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Procº nº 252/90
1ª Secção Relator: Cons. Vítor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1. - O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado do Acórdão nº 335/92, de 27 de Outubro de 1992, veio a fls. 92 e segs. requerer a sua aclaração e reforma quanto a custas, ao abrigo do preceituado nos artigos 669º, alíneas a) e b) e
716º do Código de Processo Civil.
Pelo seu lado, a recorrida A., notificada do mesmo acórdão, veio apenas requerer a sua reforma quanto a custas, por entender que '(...) atento o facto de a entidade requerida ter dado, entretanto, cumprimento integral à decisão do T.A.C.L. sob recurso, tudo quanto ficou dito mostra-se prejudicado excepto quanto à responsabilidade da requerente quanto a custas'.
2. Notificada a entidade requerida destes requerimentos, nada veio dizer aos autos.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTOS:
3. - O pedido de aclaração do Ministério Público.
3.1.- O acórdão aclarando assenta no tratamento separado de duas questões: por um lado, nele se entende que o meio processual da intimação para consulta de documentos ou passagem de certidões não é o processo próprio para decidir se a intimação ordenada foi ou não cumprida ou se só foi cumprida parcialmente, de acordo com os próprios termos da LPTA, não sendo o Tribunal Constitucional o competente para decidir as divergências entre a entidade requerida e a requerente a este respeito e, por outro lado, tomando posição sobre a omissão de cumprimento do princípio do contraditório, de que resultaria a nulidade do Acórdão nº 56/92,nele se entende que a prática de tal acto omitido, no estado actual do processo, tem de considerar-se um acto inútil; mas, a considerar-se que houve irregularidade, a mesma não influiu no exame ou decisão da causa.
A síntese a que acabou de se proceder flui dos próprios termos da decisão, não podendo, designadamente, relevar a argumentação do Procurador-Geral Adjunto de que continuaria a subsistir interesse no conhecimento do recurso de constitucionalidade. Como é nessa argumentação que se fundamentam os vários pedidos de aclaração, não se vê como possam eles proceder integralmente. É o que se vai apurar mais em pormenor.
3.2. - No que respeita ao primeiro esclarecimento solicitado, diga-se desde já que o requerente, ao considerar inaceitável que se justifique julgar extinto o recurso por ao Tribunal Constitucional não caber dirimir divergências entre autoridade administrativa e a então requerente, extrai do acórdão uma conclusão que nele não se contem.
O que no acórdão se afirma é que nem o processo de intimação para consulta de documentos é a sede própria para se apurar se foi ou não dado cumprimento à intimação, face ao que se estabelece no artigo 84º, nº 2 da LPTA, nem o Tribunal Constitucional tem que tomar posição sobre quaisquer divergências relativas ao cumprimento parcial ou não da decisão de intimação, apenas lhe competindo ajuizar da subsistência ou não do interesse jurídico do conhecimento da questão de constitucionalidade.
Assim, eventuais divergências deverão ser resolvidas em sede processual própria que não é a dos autos de intimação.
3.3. - Nesta sequência, não se compreende a dúvida suscitada no segundo pedido. Na opinião do Ministério Público, do facto de o processo de intimação não ser o meio para controlar o acatamento da decisão do Tribunal Administrativo, não seria de concluir pela inutilidade do recurso. Esta inutilidade só poderia adquirir-se com segurança após se ter apurado o efectivo cumprimento da intimação.
Propriamente, o que isto significa não é mais do que questionar o bem ou mal fundado da decisão constante do Acórdão nº 56/92, de 11 de Fevereiro de 1992. No acórdão, aclarando o que ficou afirmado, foi que aquele tipo de divergências entre as partes não têm possibilidade de resolução no processo de intimação.
3.4. - Esclarecidas as duas primeiras dúvidas, vejamos a relativa ao ponto 7. do acórdão. O requerente, porque sustenta a subsistência do interesse jurídico relevante, considera
'incompreensível' que o Tribunal tenha entendido que uma sua eventual decisão de sentido contrário ao da decisão recorrida 'não teria qualquer repercussão na consistência da pretensão da interessada'.
Porém, basta ler o que se escreveu até ao final do parágrafo para se entender o que se quis dizer. Parece claro que tendo a interessada obtido decisão judicial, que lhe foi favorável, em resultado do julgamento de inconstitucionalidade da norma que lhe restringia o acesso aos documentos relativos ao concurso em que era oponente, uma decisão deste Tribunal no sentido da constitucionalidade de tal norma, que obviamente se repercutiria desfavoravelmente na sua pretensão, nunca concederia à interessada mais direitos do que os já obtidos no seguimento daquela decisão inicial, ou seja, a 'consistência da pretensão' nunca poderia vir a ser maior do que já era por força da decisão recorrida.
Este o sentido que claramente decorre do texto do acórdão, ficando assim esclarecida a terceira dúvida do requerente.
3.5. - Um último pedido de esclarecimento formulado pelo Ministério Público recai sobre a matéria constante do ponto 8. do acórdão em que se escreve:
'E mesmo admitindo, sem conceder, que a omissão do acto de notificação terá gerado uma irregularidade, a verdade continua a ser a de que a mesma não influiu no exame ou decisão da causa, como abundantemente se extrairá do que fica dito e que é confirmado no domínio dos factos pelo que, de forma clara, decorre dos documentos juntos aos autos, não tendo por isso, produzido qualquer nulidade relevante.'
A passagem transcrita parece não deixar qualquer lugar para dúvidas. Aliás, da fundamentação desta parte do pedido parece decorrer novamente que se pretende, afinal, mais a «revisão» do decidido do que a sua aclaração. Porém, se alguma dúvida pudesse subsistir no sentido de que a falta de notificação, à interessada recorrida, do ofício da entidade requerida que comunicava o cumprimento da intimação, ainda que possa representar uma irregularidade, não influiu na decisão da causa, tal dúvida, repetimos, teria desaparecido face ao teor do próprio requerimento da interessada de fls. em que refere:
'Porém, atento o facto de a entidade requerida ter dado, entretanto, cumprimento integral à decisão do T.A.C.L. sob recurso, tudo quanto ficou dito mostra-se prejudicado excepto quanto à responsabilidade da requerente quanto a custas'
De qualquer modo, sempre se dirá que - repetindo o afirmado no acórdão aclarando - a prática da notificação omitida se tornou, na presente fase processual, um acto inútil e que a documentação junta aos autos mostra, com segurança, inexistir qualquer nulidade relevante, como se concluiu no acórdão e a requerente reconhece agora.
3.6. - Ficam, assim, esclarecidos os pontos do acórdão que o Ministério Público considerou como obscuros ou duvidosos e este Tribunal considera necessitarem de aclaração.
3.7. - Ainda, relativamente à generalidade das questões agora suscitadas, e a fim de evitar possíveis equívocos gerados a partir de algumas das afirmações contidas no pedido de aclaração, se entende que convirá deixar bem claros dois pontos.
Em primeiro lugar, e por referência a ilações que, segundo o Ministério Público, poderão ser extraídas do acórdão aclarando - mas, bem vistas as coisas, apenas do Acórdão nº 56/92 - o Tribunal Constitucional não disse que à recorrente 'fora facultado o acesso a todos os documentos pretendidos e que a recorrente se conformara com esta constatação' (cfr. o requerimento, a fls. 95). Desse acórdão se poderá extrair, apenas, que a entidade requerida, por ofício junto aos autos, informou que 'foi dado cumprimento à intimação da decisão' (ponto 7. do acórdão, 1º parágrafo, a fls. 46).
Em segundo lugar, não pode afirmar-se que 'O Tribunal Constitucional deu como boa a informação da autoridade recorrida...' (a fls. 98). Não a deu na precisa medida em que teve o cuidado de expressar, no Acórdão nº 335/92, que não lhe caberia a ele dirimir, nem o processo de intimação lhe parecia ser sede adequada para o efeito, qualquer controvérsia acerca do acatamento ou não acatamento da decisão do Tribunal Administrativo.
4. - Os pedidos de reforma do acórdão quanto a custas.
Quer o Ministério Público quer a recorrida particular vieram pedir a reforma do acórdão no respeitante à condenação em custas.
4.1. - A este respeito, o Ministério Público alega:
' Não se tendo decidido assim [isto é, no sentido do deferimento da arguição de nulidade], é, de qualquer forma, excessiva a condenação da requerente em 50 000$00 (cinquenta mil escudos) de custas.
Sendo o regime das custas devidas nos recursos para o Tribunal Constitucional o fixado na parte cível do Código das Custas Judiciais, embora a taxa de justiça seja fixada, não pela tabela anexa a este Código, mas entre o mínimo de 1 e o máximo de 80 unidades de conta (artigo 17º, nº 1, e 18º do Decreto-Lei nº 149-A/83, de 5 de Abril, na redacção do Decreto-Lei nº 72-A/90, de 3 de Março), e sendo hoje incontroverso que os incidentes de nulidade, esclarecimento e reforma das decisões estão sujeitos a tributação, é-lhes, porém, aplicável, por força do nº 1 do artigo 43º, a taxa de justiça estabelecida no artigo 42º, ambos daquele Código, ou seja, 'um quarto da fixada na tabela, com redução para um oitavo quando não for deduzida oposição ou esta não for admissível.'
Ora, no caso, à arguição de nulidade apenas respondeu o Ministério Público que concordou com a requerente, não tendo havido resposta da autoridade requerida, pelo que a taxa de justiça deveria ter sido fixada, segundo o Ministério Público, em um oitavo da fixada na tabela, o que no processo em causa deveria corresponder à taxa mínima, uma vez que a tabela não é aplicável aos recursos para o Tribunal Constitucional - a ser a requerente condenada em custas - o que se afigura ao Ministério Público não se justificar.
Pelo seu lado, a recorrida A. pretende também a reforma da decisão quanto a custas, por entender que tal condenação 'é manifestamente iníqua, injusta e ilegal, porquanto a arguição de nulidades por si deduzida deveria ter sido deferida ou, pelo menos, julgada sem custas por a entidade recorrida delas estar isenta, muito embora seja a única responsável pela situação 'sub judice' (cfr.artºs 447º, nº 1, 'in fine', do C.P.C. e 14º do DL 42 150, de 12.02.92).'
A entidade requerida não respondeu a estes pedidos.
Cumpre apreciar e decidir.
5. - A arguição de nulidades pela recorrida A. foi indeferida. Assim, parece claro que, em princípio, nunca poderia a requerente ser isenta de custas, uma vez que tal como o Ministério Público aceita - e assim é, de facto -, os incidentes de nulidade estão sujeitos a tributação.
5.1.- A questão que se apresenta para decidir é a de saber se, no caso dos recursos para o Tribunal Constitucional, em que não é aplicável a Tabela do Código das Custas Judiciais, os incidentes tributáveis devem (ou não), ver a respectiva taxa de justiça reduzida nos termos do preceituado no artigo 43º, nº 1, do referido Código, como pretende o Ministério Público.
O artigo 84º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei nº 85/89, de
7 de Setembro) estabelece no seu nº 3 que:
'As reclamações para o Tribunal Constitucional, e bem assim, as reclamações de decisões por este proferidas, estão sujeitas a custas, quando indeferidas.'
E o nº 4 deste mesmo preceito determina que 'o regime das custas previstas nos números anteriores será definido por decreto-lei'. O diploma que define tal regime é o Decreto-Lei nº
149-A/83, de 5 de Abril, na redacção do Decreto-Lei nº 72-A/90, de 3 de Março.
O regime de custas consta dos artigos 17º e 18º, na redacção deste último diploma e 19º a 21º, na redacção originária.
No nº 1 do artigo 17º estabelece-se que 'o regime das custas devidas nos recursos e reclamações para o Tribunal Constitucional é o fixado na parte cível do Código das Custas Judiciais e respectiva legislação complementar, ressalvadas as disposições deste diploma'
(sublinhado agora).
No artigo 18º estabelece-se que
'a taxa de justiça será fixada entre o mínimo de 1 e o máximo de 80 unidades de conta processuais (UCs), tendo em atenção a natureza e a complexidade do processo, a actividade contumaz do vencido e o volume dos interesses em disputa'.
5.2. - Deste preceito decorre, claramente, que o regime de custas no Tribunal Constitucional afasta decididamente a utilização da tabela de custas que, no sistema do Código das Custas Judiciais, condiciona totalmente todo o regime cível de taxação do processado. O legislador de custas em processos de constitucionalidade limitou-se a fixar um mínimo e um máximo da taxa de justiça e a fixar os critérios legalmente utilizáveis para o tribunal graduar, entre aqueles limites, a condenação em custas.
Tal esquema de custas afasta a aplicabilidade aos processos pendentes no Tribunal Constitucional das normas que, no Código de Custas, estabelecem reduções de taxas de justiça em função das taxas fixadas na Tabela. Com efeito, não funcionando a Tabela nos processos deste Tribunal, não podem também funcionar as reduções que nela assentam, como é o caso dos autos.
Assim, o Tribunal ao fixar a condenação em custas, não está sujeito aos critérios rígidos decorrentes das normas que, nas custas judiciais, operam reduções das taxas numa determinada relação proporcional com os valores fixados na Tabela, mas antes deve socorrer-se dos critérios que a respectiva e específica lei de custas fixa, graduando a condenação em custas dentro dos limites ali fixados, tendo em atenção o processado sujeito a tributação.
5.3. - Porém, mesmo que se admitisse em toda a sua lógica - como mera hipótese de trabalho e, sem conceder minimamente que assim possa de facto suceder -, a posição exposta pelo Procurador-Geral Adjunto no sentido de que, as custas dos incidentes ocorridos durante o processamento dos recursos de constitucionalidade, possam ser objecto da redução prevista no Art. 42º, nº1 do Código das Custas Judiciais (CCJ), quando não for deduzida oposição ou esta não for admissível (taxa normal = 1/4 da tabela; taxa reduzida =1/8, com o mínimo de redução excepcional a metade da UC), sempre se haveria de concluir que, não sendo a tabela a que se refere o Art.16º do CCJ aplicável neste Tribunal - como o próprio reclamante aceita - , aqueles valores de redução das custas só poderiam operar sobre o limite máximo
(80 UC's) previsto no diploma que regula as custas devidas pelos processos pendentes no Tribunal Constitucional.
Assim, esta aplicação, por analogia ou a título subsidiário, em tais processos, das percentagens de redução das taxas de justiça devidas em incidentes tributáveis, apenas permitiria concluir que, em tal hipótese, as custas de um incidente nunca poderiam ultrapassar 20 UC's; este máximo poderia ser reduzido a 10 UC's no caso de não haver oposição ou havendo-a, esta não ser admissível, podendo a taxa mínima normal de uma UC, ser excepcionalmente baixada até metade.
Na verdade, o Art. 52º, nº 1 do Código das Custas Judiciais estabelece como limite mínimo inultrapassável (salvo em hipótese de rateio) para a taxa de justiça, o valor de 'metade da UC', pelo que não é legítimo fazer-se incidir as reduções da taxa de justiça previstas no Art. 42º, nº 1, do CCJ sobre o valor mínimo das taxas de justiça previstas no diploma que regula as custas a que estão sujeitos os processos no Tribunal Constitucional, sob pena de violação daquele preceito do CCJ.
Ora, não podendo a redução de um oitavo incidir sobre a taxa mínima (1 UC), como defende o Ministério Público, na lógica da sua posição, com o entendimento que acima se expôs, ainda que a título de mera hipótese de trabalho, entende-se que a fixação da taxa de justiça (5 UC's) operada pelo Acórdão nº 335/92, não pode considerar-se como excessiva ou desproporcionada, tendo em conta a natureza do processo, os interesses em causa, a actividade processual desenvolvida e os parâmetros de redução em que o Tribunal, em tal hipótese, se poderia movimentar.
5.4. - Na perspectiva do Tribunal, exposta nos pontos 5.1 e 5.2 que antecedem, a requerente que viu indeferida a sua arguição de nulidades não podia deixar de ser condenada em custas (nº 3 do artigo 84º da LTC); assim, a fixação da taxa de justiça em 5 UCs dentro de um quadro que permite a variação entre 1 e 80 unidades de conta
(UC's), corresponde ainda a uma taxação baseada no prudente arbítrio do tribunal face à natureza e simplicidade do processado, não se vislumbrando fundamentos para a sua modificação.
Nestes termos, entende-se que não podem proceder os pedidos de reforma do Acórdão nº 335/92, quanto à condenação em custas.
III - DECISÃO:
6. - Pelo exposto, decide-se deferir parcialmente o pedido de aclaração do Acórdão nº 335/92, bem como indeferir os pedidos de reforma da decisão quanto a custas, quer do Ministério Público quer da recorrida A..
Custas do incidente de reforma pela recorrida A., fixando-se a taxa de justiça em 2 UC's; sem custas, o restante processado, dada a isenção de custas de que goza o Ministério Público.
Lisboa, 1993.06.09
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
José Manuel Cardoso da Costa