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Proc. nº 685/92
1ª Secção Cons. Rel.: Assunção Esteves
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorridas B., e C., pelas razões constantes da exposição prévia do relator a fls. 84 e segs., que aqui se dão por inteiramente reproduzidas para todos os efeitos legais, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro unidades de conta.
Lisboa, 8 de Junho de 1993
Maria da Assunção Esteves
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Alberto Tavares da Costa
António Vitorino
José Manuel Cardoso da Costa
Procº nº 685/92 Rel.: Consª A. Esteves
Exposição prévia nos termos do art. 78º-A, da Lei do Tribunal Constitucional
I. No Tribunal de Trabalho de Lisboa, em acção sumária emergente de contrato de trabalho, intentada por A. contra as empresas B. e C., por sentença de 14 de Julho de 1991, foi condenada a 1ª ré a pagar à autora a quantia de 43. 074$00, sendo a 2ª ré absolvida da totalidade do pedido nos seguintes termos:
'(...) a Ré C. que, segundo ficou provado, desde 1 de Janeiro de
1990 se encarregou dos serviços de limpeza dos Supermercados D. no
-------------, onde até 31 de Dezembro de 1989 era encarregada de tais serviços a Ré B., só é obrigada a receber ao seu serviço com os inerentes direitos e deveres, os trabalhadores que, à data da transferência da empreitada de prestação de serviços, trabalhem, normalmente, ao serviço da cessionária nos 90 dias anteriores à dita transferência.
Ora, do que ficou demonstrado, tais requisitos não se verificavam no que concerne à Autora, dado que a Autora foi impedida de entrar no seu local de trabalho em 10 de Junho de 1989 e a transferência da empreitada de prestação de serviços para a Ré C. só se efectuou em 1 de Janeiro de 1990.
Por outro lado, a Autora só em 19 de Fevereiro é que veio reclamar os seus direitos, em data, portanto, posterior à transmissão do contrato de empreitada.
Em face do que fica exposto, não é aplicável ao caso sub judice a clausula 37ª da L.C.T. (Dec.Lei 49408).'.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 29 de Abril de
1992, decidiu confirmar a sentença recorrida na parte em que se refere à Ré C., afirmando, designadamente, o seguinte:
'Quanto à última questão a decidir, a da eventual responsabilidade da Ré C. na reintegração da Autora no seu posto de trabalho, a partir de 1-1-90, e da eventual infracção dessa Ré ao dever de ocupação efectiva da Autora, diremos desde logo não ter a Autora razão.
É que a Cl.ª 18º, nº 2, do C.C.T. para as Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares, publicado no 'B.T.E.', 1ª S., nº12, de 29/3/89, aplicável à Autora e Ré C. por força da Portaria de Extensão
(P.E.) publicada no 'B.T.E.', nº25, 1ª S., de 8/7/89, preceitua expressamente que:
'Em caso de perda de um local de trabalho, a entidade patronal que tiver obtido a nova empreitada obriga-se a ficar com todos os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço.'
E o seu nº4, que:
'Para os efeitos do disposto no nº2 da presente cláusula, não se consideram trabalhadores a prestar normalmente serviço no local de trabalho:
a) - todos aqueles que prestam serviço no local de trabalho há 90 ou menos dias;
...Os 90 dias mencionados neste número são os imediatamente anteriores à data do início da nova empreitada.'
Ora a Autora deixou de prestar serviço no local habitual de trabalho em 10-6-89, e não voltou a trabalhar nesse local, sendo certo que a nova empreitada só foi adjudicada à C. em 1-1-90, o que significa que, nesta data, há cerca de 6 meses que a Autora já não trabalhava, não reunindo pois os requisitos previstos naquele clausulado para a sua reintegração pela C., a qual, consequentemente, não violou qualquer dever de ocupação efectiva da Autora.
É certo que vem provado que a Autora foi impedida de entrar no seu local de trabalho, em 10-6-89, mas a Ré C. nada tem a ver com esse facto, nem lhe era exigível, à data da nova empreitada, em 1-1-90, que averiguasse qual a situação concreta de cada um dos trabalhadores da anterior entidade patronal
-a B.-. Esta é que era obrigada a fornecer-lhe tais elementos, nos termos do nº6 da referida Clª 18ª, mas não se provou que o tivesse feito.
No caso vertente, e pelos motivos expostos, à Ré C. não era aplicável a Clª 18ª, nº2, do referido C.C.T. no tocante à Autora, pelo que bem andou o Mº Juiz a quo em absolver a Ré C. dos pedidos formulados pela Autora'.
Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, 'nos termos da alínea i) do nº1 do artº 70º da Lei 28/82 na redacção dada pela Lei 85/89 por o Acórdão recorrido ter aplicado o artº 37º do Dec.Lei 49.408 e a cláusula 18º do CCTV para as Empresas Prestadoras de Serviços de Limpeza em sentido contrário ao entendimento expresso no Acórdão desse Tribunal Constitucional de 12 de Junho de 1990 - Pº 102/90.'.
II. O recurso vem interposto ao abrigo da alínea i) do artigo
70º, nº1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro.
O recurso de constitucionalidade a que se refere a alínea i) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional aplica-se apenas a dois tipos de situações: (1) recusa de aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional;
(2) aplicação de norma constante de acto legislativo em desconformidade com anterior decisão do TC sobre a questão da eventual contrariedade entre essa norma e convenção internacional (cfr. Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra, 1992, pág.
26).
Não estando em causa qualquer contrariedade entre norma constante de acto legislativo e convenção internacional, o recurso não deveria ter sido interposto ao abrigo da alínea i) do artigo 70º, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, mas, quando muito, ao abrigo da alínea g) do mesmo artigo, nos termos da qual: 'Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional.'.
Constituem pressupostos do recurso de constitucionalidade a que se refere a alínea g) do artigo 70º, nº1, da Lei do Tribunal Constitucional: (1) a norma há de ter sido julgada inconstitucional ou ilegal pelo Tribunal Constitucional; (2) a mesma norma há de ter sido objecto de aplicação pela decisão recorrida.
Ora, as normas do artigo 37º da Lei do Contrato Individual de Trabalho (Decreto-Lei nº 49.408, de 21 de Novembro de 1969), e da cláusula 18º do Contrato Colectivo de Trabalho para as Empresas Prestadoras de Serviços de Limpeza não foram aplicadas na decisão recorrida.
O Tribunal da Relação afirmou expressamente que a cláusula 18º do Contrato Colectivo de Trabalho para as Empresas Prestadoras de Serviços de Limpeza não era aplicável à situação 'sub judice', uma vez que a recorrente
'(...) deixou de prestar serviço no local habitual de trabalho em 10-6-89, e não voltou a trabalhar nesse local, sendo certo que a nova empreitada só foi adjudicada à C. em 1-1-90, o que significa que, nesta data, há cerca de 6 meses que (...) já não trabalhava, não reunindo pois os requisitos previstos naquele clausulado para a sua reintegração pela C. (...).'.
Por outro lado, a não aplicação daquela norma não se baseou num juízo sobre a sua eventual inconstitucionalidade, pelo que se não pode considerar preenchido o requisito do recurso de constitucionalidade a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional
(cfr., exemplificativamente o acórdão nº 75/92, inédito).
Ou seja, a norma supostamente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional não foi aplicada na decisão recorrida, nem tal
'desaplicação' se ficou a dever a razões de constitucionalidade, pelo que não se deve conhecer do presente recurso.
III. Nestes termos, não deve tomar-se conhecimento do recurso.
Ouçam-se as partes por cinco dias.
Lisboa, 12 de Janeiro de 1993
Maria da Assunção Esteves