza e segurança jurídicas é irrelevante o destino conferido aos bens após o decurso do referido prazo. A estipulação de um prazo de prescrição do direito de reversão visa precisamente, em nome dos já referidos valores assumidos pelo Direito, a pacificação das relações jurídicas, proibindo a controvérsia sobre a afetação dos bens. Tudo se passará, transcorrido o prazo, como se tivesse sido apagado o dever de afetação do bem ao específico fim de utilidade pública determinativo da expropriação.
Com efeito, não é obrigatório reconhecer-se ao expropriado, findo aquele prazo, qualquer expectativa legítima de o bem poder regressar ao seu domínio. O quadro legal em vigor à data da expropriação, em 1949, adotara já um prazo para o exercício do direito de reversão dos bens expropriados; a Lei n.º 2030 de 22 de junho de 1948 (artigo 8.º, n.º 2) previa, com efeito, um prazo de trinta anos para o exercício do direito de reversão – que coincidia com a duração do prazo de usucapião previsto no Código Civil então vigente. Os herdeiros dos expropriados, face ao quadro legal atualmente em vigor, não poderiam também ter qualquer expectativa neste domínio. Não pode considerar-se terem existido, no presente caso, expectativas jurídicas merecedoras de proteção no sentido de os bens expropriados poderem ainda, atualmente, reverter para a esfera jurídica dos herdeiros dos expropriados.
Finalmente, há que aceitar que os princípios da igualdade e da justiça foram devidamente acautelados com o pagamento da justa indemnização, contemporânea à data da adjudicação da propriedade dos bens à entidade beneficiária da expropriação. A justa indemnização devida pela expropriação constitui o meio idóneo para repor, no contexto de uma expropriação por utilidade pública, o equilíbrio e a justiça do tratamento dos cidadãos perante os encargos públicos. Importa, por isso, recordar a jurisprudência do Tribunal sobre a exigência de uma justa indemnização como integrante do próprio conceito de expropriação por utilidade pública. É neste ponto paradigmático o Acórdão n.º 210/93 (publicado in Diário da República, IIª Série, de 28-05-1993), onde se escreveu:
“[...]a expressão «justa indemnização», inserta no artigo 62º, nº 2, da Lei Fundamental, não pode ser considerada como uma fórmula vazia. É, antes, uma fórmula carregada de sentido, na qual podem ser colhidos importantes limites à discricionaridade do legislador ordinário.
10. Em obra recente, F. Alves Correia (cfr. O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, cit., p. 532 e ss.) defende que o conceito constitucional de «justa indemnização» leva implicado três ideias: a proibição de uma indemnização meramente nominal, irrisória ou simbólica; o respeito pelo princípio da igualdade de encargos; e a consideração do interesse público da expropriação.
Atendo-nos apenas à primeira e à segunda dimensões – aquelas que têm a ver com o princípio da justiça da indemnização visto na direção do expropriado –, dir-se-á, com o autor referido, que no conceito de justa indemnização vai implícito o sentido de que devem ser rejeitados por inconstitucionais os critérios conducentes a uma indemnização meramente nominal (blösse Nominalentschädigung), a uma indemnização puramente irrisória ou simbólica ou a uma indemnização simplesmente aparente. Estar-se-á perante uma indemnização meramente simbólica quando, por exemplo, a lei, baseando-se num critério abstrato, que não faça qualquer referência ao bem a expropriar e ao seu valor segundo o seu destino económico, permite indemnizações que não se traduzem numa compensação adequada do dano infligido ao expropriado.
Além disso, no conceito de justa indemnização vai implicada necessariamente a observância do princípio da igualdade, na sua manifestação de igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos. Uma indemnização justa (na perspetiva do expropriado) será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja equitativamente repartida entre todos os cidadãos.
Segundo o autor citado, o princípio da igualdade, como elemento normativo inderrogável que deve presidir à definição dos critérios de indemnização por expropriação, desdobra-se em duas dimensões ou em dois níveis fundamentais de comparação: o princípio da igualdade no âmbito relação interna e o princípio da igualdade no domínio da relação externa da expropriação.
No campo da relação interna da expropriação, confrontam-se as regras de indemnização aplicáveis às diferentes expropriações. Neste domínio, o princípio da igualdade impõe ao legislador, na definição de regras de indemnização por expropriação, um limite inderrogável: não pode fixar critérios de indemnização que variem de acordo com os fins públicos específicos das expropriações (v.g. critérios de indemnização diferentes para as expropriações de imóveis destinados à abertura de vias férreas, ao rasgo de autoestradas, à execução dos planos urbanísticos, etc.), com os seus objetos (v.g. critérios diferenciados de indemnização para as expropriações de imóveis e móveis, prédios rústicos e prédios urbanos, solos agrícolas e solos urbanizados, etc.) e com o procedimento a que elas se subordinam. O princípio da igualdade não permite que particulares colocados numa situação idêntica recebam indemnizações quantitativamente diversas ou que sejam fixados critérios distintos de indemnização que tratem alguns expropriados mais favoravelmente do que outros grupos de expropriados. Aquele princípio obriga o legislador a estabelecer critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação.
No domínio da relação externa da expropriação, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada num montante tal que impeça um tratamento desigual entre os dois grupos. A observância do «princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos» na expropriação por utilidade pública exige que esta seja acompanhada de uma indemnização integral (volle Entschädigung) ou de uma compensação integral do dano infligido ao expropriado. Aquele princípio impõe que a indemnização por expropriação possua um «caráter reequilibrador» em benefício do sujeito expropriado, objetivo que só será atingido se a indemnização se traduzir numa «compensação séria e adequada» ou, noutros termos, numa compensação integral do dano suportado pelo particular
[...].”
Reafirmando esta doutrina, resta concluir que a fixação de um prazo de vinte anos findo o qual prescreve o direito do proprietário originário a exigir a respetiva reversão, independentemente de o bem, depois daquele prazo, vir a ser destinado a um fim económico não reconduzível a nenhuma utilidade pública, não constitui violação da Constituição.
III – Decisão
11. Nestes termos, o Tribunal decide negar provimento ao recurso. Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 7 de março de 2012.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão – Rui Manuel Moura Ramos.