Imprimir acórdão
Proc. nº 159/92
1ª Secção Rel.: Cons. António Vitorino
Acordam, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A. intentou, no Tribunal de Trabalho de Viana do Castelo acção emergente de contrato de trabalho, com processo ordinário contra o banco B., pedindo que fosse declarado ilícito o seu despedimento pelo réu e que este fosse condenado:
- a reintegrar o autor, no mesmo local e posto de trabalho sem perda de quaisquer regalias ou direitos, designadamente decorrentes da sua categoria ou antiguidade, ou a pagar-lhe a indemnização prevista no nº 3 do artigo 13º do Decreto-Lei nº 69-A/89, de 27 de Fevereiro, conforme o autor viesse oportunamente a optar;
- a pagar-lhe todas as importâncias correspondentes ao valor das retribuições que deixou de receber desde a data do despedimento até à data da sentença final.
A acção foi julgada improcedente e o réu absolvido do pedido, por sentença de
18 de Junho de 1991, da qual o autor interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, suscitando então, nas respectivas alegações, a 'questão prévia' da amnistia da infracção disciplinar em causa, face ao disposto na alínea ii) do artigo 1º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho.
Nas suas contra-alegações o réu B. sustentou que tal amnistia não era aplicável aos seus trabalhadores, por não ser uma empresa pública nem de capitais exclusivamente públicos, além de que a referida alínea padecia de inconstitucionalidade material.
2. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 3 de Fevereiro de 1992, desatendeu a aludida 'questão prévia', pelos fundamentos constantes do despacho do Desembargador Relator de que se transcreve a parte mais relevante:
' Em causa, portanto, a amnistia prevista na citada alínea ii) do artigo 1º da Lei nº 23/91.
Efectivamente, o banco B., E.P., por força de privatização - Decreto-Lei nº 321-A/90 - transformou-se em banco B., S.A..
Todavia, como tão-só foram privatizados 33% do respectivo capital social, o B. transformou-se numa sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos.
E como a lei - alínea ii) do artigo 1º da Lei nº 23/91 - não distingue entre empresas de capitais exclusivamente públicos e de capitais maioritariamente públicos, afigura-se-nos que não apenas aquelas, mas também, pelo menos, estas estão sob a alçada da aludida disposição legal, como sucede com a empresa apelada.
Posto isto, analisemos agora a predita alínea ii) à luz da Lei Fundamental.
Numa primeira abordagem ao texto em apreciação ressalta a ideia de ser perfeitamente constitucional, pois que não contém qualquer desigualdade, já que todos os trabalhadores têm o mesmo tratamento.
Todavia, ao lado dessas e em maior número estão as empresas privadas com a sua legião de trabalhadores, cujas eventuais infracções disciplinares não estão previstas no aludido preceito.
A igualdade no fundamental - trabalhador de empresas públicas ou de capitais públicos e de empresas privadas - está, pois, ferida de inexplicável discriminação.
O princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição mostra-se assim violado.'
Razão pela qual foi desatendida a referida 'questão prévia' quanto à aplicação da amnistia ao caso em apreço.
3. Deste acórdão da Relação do Porto interpôs recurso obrigatório de constitucionalidade o Ministério Público.
Alegando neste Tribunal, o Procurador-Geral Adjunto concluiu que a parte final da norma em causa ('por decisão definitiva e transitada') se deveria ter por inexistente, pelo que deveriam considerar-se excluídas da amnistia as infracções disciplinares dos trabalhadores das empresas públicas ou de capitais exclusivamente públicos puníveis ou punidas com despedimento e, caso assim se não entendesse, dever-se-ia julgar inconstitucional tal norma, na parte em que amnistia infracções sancionadas com despedimento, por violação do princípio do Estado de direito democrático.
O recorrido B., nas contra-alegações que ofereceu, entendeu que a norma em causa estava ferida de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade constante do artigo 13º da nossa Lei Fundamental, e que por isso o citado normativo legal não deveria ser aplicado ao caso vertente.
O recorrido A. não contra-alegou.
Corridos os vistos legais, passa-se a decidir.
II
1. Constitui objecto do presente recurso a alínea ii) do artigo
1º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho, com o seguinte teor:
'Desde que praticados até 25 de Abril de 1991, inclusive, são amnistiados:
ii) As infracções disciplinares cometidas por trabalhadores de empresas públicas ou de capitais públicos, salvo quando constituam ilícito penal não amnistiado pela presente lei ou hajam sido despedidos por decisão definitiva e transitada.'
A questão de constitucionalidade suscitada pelo recurso em apreço reporta-se a matéria que foi objecto de decisão deste Tribunal, em plenário, ao abrigo do disposto no artigo 79º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro (Acórdão nº 153/93, publicado no Diário da República, II Série, de 23 de Março de 1993).
Neste aresto foi apreciada a conformidade da norma em causa à luz do preceito constitucional invocado na decisão ora recorrida (artigo 13º da Constituição), tendo o Tribunal concluido, por unanimidade, que a mesma não enfermava do alegado vício de inconstitucionalidade, nem tão pouco do vício de inconstitucionalidade suscitado pelo Ministério Público nas suas alegações neste Tribunal (violação do princípio do Estado de direito democrático).
Atenta a similitude das situações em causa e o sentido e alcance do julgamento de um recurso em plenário, como decorre do disposto no citado artigo 79º-A da Lei nº 28/82, entende o Tribunal dever aplicar ao caso presente a doutrina do Acórdão nº 153/93 e, pela fundamentação dele constante para a qual ora se remete, decide não julgar inconstitucional a norma da alínea ii) do artigo 1º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho. Não obstando a que assim se proceda o facto de a empresa em causa ser, diferentemente do que sucedia no aresto para que ora se remete, uma empresa de capitais maioritariamente públicos, uma vez que as considerações quanto ao alegado fundamento de inconstitucionalidade expendidas no aludido Acórdão nº 153/93 se aplicam de igual forma às empresas públicas tal como às de capitais (exclusiva ou maioritariamente) públicos.
III
Nestes termos, decide-se:
Conceder provimento ao recurso e consequentemente determinar a revogação da decisão recorrida em conformidade com o presente julgamento de não inconstitucionalidade.
Lisboa, 25 de Maio de 1993
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Luís Nunes de Almeida